terça-feira, dezembro 13, 2011
Homofobia não é crime - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 13/12/11
É perfeitamente legítimo que um heterossexual não goste de homossexuais, como é legítimo o inverso
É um erro comum: alguém escreve sobre o julgamento de Oscar Wilde em 1895 e o apresenta como o momento infame em que a sociedade vitoriana resolveu reprimir "o amor que não ousa dizer seu nome".
Admito que essa versão faça as delícias das patrulhas, para quem Wilde virou mártir, ou santo. Mas, ironicamente, a perdição de Wilde não começou com a intolerância da sociedade vitoriana.
Começou quando o próprio decidiu limpar o seu nome das acusações "homofóbicas" do marquês de Queensberry, pai do seu amante Lord Alfred "Bosie" Douglas.
Se Wilde tivesse ignorado um mero cartão pessoal do marquês, onde este tratava o escritor por "sodomita", jamais teria ido parar na prisão de Reading Gaol.
Mas Wilde, em gesto inusitado para seu temperamento irônico, não gostou que se dirigissem a ele como homossexual. Partiu para a Justiça, processando o marquês.
Foi no decurso do julgamento que o jogo virou e Wilde, de alegada vítima, passou a réu. Sobretudo quando a defesa do marquês resolveu arrolar como testemunhas alguns rapazes que tinham sido, digamos, íntimos de Wilde.
A Justiça não gostou e condenou o escritor. Não porque ele era homossexual, entenda-se -a "buggery", mais do que um desporto, era até uma forma de iniciação entre "gentlemen" nos colégios de Eton ou na Universidade Oxford. Mas porque agitara as águas de forma demasiado ruidosa numa sociedade que gostava de manter os seus vícios em privado.
Hoje, a condenação de Wilde pode parecer-nos de uma hipocrisia sem limites. Não nego. Mas existe uma outra moral na história: valerá a pena criminalizar a homofobia, como Wilde tentou fazer ignorando os conselhos dos seus amigos próximos, quando se despertam no processo outros abusos inesperados?
Marta Suplicy entende que sim e, em artigo nesta Folha, defende lei para criminalizar o "delito".
Infelizmente, a sra. Suplicy confunde tudo na discussão do seu projeto: homofobia; crime homofóbico e medicalização da homossexualidade. Como diria um contemporâneo de Wilde, Jack, o Estripador, vamos por partes.
Começando pelo fim, ninguém de bom senso defende que a homossexualidade é uma doença mental. Não é preciso consultar a Organização Mundial da Saúde para o efeito. Basta olhar para a história da espécie humana -e, mais ainda, para a diversidade do mundo natural- para concluir que, se a homossexualidade é loucura, então boa parte da criação deveria estar no manicômio.
De igual forma, ninguém de bom senso negará que persistem crimes medonhos contra homossexuais, seja no Brasil ou na Europa, porque os agressores, normalmente homossexuais reprimidos, não gostam de se ver no espelho.
O problema está em saber distinguir o momento em que uma aversão se converte em crime público. Porque a mera aversão não constitui, por si só, um crime.
Por mais que isso ofenda o espírito civilizado de Marta Suplicy, é perfeitamente legítimo que um heterossexual não goste de homossexuais. Como é perfeitamente legítimo o seu inverso.
Vou mais longe: no vasto mundo da estupidez humana, é perfeitamente legítimo não gostar de brancos; de negros; de asiáticos; de portugueses; de brasileiros; de judeus; de cristãos; de muçulmanos; de ateus; de gordos ou de magros. A diferença entre um adulto e uma criança é que o adulto entende que o mundo não tem necessariamente de gostar dele.
O que não é legítimo é transformar uma aversão em instrumento de discriminação ou violência. Não porque isso seja um crime homofóbico. Mas porque isso é simplesmente um crime.
E os crimes não têm sexo, nem cor, nem religião. Se Suplicy olhar para a estátua da Justiça, entenderá que os olhos da figura estão vendados por uma boa razão.
Pretender criminalizar a homofobia porque não se gosta de ideias homofóbicas é querer limpar o lixo que há na cabeça dos seres humanos. Essa ambição é compreensível em regimes autoritários, que faziam da lavagem cerebral um método de uniformização. Não deveria ser levado a sério por um Estado democrático.
Artigo muito bom. Todos são passíveis de críticas. Ninguém é obrigado a gostar do que eu gosto ou aceitar o que aceito. Ninguém deve ser obrigado a concordar com minha opinião. Isso é maturidade. Isso é democracia. Isso é liberdade. Parabéns, João Coutinho!
ResponderExcluiracho engraçado q vc diz q a carta tratava o autor por 'sodomita' e depois diz q ele não gostou q se dirigissem a ele como homossexual.
ResponderExcluircomo nesse caso as palavras têm ainda mais poder, 'definições', achei falacioso.
tudo q partiu depois disso morreu antes de nascer.
João Pereira Coutinho raciocina (sic) que " é perfeitamente legítimo que um heterossexual não goste de homossexuais. Como é perfeitamente legítimo o seu inverso.". Não posso deixar de pensar que racistas pensem de forma semelhante. Oras, porque não posso odiar negros? Porque não posso odiar mulheres? Porque não posso odiar índios? Do ódio para a ação, para a violência e o assassinato não resta sequer um passo. Se pretender criminalizar a homofobia é errado, porque não gostar "deles" é aceitável, então vamos logo legalizar o Partido Nazista e importar a Klu Klux Klan, afinal, ter ódio é legítimo e somos todos "adultos" para entender a diferença entre odiar e agir baseados pelo ódio... Não?
ResponderExcluirhttp://www.tsavkko.com.br/2011/12/homofobia-nao-e-crime-apenas-para-os.html
O artigo publicado pela Folha é bem escrito e, convenhamos, quase convincente. Mérito inquestionável que texto assim gere discussões e traga para a superfície questões tão importantes. O debate é o caminho? Talvez... Melhor que porrada! Também é quaaase sustentável a vinculação de Oscar Wilde, que a essa altura deve estar se debatendo no túmulo pela apropriação infeliz do artigo para a construção de um raciocínio que escorrega, feio, ao negar, sobretudo, a realidade da experiência da condição de homossexual. Há algo de inquestionável nisso tudo: o debate sobre a discriminação em razão da orientação sexual vai muito além da defesa do respeito à honra e à dignidade. É também um debate sobre o direito à liberdade dos homossexuais de expressarem seu afeto em locais públicos sem serem importunados, ameaçados, agredidos ou mesmo mortos. A lei como mecanismo para acionar a intervenção do Estado neste tipo de intolerância é a única forma que uma sociedade não evoluída possui como recurso para assegurar a proteção de seus indivíduos, sobretudo a física. Fosse diferente, não precisaríamos de leis como a número 11.340, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Conhecida como Lei Maria da Penha, entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006 e, um dia depois, levou o primeiro agressor para a cadeia, depois de uma tentativa de estrangular a ex-exposa. Há diversos agressores a homossexuais impunes e isso é um desrespeito a todos que desejam viver em um sociedade mais justa e de direitos.
ResponderExcluirSe o senhor afirma que ninguém é obrigado a gostar de alguma minoria,o senhor também deve ser contra as leis que punem danos morais e a lei n.º 7.714/1989 que protege as pessoas contra insultos racistas,não é?
ResponderExcluirO senhor acha que discursos que tem como motivo apenas rebaixar outros seres humanos a patamares inferiores, insultos que não apresentam nenhum componente construtivista para o bem estar civico,devem ser liberados em nome da "democracia"?
Homofobia eh crime sim !
ResponderExcluirNão entenderam o ponto. Todos falaram de ATOS de violência. Creio que o JPC fala do sentimento de aversão. Seja como for, a meu ver, o que se tem de levar em conta é que uma lei dessas tem tudo para descambar pro autoritarismo. É a ausência de critérios.
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