REVISTA ÉPOCA
Os movimentos palacianos nos dias que antecederam à inevitável queda do ministro do Trabalho falam por si. Lula entrou em campo decidido a enquadrar a Comissão de Ética Pública da Presidência, que recomendara a demissão de Lupi. Articulou o incrível "pedido de explicações" de Dilma à Comissão, praticamente um deboche ao trabalho da instituição. Enquanto isso, iniciou o jogo de pressões para que os integrantes da Comissão de Ética "pensassem melhor" no que haviam recomendado.
Foi uma atitude típica do ex-presidente – e de sua concepção de poder. Quando eleito para o Planalto, em entrevista sobre agências reguladoras, ele já indicava sua sensibilidade para com o livre funcionamento das instituições. Na ocasião, Lula declarou que não podia, como presidente, abrir o jornal de manhã e descobrir "que um filho da mãe" mudou um preço público. Depois, foi coerente: nos oito anos seguintes, dizimou a independência das agências reguladoras, entregando-as aos companheiros.
A sobrevivência de Lupi era fundamental para o governo. Mas a revanche contra a imprensa deu errado...
Enquanto Lula torpedeava a Comissão de Ética em defesa do companheiro Lupi, seus fiéis escudeiros tentavam legitimar a virada de mesa. José Dirceu espalhava que o ministro não cairia no grito, que isso era um atentado ao estado de direito, e que era preciso aguardar as explicações da Comissão – as de segunda mão, naturalmente, depois do corretivo de Lula.
De Caracas, Dilma Rousseff dava, no sábado, a declaração mais original já ouvida de um chefe de Estado brasileiro: "Qualquer situação referente ao Brasil vocês podem ter certeza que resolvo a partir de segunda-feira".
Nunca antes na história deste país um presidente da República se declarara de folga para assuntos referentes ao Brasil. Nesse caso, Dilma passaria o fim de semana na Venezuela tratando de situações referentes a que país? Teria sido emprestada por dois dias a Hugo Chávez, para algum tipo de consultoria não governamental?
Provavelmente não. Deve ter sido só o jeito dela de mandar a imprensa calar a boca, enquanto sua tropa tentava reanimar o cadáver do ministro Lupi.
Como se sabe, isso não foi possível. A partir de segunda-feira, quando a presidente do Brasil voltou a resolver situações referentes ao Brasil, o cargo do companheiro trabalhista já estava vago. Apesar do cerco montado por Lula, a relatora da Comissão de Ética foi logo avisando publicamente que não mudaria suas conclusões. (Espera-se que ela tenha boas alternativas de trabalho em outro ramo. E bons advogados.)
E ficou difícil adiar o Brasil para segunda-feira porque, naquele momento, emergiu mais um dado do vasto currículo de Carlos Lupi: o acúmulo de cargos na Câmara dos Deputados, em Brasília, e na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Esse excesso de malandragem acabou dificultando a mordaça na Comissão de Ética – e o ministro osso duro de roer virou pó.
Mas por que, afinal, a sobrevivência dele era ponto de honra para o governo popular?
Porque esse era o momento convencionado pelo estado-maior petista para iniciar a revanche contra "eles". E quem são "eles"? São o inimigo número um do povo: a imprensa burguesa e golpista, que insiste em se meter nos negócios privados dos companheiros dentro do poder público. Depois da queda do sexto ministro de Dilma no primeiro ano de governo, Lula anunciou o basta: dali para a frente seria "casco duro" contra o "denuncismo".
O sentido profundo do basta era evidente: ninguém pode parasitar o Estado em paz com um bando de jornalistas abelhudos mostrando isso para todo mundo.
Não deu certo porque, com imprensa livre, o cadáver moral começa a cheirar mal – e aí ninguém aguenta. Por isso é que o PT acaba de realizar mais um seminário sobre a "democratização dos meios de comunicação" (mordaça). É o único jeito de acabar com essa invasão de privacidade no Ministério de Dilma.