terça-feira, dezembro 13, 2011

Tratamento na marra - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 13/12/11

SÃO PAULO - É pena que o plano anticrack do governo, que acerta em vários pontos, como a criação de mais leitos para dependentes químicos (um dos gargalos do SUS) e a ampliação dos "consultórios de rua", retroceda 40 anos ao incentivar internações involuntárias.

Se a ideia, como defendeu o ministro da Saúde, é utilizar o instrumento apenas em situações nas quais há risco de vida imediato para o dependente, a figura jurídica da internação involuntária, prevista na lei n° 10.216/01, é desnecessária.

Basta encaminhar o paciente em emergência relacionada a drogas -que, em geral, está inconsciente- para o hospital e, dois ou três dias depois, quando estiver estabilizado e já não houver perigo iminente, oferecer-lhe a oportunidade de tratamento psiquiátrico. Se ele quiser, submete-se a uma internação voluntária e, se não quiser, volta para casa ou para as ruas, como é mais comum.

É claro que essa não é uma solução perfeita, pois uma das características da compulsão por drogas é não querer afastar-se delas. É até verossímil que exista um grupo de dependentes que, do ponto de vista sanitário, poderia beneficiar-se de tratamento a contragosto. O problema é que há mais coisas envolvidas aqui do que a saúde deste ou daquele paciente.

Em termos institucionais, incentivar o uso de internações involuntárias é perigoso. Trata-se, afinal, do equivalente jurídico de um artefato nuclear, uma ferramenta que permite a um médico qualquer decidir que alguém precisa de tratamento e assim privá-lo de sua liberdade indefinidamente e sem direito a contraditório. Os controles externos são poucos e fracos e, se o sujeito não tem família, não haverá quem represente seus interesses contra o médico.

Seria interessante testar a constitucionalidade da 10.216/01. Ela talvez não passasse incólume pelo STF. Nos EUA, nos anos 1970, várias decisões judiciais limitaram bastante as possibilidades de internação forçada.

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