segunda-feira, outubro 24, 2011

GEORGE VIDOR - Torcida contra


Torcida contra
GEORGE VIDOR 
O GLOBO - 24/10/11

O corte de meio ponto percentual nas taxas básicas de juros ajudou a esfriar a crítica em relação à atual diretoria do Banco Central. Publicamente, a crítica passou a ser mais comedida, depois de enveredar por um caminho deselegante de desqualificar a argumentação usada pelo BC para respaldar suas decisões. Chegou-se a falar que o Copom cortaria os juros em 1 ponto...
É bem provável que em 2012 a economia brasileira seja mais puxada por investimentos do que pelo consumo. Como o consumo responde por cerca de 80% da procura por bens e serviços, mesmo um crescimento mais moderado desse segmento (tratando-se das famílias, especialmente, que participam com 60%) contribui para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) como um todo. Os investimentos devem continuar acelerados, porém, contribuindo com 20% da demanda, não fazem o PIB variar muito no curto prazo. No entanto, os investimentos é que impulsionam os bons empregos, o que, por sua vez, melhora os padrões de consumo.
Por motivos ainda não totalmente claros, quando a taxa básica anual passa de 12% esse processo começa a ser abortado. Por isso, não dá mais para segurar os juros acima desse patamar.
Até dezembro, o porto de Suape contará com três estaleiros. O EAS, já em funcionamento (e com obras de expansão), o vizinho Promar, também em andamento, e um terceiro que está com obras programadas para o fim do ano. Um quarto estaleiro, italiano, de pequeno porte, está em fase final de negociações com o governo de Pernambuco. Existem mais seis na lista, diz Silvio Leimig, diretor do projeto Suape Global.
Com isso, Pernambuco deve se firmar como um dos três grandes polos de construção naval do país (os outros dois ficam no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul).
Semana passada visitei a região de Suape. Há tantos canteiros de obras que ouso escrever que aquilo se parece hoje com uma pequena China. Cerca de 60 mil pessoas estão trabalhando no complexo industrial de Suape, sendo 30 mil nas obras da Refinaria Abreu e Lima e dez mil na implantação da Petroquímica Suape, ambas da Petrobras.
Meu anfitrião, Marcelino Guedes (que preside a refinaria nessa fase de obras), tinha razão ao dizer que só indo lá para se perceber a dimensão do projeto (uma imagem vale por mil palavras...). E como se trata de uma região ainda muito carente de infraestrutura, a Petrobras tem financiado a duplicação e asfaltamento de estradas de acesso, pontes e viadutos. Pelo lado social, financia escolas profissionalizantes e de ensino fundamental. E até um estádio poliesportivo em Ipojuca.
Como uma "pequena China", a efervescência dos canteiros de obras contrasta com o passivo social local. A pobreza endêmica da região, que antes dependia apenas da cana-de-açúcar (e um pouco do turismo, de Porto de Galinhas), é ainda terreno fértil para movimentos de ocupação de terras. Só que agora não mais de propriedades rurais, mas sim de terrenos urbanos, colados à sede do município, de preferência no trajeto dos turistas que se dirigem a Porto de Galinhas. Com esse volume de investimento na região, gerando milhares de empregos, fica difícil distinguir o oportunismo das reivindicações legítimas.
O porto de Suape é a âncora desses novos investimentos, que contam com incentivos fiscais federais (o abatimento no Imposto de Renda pode chegar a 80%) e estaduais. Mas isso já transbordou para o eixo que liga a região à capital, Recife. Impressiona ao visitante a quantidade de grandes áreas, ao longo da estrada (nos municípios de Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho e Jaboatão dos Guararapes), em fase de terraplenagem. Há muitas obras de infraestrutura urbana também nessas cidades, embora caminhando mais devagar, o que é causa de engarrafamentos mesmo fora dos horários de pico.
Com a chegada da fábrica da Fiat ao município de Goiana, a expectativa é que essa movimentação se transfira em parte para os municípios do litoral norte pernambucano. Quanto à Refinaria Abreu e Lima propriamente dita, a obra atingirá seu pico em meados do ano que vem. São doze grandes contratos envolvendo as maiores empreiteiras do país, além de grandes fabricantes de equipamentos. Em 2013 a refinaria começará a funcionar, respondendo por 20% de todo o óleo diesel produzido no Brasil.
Como compensação financeira pelo impacto negativo da atividade de mineração (e o petróleo é um mineral em estado líquido), os royalties e as participações especiais perderam o sentido com a mudança de critérios aprovada semana passada no Senado. Viraram um imposto como qualquer outro. Sem a receita de royalties, os municípios que servem de base de apoio à indústria do petróleo acabarão pressionando as companhias do setor a investirem, elas mesmos, em infraestrutura local. Indiretamente, a mudança criou mais uma fonte de preocupação para os investidores, especialmente para os que estão chegando, pois confirma-se a tese de que no Brasil até o passado pode ser incerto.
O professor Felicíssimo Cardoso Neto - nos conhecemos no Colégio Pedro II, ele concluindo o clássico e eu ainda no ginásio - é craque em custos. Ensinou economistas, administradores e contadores a se preocupar com isso, em suas aulas na Fundação Getulio Vargas e na Universidade Candido Mendes. O professor (primo em segundo grau do presidente Fernando Henrique) aceitou o desafio de transpor esse conhecimento para o dia a dia das pessoas, publicando um livro com artigos curtos e conselhos práticos. Um dos subtítulos do livro: "Como guardar dinheiro sem ser pão-duro". A editora é a Universo dos Livros. Felicíssimo foi educado para seguir a carreira militar, como seu avô general e o pai. Mas em 1964 esses planos tiveram de ser mudados porque a família era adversária do regime militar. O exército perdeu um bom oficial em potencial, e a contabilidade é que saiu ganhando.

RICARDO SEMLER - Mais aula não resolve


 Mais aula não resolve
RICARDO SEMLER 
FOLHA DE SP - 24/10/11

Com a abolição gradual do sistema conteudista, pensar hoje em aumentar as horas de aula é quase criminoso

Está todo o mundo tonto. Esse negócio de educação deficiente deu pano para todas as mangas. No redemoinho dos perdidos, o simplismo é "afundante".
O Pisa e testes que tais -que não parecem com o Enem, em vários sentidos, superior a eles- passaram a ser o padrão-ouro para se medir a escola. Aqui e mundo afora.
Falei por algum tempo com o ministro da Educação da Dinamarca, no ano passado, e fiquei perplexo ao descobrir que a sua meta era subir no ranking do Pisa. Não bastava ter obtido um dos melhores resultados do mundo -ele era cobrado pela sociedade dinamarquesa para melhorar a posição na listagem.
O Brasil, há poucos anos, passou a se medir assim também. Como consequência, todos perguntam como fazer para subir no ranking (estamos na 53ª posição). Ora, descobrindo o que fazem as melhores escolas do mundo serem um sucesso.
Viramos súditos das respostas simplórias. Todos fazem estudos que demonstram que professores melhores e mais tempo em sala de aula dão resultado melhor. Como a questão de professores melhores é subjetiva, de uma "ululância" vexante, e que leva tempo (uma ou duas décadas) para se consertar, parte-se para o segundo item.
Assim, começa a grita pela escola integral e por mais tempo na sala de aula. Como se torturar a meninada com mais horas monótonas e mal pensadas fosse resultar em aprendizado duradouro. Que bobagem!
Isso não passa de um clichê, que serve para dar aos pais e aos políticos a sensação, idealizada, de que algo está sendo feito. O custo é altíssimo, e esse percentual a mais de PIB que iria custear um aumento de jornada deveria ser usado na reforma curricular.

Gilberto Dimenstein falou de uma escola na Califórnia, a Summit, que concede aos alunos dois meses, além das férias, para que escapem do tal do currículo. Com isso, essa escola pública é muito superior -em notas- às daquelas que aumentaram suas jornadas. Claro.

No mundo que está por vir, com currículos baseados na web e abolição gradual do sistema conteudista, acrescentar horas de aula é quase um ato criminoso.

Essa dinheirama precisa ser redirecionada a fim de preparar as escolas para a revolução digital. Que, aliás, permitirá aos alunos surfarem questões em casa, em vez de acorrentá-los às carteiras.
Todo esforço tem de ser no sentido de alforriar a meninada, em lugar de achar maneiras de aumentar o "Febem-ismo". Com que mais tempo em sala, mais decoreba e mais tortura, nosso pequenos "guantanamistas" aparentarão melhorar.

Mas terão apenas se rendido, catatonicamente -como fazem os coreanos que se suicidam depois- à pobre conclusão dos que "pensam" o ramo: "se está ruim assim, vamos dobrar o mal e ver se melhora". Quanta preguiça macunaímica!

A vingança contra os corruptos - REVISTA VEJA


A vingança contra os corruptos 
REVISTA VEJA

Brasileiros começam a se indignar com a corrupção, mal que consome por ano o dinheiro que seria suficiente para acabar com a miséria no país.

Otávio Cabral e Laura Diniz

A máscara branca com bigode e cavanhaque negros de Guy Fawkes, usada pelo justiceiro solitário do filme V de Vingança. tornou-se o símbolo dos manifestantes que ocupam as praças das principais cidades do mundo em protestos contra a crise econômica. No Brasil, onde a situação da economia ainda não guarda semelhança com a turbulência dos países ricos, a mesma máscara passou a decorar as manifestações contra a corrupção. Em sua indignação contra o regime totalitário que domina a Inglaterra em 2020, o mascarado V manda pelos ares o Parlamento. Por aqui, em um regime democrático, ninguém com juízo pode defender a explosão das instituições. Mas motivos para se indignar e sair às ruas a exigir a reforma da política e dos políticos não faltam. Os brasileiros são expostos quase todos os dias pela imprensa - e, em especial, por esta revista - a reportagens que revelam vergonhosas práticas de corrupção em todos os níveis de governo. Como se diz no interior do Brasil, em matéria de encontrar malfeitos no universo oficial, é "cada enxadada, uma minhoca". Cada um desses casos escandalosos provoca um surto de indignação nos homens de bem - mas, como logo aparecem novas denúncias, as pessoas honestas são levadas a redirecionar a indignação para outro alvo e. ao fim e ao cabo, todos se sentem perdidos e desamparados. VEJA se propõe, nesta reportagem, a examinar o fenômeno da corrupção em sua completude, analisando especialmente os malefícios que o roubo constante do nosso dinheiro provoca em cada um de nós.

A conclusão a que se chega é de uma amarga simplicidade: a cada ano, a corrupção rouba dos cofres públicos brasileiros a exorbitante quantia de 85 bilhões de reais. Esse montante seria suficiente para resolver os principais problemas do país e acelerar seu desenvolvimento. Mas o que se vê como uma triste rotina são políticos desonestos embolsando esse dinheiro para o enriquecimento pessoal e o financiamento de campanhas de seus partidos.

A indignação com a corrupção ganhou força nos últimos meses, com a demissão pela presidente Dilma Rousseff de quatro ministros envolvidos em irregularidades. O último pilhado foi Orlando Silva, do Esporte . A atitude firme da presidente ajudou a despenar a população para o descalabro do desvio em massa do dinheiro do povo. Agora é preciso dar urgentemente o passo seguinte, que é estancar a sangria da riqueza nacional - pois os atuais mecanismos de prevenção e punição da corrupção não estão funcionando.

Nos últimos dez anos, segundo estimativas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), foram desviados dos cofres brasileiros 720 bilhões de reais. No mesmo período, a Controladoria-Geral da União fez auditorias em 15000 contratos da União com estados, municípios e ONGs, tendo encontrado irregularidades em 80% deles. Nesses contratos. a CGU flagrou desvios de 7 bilhões de reais - ou seja, a cada 100 reais roubados apenas 1 é descoberto. Desses 7 bilhões de reais, o governo conseguiu recuperar pouco mais de 500 milhões de reais. O que equivale a 7 centavos revistos para cada 100 reais roubados. Uma pedra de gelo na ponta de um iceberg. Com o dinheiro que escoa a cada ano para a corrupção, que corresponde a 2,3% de todas as riquezas produzidas no país, seria possível erradicar a miséria, elevar a renda per capita em 443 reais e reduzir a taxa de juros "O custo elevado da corrupção no Brasil prejudica o aumento da renda, o crescimento do país, compromete a possibilidade de oferecer à população melhor qualidade de vida e às empresas um ambiente de negócios mais estável", analisa José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente-da Fiesp.

A corrupção é uma praga que contamina todas as instâncias - e não apenas o governo federal. Há desde pequenos delitos, como a propina de 50 reais exigida por um guarda para liberar um motorista bêbado do teste do bafômetro, até desvios que envolvem estruturas complexas, como foi verificado recentemente no Ministério dos Transportes. Os esquemas mais visíveis estão no governo federal, responsável por 51 % de toda a verba pública. Mas governadores e prefeitos também costumam embolsar dinheiro oficial. Em 2010, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), saiu do palácio para a cadeia. No mesmo ano, em Dourados, em Mato Grosso do Sul, o prefeito, a primeira-dama, o vice, nove vereadores e cinco secretários foram presos em um golpe que desviou mais de 10% do orçamento da prefeitura. A cidade, sem poder legítimo, passou a ser comandada por um juiz. Há um pomo em comum nesses esquemas: o prejuízo ao cidadão, que paga seus impostos e recebe um serviço inadequado.

As principais causas da corrupção são velhas conhecidas: instituições frágeis, hipertrofia do estado, burocracia e impunidade. O governo federal emprega 90000 pessoas em cargos de confiança. Nos Estados Unidos, há 9051. Na Grã-Bretanha, cerca de 300. "Isso faz com que os servidores trabalhem para partidos, e não para o povo, prejudicando severamente a eficiência do estado", diz Claudio Weber Abramo, diretor da Transparência Brasil.

Há no Brasil 120 milhões de pessoas vivendo exclusivamente de vencimentos recebidos da União, estados ou municípios. A legislação tributária mais injusta e confusa do mundo é o fertilizante que faz brotar uma rede de corruptos em órgãos como a Receita Federal e o INSS. A impunidade reina nos crimes contra a administração pública. Uma análise de processos por corrupção feita pela CGU mostrou que a probabilidade de um funcionário corrupto ser condenado é de menos de 5%. A possibilidade de cumprir pena de prisão é quase zero. A máquina burocrática cresce mais do que o PIB, asfixiando a livre-iniciativa. A corrupção se disfarça de desperdício e se reproduz nos labirintos da burocracia e nas insondáveis trilhas da selva tributária brasileira. Por essa razão, a vitória contra a corrupção passa também pela racionalização tributária, pela simplificação do estado cartorial brasileiro e pela diminuição do estado, que consome 40% da riqueza nacional e não devolve em serviços um décimo disso. Os brasileiros começam a acordar para essa realidade e a reagir a ela nas ruas. O episódio mais emblemático foi a coleta de 1,6 milhão de assinaturas que deu origem à Lei da Ficha Limpa. Agora, as pessoas começam a marchar contra a corrupção.

"As pessoas que hoje compõem a classe C ficaram mais conservadoras e mais zelosas com o que acabaram de alcançar. Esse é um fenômeno social comum sempre que uma parcela da população ascende socialmente", explica o cientista político David Fleischer. Segundo ele, a nova classe média abomina a corrupção e exige que o governo lhe ofereça melhores serviços de saúde, oportunidades de educação e mais segurança pública. "A corrupção é inerente a sociedades humanas. Arquivos descobertos em um centro administrativo da Assíria, em 1400 a.C., faziam referência a servidores civis cobrando propinas, com envolvimento dos líderes", diz Bryan Evans, pesquisador da organização inglesa de políticas públicas Tearfund. Talvez seja utópico esperar que a corrupção acabe, mas, como todas as pragas, ela" pode ser mantida em um nível mínimo. Lutar contra ela vale a pena.

No pódio da gastança

Depois de uma semana de competições com baixo nível técnico, a delegação brasileira ocupa o segundo lugar no quadro de medalhas dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, no México. Já no ranking de gastos infundados de dinheiro público, o Brasil subiu com folga no degrau mais alto do pódio. Mesmo realizados quatro anos depois - o que provoca um aumento natural nos custos, devido à inflação -, os Jogos deste ano custaram 2,3 bilhões de reais, quase a metade do que foi gasto no Rio de Janeiro em 2007. Além de mais barata, a competição em Guadalajara foi financiada pelo dinheiro privado. O governo mexicano arcou com apenas 521 milhões de reais (23% do total). Um dos principais palcos da competição, o estádio Omnilife, foi erguido com recursos do empresário Jorge Vergara, dono do time Chivas Guadalajara. No Brasil, em 2007, o custo da competição ficou em 4 bilhões de reais - dez vezes a previsão inicial e doze vezes a média das quatro edições anteriores. "O que aconteceu aqui foi uma mistura de falta de planejamento, incompetência administrativa e uma enormidade de gastos superfarurados", diz o procurador Marinus Marsico, do Tribunal de Contas da União

Não há outra resposta para explicar tamanha discrepância de gastos a não ser a corrupção. Um dos maiores símbolos das despesas desmedidas nos Jogos do Rio foi o Estádio João Havelange, o Engenhão. Inicialmente orçada em 166 milhões de reais, a obra acabou saindo por 400 milhões de reais, após vinte aditivos no contrato e a contratação de várias empresas sem licitação. "Apesar de o Engenhão ser um dos únicos equipamentos esportivos que não ficaram subutilizados depois da competição, o investimento feito nele não se paga. O Pan não trouxe nenhum legado para o Rio de Janeiro", analisa Amir Somoggi, especialista em gestão e marketing esportivo.

O Comitê Olímpico Internacional está preocupado com a possibilidade de ocorrer na Olimpíada de 2016, também no Rio, uma gastança semelhante à do Pan de 2007. Dirigentes do Comitê Olímpico Brasileiro receberam um aviso de que, se for para gastar uma montanha de dinheiro público e deixar os ginásios subutilizados, é melhor nem tirá-los do papel. Mesmo assim, o Engenhão passará por uma milionária reforma, que custará mais de 100 milhões de reais. A experiência de Guadalajara, apesar das diversas falhas na organização (no pentatlo, por exemplo, os atletas tiveram de enfrentar a piscina gelada), prova que é possível realizar um megaevento sem onerar demasiadamente os cofres públicos. "A diferença é que nos planejamos desde 2005 e não deixamos para executar as obras na última hora", diz o mexicano Jesús Brisefío, subdiretor do Comitê Organizador do Pan de Guadalajara. Simples assim.

VINICIUS MOTA - Vingança na carne


 Vingança na carne
VINICIUS MOTA 
FOLHA DE SP - 24/10/11

SÃO PAULO - Multidões fizeram fila para ver o cadáver esbugalhado do ditador Gaddafi, disposto numa câmara frigorífica na cidade de Misrata. A exposição dos seus despojos começou assim que foi morto, após a ajuda crucial da aviação de Nicolas Sarkozy -esse Napoleão em versão "pocket".
As imagens da Líbia lembraram o destino dos corpos de Mussolini, pendurado e humilhado numa praça de Milão, e de Ceausescu, fuzilado na Romênia. Evocaram os métodos punitivos utilizados pelos mais sádicos tiranos no exercício do poder.
Cadáveres de inimigos apodrecendo em público, alamedas de crucificados ou de cabeças na ponta de estacas a demonstrar a força impiedosa do império. Restos de rivais alimentando crocodilos no zoo do déspota.
O grego Heródoto, do 5º século antes de Cristo, narra a vingança de Astíages, rei dos medos, contra Harpago, seu general que descumpriu a ordem de matar o recém-nascido Ciro -o qual mais tarde fundaria o império persa. Astíages convidou o traidor para um banquete onde serviu carne do próprio filho de Harpago.
Ao enfatizar a brutalidade dos costumes asiáticos, Heródoto demarcava a distância para os cultivados gregos. Seu contemporâneo Sófocles, dramaturgo, trouxe o debate para dentro de casa. Em "Antígona", a protagonista desafia a ordem do rei de Tebas, Creonte, que proíbe o sepultamento de Polínices, irmão de Antígona acusado de traição.
O respeito à incolumidade dos corpos, dos vivos e dos mortos, é marca antiga e fundamental da civilização. É uma das primeiras fronteiras a serem cruzadas pelos tiranos em todos os tempos.
Um caminho sem volta para esses celerados, como se vê nos epílogos sangrentos de autocratas que caem nas mãos de inimigos ou dos povos que oprimiram. Hitler, consciente disso, com os russos à porta, matou-se e ordenou que queimassem o seu cadáver.

MELCHIADES FILHO - Na prorrogação


Na prorrogação
MELCHIADES FILHO
FOLHA DE SP - 24/10/11 

BRASÍLIA - São remotas as chances de o ministro Orlando Silva sobreviver à saraivada de denúncias de desvio de dinheiro público para o caixa de seu partido, o PC do B.

O eventual envolvimento direto no esquema fraudulento ainda carece de prova -e sobre o acusador pesam, é fato, máculas sérias. Mas já existem elementos suficientes para caracterizar, no mínimo, a leniência diante da quadrilha que tungou milhões em verbas de programas sociais do Ministério do Esporte.
Mais: os criminosos são ligados ao PC do B, tiveram ajuda de assessores diretos de Orlando e aceleravam a pilhagem em anos eleitorais.

Seria difícil para Dilma carregar um ministro assim enfraquecido até a Copa de 2014, um projeto já questionado o bastante. Significaria entregar munição de bandeja aos adversários -e num campo pelo qual todo brasileiro se interessa.

Tampouco parece provável que a presidente desista da "faxina", que rendeu tantos elogios, para poupar um auxiliar herdado de Lula a contragosto e uma sigla que ela julga sobrerrepresentada no governo.
Se Dilma contrariou expectativas e não liquidou o assunto na semana passada, foi essencialmente para assegurar ao PC do B um tempo para montar sua rota de fuga.

Há gratidão em jogo. A legenda foi a única que sempre acompanhou Lula nas eleições, além de tê-lo defendido quando explodiu o mensalão -e o PT entrou em parafuso.

E há receio do efeito bola de neve. Se rifado rápido, o PC do B poderia sair atirando -o governador petista Agnelo Queiroz (DF), antecessor de Orlando e também alvo do inquérito, seria apenas a primeira vítima.
Tudo somado, melhor para o Planalto "administrar o noticiário" por algum período, deixando o PC do B bater nos denunciantes (e nos interesses privados por trás das denúncias) até os comunistas concluírem que segurar Orlando custará mais do que o acordo para substituí-lo.

RUY CASTRO - Nelson na avenida


Nelson na avenida
RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 24/10/11 

RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues tinha seis anos e meio no Carnaval de 1919, quando viu a primeira mulher nua, ou quase, de sua vida. Era uma odalisca de umbigo de fora, que, de um carro aberto num corso, jogava beijos para as calçadas. Nelson a conhecia. Era sua vizinha, uma santa senhora. Até então, só a vira de cara amarrada e vestido fechado.

Mas, naquele Carnaval -o primeiro depois da gripe espanhola, que matara milhares no Rio-, ela soltava literalmente os véus.

Ele nunca superou essa visão.

Aliás, Nelson nunca se habituou à nudez, que, para ele, tinha algo de sagrado. Por isso lamentava que o cinema, o teatro, a TV, o Carnaval, a praia etc. a estivessem vulgarizando. Seu termômetro era o "crioulo do Grapette", o vendedor que, junto à sua carrocinha na calçada, olhava distraído a paisagem, ignorando as deusas douradas, molhadas, de biquíni, que saíam do mar para comprar o refrigerante.

Nelson será enredo de uma escola do Carnaval carioca de 2012, a Viradouro, de Niterói. Já há algum tempo, as escolas do Rio abandonaram a nudez pela nudez e contiveram a metragem de pele exposta a limites que até Nelson aprovaria. Em troca, a ideia que a escola talvez faça dele -a de um imoralista, baseada em personagens como a Bonitinha, mas Ordinária ou a Dama do Lotação- não poderia ser mais equivocada.

Não importa muito. Se os intelectuais passaram o século sem entender Nelson direito, por que uma escola de samba deveria deitar cátedra sobre ele na avenida?

O mais importante estará lá: Nelson como um baluarte da liberdade de expressão, da luta contra a censura e da identificação com o futebol, o subúrbio e a gíria do povo. A Viradouro deve brilhar, mas, para fazer justiça ao universo de Nelson Rodrigues -seus tipos, frases e obsessões-, uma escola é pouco.
Seria preciso um Carnaval inteiro.

AÉCIO NEVES - Bens coletivos


 Bens coletivos 
AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 24/10/11

A reflexão sobre a utilização dos recursos naturais do planeta traz em si a gênese de grandes questões contemporâneas: a qualidade da gestão pública, o imperativo da inovação e a necessidade de uma nova ética capaz de responder aos desafios colocados para toda a humanidade.

Nada menos que 55% dos nossos 5.565 municípios poderão ter deficit de abastecimento de água já em 2015, entre eles grandes cidades brasileiras. Os números constam de um trabalho da ANA (Agência Nacional de Águas) e demonstram que esse percentual representa 71% da população urbana, 125 milhões de pessoas, já considerado o aumento demográfico.

É uma projeção surpreendente. Num cenário de escassez mundial, o desperdício da água retirada no país chega a 40%, mesmo percentual de perda nos sistemas de distribuição urbana, sendo que em algumas cidades, segundo dados da ANA, esse patamar chega a 80% da água distribuída.

Esses dados tornam-se ainda mais graves em face dos desafios coletivos globais. Na aritmética civilizatória, que cresce em proporção e velocidade alucinantes, a realidade é dramática. Dos 7 bilhões de pessoas que praticamente somos hoje, 4 bilhões estão aprisionadas em bolsões de pobreza, grande parte com acesso restrito a serviços públicos básicos. Segundo a ONU, mais de 1 bilhão de pessoas vivem sem acesso à água potável.

O dado de acesso à água é concreto, mas também simbólico e só pode ser compreendido dentro de um contexto de desafios maiores. Para que 4 bilhões de pessoas possam, de fato, emergir para um novo patamar de vida, teríamos que multiplicar por muitas vezes a produção econômica mundial.

As contradições do nosso tempo são gritantes: se todos os 7 bilhões tivessem o mesmo padrão de consumo das populações mais ricas, seriam necessários pelo menos três planetas para nos sustentar!

Nesta equação da sustentabilidade, inovação é a palavra-chave. Não apenas na gestão das políticas públicas e na busca por novos modelos de manejo de bens naturais coletivos. Não apenas dos padrões de produção e consumo. É inadiá-vel uma revisão dos padrões éticos que regem hoje a humanidade. É preciso que partilhemos de forma consciente a responsabilidade uns pelos outros, garantindo o respeito pelas pessoas, independentemente do local em que vivam.

De alguma forma, já tateamos novos caminhos, como os que pontuam a economia criativa, os princípios do comércio justo e as alavancas do microcrédito, capazes de criar uma nova lógica onde antes tudo parecia impermeável.

Cada vez mais sustentabilidade e solidariedade precisarão caminhar juntas. A cooperação não deve ser só escolha pela sobrevivência, mas opção pela dignidade humana.

EUGÊNIO BUCCI - Por que roubam os comunistas?


Por que roubam os comunistas?
EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA 

Em 1989, aos 26 anos, o cineasta Steven Soderbergh ficou famoso com Sexo, mentiras e videotape. Duas décadas depois, lançou Che, um épico dividido em duas partes, ou dois filmes em sequência: no primeiro, Che Guevara vira guerrilheiro em Cuba; no segundo, ele vai para a Bolívia instalar um foco revolucionário. No primeiro, Che sai consagrado, aos 30 anos. Do segundo, saiu morto, carregado por um helicóptero.

A cena final do primeiro filme é inesquecível. Pode ser vista como um trailer do pesadelo ético que a esquerda viveria na América Latina a partir de então. O protagonista Che Guevara (Benicio del Toro) vai pela estrada, dentro de um jipe sem capota, na direção de Havana. É janeiro de 1959. O ditador Fulgencio Batista fugiu. Fidel Castro venceu. De repente, passa pelo jipe um vistoso conversível, dirigido por um dos comandados de Che. No automóvel, moços e moças festejam, cabelos ao vento. Che ordena que parem. “Que carro é este?”, pergunta ao motorista. “Era de um francoatirador”, diz ele. O comandante se enfurece. Manda que seu subordinado volte, devolva o carro e só depois vá para Havana, a pé, se for preciso.

A mensagem do líder era simples e direta: a revolução não era um movimento de ladrões.

Na biografia que John Lee Anderson escreveu sobre Guevara, há uma passagem parecida. De novo, estamos às voltas com automóveis. Agora, Che é ministro das Indústrias, no regime comunista de Havana. Certo dia, seu vice-ministro, Orlando Borrego, aparece na repartição com um Jaguar esporte, novinho, que encontrara numa fábrica. O chefe o interpela aos palavrões e o obriga a devolver o carro. Borrego passaria os 12 anos seguintes dirigindo um Chevy mais simples, sem opcionais. Outra vez, a mesma mensagem: a revolução não admite ladrões.

Acontece que a História (com “H” maiúsculo, como alguns preferem) não é heroica. Ela é uma piadista. Quando morreu pelas armas dos militares bolivianos, Che estava magro e doente. E os ladrões proliferaram nas fileiras de esquerda. Rechonchudos e felizes. Não roubaram apenas automóveis, mas utopias. Transformaram sonhos dos camaradas em butim. Estão por aí, de terno, gravata e dinheiro vivo dentro de casa. Nisso se resume o grande dilema existencial e político das organizações de esquerda.


Comunistas, quando corruptos, roubam a razão pela qual morreram todos os guerrilheiros

Ao se acovardar diante da corrupção ou, pior, ao julgar que podem se extrair vantagens táticas da corrupção, um partido de esquerda abdica de acreditar na igualdade de oportunidades. Logo, abdica de sua herança simbólica e de nomes como Che Guevara. É bem verdade que Che se tornou um homem embrutecido, violento, comandando execuções às centenas, sem processo justo. O lendário guerrilheiro foi, a seu modo, um misto de verdade e de loucura (“tanta violência, mas tanta ternura”). Fez sua guerra, sujou as mãos de sangue e topou pagar o preço de sua escolha. O que importa, agora, é que ladrão ele não foi. E isso importa porque não foi a selvageria da batalha que corrompeu a esquerda: foi o roubo.

Passemos ao Brasil de 2011. Passemos para hoje. Estamos aí atordoados com mais um escândalo, outra vez embaralhando ONGs, mas agora com militantes e ex-militantes do PCdoB e autoridades do Ministério dos Esportes. Passarão meses, talvez anos, até que saibamos quem de fato tem culpa no cartório, se é que o tabelião e os cartorários não estavam no esquema. Desde já, porém, sabemos que há milhões e milhões de reais em irregularidades, tudo em nome de dar assistência a crianças carentes que não recebiam assistência nenhuma.

A corrupção virou a pior forma de barbárie de nossa democracia não apenas porque mercadeja com o destino de crianças ou porque sacrifica vidas em hospitais imundos e estradas abandonadas, mas principalmente por ter transformado a política numa indústria complexa, cuja finalidade é a apropriação da riqueza de todos para fins privados (e fins partidários são fins privados). Na esquerda, a corrupção se qualifica: emprega métodos bolcheviques e se justifica sob licenças ideológicas que enaltecem o crime comum como se ele fosse a própria trilha de libertação dos oprimidos. É uma corrupção delirante, que se julga uma nova modalidade de guerrilha contra o capital, mas que, no fundo, presta serviços ao que há de pior no capital.

Comunistas e socialistas, quando corruptos, roubam enfim a razão pela qual morreram todos os guerrilheiros. Traindo seus mortos, traindo os desaparecidos, o corrupto de esquerda se sente vitorioso. Acha que pode passear de conversível sem ser incomodado.

Comunismo de resultados - REVISTA ÉPOCA


Comunismo de resultados 
REVISTA ÉPOCA

Como o ex-nanico PCdoB instalou-se no centro do poder e tornou-se um foco de escândalos no governo Dilma

MARIANA SANCHES E RICARDO MENDONÇA


O Brasil sempre foi o país do futebol. Na última década, tornou-se também o país do petróleo e das Olimpíadas. Nas três categorias, reina um partido que saiu da clandestinidade nos anos 1980 para se acomodar no centro do projeto petista de poder. Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002, o PCdoB foi recompensado por ter sido a única legenda, além do PT, a apoiá-lo em todas as suas tentativas de chegar ao Palácio do Planalto. Desde 2003, lideranças comunistas comandam o Ministério do Esporte e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), instâncias fortalecidas após a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e com a descoberta dos campos da camada pré-sal. Com o poder, veio a responsabilidade, seguida de denúncias de cobrança de propinas e desvio de recursos. Diante das mais graves suspeitas de corrupção de sua história, o PCdoB se defende em bloco e tenta não ser reduzido a um pastiche dos ideais da esquerda que sempre disse defender.

No Partido Comunista do Brasil, a regra é um por todos e todos por um. “O princípio básico da organização do PCdoB é o centralismo democrático (...) para a construção das orientações partidárias sob um único centro dirigente e no qual as decisões tomadas são válidas para todos”, diz a legenda nos documentos em que se define. Na crise que levou Orlando Silva às manchetes dos jornais devido a denúncias de desvio de dinheiro no Ministério do Esporte, seus quadros demonstram seguir à risca essa orientação. Numa mostra notável de disciplina e fidelidade, muitos foram à mídia e aos palanques para fazer a defesa enfática do ministro.

“Acompanho sua trajetória desde os 16 anos de idade, desde quando liderava a nossa juventude. O senhor já abriu seus sigilos, fiscal e telefônico. Não tem mais que falar. Se o réu tem o que dizer, vá à PF, mostre as provas”, disse a deputada Manuela D’Ávila, pré-candidata à prefeitura de Porto Alegre. “O PCdoB está consciente de que é alvo de uma farsa de forças reacionárias e anticomunistas”, afirmou Nádea Campeão, presidente do diretório paulista. “O povo conhece o trabalho do ministro Orlando Silva e respeita as vitórias que ele vem ajudando o Brasil a alcançar”, disse o deputado federal Chico Lopes (CE).

A necessidade de defender um de seus principais quadros é uma realidade nova para um partido que esteve à margem do poder ao longo da maior parte de sua história. Criada em 1962 depois de um racha no antigo Partido Comunista Brasileiro, de 1922, a legenda passou décadas na clandestinidade. Nos anos 1970, patrocinou a Guerrilha do Araguaia, no sul do Pará, onde perdeu 60 militantes. Engrossou a campanha pelas eleições diretas para a Presidência, nos anos 1980, e até hoje ostenta a foice e o martelo. Ao mesmo tempo que faz alianças com ruralistas, kassabistas e sarneyzistas, continua reverenciando Marx e Lênin. Vive, segundo a descrição encontrada em seu site, “uma das fases mais ricas” de sua história.

A fidelidade ao projeto de levar Lula à Presidência garantiu espaço e influência do partido no governo federal. “É como se o irmão mais novo e mais forte, o PT, tivesse de dar espaço para a turma mais velha e mais fraca, o PCdoB”, diz o cientista político Rui Tavares Maluf. Hoje o PCdoB ocupa três cargos de destaque no governo Dilma Rousseff. Além do Ministério do Esporte, tem o ex-deputado federal Haroldo Lima na ANP, e o também ex-deputado Flávio Dino na Embratur, autarquia responsável pela política nacional de turismo.

No início do governo Lula, o poder era menor, embora os cargos ocupados fossem praticamente os mesmos (a Embratur só foi entregue ao PCdoB na gestão Dilma). Em 2003, o Ministério do Esporte era uma pasta recém-desmembrada do antigo Ministério do Esporte e Turismo, considerado um dos menos importantes da administração. Comandada inicialmente por Agnelo Queiroz – também suspeito de irregularidades, ele trocaria o PCdoB pelo PT e se tornaria governador do Distrito Federal (leia a reportagem) –, a pasta só conquistou relevância política na gestão Orlando Silva, com a escolha do Brasil como sede da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016.

A ANP também gozava de pouca visibilidade até a descoberta de petróleo na camada pré-sal. Foi de suas operações que surgiram as primeiras denúncias de corrupção envolvendo o PCdoB. Em julho, ÉPOCA divulgou um vídeo em que assessores da ANP negociavam com a advogada de empresários o pagamento de propina para destravar processos de empresas de combustíveis.

As denúncias que envolvem Orlando Silva chamam a atenção para o estranho estilo comunista de administração: a proximidade suspeita entre políticos empregados no governo federal e organizações não governamentais também ligadas ao PCdoB (leia a reportagem).

A mistura entre atividades de governo, partidárias e ações da sociedade civil salta aos olhos na principal base política do Partido Comunista do Brasil, a União Nacional dos Estudantes (UNE). A entidade é há décadas um braço do partido, que a controla por meio do grupo União da Juventude Socialista (UJS). Desde 1991, o grupo elege sucessivamente os presidentes e a maior parte das diretorias da UNE. Isso se mostrou um ótimo negócio para a legenda. O movimento estudantil é a mais fecunda fonte de quadros para o partido. O próprio Orlando Silva e três dos 15 atuais deputados comunistas foram da UNE: Aldo Rebelo (SP), Luciana Santos (PE) e Manuela D’Ávila (RS). Outros três da bancada também vieram de entidades estudantis.

A UNE também já foi alvo de denúncias, mas não consta que qualquer uma tenha resultado em condenação. A última dizia respeito à compra da sede nacional do PCdoB, um prédio de sete andares e 3.400 metros quadrados no centro de São Paulo, por R$ 3,3 milhões em 2008. Para pagá-lo, o partido usou R$ 603 mil doados por uma empresa de intercâmbio estudantil que mantinha convênio com a UNE para a emissão da carteira internacional de estudante.

Nas urnas, a estratégia do PCdoB sempre foi concentrar esforços nas eleições para o Legislativo. Conseguiu deixar de ser um partido nanico – estigma que o marcava até 2002 – e crescer, devagar e sempre. Hoje tem dois senadores e 15 deputados, a 11a bancada da Câmara, equivalente ao tamanho do PT em 1989, quando Lula disputou sua primeira eleição à Presidência.

O partido tem ainda atuação relevante no meio sindical. Seu braço no setor é a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), que reúne 533 sindicatos em todo o país. Trata-se da quarta maior central sindical do Brasil, atrás da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Força Sindical e da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Os sindicatos na órbita do PCdoB representam cerca de 8% de todos os trabalhadores sindicalizados do Brasil, ou mais de meio milhão de pessoas. Contando as federações, associações e outros agrupamentos, a CTB reúne mais de 800 entidades.

Além da flexibilidade para alianças, dois movimentos marcaram a fase recente do PCdoB. O primeiro foi a tática de patrocinar candidaturas de figuras midiáticas. O exemplo mais vistoso disso é o cantor e apresentador de TV Netinho de Paula, atualmente vereador em São Paulo e pré-candidato à prefeitura. No ano passado, Netinho quase desbancou a petista Marta Suplicy na disputa por uma vaga no Senado. Há ainda o sambista Martinho da Vila, no Rio, a cantora Leci Brandão, eleita deputada estadual em São Paulo, e o ex-delegado Protógenes Queiroz, eleito deputado federal depois de ganhar notoriedade – e muitas críticas – ao liderar a investigação da Polícia Federal que chegou a prender duas vezes o banqueiro Daniel Dantas. “Não fica claro como se dá o processo de recrutamento dessas pessoas. Certamente não são as inspirações ideológicas”, diz o cientista político José Álvaro Moisés. “Isso dilui muito o perfil de um partido que se diz de esquerda.”

O segundo movimento recente que marca o PCdoB é a aliança liderada pelo deputado comunista Aldo Rebelo com a bancada ruralista no Congresso Nacional. Seu engajamento no tema foi tão forte que ele conseguiu destronar a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) como principal defensora de abrandamentos na legislação ambiental. Do ponto de vista da história dos partidos que se dizem de esquerda, a aliança com o latifúndio foi mais uma inovação do PCdoB. Gosto pelo poder, denúncias de corrupção e ajustes ideológicos em favor do jogo político: nunca o PCdoB esteve tão longe da clandestinidade.

ANCELMO GOIS - O conselheiro


O conselheiro
ANCELMO GOIS 
O GLOBO - 24/10/11

Lula interrompeu um giro pelo México para ajudar Dilma a descascar alguns pepinos. Volta hoje, e viajam juntos a Manaus.

Cartão amarelo
A declaração do cartola da Fifa Jérôme Valcke, que descartou Orlando Silva do diálogo com o Brasil sobre a Copa de 14, e o sorriso de Ricardo Teixeira ao saber da crise no Ministério do Esporte azedaram ainda mais as relações de Dilma com a CBF e a entidade máxima do futebol.

Calma nessa hora
Dilma recomendou a Sérgio Cabral falar menos.
O Planalto avalia que a exaltação do governador contribuiu para a derrota do Rio nos royalties. Há controvérsias.

Marcas da África
Integrantes da comitiva de Dilma na ida à África do Sul ainda têm marcas roxas nos braços.
Efeito, digamos, do jeito meio bruto da segurança de Zuma.

Vovôs gênios
Frans Krajcberg, 90 anos, visitou ontem, último dia, a exposição de suas esculturas no MAC, museu projetado por Niemeyer em Niterói. Impressão do gênio sobre a obra do outro gênio, que vai fazer 104: “É bonita a fachada. Por dentro é frágil...”.
É. Pode ser.

Os ex-líderes
O grupo The Elders, criado por Mandela e composto por exlíderes mundiais, inclusive FH, reúne-se esta semana no Rio.
Na agenda, uma palestra da cineasta Júlia Bacha, que dirigiu “Budrus”, sobre a luta palestina.

Portinari 2014
Gastão Vieira, ministro do Turismo, costura com o MinC e a Fundação Candido Portinari, para 2014, uma grande exposição multimídia de obras do fabuloso pintor brasileiro (1903-1962).
Será simultânea nas 12 cidades-sede da Copa.

COMO NOS VERSOS de Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa, de 1956, Mangueira, teu cenário é uma beleza. Veja como ficou o entorno do morro-símbolo do samba agora que a prefeitura limpou a área, após a polêmica retirada das antigas barracas. O sopé da favela vai ganhar barraquinhas padronizadas, legais, para que os comerciantes, já cadastrados, possam trabalhar enquanto não fica pronta a obra de uma praça de alimentação. São previstos 55 quiosques, em fase de licitação. Vamos torcer, vamos cobrar

Bolsa ditadura
Na semana em que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tomou a decisão inédita de reduzir o valor de 129 indenizações, o TRF/RJ negou um pedido da advogada Joselice Cerqueira de Jesus, militante do PCdoB presa em 1970, que alega ter sofrido perseguição política.
O tribunal reformou a sentença da primeira instância, que mandava a União pagar R$ 100 mil à advogada.

Segue...
No processo, a juíza Maria Alice Lyard lembra indenizações elevadas dadas a anistiados às custas dos cofres públicos e fala sobre “deturpação” dos casos:
— Todos reconhecem os constrangimentos e a injustiça que muitos tiveram no regime fechado. E até hoje muitos têm com miséria, falta de esgoto, moradia, escolas e assim por diante. Mas não é o suficiente para justificar a indenização pretendida.

No mais...
É um bom debate.
Tragédia social
O número pode não surpreender. Mas é o retrato de uma tragédia. Pesquisa da Secretaria de Assistência Social de Cabral mostra que 28% dos jovens entre 15 e 29 anos nas comunidades pacificadas não estudam nem trabalham.
O quadro nas outras favelas deve ser igual ou pior.

Ou seja...
Alguém duvida que este universo forma uma espécie de exército de reserva também para o crime?

Calma, gente
Moradores da Muzema, na Barra, no Rio, estão chateados com a novela “Fina estampa”, da TV Globo.
É que, na trama, a região é chamada de... favela, e a turma não gostou. Um abaixo-assinado é feito para pedir que o lugar seja chamado de “comunidade”.

Os olhos da Biblioteca
A direção da Biblioteca Nacional diz que interrogou seus 33 seguranças e assistiu a todas as gravações captadas quinta passada pelas câmeras e não flagrou um deficiente visual ser barrado na entrada por estar com seu cão-guia, como saiu aqui.
Melhor assim.

Ônibus de Priscilla
“Priscilla, a rainha do deserto”, o musical da Broadway, estreia em São Paulo em março do ano que vem.
A produtora Geo ainda não sabe se trará o espetáculo para o Rio. É que, acredite, não há na cidade teatro no qual possa entrar o ônibus, principal peça do cenário.

MONIQUE ALFRADIQUE, a linda atriz que será rainha de bateria da Viradouro, faz a festa dos ritmistas na final da disputa do samba da escola de Niterói, usando vermelho, a cor da agremiação

ENCONTRO DE mestres nos bastidores do CopaFest, festival de música instrumental no Copacabana Palace: Marisa Monte, Jorge Ben Jor e Lincoln Olivetti

O MÚSICO boa-praça Marcos Valle, de passagem pela Rússia, cumprimenta o embaixador do Brasil naquele país, Carlos Antônio da Rocha Paranhos, e sua mulher, Margarida Paranhos
COM ANA CLÁUDIA GUIMARÃES, MARCEU VIEIRA, DANIEL BRUNET E ELISA TORRES

MARCO ANTONIO ROCHA - As apostas entre o BC e o mercado estão na mesa


As apostas entre o BC e o mercado estão na mesa
MARCO ANTONIO ROCHA
O Estado de S. Paulo - 24/10/2011

Como dizem os croupiers nos países onde cassinos e roletas são permitidos: "O jogo está aberto, senhores, façam suas apostas".

No Brasil, jogos de azar em geral são ilegais, principalmente quando bancados por particulares, e não pelo governo. Menos no mercado financeiro, de ações, ou "de futuros"... Nesse cassino, neste momento, a mesma frase pode ser usada pelos seus diversos croupiers. E de que espécie de jogo estamos falando? Ou, melhor, o que é que está sendo jogado?

Um bom palpite é que está sendo jogada a credibilidade do Banco Central (BC) e do seu Comitê de Política Monetária (Copom), contra a de muitos analistas daqueles mercados, em torno da marcha da inflação.

O Banco Central fez mais um lance na semana passada, quando baixou a Selic em 0,5 ponto de porcentagem. E, com isso, em que é que ele está apostando? Aposta em estimular a atividade econômica, nesta fase em que o governo se mostra preocupado com a retração das atividades em quase todo o mundo rico, e que isso possa vir a deprimir a atividade aqui dentro, reduzir ainda mais o ritmo de evolução do PIB - que já está caindo -, derrubar a criação de empregos e até gerar desemprego.

Esses temores são compreensíveis à luz da filosofia ou estratégia de um governo que desde os tempos do Lula pôs os seus bids numa economia da procura (demand side economics), ao contrário daquela que ganhou fama com o governo Reagan, nos EUA, que era a sua suply side economics, ou economia de oferta.

O ex-presidente americano acreditava e proclamava que a "oferta cria a demanda". Então, se o país investe em novas fábricas, novos produtos, novos processos produtivos, etc., aumentando a oferta de tudo, principalmente com coisas novas, a demanda para isso aparecerá e, assim, a economia passa a girar num patamar mais elevado de atividade.

Se isso dá certo ou não, o mundo não teve grande oportunidade de avaliar, porque, depois de Reagan, o governo americano meteu-se em tantas operações militares que a demanda bélica funcionou em boa parte como locomotiva da economia - embora tenha ajudado também a anabolizar os imensos déficits interno e externo que assombram Obama nos dias de hoje (mas isso é outra história).

O fato é que Lula enveredou por outro caminho, o de que a economia cresce com estímulos ao aumento do consumo: aumentos de salários, aumentos do crédito, programas sociais de transferência de renda, programa habitacional, enfim, dinheiro para o povo pegar e gastar.

O povo pegou, gastou e ainda continua gastando. A tese de que o consumo "puxa" a oferta parece confirmada. A economia cresceu, o emprego cresceu, as vendas aumentaram, os lucros do comércio, da indústria e, principalmente, dos bancos foram para as alturas, o governo arrecadou mais e todo mundo ficou feliz - especialmente o próprio Lula, cujas bochechas sorridentes continuam aparecendo todos os dias nos jornais e TVs. Sem falar que ele elegeu um "poste", como se diz na gíria política.

O Banco Central atual acredita na possibilidade de, ao mesmo tempo, de olho na inflação, ajudar a manter essa política e evitar que uma recessão se abata sobre o País.

Porém, a aposta de uma boa parte do mercado é diferente. Em primeiro lugar, aponta a dificuldade técnica de encontrar a medida certa: qual dosagem de política monetária seria a mais indicada para manter um bom ritmo de crescimento sem suscitar um descontrole perverso da inflação?

Não há resposta pronta nem receita aviada. É no olhômetro que se decide, por mais que a imprensa embarque na cantilena de que o BC dispõe de uma equipe técnica campeã do mundo, capaz de monitorar os rumos da inflação brasileira mesmo se estivesse no planeta Marte. E que, além disso, dispõe de informações misteriosas que ninguém no mercado tem. Pura bobagem.

Por isso, é bom levar a sério algumas apostas do mercado (embora indesejáveis). Primeira, de que o BC está assumindo riscos não tão bem calculados como ele pensa. Segunda, que estimular o consumo quando a oferta não é elástica pode forçar uma alta de preços descabida com a inflação já arreganhando os dentes, além de aumentar as importações e deteriorar ainda mais o déficit em transações correntes. Terceira, que os aumentos salariais já contratados para o ano que vem e os que estão sendo acordados com sindicatos neste último trimestre forçarão uma alta de preços ainda maior. E quarta, que a inflação resultante pode aumentar a possibilidade de recessão induzida do exterior, e que o governo quer evitar. Em suma, o Banco Central não deveria ter reduzido a Selic e deveria deixar de apontar para um viés de redução continuada.

Em resumo, os dois lados do jogo são: o do BC (está tudo sob controle! e ponto) e o do mercado (tudo pode fugir do controle! e ponto). E o que está no pano verde não são apenas duas opiniões diferentes. O que está no pano verde é muito dinheiro. Na especulação, nos derivativos, nos contratos de compra e venda externos, nas apostas em índices, etc. E quem perder a aposta, podem crer, cobrará de nós, assalariados normais, o reembolso, de alguma maneira.

PEDRO DE CAMARGO NETO - Andando para trás


Andando para trás
PEDRO DE CAMARGO NETO
O Estado de S. Paulo - 24/10/2011

Claramente, o Brasil anda para trás na política de comércio exterior. Não se trata de criticar a preocupação com defesa comercial, inibindo a concorrência desleal de produtos importados. Eventuais distorções provocadas por práticas comprovadas de dumping ou apoio a subsídios ilegais precisam realmente ser combatidas.

Nem mesmo o atabalhoado aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor automotivo seria motivo de grande preocupação, pois é de vida breve em razão de suas irregularidades. Exemplificou, porém, a mudança da política oficial. O Brasil deixou de ser o combativo país na busca por maiores mercados externos - inclusive com contenciosos importantes no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) - para ser neste mesmo fórum criticado por práticas protecionistas.

Com a paralisação da Rodada Doha de negociação multilateral no âmbito da OMC, o Brasil entrou num vazio na área ofensiva de comércio exterior. Tentativas de dar vida à velha e isolada negociação do acordo de livre comércio com a União Europeia somente chamam a atenção para a falta de estratégia na busca por maiores mercados externos.

Não se trata de somente criticar o governo da presidente Dilma Rousseff. Também a sociedade organizada - setores empresariais e de trabalhadores e a academia - parece ter desistido de ampliar mercados por meio de negociações comerciais. O debate pela ampliação da integração comercial da economia brasileira parece ter desaparecido.

Infelizmente, não se pode dizer que resolvemos dar uma parada aguardando dias melhores no campo internacional. A crise financeira global realmente é séria, e negociação comercial fica mesmo sempre em segundo plano. Ocorre que, em questões econômicas, quem pensa que para, na verdade, está andando para trás, pois ninguém fica esperando.

Inúmeros países continuam ativos, dando seguimento a negociações comerciais. Na semana retrasada, o Congresso norte-americano, no meio do intensíssimo debate sobre a crise orçamentária e financeira, encontrou tempo e prioridade para aprovar acordos de livre comércio com a Coreia, a Colômbia e o Panamá. Sabem eles que a saída da crise passará por maior atividade econômica, maior renda e emprego. Também a União Europeia negocia com a Coreia e com outros países acordos de livre comércio.

As negociações sobre um amplo acordo na região do Pacífico, conhecido como TPP (Trans Pacific Partnership), continuam, mesmo no atual ambiente de crise financeira. A região do globo de economia mais dinâmica é procurada por todos - ou melhor, por todos os países desenvolvidos.

A prioridade de política externa do Brasil persiste em ter principalmente cunho político. Não parecem querer ver que foram a força e o dinamismo da economia que garantiram o espaço político que hoje desfrutamos. Que a melhor maneira para conquistar a sempre sonhada, e de discutível valor, cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU é com o fortalecimento e a integração comercial da economia do Brasil.

Utilizo o pequeno setor que institucionalmente represento, o da produção e exportação de carne suína, para exemplificar o que perdemos na semana retrasada. A carne suína está atrasada em relação às carnes de aves e bovina, pois não ocupamos o primeiro ou o segundo lugar. A carne de aves praticamente domina o mercado internacional e a carne bovina tem também os países de religião muçulmana como importantes compradores. O Brasil é somente o quarto maior produtor e exportador de carne suína.

São os hábitos alimentares dos países asiáticos que os tornam os principais consumidores de carne suína. São países rigorosos em seus controles sanitários, pois continuam se assustando com o fantasma do vírus da febre aftosa, enfermidade com a qual aceitamos continuar a conviver. Embora tenha sua epidemiologia intrinsecamente relacionada ao rebanho bovino, a febre aftosa impede também a abertura de mercados para a carne suína.

Após longos anos e intensas negociações técnicas de cunho veterinário, o Brasil está prestes a conquistar a habilitação sanitária na Ásia para a carne suína. A China aprovou os primeiros frigoríficos durante a visita da presidente Dilma, em maio deste ano, e o Japão e a Coreia têm processos de habilitação bastante adiantados.

Infelizmente, após atravessarmos esta primeira barreira sanitária, enfrentaremos a seguinte barreira, a tarifária.

Com o acordo da semana retrasada, os produtores de carne suína dos Estados Unidos passaram a gozar de preferência tarifária, isto é, pagarão menos impostos para atingir o consumidor coreano. O produto do Brasil, hoje severamente penalizado pela questão cambial, terá de ser vendido mais barato para compensar o imposto de importação da Coreia, maior para o Brasil. Não está claro se teremos competitividade para tanto.

É preciso reagir. O Brasil precisa de uma estratégia de comércio exterior. As negociações são longas e precisam ser imediatamente iniciadas. Todos os países desenvolvidos desejam negociar com o Brasil. Negociações simultâneas fortalecem o poder negociador. A Rodada Doha pode ser substituída por diversas negociações de livre comércio simultâneas. Além da competência que já mostramos que temos, é preciso vontade política e liderança.

ALON FEURWERKER - Deu errado


Deu errado
ALON FEURWERKER
CORREIO BRAZILIENSE 24/10/11

A ideia de terceirizar serviços públicos para organizações não governamentais pode ter sido movida a boas intenções, mas deu errado. Transformou-se em ralo para drenar dinheiro público e reforçar maus hábitos na política

As ONGs (organizações não governamentais) estão em xeque. A cada novo episódio de rolo com dinheiro público revela-se a deformação de um mecanismo nascido benigno: transferir recursos oficiais para as ONGs executarem ações complementares às do Estado.

Os fatos reforçam a atualidade do velho ditado de que as boas intenções lotam o inferno. A intenção na origem era boa. Comparadas à máquina estatal, as ONGs ganham em agilidade e foco, permitem a mobilização rápida e flexível de conhecimentos específicos indispensáveis.

Essa é a teoria. Na prática, o universo das ONGs é fonte recorrente de notícias sobre irregularidades e desvios.

Pululam as maneiras espertas de contornar normas e regulamentos, os expedientes para prevalecer o interesse privado e espúrio sobre o público. É sempre complicado generalizar, mas o número de casos nebulosos e escândalos permite o diagnóstico de um problema sistêmico.

Pode-se argumentar que o modelo é bom, que os problemas devem ser tratados como tal, que generalizar é perigoso e injusto, que os erros não devem servir de pretexto para condenar o sistema como um todo.

É uma argumentação razoável, desde que venha acompanhada da proposta de solução. Qual é então o remédio para extirpar os focos de problema?

Uma estrutura de vigilância capaz de controlar a destinação do dinheiro público que vai para as ONGs? Aí seria o absurdo ao quadrado.

Pode-se imaginar qual deveria ser o tamanho dessa estrutura para funcionar a contento. Para monitorar milhares de ONGs sem deixar espaço ao malfeito. Ou pelo menos para minimizar o risco.

Provavelmente seria uma máquina gigantesca, uma megaburocracia para corrigir uma estrutura cujo objetivo inicial era fugir da burocracia. Aí não dá.

E por que não submeter então as ONGs às mesmas regras rígidas aplicáveis à despesa pública propriamente dita? Nas compras e contratações, para evitar que a maior flexibilidade abra portas e janelas ao erro.

Bem, nesse caso a pergunta é imediata. Para que então as ONGs? Por que não fazer a coisa por meio do Estado e ponto final?

É um beco sem saída. Na verdade, o impasse é produto de uma deformação estrutural. De um antagonismo conceitual.

As organizações não governamentais surgiram como novidade para dar expressão à sociedade civil, às novas formas de protagonismo, às correntes sociais à margem dos partidos políticos, do Estado e das instituições tradicionais.

Eram novos atores, organizados para inocular vida à fossilizada política institucional, um oxigênio muito bem vindo.

Finalmente, a política deixaria de ser monopólio dos profissionais e as demandas coletivas teriam novos canais de expressão.

Mas, para que fosse efetivamente assim, um detalhe seria imprescindível. As ONGs deveriam buscar os meios de sobrevivência na sociedade, e não no Estado. Mas simplesmente não aconteceu.

Na prática, os governos, partidos e políticos acabaram tecendo cada um sua rede-satélite de ONGs, financiada com os recursos da atividade político-estatal e orientada a facilitar a reprodução do poder de quem a sustenta.

Bem ao contrário do que deveria ser. E quando uma boa ideia resulta no contrário da intenção original, está na hora de avaliá-la com rigor e tomar providências.

Sem comércio

A eleição argentina de ontem teve um detalhe que merece ser olhado com carinho por aqui. O tempo igual de televisão para os candidatos.

Não se trata de simplesmente copiar, mas de pelo menos refletir sobre. O tempo de tevê nas eleições brasileiras acabou virando só um comércio.

Um foco de parasitismo, chantagem e rolos financeiros.

Soluções há. Uma é impedir que o partido transfira o tempo a outro. Não quis lançar candidato próprio? Seu tempo será repartido entre os demais.

O que não dá, assim como no caso das ONGs, é continuar como está.

PAULO GUEDES - Corrupção e conflitos no vácuo do Legislativo


Corrupção e conflitos no vácuo do Legislativo
PAULO GUEDES
O GLOBO - 24/10/11

A classe política brasileira está perdendo não apenas sua credibilidade, mas também uma oportunidade histórica. O mundo parou para conserto. Seríamos a nova fronteira de crescimento global com importantes reformas, mas quem devia estar pensando nisso parece ocupado com outras coisas.

"PC do Bolso: como operam os comunistas que se instalaram no centro do poder e se tornaram um foco de escândalos no governo Dilma", estampa a revista "Época" em sua matéria de capa desta semana. "Dez motivos para se indignar com a corrupção: alternativas possíveis para o uso de 85 bilhões de reais surrupiados pelos corruptos brasileiros apenas no último ano" e "gravações mostram assessores do ministro Orlando Silva ajudando a fraudar o ministério" são as manchetes anunciadas na capa da revista "Veja".

Para confirmar a tese de Marx de que "enormes somas passando pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero", a pirâmide da roubalheira ocorre 50% na base federal, 30% nos meios estaduais e 20% no topo municipal.

Os desafios da crise contemporânea são mais que disputas entre blocos econômicos; são também o confronto entre a qualidade das políticas públicas. Em meio à guerra mundial por empregos, faltam ao Brasil as reformas de modernização: a correção da hipertrofia da União (reforma do Estado), a descentralização de recursos e atribuições para Estados e municípios (reforma fiscal), a simplificação de impostos e redução de alíquotas (reforma tributária), a revisão de obsoleta legislação salarial (reforma trabalhista com eliminação de encargos sobre custo do trabalho) e a universalização da poupança (reforma previdenciária).

As novas prioridades de uma democracia emergente (saúde, educação, saneamento) exigem ação social descentralizada. Para tanto, a reforma fiscal deflagrada na Constituição de 1988 iniciava a transferência de recursos para Estados e municípios. Mas o poder central, reacionário e conservador, resiste à descentralização. Cria contribuições não compartilhadas para manter seu inchaço e financiar a cooptação de apoios políticos. A corrupção sistêmica é filha dessa escalada dos gastos públicos. E a guerra federativa deflagrada pelos royalties do petróleo é apenas outra face dessa omissão do Congresso: o vácuo legislativo quanto à reforma fiscal.

MÔNICA BERGAMO - TURISMO INDUSTRIAL


TURISMO INDUSTRIAL
MÔNICA BERGAMO 
FOLHA DE SP - 24/10/11

O Ministério do Turismo calculou o impacto indireto do setor na economia brasileira. Realizou pesquisa com a Fipe para apurar, por exemplo, o volume de compras de eletrodomésticos e itens de cama, mesa e banho por hotéis e pousadas. Descobriu que, a cada ano, 1,7 milhão de fronhas, 1,6 milhão de lençóis e 1,5 milhão de toalhas de banho devem ser repostos nesses estabelecimentos, ajudando a movimentar a indústria têxtil do país.

CARRO ALUGADO

Entre os itens elétricos e eletrônicos, são 116 mil telefones, 108 mil chuveiros e 100 mil televisores que precisam ser comprados por ano. O turismo também é responsável pela aquisição de 160 mil carros por locadoras de automóveis, cuja frota aumentou 14% em 2010.

TURISTA DE NEGÓCIOS

O ministro Gastão Vieira apresentará os dados amanhã, em reunião na França com seus colegas dos países do G20. O colegiado vai preparar um documento sobre a importância do turismo para a economia mundial.

DIÁRIO

O ex-governador José Serra consultou amigos sobre a ideia de publicar um livro com a história de sua vida.

Ainda não é certo que ele levará a obra adiante.

MEIO A MEIO

O prefeito Gilberto Kassab (PSD), de São Paulo, apoia a suspensão temporária da meia-entrada para estudantes na Copa de 2014. Ele acha que o evento é tão importante que justifica a medida. A exigência é da Fifa. O governo federal resiste à ideia.

NO VAREJO

O programa Via Rápida Emprego, de cursos de capacitação, vai ganhar uma versão específica para preencher vagas no setor varejista. "Depois do governo, quem mais emprega no Brasil é o varejo", afirma o secretário do Desenvolvimento, Paulo Alexandre Barbosa.

SOB ENCOMENDA

A secretaria já fechou parceria com o Pão de Açúcar e negocia com o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), que reúne algumas das principais empresas do setor. As redes informarão em quais funções elas estão carentes de mão de obra, e o governo oferecerá cursos de estoquista, operador de caixa etc., de acordo com a demanda das lojas.

SOBRE RODAS

A Defensoria Pública de São Paulo começa hoje a exibir vídeos de orientação jurídica nos monitores de 440 ônibus paulistanos.

Os quatro primeiros são sobre cuidados ao comprar imóvel, direito a indenizações em casos de apagão, combate a violência doméstica e meios de se obter um divórcio amigável.

PARA OUVIR E DANÇAR

Artistas como Marina Lima, Otto e Seu Jorge foram à festa de entrega do Prêmio VMB (Video Music Brasil), que comemorou os 21 anos da MTV. As apresentadoras Caroline Ribeiro e Sarah Oliveira também circularam pelo evento, que aconteceu nos Estúdios Quanta, na Vila Leopoldina, em São Paulo.

Ó NÓS AQUI

Auditores da Receita e delegados e peritos da Polícia Federal marcaram para quarta-feira uma manifestação em frente ao Ministério do Planejamento. Querem que a ministra Miriam Belchior os receba para uma audiência sobre reestruturação de carreiras. Calculam que pelo menos 5.000 funcionários aderirão à passeata em Brasília.

QUANTO RISO

Os torcedores palmeirenses que levaram sorrisos amarelos de papelão para protestar contra os incentivos governamentais ao Itaquerão, há alguns dias, num jogo, planejam novas mobilizações. Agora, em frente à Prefeitura de SP e ao Palácio dos Bandeirantes. Antes disso, querem focar nas ações em jogos do Palmeiras -a próxima deve ser no clássico com o São Paulo.

FOREVER YOUNG

Neil Young, que será um dos palestrantes do festival SWU, chega ao Brasil em 10 de novembro. Participará da pré-estreia do documentário de Jonathan Demme sobre sua carreira, em Paulínia.

NO MEIO DO POVO

A banda Aerosmith, de Steven Tyler, pediu uma rampa de 20m para sair do palco e avançar no meio da plateia do show que fazem no domingo, 30, na Arena Anhembi, em SP. Os roqueiros querem no camarim vitamina B12, água vulcânica e iogurtes.

CÉREBROS

A Suzano Papel e Celulose recebe hoje, no interior de São Paulo, os cientistas que farão parte dos conselhos de sua nova subsidiária de biotecnologia, a Futuragene. Fazem parte do time o belga Marc Van Montagu e o americano Alan Gould, especialistas em genética, e o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, entre outros.

CURTO-CIRCUITO
Acontece hoje, às 21h30, a pré-estreia do documentário "Tancredo - A Travessia", de Silvio Tendler, no Espaço Unibanco Pompeia. Classificação etária não informada.

Alcione faz show na sexta, às 22h, no HSBC Brasil. Classificação: 16 anos.

Começa hoje a Semana Mesa SP, com almoço na Casa Electrolux.

O leilão beneficente Credipaz acontece hoje, às 20h, no Jardim Guedala.

A revista "Daslu" passa a ser editada pela Globo Condé Nast.

NÓS NAS FITAS
Henrique Miziara e Elisio Yamada abriram na semana passada a galeria Pilar, no bairro de Santa Cecília. A dupla pretende focar na produção de artistas brasileiros e latino-americanos. Até o dia 17 de dezembro, o espaço terá mostras de Célio Braga e Mauricio Adinolfi. O primeiro tem bulas de medicamentos e fitinhas do Senhor do Bonfim pintadas como matérias-primas de suas obras.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

DENIS LERRER ROSENFIELD - Economia e moral


Economia e moral
DENIS LERRER ROSENFIELD
O Estado de S.Paulo - 24/10/11

As manifestações contra Wall Street, como símbolo do capitalismo contemporâneo em seu aspecto financeiro, expõem ações que permitem lançar uma luz particular sobre a natureza, digamos, "moral" (ou imoral) de determinadas práticas capitalistas atuais. Práticas capitalistas que, convém ressaltar, se voltam contra o próprio espírito do capitalismo.

Na crise de 2008-2009, o que chamou moralmente a atenção foi o fato de os executivos das grandes corporações financeiras e bancárias usufruírem grandes dividendos sob a forma de salários, bônus e vantagens dos mais diferentes tipos. Note-se que não se trata de um argumento contra dividendos e bônus, sempre e quando estejam assentados na responsabilidade. Se um executivo tem mérito, tanto melhor para ele, pois está colhendo os frutos do seu trabalho. O lucro é a recompensa pelo trabalho, não cabendo nenhum argumento ressentido dos que simplesmente invejam os bem-sucedidos. O problema é de outra ordem. Os executivos que levaram seus bancos à falência por operações extremamente arriscadas, utilizando os modernos meios digitais, não têm mérito. Cobraram por aquilo que não entregaram. Ou melhor, entregaram a poucos que lhes pagaram os polpudos rendimentos graças a ações de caráter imediato, porém a longo prazo criando para suas empresas situações pré-falimentares.

A crise econômica atual, de perfil financeiro, tem um forte componente moral. O mecanismo financeiro que levou à insolvência dos créditos, particularmente na bolha imobiliária, estava baseado em concessões várias vezes repetidas de créditos, assentados em avaliações que se tornaram fictícias dos imóveis postos em hipoteca. Enquanto o mecanismo funcionava, empurrando o problema com a barriga, numa ciranda que mais se assemelhava a uma jogatina, certos analistas de mercado e economistas cantavam loas a esse novo mercado.

Acontece, contudo, que esse mercado estava alicerçado num pressuposto, o de que o pagamento dos créditos se faria por novos créditos, criando a ilusão de que os créditos não seriam, na verdade, pagos. Dívidas se pagariam com novas dívidas, num acordo, na verdade, fictício, entre financiadores e os que contraíram empréstimos, numa relação contratual aparentemente correta. O problema está na aparente correção desse tipo de contrato, porque o componente moral é dele evacuado, como se não existisse ou não contasse.

Vejamos. Se um empréstimo é contraído para não ser pago, é porque tanto o credor como o tomador assumem a irresponsabilidade de suas ações. O agente bancário torna-se irresponsável por seu crédito e o tomador, por seu empréstimo, embora o contrato seja perfeitamente legal. Empréstimos são ações que pressupõem, como qualquer forma de ação, responsabilidade. Mas esse tipo de operação financeira está baseado na irresponsabilidade, do credor e do tomador.

No momento, porém, em que sua falha moral irrompe, ambos os contratantes procuram transferir suas respectivas irresponsabilidades ao governo, como se este devesse ser o responsável pelas irresponsabilidades alheias. Do ponto de vista dos bancos, surgem os supostos argumentos de que estes não podem quebrar, ou seja, traduzindo essa formulação em termos morais, os bancos têm todo o direito de ser irresponsáveis. Segundo o princípio da irresponsabilidade, o conjunto dos contribuintes deve se responsabilizar pelos bancos cujos dirigentes e acionistas usufruem os maiores dividendos e bônus.

Os tomadores de empréstimos também pedem socorro ao governo, exigindo, em troca do seu voto, refinanciamento de suas dívidas, ajuda para situações de insolvência, seguro-desemprego, e assim por diante. Políticas sociais são demandadas. Politicamente, ameaçam por uma solução, culpando os bancos por seus infortúnios, enquanto estes culpam aqueles pelas dívidas não pagas. Temos, então, uma situação assaz estranha, pois a irresponsabilidade moral se traduz em exigências políticas dos desfavorecidos, devendo o governo atendê-las.

Ato contínuo, os governos salvam seus bancos e procuram atenuar os efeitos da insolvência, via estímulo da economia, para que o mecanismo financeiro volte a funcionar. O instrumento utilizado é o aumento da dívida pública. Ou seja, para assumir a irresponsabilidade alheia, os governos tornam-se ainda mais irresponsáveis, transferindo uma dívida impagável para as próximas gerações, como se estas, aliás inexistentes nesse momento, devessem ser responsáveis pelo que não fizeram. Nesse contexto, a máxima de Keynes de que "a longo prazo estaremos todos mortos" é um elogio à irresponsabilidade, uma ode à imoralidade. E essa ode à imoralidade é citada por vários economistas como uma forma de sapiência - a sapiência dos irresponsáveis que auferem lucros por sua própria irresponsabilidade.

Ressalte-se que banqueiros e altos executivos, após a crise, continuaram usufruindo os mesmos privilégios e apresentaram como argumento que se trata de uma prática privada de mercado. O argumento é hilário. Quando confrontados com uma situação de quebra virtual, o argumento de mercado, no caso, a falência por maus negócios, não valeu. É o Estado, isto é, os contribuintes, que deveria arcar com seus maus negócios. Impostos deveriam ser destinados a eles para se salvarem. O privado, aí, tornou-se público. Nem o que ganharam individualmente foi devolvido. Passada a tormenta, voltam aos mesmos supostos argumentos - surrados, aos olhos da opinião pública - de que o mercado estipula esses valores de bônus e dividendos. O argumento é especialmente vicioso, mostrando, na verdade, o "vício" dos que assim agem. Pervertem o espírito do capitalismo em proveito próprio. Não deveriam, pois, causar estranheza as manifestações contra Wall Street.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Europa e EUA consomem 3 vezes mais aço que Brasil
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SP - 24/10/11

O consumo de aço no Brasil é um terço do registrado na Europa e nos Estados Unidos, de acordo com levantamento do ICZ (Instituto de Metais Não Ferrosos).

A média de utilização do metal no Brasil é de cem quilos por ano, por habitante. Entre os países desenvolvidos, por sua vez, esse índice chega a cerca de 300 quilos.

A diferença na quantidade de consumo do produto é uma questão cultural, segundo Gilberto Campos, do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo).

"A construção civil brasileira tem se baseado muito no concreto nas últimas décadas. Um dos maiores legados da Copa do Mundo e da Olimpíada deve ser o uso de novos equipamentos e materiais, como o aço", afirma Campos.

A estimativa de utilização do metal para as obras dos grandes eventos esportivos é de 5,8 milhões de toneladas, sendo 4,5 milhões apenas para os Jogos Olímpicos.

"A construção em aço permite uma velocidade maior, o que é fundamental neste momento", diz Eduardo Gomes, vice-presidente do ICZ.

Para a ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland), porém, a maior utilização de aço não deve prejudicar as vendas de cimento nos próximos anos.

"A produção do metal ainda não é realizada em escala tão grande no Brasil. A construção civil competiria com a indústria automobilística e os custos ficariam mais elevados", afirma Mario Esper, gerente da entidade.

PRODUÇÃO EM CONDOMÍNIO
Com investimento de R$ 250 milhões, a Retha Imóveis, especializada em administração, locação e venda de galpões, desenvolverá o projeto de quatro condomínios industriais no interior de SP e MG, com 227,3 mil m2 de área construída.

Um dos projetos será feito em parceria com o fundo de investimentos americano Prudential. Outros três condomínios deverão ser planejados entre as duas companhias nos próximos cinco anos. Nesses projetos, o aporte será de R$ 200 milhões.

"O mercado no setor está como nunca senti. Os próximos anos serão de pleno crescimento", diz o presidente da empresa, Marino Mário.

A maioria dos galpões dos condomínios é alugada.

"Há dez anos, indústrias não investem em paredes. A tecnologia é mais importante." A Retha Imóveis tem outros dois condomínios logísticos em obras.

"O capital é de investidores considerados mais conservadores, que costumam receber 15% de retorno", de acordo com Mário.

SENTINELA
O interesse dos conselhos de administração dos bancos no combate à lavagem de dinheiro reduziu nos últimos anos. Em 2007, 71% dos conselhos consideravam a questão de alta prioridade. Hoje são 62%, segundo a KPMG.

A queda, de acordo com o estudo, é resultado do momento financeiro, já que estratégias para sair da crise passaram a ser o foco dos bancos.

Nas Américas Central e do Sul, porém, 96% dos bancos dizem que a luta contra a lavagem é prioridade. O alto número pode ser consequência da preocupação com lavagem de dinheiro ligada ao tráfico e à corrupção política.

Apesar da redução do interesse dos conselhos dos bancos pelo assunto, os gastos no combate ao crime aumentaram 45% desde 2007.

MOTOR VERDE
A Scania vai lançar no Brasil o caminhão a etanol. A empresa, que já vende ônibus movidos pelo combustível, passa a fabricar no país veículos para o segmento de distribuição.

O modelo reduz 90% das emissões de carbono, segundo Christopher Podgorski, vice-presidente da empresa na América Latina.

"Nosso cliente, o transportador, começa a receber demanda de seus clientes, do setor farmacêutico, supermercadista e outros, por soluções ambientalmente responsáveis. É uma demanda crescente", diz.

A empresa vai fazer também um lançamento mundial de outros motores que atendem às novas regulamentações de emissão de poluentes no país.

"O Brasil ganhou importância nas operações da empresa. Cerca de 25% dos resultados estão atrelados à America Latina hoje."

A COMPRA DO ESTRANGEIRO
Walter Gonçalves Jr. e William Eid Jr., da FGV, lançam amanhã o livro "A Atividade do Capital Estrangeiro na BM&FBovespa".

Na obra, tese de doutoramento de Gonçalves Jr. sob a orientação de Eid Jr., os autores concluem que o investidor estrangeiro entra e sai do mercado local apenas para desfazer posições, e não para ampliá-las.

"Isso mostra que o nível de sofisticação de suas informações pode ser comparado ao do investidor local", afirma Eid Jr. "Indica que não é uma estratégia lucrativa adquirir ações quando os estrangeiros estão comprando."

Quanto à volatilidade, contrariando o senso comum, apesar de as compras dos estrangeiros tenderem a reduzir a volatilidade e suas vendas a aumentá-la, nos períodos de crise esse efeito não foi determinante para a instabilidade dos mercados.

Os autores observaram também que um cenário positivo no mercado externo induz investimentos no Brasil.

"Uma confiança em uma demanda externa firme de longo prazo se traduz em aumento da presença estrangeira na Bolsa brasileira, assim como a desvalorização do real gera compra de ações e a sua valorização provoca venda."

Para o professor, "a elevação do Brasil ao grau de investimento pelas agências de rating não aumentou o volume de capital estrangeiro na Bolsa como era esperado."

Risco... O risco político é a principal preocupação para 43% das multinacionais brasileiras que buscam expansão para o exterior por meio de aquisições nos próximos dois anos, segundo pesquisa da corretora de seguros Marsh e da consultoria Mercer.

...político O estudo aponta que 83% das multinacionais brasileiras reconhecem a importância da avaliação de lideranças antes de fechar uma transação. Mais de 50% dos executivos entrevistados afirmam envolver o RH na equação antes de fechar negócio.

com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ