domingo, janeiro 24, 2010

FERREIRA GULLAR

Uns mentem, outros deliram

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/01/10


Lula está convencido do papel que a História lhe teria destinado; parece personagem de Gogol


Seria simplificação excessiva dividir os políticos em duas categorias distintas: a dos honestos, sinceros, imbuídos de espírito público, e a dos desonestos, mentirosos e voltados apenas para seus próprios interesses: enfim, anjos de um lado e demônios, do outro.

Sabemos que não é assim, e alguns escândalos ocorridos há pouco, no Congresso e fora dele, deixaram isso bem claro. Daí sermos levados a considerar que, queiramos ou não, o mundo político tem características peculiares que, se não nos devem levar a abrir mão das exigências éticas no comportamento de qualquer cidadão, ensinam-nos a admitir uma margem de tolerância que permita ao transviado arrepender-se e corrigir-se, mesmo porque todos nós estamos sujeitos, vez por outra, a pisar na bola.

É certo que há erros e erros e, como se sabe, se errar é humano, persistir no erro é indesculpável. E, infelizmente, em nosso universo político, há muitos que não apenas erram e persistem, como abusam da tolerância alheia.

Os valores éticos não podem ser relativizados, é claro, mas o desvio será tanto mais grave quanto mais importante for o lugar que ocupe o infrator no âmbito da sociedade. Por exemplo, o suborno é inaceitável, seja praticado por quem for, mas será certamente mais grave se quem o praticar for o governador do Distrito Federal ou um senador da República.

Não será menos grave se se tratar de um ministro de Estado e, mais grave ainda, se for o presidente da República. Este, então, por sua condição de chefe de Estado, está obrigado a seguir com rigor e transparência todas as normas éticas e constitucionais.

Pois bem, mentir não é pecado apenas perante Deus, mas igualmente perante os cidadãos.

Há um tipo de político para quem isso não tem importância, desde que contribua para manter seu prestígio ou a governabilidade. Há mesmo aqueles que garantem serem mentirosas as acusações verdadeiras que lhes são feitas, atribuindo-as aos adversários políticos ou à imprensa. Eles têm consciência de que a maioria da opinião pública sabe que mentem, mas estão se lixando para ela, já que os seus currais eleitorais só acreditam no que eles dizem e sempre votarão neles. O resultado é que importa, o pragmatismo está acima da ética.

E não é isso que fazem tantos políticos e, entre eles, Lula e seu partido? Todo mundo sabe que eles se opuseram ferozmente à política econômica do governo anterior, chegando Lula a afirmar que o Plano Real era um golpe eleitoral que não duraria seis meses; que a Lei de Responsabilidade Fiscal era uma farsa e o Proer, um pretexto para dar dinheiro a banqueiros.

No entanto, desde o primeiro dia de seu governo, Lula aplica essas medidas que combateu, sem jamais dizer que as herdou do governo passado. Pelo contrário, sua turma afirma que FHC lhes deixou uma herança maldita, quando, na verdade, a inflação de 2002 foi provocada pela possível vitória de Lula, que assustava os investidores. E, como se não bastasse, não hesitam em dizer que a oposição não tem programa de governo, sabendo que se apropriaram dele, uma vez que ostentam, como seu, o programa que era do governo anterior.

Deve-se reconhecer que ter seguido a política econômica que dera certo foi uma decisão correta do governo Lula, mas como admitir que governa apoiado nas medidas que, se dependesse dele e seu partido, jamais teriam sido adotadas? Não o admite porque seria aceitar que deve grande parte de seu êxito ao adversário, o que desarmaria a tese segundo a qual ele, Lula, não é apenas mais um presidente que o povo elegeu, e, sim, o único, até hoje eleito, que efetivamente o representa.

Essa convicção não se baseia em argumentos lógicos e, sim, numa visão mistificada, segundo a qual, depois de séculos, um filho do povo, nascido na pobreza, derrotou os ricos e tomou-lhes o poder. Por essa razão, o próprio Lula considera-se um predestinado. Não por acaso, em seus discursos, ele sempre afirma: "Nunca antes na história deste país...". E quer anular tanto o TCU quanto a imprensa, já que um predestinado não pode ser nem fiscalizado nem criticado.

Por isso mesmo, não diria que ele é um mentiroso nem um farsante, já que está convencido do papel que a História lhe teria destinado. Lembra-me aquele personagem de Gogol que, chegando à província, foi tomado equivocadamente como o inspetor geral a serviço do czar e passou então a agir como tal, certo de que era o que não era. Lula, como aquele personagem, pode acordar dessa ilusão, em 2010, quando o verdadeiro inspetor chegar à cidade. Ou não.

DANUZA LEÃO

Ser escrava

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/01/10

Pensa que, se ela resolvesse mudar de cidade, como sua vida ficaria difícil -ah, não gosta nem de pensar

VOCÊ não sabe o quanto é perigoso quando alguém resolve virar sua escrava. Se você se distrair e deixar, vai se arrepender um dia, e amargamente. Essas pessoas são fiéis, devotadas e estão sempre à disposição. No início são maravilhosas, e se você se deixar levar, quando abrir os olhos, adeus independência, privacidade, vida própria.
Começa devagar: naquele domingo que você está resfriada, ela chega com os jornais, pão fresquinho, vitamina C e aspirina -tem melhor? Você fala em trocar o forro do sofá, e ela conhece um estofador bem baratinho e bem rápido; ah, quer vender a poltrona? Ela tem o telefone de um homem que compra móveis usados. Quem não quer uma amiga dessas? Ela começa a fazer tudo e você vai deixando; porque é fácil, porque é cômodo, porque todo mundo quer mesmo é moleza. Ela se aproveita e começa a ocupar vários espaços em sua vida.
Um dia chega de Petrópolis com dois cachos de banana-ouro que comprou na estrada. Da outra vez é um isopor cheio de camarão fresquinho, que não é de cativeiro, trazido de Cabo Frio; com este presentão, começa a se sentir com total liberdade de chegar e ir tocando a campainha sem ter nem avisado que vinha; afinal, podia estragar, com o calor. Quando você se espanta com tanta coisa na geladeira -afinal, mora sozinha-, vem a sugestão: uma moqueca no almoço de domingo -que ela mesma vai fazer, é claro. Também vai trazer a sobremesa, e uns amigos -e por acaso você pode dizer que não?
Ela não dá trégua: quando você cai em depressão, indica um analista; quando a cara pendura, um cirurgião plástico; quando a televisão quebra, um técnico que chega na hora marcada -e por aí vai. Se você se distrair, ela fez você trocar de supermercado, mudar o tipo de alimentação, de religião e de partido político. Ah, e induz você a marcar hora com o médico da moda, que faz medicina ortomolecular. Ela vai ouvir seus problemas, dar palpites, conselhos, e estará sempre à sua disposição, dia e noite, para o que quer que seja. Quando sua empregada some, te arranja outra de total confiança; te ajuda nas coisas mais insuportáveis, tipo entrar na fila do correio para mandar uma encomenda pelo Sedex (faz o embrulho e tudo), leva seu cachorro ao veterinário e descola um atestado médico -quem não precisa de um, às vezes?
Um dia você pensa: como tem sorte de ter uma amiga assim. Lembra do tempo em que morava fora do Brasil e se quebrasse a perna não tinha nem para quem telefonar, pedindo ajuda. Que felicidade ter alguém sempre por perto, sempre disponível, com quem pode contar para tudo, absolutamente tudo; até ir a uma delegacia para ser testemunha de uma batida de carro ela já foi, existe prova maior de amizade? Pensa que, se ela resolvesse mudar de cidade ou de país, como sua vida ficaria difícil -ah, não gosta nem de pensar.
Como ninguém controla os pensamentos, viaja, e chega até a pensar que abusa; afinal, mais que uma amiga, ela é praticamente uma escrava. Mal sabe que é exatamente o contrário. Quem virou a escrava, na verdade, foi você -tudo, aliás, que a outra pretendia. Ah, Freud.

EDITORIAL - O GLOBO

Chavismo em crise


O Globo - 24/01/2010

As últimas ações do coronel Hugo Chávez confirmam que seu histrionismo cresce quando ele precisa desviar a atenção de problemas domésticos. Daí a declaração cômica de que testes de armas secretas da Marinha americana estariam por trás do terremoto no Haiti. Ou a afirmação de que “o império americano está tomando o Haiti sobre os cadáveres e as lágrimas de seu povo”.

Quanto ao seu povo, os venezuelanos sofrem com a elevada inflação, o desabastecimento, os apagões (a energia elétrica escasseia por falta de investimentos em infraestrutura), a violência (Caracas é a cidade mais perigosa da América do Sul) e a ineficiência generalizada, uma vez que a ação preferida do governo é a estatização de empresas, sob qualquer pretexto. Há um ambiente propício também à corrupção.

Chávez derrubou a democracia “das elites” venezuelanas para supostamente acabar com a corrupção e refundar o país em nome de um vago “socialismo bolivariano do século XXI”, que se revela um regime autoritário e capaz de arruinar um país rico como a Venezuela.

Enquanto o preço do petróleo esteve nas alturas, Chávez, de cofre cheio, patrocinou aliados — Cuba, Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua, Honduras, Paraguai. Hoje, com a crise mundial e o preço do petróleo mais baixo, o chavismo faz água e seus aliados, idem. Cuba ainda espera o fim do embargo americano para melhorar de vida, mas os irmãos Castro não largam o osso. Evo Morales tomou posse para o segundo mandato na sextafeira, tentando costurar a colcha de retalhos que é a Bolívia, situação agravada por ele mesmo com a criação das autonomias indígenas.

A Argentina, importante aliado do chavismo, atravessa grave crise econômica, política e institucional.

Em Honduras, Chávez amargou uma derrota com a destituição do aliado Manuel Zelaya — numa crise que se arrasta há meses e que levou junto o Brasil.

Nesse panorama, enquanto o Chile confirma a maturidade de sua democracia com a vitória de Sebastián Piñera, o presidente Lula, em que pesem recaídas terceiromundistas, consolida a liderança no continente. A Venezuela, mesmo que consiga a adesão plena ao Mercosul (falta apenas a concordância do Senado paraguaio), não terá nele a solução de seus problemas, e ainda criará outros para o bloco. A instabilidade na Venezuela e em aliados de peso, como a Argentina, permite antecipar que 2010 deverá ser um ano tenso na América do Sul, no bloco sob a influência do chavismo.

JANIO DE FREITAS

Na hora trágica

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/01/10

Visão do governo Lula sobre a presença brasileira na tragédia do Haiti é menos humanitária do que política

NEM 24 HORAS foram necessárias para que o governo Lula se desmentisse e, com fatos claros, confirmasse que sua visão da presença brasileira na tragédia do Haiti é muito menos humanitária do que política, na sua concepção de Brasil potência. Concepção, aliás, bem semelhante à de Brasil Grande criada pela ditadura, há 30 e tal anos atrás (por acaso ou não, também naquela altura foi feito com a fábrica Dassault um negócio caríssimo de compra de aviões de caça).
Por ora, o resultado de tal política é apenas o ridículo. Sem promessa de que o resultado final seja outro, senão pior, caso o governo não perceba que seu "enfrentamento" com os Estados Unidos está fora do lugar, da hora e das possibilidades mais concretas.
Na quinta-feira, por exemplo, Lula tomou a iniciativa de cobrar ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a distribuição de alimentos e água no Haiti seja feita só por civis. Na sexta, os soldados brasileiros montaram um posto de distribuição, no qual entregaram "22 mil garrafas de água e 10 toneladas de alimentos". Nada de mais, só um pequeno vexame de falta de orientação e organização.
Pior foi que, no desejo de impedir que os EUA façam o papel simpático de distribuir gêneros, os nossos estrategistas concentrados na sede provisória do governo (o Planalto está em obras) puseram Lula na contramão. As distribuições, em circunstâncias de desespero como as do Haiti, devem ser feitas por militares ou com forte presença militar, para evitar o tumulto e a violência dos famintos na distribuição civil e desarmada. Espera-se que a proposta de Lula tenha ficado, na ONU, só como um vexame telefônico.
A terceira impropriedade em 24 horas sobe de nível: é a explicitude da disputa com um toque de adesão ao estilo Chávez de política externa. O posto de distribuição foi montado ostensivamente diante do que resta do palácio presidencial, porque a área foi ocupada por soldados dos EUA. O que os responsáveis pela atitude brasileira pensariam estar provando ou provocando? Nada mais inteligente, apropriado e adulto do que o cutucão no colega em fila na escola. A não ser que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ainda que vestido à paisana, tenha explicação mais elevada, não relativa ao nível primário, mas já ao secundário.
Por falar nele, outro exemplo, entre vários possíveis, foi a resposta política brasileira ao envio de 7.000 soldados dos EUA para o Haiti. Lula e Jobim: "o Brasil vai duplicar sua presença". Mais 1.750 soldados, portanto. Deu manchetes, TV, entrevistas. Mas, de fato, a soma dos que vão substituir os recém-retornados e dos acréscimos anunciados é de 900, que são os já treinados para as atividades lá. Previsto recurso a soldados que já estiveram no Haiti. A Casa Branca deve ter-se impressionado com a "duplicação da presença brasileira".
Os EUA estão retirando parte do seu pessoal, mas decidiram mandar mais 10 mil pessoas, com a finalidade declarada de servirem à reconstrução. Aguardemos, ansiosos, a réplica do governo brasileiro. Sem perguntar o que imagina obter da disputa prioritária, que tudo indica ser unilateral, com os norte-americanos nesta hora trágica do Haiti.

JOÃO FURTADO

Uma nova petroquímica?


O Estado de S. Paulo - 24/01/2010

A maior preocupação da opinião pública nesta nova rodada de reestruturação patrimonial da petroquímica parece ser com a formação de um "monopólio" (semi-privado), ademais sob comando de um grupo empresarial cuja "tecnologia empresarial" é ousada e agressiva. Sobre esse assunto, polêmico, deverá debruçar-se o Cade; e não faltarão pareceres técnicos, escritos por economistas especialistas no tema. Ao final do processo, qualquer que seja o seu desfecho, haverá descontentes. Mas convém lembrar que o tamanho da economia brasileira e as tecnologias existentes ajudaram a formar mercados de produtor único em quase todos os produtos; e que as resinas termoplásticas eram, até aqui, uma exceção a essa regra.

Em 2001, quando ocorreu o leilão da Copene, cujo controle foi arrematado pela empresa que depois originou a Braskem, escrevi um artigo (Petroquímica: a reestruturação sem fim) que começava perguntando: "Poderá o controle da Copene pelo grupo Odebrecht colocar fim à interminável reestruturação da petroquímica brasileira, que se arrasta desde o fim dos anos 80? É improvável." Menos de 10 anos se passaram e a reestruturação, interminável, prosseguiu (no Brasil e no mundo). Formou-se a Braskem e ela assumiu o controle integral da Copesul; a Ipiranga abandonou o setor; e formou-se a Quattor, com fragilidades agravadas pelos erros de gestão, as querelas familiares e a cobiça, tornando inevitável o seu desaparecimento como empresa independente, como só acontece entre a segunda e a terceira gerações nas empresas que persistem no encastelamento familiar.

Mundo afora ocorreram também inúmeros lances importantes no setor petroquímico, com um sentido principal: as empresas químicas e petroquímicas centenárias (Shell, BP, Basf e, quando conseguir, a Dow), cuja história se confunde com a própria química, têm "batido em retirada" do segmento de resinas, onde avançam capitais árabes, empresários russos e fundos privados com estratégias agressivas e erráticas.

Frente a este movimento, cabe refletir sobre o sentido de ter, o Brasil, uma grande empresa petroquímica; e uma empresa cujo controle é compartilhado entre um grupo empresarial agressivo e uma empresa estatal com outras prioridades e um processo decisório, digamos, complexo. Por partes.

A demanda química e petroquímica é bastante elástica: o crescimento do consumo desloca outros produtos e materiais em favor dos químicos. A produção de químicos no Brasil não tem acompanhado esse movimento e o déficit químico, que era de US$ 1,2 bilhão em 1990, elevou-se a US$ 6,6 bilhões em 2000 e alcançou US$ 23 bilhões em 2008. Uma vez que esses produtos são indispensáveis ao bom funcionamento da agricultura, da indústria e do consumo, a única forma de evitar esse megadéficit é por meio de investimentos, necessariamente volumosos. Contar com empresas aptas a realizá-los em cada um dos segmentos químicos é um trunfo importante, para a evolução industrial e para a dinâmica macroeconômica (incluindo o chamado setor externo). Ademais, será pela petroquímica e suas ramificações que o petróleo anunciado para o futuro terá valorização efetiva, o que vai muito além das resinas termoplásticas, o segmento de atuação da Braskem.

Ocorre que o principal entrave a esses investimentos tem sido a indisponibilidade de matérias primas competitivas. É esse o ativo-chave do setor; e a Petrobrás não tem sido muito pródiga em relação à petroquímica. A empresa apresenta um discurso que se quer extremamente protetor do "interesse nacional" e o seu presidente, Sérgio Gabrielli, afirma, repete, insiste à exaustão, inclusive para uma plateia de 600 pessoas do setor químico (em dezembro de 2009), que não tem e não terá matéria prima competitiva para fornecer, porque a empresa que dirige e o País têm outras prioridades. Mas, ao mesmo tempo, outros membros de sua diretoria acenam com promessas em sentido contrário...

Mais do que contar com a Petrobrás no comando compartilhado da nova empresa petroquímica, o que o desenvolvimento brasileiro precisa é de um horizonte claro que destrave os investimentos de todas as empresas químicas: regras claras e consistentes de fornecimento de insumos da Petrobrás para todas as empresas (incluindo as fábricas de fertilizantes), para a nova empresa petroquímica em que a Petrobrás terá participação acionária de quase 50%; e desta empresa para as demais empresas petroquímicas. A condição monopolista de fato da Petrobrás tem muitos bônus e também tem ônus. Não se trata de subsídio, mas de competitividade com responsabilidade. Os efeitos dessa nova política comercial que se faz necessária devem ser compartilhados ao longo da cadeia, o que inclui os demais segmentos petroquímicos e a dezena de milhar de empresas de transformação de plásticos.

Quanto à Braskem, o seu ritmo de expansão tem sido estonteante, centrado na compra de ativos existentes ou em aumentos de participações. Desde a compra da Copene houve sem dúvida um salto de governança e um avanço da gestão, requisitos indispensáveis para a entrada de sócios e para a alavancagem financeira. Esse capítulo encerra-se agora, com a nova Braskem ? uma grande empresa petroquímica, com dimensões internacionais indiscutíveis. A prioridade da Braskem nunca foi comprar a Quattor, mas sim uma empresa de resinas nos EUA, para somar às suas demais investidas internacionais e ao recém-anunciado investimento no México.

Evidentemente, ao longo do tempo essa diretriz principal da estratégia da Braskem poderá conflitar com a missão da Petrobrás, que dificilmente poderá ter entre seus objetivos e realizações uma participação muito ativa na produção de resinas em outros países. Essa contradição entre as duas estratégias não encontra mecanismos de solução fáceis no "acordo de acionistas" divulgado pelas empresas. Odebrecht e Petrobrás indicarão não apenas membros do Conselho de Administração, mas também diretores; e a ressalva quanto à qualidade das pessoas é insuficiente para resolver a divergência, quando ela se apresentar.

A Braskem permanece também com algumas das fragilidades registradas já em 2001: não dispondo de reservas abundantes, a preços hipercompetitivos (como o Oriente Médio), precisa construir vantagens baseadas em eficiência operacional e principalmente em inovações tecnológicas. A ousadia da Braskem em outros terrenos (inclusive nas resinas verdes) convive com timidez e acanhamento nesta diretriz, decisiva para seu desenvolvimento e sua independência. Se a Braskem nada fizer para sanar esta fragilidade, o sócio minoritário que entrou em cena para salvar da falência a Quattor terá de vir, cedo ou tarde, em seu socorro. E teremos ainda mais um capítulo da reestruturação.

CLÓVIS ROSSI

Grande momento, reação pequena

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/01/10


SÃO PAULO - Quando comecei no "Estadão", faz já longos 45 anos, o lendário jornalista Cláudio Abramo havia saído pouco antes, mas legara uma frase que seus contemporâneos repetiam aos que chegavam: "Um grande jornal se conhece nos grandes momentos".
Pena que o governador José Serra, que conviveu com Abramo, já na Folha, não tenha aprendido a lição, aplicada à política.
Se tivesse, saberia que é justamente em um "ano anômalo", como classificou este 2010, que começa horrível, que se conhecem os grandes administradores.
É verdade que as chuvas têm sido excepcionais, que a cidade cresceu de forma anárquica, que parte da população não colabora jogando lixo em tudo quanto é canto, que nem o prefeito nem o governador podem dançar a dança da chuva para que caiam menos águas ou, ao menos, que chova no mar, digamos.
Mas, dada a anomalia, que tal reagir a ela com um esquema igualmente fora do comum de defesa civil em todos os seus aspectos?
É tão difícil assim mobilizar todos os recursos da Companhia de Engenharia de Tráfego e da Polícia Militar para orientar os motoristas e tentar evitar que caiam nas ratoeiras que as chuvas armam ou para tirá-los delas?
É tão difícil assim montar frentes de trabalho emergenciais para limpar bueiros, córregos, rios, desobstruir enfim o máximo possível de pontos de alagamento?
Não existem na cidade mais rica do país especialistas em emergências para montar com eles e os funcionários públicos um gabinete de crise para pronta reação?
Tanto Gilberto Kassab como Serra reagem burocraticamente, molemente, nesses "grandes momentos" -tristes, mas grandes. Não é exatamente o comportamento que se espera de quem se supõe que vai disputar uma eleição presidencial esgrimindo o bordão de gerente -e competente.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Responsabilidade Social

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/01/10

A Ashoka, em parceria com a Global Alliance for Improved Nutrition, promove a partir de amanhã o desafio Nutrição de Qualidade: Soluções Inovadoras, que vai selecionar propostas de ONGs de todo o mundo.

A companhia aérea TAP abriu seu site, até 28 de fevereiro, para doações de milhas para o projeto Street Child World Cup - Copa do Mundo de Criança de Rua, no Brasil.

O Carrefour e o Shopping Frei Caneca aderiram à campanha Transforme seu Cupom Fiscal em Esperança e estabeleceram parceria para ajudar a Casa Hope. O público poderá contribuir para a ideia doando suas notas fiscais.

Cerca de cem alunos escolhidos em seis escolas públicas de São Paulo farão cobertura jornalística da Campus Party 2010 para o programa Nas Ondas do Rádio, com apoio da Fundação Telefônica.

O Shopping Cidade Jardim recebe, quarta, a segunda edição do Bingo do Bem, promovido pela Tiffany & Co. Toda a renda obtida do evento será revertida para o Instituto de Tratamento do Câncer Infantil.
Rodrigo Lombardi também entrou na onda. O ator abriu mão do cachê para participar da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda.
O humorista Carlinhos, ex- participante do reality A Fazenda, doou o carro que ganhou no programa para a Liga Solidária, organização social da qual foi abrigado.

A Orquestra Brasileira do Auditório do Ibirapuera, formada por 120 crianças carentes, acaba de ter o plano anual de atividades aprovado pela Lei Rouanet .

Parte da renda das vendas da Água Mineral Salve, no café das lojas Tok&Stok, será revertida ao Instituto Criar de TV e Cinema, de Luciano Huck.

Mundo da fantasia

Não é fácil a vida de Lourdes María, 13 anos, filha de Madonna. Ela tenta, tenta e não consegue gastar sua mesada semanal de US$ 11 mil.
Mas não é só ela que tem esse problema. Também no ranking dos filhos de mesada gorda, está Suri Cruise. Aos 4 anos, recebe de papai Tom US$ 1.500 semanais.

Tipo exportação

O "Bolsa Horta" foi parar no... Senegal. Criado pelo Desenvolvimento Social, o programa brasileiro financia compra de pequenas safras agrícolas e as distribui como doações.
A ideia foi "vendida" ao país africano durante a Cúpula sobre Segurança Alimentar, realizada em Dacar. Ela terminou na semana passada.

Curta à vista

Desde que acabou de gravar Caminho das Índias, Dira Paes só pensa em curtas.
Já gravou dois no Pará, sua terra, e será jurada do Festival Claro Curtas, em abril, em São Paulo. Vai escolher os filmes vencedores ao lado de Matheus Nachtergaele, Cao Hamburger, Caio Gullane e Carlos Nader.

Treino do treino

Ubiratan Aguiar, do TCU, entregou ao Ministério da Educação projeto para discutir um novo curso superior nas universidades.
A missão? Treinar servidores para reduzir as trapalhadas, hoje comuns, na montagem de licitações e convênios em todas as áreas administrativas do País.

À sombra da trave

No país do futebol, goleiro, por melhor que seja, não é rei.
O brasileiro Taffarel, melhor colocado no ranking da Federação Internacional da História e Estatística e Futebol, não passa do 10º lugar no ranking geral. E Dida está em 13º.
O primeirão? Gianluigi Buffon, o paredão da Juventus.

SADIO GARAVINI DI TURNO

Presidente acelera a radicalização da Venezuela

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/01/10


Receita do petróleo atenua queda, mas tendência do chavismo é perder apoio nos próximos anos
O presidente Hugo Chávez, em 11 anos de governo, recebeu as maiores receitas fiscais sustentadas de toda a história da Venezuela (US$ 900 bilhões), mas a ineficiência foi tão descomunal que a "potência energética mundial", como ele define o país, deve racionar a oferta de energia elétrica em boa parte do país. O fenômeno El Niño tem afetado grande parte do continente, mas somente a Venezuela está nessa situação de emergência.

Acrescente-se a isso o racionamento de água, a deterioração de todos os serviços públicos, em particular da saúde, e a violência criminal descontrolada. O bolívar, ridiculamente chamado de "forte" há apenas um ano e meio, foi desvalorizado. A inflação, que este ano foi de 30%, a maior do continente, deve chegar a 40% e ter consequências desastrosas para o poder aquisitivo da população, especialmente para a camada mais pobre. Além disso, a produção de petróleo, que representa 90% das entradas de divisas, vem caindo perigosamente.

"Qualquer legitimidade se deteriora depois de uma prolongada ineficiência", é o que nos lembra o cientista político Giovanni Sartori. Mas, num Estado rico em petróleo, como a Venezuela, nos períodos em que os preços do produto estão em alta, a abundância de receitas permite atenuar os efeitos dessa ineficiência. Assim, ela deve ser mais prolongada e profunda para deteriorar de vez a legitimidade e chegar a níveis críticos.

Recordemos que Chávez venceu as eleições presidenciais de 2006 com 63% dos votos, confirmando, com certeza, os resultados de todas as pesquisas sérias. Em compensação, apesar do descarado "oportunismo" oficial, da utilização ilegal de fundos públicos e da parcialidade dos órgãos eleitorais, Chávez venceu as recentes eleições regionais e o referendo para aprovar sua reeleição por tempo ilimitado com cerca de 54%. Agora, a "prolongada ineficiência" está tendo seus efeitos.

As pesquisas indicam uma importante tendência de queda no apoio ao presidente, que pela primeira vez desde 2003, se aproxima dos 40%. Chávez, como bom militar, acredita firmemente que a melhor defesa é o ataque e está reagindo a essa grave e inevitável tendência a médio prazo, persistindo na mesma política de aumentar seu controle sobre a sociedade.

De fato, nos últimos meses, o regime acelerou sua radicalização. Daí o fechamento de meios de comunicação independentes e a intimidação dos demais, o sequestro inconstitucional das atribuições de prefeitos e governadores de oposição, a utilização da Controladoria Geral da República - que supervisiona e investiga gastos públicos - e do Judiciário para desqualificar, prender ou obrigar líderes da oposição a se exilarem.

Depois de 11 anos no poder, durante os quais o chavismo controlou 100% do governo nacional e 90% dos regionais, é inconcebível que 90% dos acusados de corrupção sejam da oposição ou chavistas dissidentes. As declarações, reiteradas por Chávez e por membros da Suprema Corte, de que a divisão de poderes enfraquece o Estado e deve ser abolida da Constituição, são uma clara confissão de fé totalitária.

Foi aprovada uma nova lei educacional, copiada em parte da legislação cubana e preparada em segredo. A militarização do Estado, da sociedade e a politização das Forças Armadas, obrigadas a repetir continuamente o ridículo e necrófilo lema "Pátria, socialismo ou morte", se aprofundam.

Foi aprovada também uma lei eleitoral, sem consulta à oposição, que muda as "regras do jogo" e favorece descaradamente o governo. Finalmente, as contínuas desapropriações de empresas e terrenos privados delineiam o desvio totalitário do chavismo. Os melhores anos do regime ficaram para trás. Sua tendência de queda é inexorável.

Contudo, a receita vinda do petróleo e a falta, até o momento, de uma alternativa de governo podem estender esse processo de desgaste, salvo um possível colapso socioeconômico. A oposição tenta se unir e chegará às próximas eleições parlamentares em melhores condições do que nos últimos anos, mas ainda não conseguiu enviar uma mensagem que consiga atrair os eleitores decepcionados com o chavismo, cada dia mais numerosos.

Sadio Garavini di Turno é cientista político da Universidade Central da Venezuela

BRASÍLIA -DF

Lula não perdoa

por Luiz Carlos Azedo com Norma Moura

CORREIO BRAZILIENSE - 24/01/10


Não foi à toa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), de “babaca” na reunião ministerial de quinta-feira. O tucano faz parte de uma lista de desafetos do presidente da República, alguns chamados de “traidores” por petistas que integram o núcleo do governo. Guerra ficou marcado como vira-casaca em Pernambuco, quando deixou o PSB. Era um dos políticos mais ligados a Miguel Arraes, que refundou a legenda, mas depois se aliou ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Outro “traidor” é o presidente do PPS, Roberto Freire, que liderou a metamorfose do antigo PCB e tenta conquistar uma cadeira de deputado federal por São Paulo. Também fazem parte da relação a ex-senadora Heloísa Helena (AL), que rompeu com o PT e fundou o PSol, e a senadora Marina Silva (AC), que recentemente deixou o PT para ser candidata à Presidência da República pelo PV. A lista se completa com o deputado Fernando Gabeira (PV), candidato ao governo do Rio de Janeiro, e o senador Cristovam Buarque (DF). Demitido do cargo de ministro da Educação por telefone, o ex-governador do Distrito Federal trocou o PT pelo PDT , que hoje se reaproxima de Lula.

Desafetos

Por falar em desafetos, o presidente Lula não esconde de ninguém a intenção de derrotar alguns líderes da oposição que o incomodam muito durante os dois mandatos e estão em risco eleitoral para voltar ao Senado. O principal é o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (foto), no Amazonas. Outro é o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI). Ambos concorrerão à reeleição.


Apronto

Chumbo trocado não dói. Luiz Gonzalez, marqueteiro de Serra, gostou do tiroteio entre tucanos e paulistas da semana passada. Serviu para testar as reações da candidata do presidente Lula, Dilma Rousseff (PT), em momentos de confronto. A avaliação é de que a petista errou ao escolher a visita a Minas para endurecer o discurso contra o PSDB. Apesar de mineira, deu uma de gaúcha. Mineiro, quando vê três elefantes voando, continua pitando. Trata-os como se fossem passarinhos em busca do ninho, lembra um tucano.


Restituição

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) começa a pagar, a partir de amanhã, 27 milhões de aposentados, pensionistas e demais segurados. O INSS restituirá a 1.297.951 beneficiários o valor descontado a mais na folha de pagamento de dezembro de 2009, a título de Imposto de Renda. O valor médio das restituições é de
R$ 6,43


Moeda

Existem no país quase 4 bilhões de moedas de 1 centavo. Mesmo com a produção suspensa desde 2005, o Banco Central garante que essa quantidade é suficiente para atender a demanda. Apesar disso, é cada vez mais raro encontrar estabelecimentos comerciais que possuam troco quando se trata de 1 ou 2 centavos. O povo guarda a moeda de 1 centavo como se fosse o Tio Patinhas.


Salvos

Está fora da linha de tiro do presidente Lula o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que foi reeleito em 2006 e não precisa concorrer. O senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, estaria na mesma situação, mas vai à luta como candidato ao governo de Pernambuco.


Garoa/ Se não chover demais, São Paulo comemora 456 anos com uma virada de samba no Vale do Anhangabaú. Começa na tarde de hoje e só termina amanhã à noite. Demônios da Garoa, Arlindo Cruz, Leci Brandão, Paula Lima, Negra Li e Tony Garrido são alguns dos artistas convidados.

Fritura/ Dois secretários-executivos correm o risco de não virarem ministros quando chegar o momento da desincompatibilização. No Ministério da Integração Nacional, João Santana Filho, apesar de contar com o apoio do ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), encontra resistência no Planalto. Já no Ministério das Comunicações, o ministro Hélio Costa trabalha para emplacar seu chefe de gabinete, José Artur Filardi, no lugar do atual secretário-executivo, Fernando Lopes.

Cartórios/ O Conselho Nacional de Justiça fechou a conta: 7.828 cartórios terão que realizar seleção pública para substituir os tabeliães e notários que exercem o cargo sem concurso, como interinos ou substitutos.
Deputados querem mudar a legislação no Congresso para evitar a medida contra o apadrinhamento
e o nepotismo.

MARIO VARGAS LLOSA

Com Piñera, Chile elege a alternância

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/01/10


Com Sebastián Piñera na presidência, o desenvolvimento econômico e a democracia do Chile receberão um forte impulso e consolidarão o progresso integral da sociedade chilena - que, desde a queda da ditadura de Augusto Pinochet, há vinte anos, é o mais profundo que a América Latina conheceu.

Curiosamente, sua vitória não é um repúdio a Michelle Bachelet. A presidente do Chile sai do poder com 81% de popularidade, a mais alta já alcançada por um mandatário chileno ao deixar o governo.

Interessante sutileza a do eleitorado do Chile: ele premia com seu afeto a primeira mulher que chegou ao Palácio La Moneda e reconhece sua honestidade, seu empenho nas tarefas de governo, sobretudo seus esforços para promover a mulher e superar os preconceitos que freavam sua participação na vida econômica e política.

Mas, ao mesmo tempo, também decide que chegou a hora da alternância, abrindo à oposição de direita o acesso ao poder, depois de vinte anos de governo dos partidos de esquerda e centro-esquerda da Concertação. Fazia 52 anos que um candidato conservador não ganhava as eleições no Chile: o último foi Jorge Alessandri em 1958.

O balanço desses vinte anos da Concertação no poder é excelente. O Chile desmontou os aparelhos repressivos e as leis de exceção da ditadura, iniciando um processo de reparação e desagravo das vítimas. Simultaneamente, preservou as grandes linhas de uma política econômica que permitiu que a economia do país decolasse de maneira notável, reduzindo a pobreza de 42% a 13% (um avanço social que virou modelo em toda a América Latina), fez crescer a classe média, atraiu investimentos do mundo inteiro e dotou o Chile de uma estabilidade e solidez institucionais comparáveis às de democracias ocidentais de ponta.

A esquerda que governou o país nos últimos vinte anos não é a mesma que subiu ao poder com a Unidade Popular e Salvador Allende. Aquela acreditava na Revolução e no socialismo, não na democracia liberal, e seu modelo era a Cuba de Fidel Castro. Sua política de estatizações e de descalabro fiscal provocou uma inflação estratosférica, o caos e o empobrecimento generalizado, o que tornou possível o golpe militar e a sanguinária ditadura de Pinochet.

A Concertação aprendeu a lição e governou com espírito democrático, ressuscitando a velha tradição legalista chilena, reconstruindo o Estado de Direito e as liberdades públicas, mantendo a economia de mercado e o impulso aos investimentos bem como a disciplina fiscal. A abertura do Chile ao mundo foi também acelerada.

Mas vinte anos no poder são muitos. A Concertação perdeu o brio, começava a ficar embotada e, nos últimos anos, foram descobertos até mesmo alguns casos de corrupção, praticamente ausente da vida política chilena. Com discernimento, uma maioria eleitoral - apertada, sem dúvida: apenas 3,5 pontos porcentuais de vantagem para Piñera - decidiu que havia chegado a hora da alternância, princípio democrático por excelência.

A direita que chega ao La Moneda com Piñera também não é a mesma direita das cavernas, autoritária e conservadora representada pelo governo de Pinochet. Quando este deu o golpe, em 1973, Piñera estava na Universidade Harvard, nos EUA. Quando regressou ao Chile, trabalhou na CEPAL - na época de linha esquerdista e promotora da catastrófica política de "substituição de importações e desenvolvimento para dentro" - e, em todas as suas intervenções cívicas, se opôs à ditadura militar.

Foi contrário à Constituição imposta pelo regime militar e durante o plebiscito de 1988 participou ativamente com a oposição democrata-cristã na campanha pelo "Não", que dirigiu e ajudou a financiar com recursos de seu próprio bolso.

LIBERAL CONVICTO

Conheço Piñera há uns trinta anos, e, além de ter uma energia que chega a cansar os que o cercam, sei que é um democrata e um liberal convicto, inimigo de toda forma de autoritarismo e empenhado em aprofundar a liberdade em todos os campos da vida social.

Além disso, é uma pessoa tolerante e aberta, capaz de coexistir com ideias que divergem das suas quando contam com o apoio popular. Por isso, não foi fácil para ele obter o respaldo nas primárias para a sua candidatura presidencial dos setores mais conservadores da coalizão de centro-direita. Alguns militantes da União Democrata Independente (UDI) engoliram com dificuldade, por exemplo, o apoio de Piñera (que é católico praticante) a medidas como a pílula do dia seguinte e as uniões legais entre gays.

As grandes reformas que Piñera prometeu não comprometem os princípios básicos da democracia política e econômica de mercado, em torno dos quais, felizmente para o Chile, existe um firme consenso entre a esquerda e a direita chilena.

Mas introduzirão neste modelo grande renovação e modernização em temas como a educação, a proteção ao meio ambiente e a revolução tecnológica nos campos da comunicação e da globalização. Isso vai equipar o Chile para a concorrer nos mercados internacionais nos quais o país já se inseriu, mais e melhor, do que qualquer outro país latino-americano.

Piñera propôs corajosas reformas na Corporação Nacional do Cobre (Codelco), como a abertura de parte da exploração a empresas privadas e, o que é mais importante, o fim da exigência de que 10% das exportações desse produto se destinem às Forças Armadas.

PROJETO DE GOVERNO

Durante minha breve estada no Chile pude conhecer alguns dos 37 "Grupos de Tantauco" - na grande maioria jovens profissionais e técnicos saídos das melhores universidades chilenas e estrangeiras que, sob a direção do economista Cristián Larroulet, diretor do Centro de Estudos Liberdade e Desenvolvimento, estão preparando, há dois anos, o projeto de governo da Coalizão para a Mudança, de Piñera, e treinando equipes para implementá-lo.

Fiquei impressionado com o rigor das ideias, os projetos e o entusiasmo com que os jovens, mulheres e homens que trabalham neste plano se comprometeram, se necessário, a abandonar seus trabalhos bem remunerados no setor privado para se dedicarem no governo de Piñera a tornar o Chile um país do século 21.

No contexto latino-americano, a vitória de Piñera é um sério revés para o comandante Hugo Chávez, da Venezuela, e o grupinho de países que, sob sua liderança - Cuba, Nicarágua, Bolívia e Equador - pretendem impor na América Latina o modelo autoritário e populista ("O socialismo do século 21") que, nestes dias de colapso do fornecimento de água, energia e alimentos em terras venezuelanas, já mostra seus frutos.

O governo de Piñera - ele próprio o afirmou com clareza em sua primeira entrevista à imprensa estrangeira após a eleição- reforçará e dará novo alento a países que, como México, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Peru, Uruguai e Brasil, defendem a cultura democrática e resistem à ofensiva autoritária que, de Caracas, se propõe a fazer com que o continente retroceda para o coletivismo, o estatismo e a demagogia populista.

É quase um milagre que em um país latino-americano tenha chegado à presidência da república, em eleições livres, um empresário como Piñera, cujo patrimônio é calculado em mais de US$ 1 bilhão.

Nada é mais típico do subdesenvolvimento quanto a demonização do empresário, considerando-o um explorador, corruptor e inimigo dos pobres.

Um indício do avanço ocorrido no Chile em relação ao resto do continente é que os eleitores chilenos parecem ter compreendido que um empresário, quando é bem-sucedido em um regime de legalidade e livre concorrência - e não graças a negociatas ou a privilégios monopolistas - é um gerador de empregos e de riqueza, e seus sucessos beneficiam a sociedade como um todo.

No dia em que nos despedimos em Santiago, três dias antes da eleição, perguntei a Piñera qual seria sua melhor contribuição no governo, se ganhasse as eleições: "Dar um impulso decisivo ao nosso programa de oito anos, para crescer a uma média de 6% ao ano, algo perfeitamente possível. Se conseguirmos, a renda per capita, que agora é de US$ 14 mil, poderá chegar a US$ 24 mil. Teremos alcançado Portugal."
O Chile terá deixado então o subdesenvolvimento e será o primeiro país da América Latina a incorporar-se ao Primeiro Mundo.

SUELY CALDAS

O humanismo de Zilda Arns


O Estado de S. Paulo - 24/01/2010

Qual seu destino?

- Maceió, respondi.

- Eu vou descer no Recife, depois de você. Temos uma longa viagem pela frente. Vamos aproveitá-la bem, conversando. Concordas?

A senhora simpática, de sorriso largo e generoso, sentou ao meu lado na primeira fila da aeronave e foi logo se apresentando: "Meu nome é Zilda Arns e o seu?"

Não consigo precisar quando, mas era final dos anos 90. Embarcamos no Rio de Janeiro e o avião fazia escalas em Salvador e Aracaju antes de Maceió. Portanto, a conversa deve ter durado entre quatro e cinco horas. Desci do avião com a sensação de ter aprendido muito com aquela mulher que conhecia de nome, pela Pastoral da Criança, e imaginava sua ação restrita ao trabalho social. Pois o que mais assimilei e aprendi daquela conversa foi o seu jeito sábio e, ao mesmo tempo, simples de fazer política.

Limitei-me a perguntar e ouvir. E a resposta que mais me fez pensar foi dada à pergunta sobre sua ideologia:

- Não sei - disse simplesmente. E explicou com um exemplo:

- Quando fui diretora da Secretaria da Saúde do governo do Paraná, nos anos 70, meus amigos de esquerda criticavam e me acusavam de servir a um governo da ditadura. Não me importava nem com a esquerda, nem com o governador, nem com os militares ditadores. Importante era fazer o meu trabalho, levar saúde pública para crianças pobres. E consegui, porque não me faltaram dinheiro nem liberdade para fazer do meu jeito.

Na verdade, a ideologia de d. Zilda Arns foi o amor pelo ser humano, e humanismo existe entre homens de esquerda e de direita. Não é monopólio de nenhuma ideologia. No livro Direita e Esquerda (Editora Unesp, 1995) o pensador político italiano Norberto Bobbio lembra ser comum identificar a esquerda com o ideal de igualdade e a direita com o ideal de liberdade, mas observa: "Há doutrinas e movimentos mais igualitários e outros mais libertários, mas tenho dificuldade em admitir ser isto que distingue a direita da esquerda."

A sabedoria política de d. Zilda foi agir com pragmatismo, fazendo prevalecer princípios humanitários sobre determinismos ideológicos. Mas há quem se movimente na política no sentido contrário ao de Zilda Arns, por regulamentos ideológicos que fazem aflorar o ódio, o preconceito e dividem grupos sociais.

Na América Latina o representante mais autêntico desse fenômeno é o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Há dez anos no poder, ele usou a riqueza do petróleo para comprar apoio político ao seu projeto contra os EUA, distribuindo dinheiro aos governos da Bolívia, Equador, Argentina e Cuba. Dentro do país, em vez de aplicar a riqueza do petróleo em educação, saúde, investimentos em infraestrutura e distribuir renda com a geração de empregos, escolheu comprar apoio popular distribuindo dinheiro aos pobres.

Aí chegou a hora da verdade. A crise global fez despencar o preço do petróleo e abriu um enorme rombo nas contas do país. Mesmo com a economia em recessão e o PIB em queda de 2,3%, hoje a Venezuela vive racionamento de energia elétrica, cortes no fornecimento de água, escassez de alimentos e outros produtos essenciais, a inflação chegou a 27% em 2009 e, com a recente maxidesvalorização cambial, pode atingir 35% em 2010, devorando o poder aquisitivo da população.

Mas Hugo Chávez segue com seu populismo ideológico. À oposição ao seu projeto ele responde fechando emissoras de rádio e de TV, reprimindo a ação da imprensa, impondo sua vontade política e expropriando empresas privadas, como acaba de fazer com um supermercado francês. Com isso só consegue afugentar o investimento privado, não gera progresso econômico nem empregos, não distribui renda. Verdades absolutas ditadas por intolerâncias ideológicas atrapalham o progresso e atrasam a vida de um país, e pior quando são impostas, ignorando o bom senso, o bem comum. Padece a população, como acontece agora na Venezuela.

Também por aqui tivemos um exemplo, que tomou rumo diferente. Por quase duas décadas Lula e o PT atuaram no plano político-ideológico, xingando o FMI, o Banco Mundial e o governo dos EUA, condenando o capitalismo, empresários, banqueiros, fazendeiros, pregando o calote na dívida e votando contra todos os projetos de seu antecessor no Congresso, fosse o que fosse. Quando a chance de chegar ao poder ficou próxima, parte do PT deixou o partido, mas Lula e a maioria trataram de mudar radicalmente - discurso e ação. Renegaram o passado e trataram de se apropriar da política econômica de FHC que tanto condenaram.

BORIS FAUSTO

Obama - primeiro ano de governo

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/01/10


Uma opinião sobre o primeiro ano de mandato do presidente Barack Obama depende não só de convicções ideológicas, como da percepção dos limites do possível, cujos contornos nem sempre são claros.

O novo governo teve de enfrentar dois problemas básicos. De um lado, lida com a mais dura crise econômica dos Estados Unidos desde a Grande Depressão de 1929. De outro, no plano internacional, herda duas intervenções militares. Acrescente-se a isso que o esforço de Obama para forjar uma coalizão bipartidária, nas situações em que o interesse nacional estivesse em jogo, bateu de frente com a feroz oposição dos republicanos, de uma parte da mídia e de interesses corporativos.

No setor econômico, o governo saiu-se bem no sentido de evitar o caos econômico, desenhado desde a quebra emblemática do banco Lehman Brothers. É certo que vozes respeitáveis, no campo dos democratas, como a do economista Paul Krugman, consideram pouco ousadas as medidas tomadas para enfrentar o desemprego e regular o sistema bancário.

Ressalvas à parte, nos dias que correm, Obama entrou numa queda de braço com Wall Street ao propor a imposição de impostos aos grandes bancos e financeiras, além de cobrar a devolução do socorro fornecido no auge da crise. Justificativas para essas propostas não faltam. Muitos bancos não demonstram a menor propensão a se emendar e continuam a pagar a seus executivos, a título de bônus por resultados satisfatórios, quantias polpudas saídas, em vários casos, do bolso do contribuinte americano. É inegável, ainda, que investir contra o sistema financeiro pode proporcionar bons dividendos políticos, com vista às eleições parlamentares de novembro.

Ao mesmo tempo, as medidas anticíclicas geraram um pesadíssimo déficit público, que pesa como uma imensa hipoteca para as próximas décadas. Mas salvou-se a casa incendiada, embora as consequências tóxicas sejam tão preocupantes quanto inevitáveis.

Menciono apenas a liberação das pesquisas com células-tronco, os avanços na busca de fontes de energia alternativa, a reforma educacional, para me deter um pouco na reforma do sistema de saúde - uma das principais promessas de campanha do presidente.

Lembremos que há dois projetos de reforma aprovados, um no Senado e outro na Câmara dos Representantes, a serem consolidados num texto final antes do encaminhamento à sanção presidencial.

O presidente Obama obteve uma vitória parcial, mas significativa. A vitória é parcial porque houve várias exclusões no projeto do governo, entre elas o corte da possibilidade de o Estado concorrer com empresas privadas no setor. Seja como for, abriu-se o caminho para que aproximadamente 40 milhões de pessoas venham a obter proteção previdenciária, apesar da forte oposição não só da direita e seus porta-vozes, como também dos grandes sindicatos. Estes, assim como as seguradoras, querem barrar a proposta, aprovada pelo Senado, de um imposto - a chamada "Cadillac Tax" - incidente nos planos privados de maior valor para financiar parte do novo programa. Como resultado dessas alianças, apenas cerca de 37% dos americanos aprovam a universalização dos planos de saúde.

Na área externa, os limites da ação presidencial são visíveis. A retirada do escudo antimísseis apontado para a Rússia, a pretexto de garantir a segurança europeia contra as maquinações do Irã, foi um passo à frente, assim como o incremento de relações multilaterais com os demais países do mundo, apesar das inevitáveis fricções. Mas há pontos muito graves para os quais não se vislumbra um resultado satisfatório, a médio ou mesmo a longo prazo. Se o Iraque deixou de ser o problema principal, não foi possível avançar no infinito problema das relações Israel-palestinos, na contenção do Irã, que se nega a admitir inspeções nucleares, e o Afeganistão, acoplado ao Paquistão, tornou-se o centro de um imbróglio. Num país tribal, com um presidente eleito em eleições fraudulentas, os Estados Unidos, que têm hoje 100 mil soldados no Afeganistão, conseguirão reduzir substancialmente as ações terroristas e ganhar legitimidade perante a população, com iniciativas não só militares?

No ano que se inicia, os problemas não são poucos. Um deles é o desemprego, na casa dos dois dígitos, problema grave cuja resolução levará tempo e será posterior à retomada econômica, venha ela quando vier. Outro é o desfecho das eleições de "mid-term" - as eleições de novembro, para a renovação da Câmara dos Representantes e de parte do Senado. As condições sociais, a pressão organizada da direita, os desencontros entre os democratas tornam essas eleições difíceis para o governo. Um eventual resultado negativo levaria a maiores dificuldades nas relações entre o Executivo e Congresso, afetando o processo legislativo. Nesse sentido, a vitória dos republicanos nas eleições para o Senado no Estado de Massachusetts, em substituição ao falecido senador Ted Kennedy, é um mau presságio, que desde logo põe em risco a consolidação do plano de saúde.

Além disso, quem poderia garantir, apesar da multiplicação de medidas de segurança, que um terrorista não consiga realizar uma façanha mortífera, com seriíssimas consequências políticas?

Por último, as pesquisas de opinião revelam uma considerável queda da popularidade do presidente americano, que, após um momento inicial de aprovação, em torno dos 70%, caiu para pouco mais de 49% de opiniões favoráveis e 44% de desfavoráveis, na média das últimas pesquisas. A divisão de opiniões é, portanto, clara.

Diante dos avanços e de tantos riscos, é difícil prognosticar não só qual seria o horizonte de longo prazo, como o quadro que estará diante de nós ao fim do segundo ano de mandato do presidente Obama.


Boris Fausto, historiador, presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Conjuntura Internacional (Gacint-USP), é autor, entre outros livros, de História do Brasil (Edusp)

CELSO MING

Cavalo de Troia


O Estado de S. Paulo - 24/01/2010

A deterioração das finanças públicas da Grécia é tão profunda que fica difícil acreditar numa saída normal, digamos assim. É um cavalo de Troia dentro da União Monetária Europeia (a área do euro).

Um desastre nesse país teria impacto de vastas repercussões na economia global e, especialmente, no mercado financeiro.

O problema central é conhecido. O governo da Grécia manipulou enquanto pôde as estatísticas oficiais até que o rombo anual de 12,7% do PIB e uma dívida de 86,1% do PIB ficassem escancaradas. Quando saírem os números definitivos do PIB de 2009, que deverão apontar uma queda entre 2,5% e 3,0%, se verá que a encrenca fiscal pode ser ainda maior. Nenhum membro da União Monetária Europeia pode ter dívida superior a 30% do PIB nem um déficit público maior que 3,0% do PIB.

O primeiro-ministro George Papandreou garantiu que vai colocar em prática um plano de austeridade que, em apenas três anos (até 2012), derrubará o déficit fiscal para 3,0% do PIB, como pedem o Tratado de Maastricht e o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). É uma tarefa mais complicada do que reconstruir a acrópole de Atenas.

Exigirá uma contração da atividade econômica tão grande que parece politicamente insustentável. Em todo o caso, é, por enquanto, o único projeto apresentado pelo governo de Atenas para sair da encalacrada.

Uma ideia considerada pelos analistas é a retirada da Grécia do bloco do euro para que possa reemitir sua própria moeda (a dracma). Isso iria desvalorizá-la diante do euro e demais moedas fortes, e puxaria corajosamente pelos juros. O problema é que a probabilidade de salvação fora do navio do euro é baixa. A desvalorização cambial provocaria disparada da inflação e tudo poderia piorar quando a credibilidade do governo grego derretesse.

Também não sai da cabeça dos analistas a possibilidade do calote da dívida. Se isso acontecesse, a Grécia perderia o crédito, não conseguiria mais rolar sua dívida pública e o ajuste fiscal teria de ser bem mais selvagem.

E por que os outros primos ricos da área do euro, especialmente Alemanha e França, não poderiam vir em socorro da Grécia? O PEC proíbe as transferências de recursos fiscais entre os sócios do bloco. E não se trata apenas de uma disposição formal. A proibição reflete a impossibilidade de interferência na administração interna de um país por outro.

Hoje, não há unidade política dentro do bloco, cada país tem seu governo, seu sistema tributário e decide como alocar os recursos públicos. Todas as tentativas de constituição de uma unidade política fracassaram.

Transferências de recursos dentro do grupo implicariam imposição de condicionalidades (exigências) que garantissem o retorno desses recursos. Além do que, estabelecido o precedente, os outros membros do grupo dos Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), que também vão mal das pernas, teriam direito a beber do mesmo poço.

A opção a ser adotada, seja ela qual for, será de alto risco. E, no entanto, enquanto os Piigs não resolverem suas encrencas, o Banco Central Europeu continuará restringido na execução de sua política monetária (política de juros).

Ou a inflação correrá mais solta na área do euro, ou os Piigs enfrentarão problemas ainda maiores na administração dos seus rombos.

Confira

E os estoques? O presidente Lula abriu fogo contra os usineiros pela escassez e pela disparada dos preços do álcool hidratado no mercado. E reclamou da "falta de seriedade" deles.

O setor tem uma longa história de falta de compromisso com o abastecimento interno, especialmente na entressafra. Mas os usineiros não podem ser responsabilizados sozinhos pelas falhas nessa área.

O governo federal sabe que deveria cuidar da formação de estoques reguladores, mas vai deixando pra lá. E chega o tempo em que a falta de estoques prejudica o abastecimento. Falta de seriedade de quem?

ARI CUNHA

Coisas do Padre Cícero

CORREIO BRAZILIENSE - 24/01/10


Religioso e político, Padre Cícero Romão Batista não gostava de dar dinheiro aos pedintes. De uma feita, chega um cidadão forte e trabalhador. Foi à casa do “meu padim”. Lá chegando, pediu emprego para sobreviver no Juazeiro. Padre Cícero indagou qual era a sua profissão. Era funileiro. Padre Cícero lhe aconselhou a fazer lamparinas. E deu o total. Acima de 10 mil. E mostrou modelo para desfile na rua. Incrédulo, achou que era muito. A igreja lhe comprou material. O homem se danou a trabalhar. Ia fazendo e guardando na casa paroquial. Havia dois quartos lotados. Padre Cícero criou o Dia da Noite Iluminada. Mandou o homem vender por dois cruzeiros. Foi o maior sucesso. Todos os anos a festa se renova e o estoque de lamparinas se aprimora.


A frase que não foi pronunciada

“A pobreza é exercitadora das virtudes dos nossos talentos.”
Soldado pensando no Haiti


Novidade

» Está com os dias contados a liberdade sem limites dos cartões de créditos. Projeto do senador Antonio Carlos Magalhães Júnior obriga as operadoras a fornecerem informações completas sobre taxas e alterações nos contratos. Visa e Mastercard detêm até 70% do mercado de cartões.

Google

» Vai esquentando a briga entre o Google e as autoridades chinesas.
Até Hillary Clinton entrou no circuito.

Convite

» O ano de 2014 está aí. A Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados vai fazer o primeiro convite ao ministro Orlando Silva, dos Esportes, para atualizar os deputados sobre as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo. Há atrasos.

Adoção

» Problemas do Haiti têm facilitado a adoção de crianças por outros países. ONGs radicadas no Haiti são contra. Outra preocupação é o envio das crianças para a República Dominicana sem um responsável para administrar o trâmite.

Peso

» José Serra se recusa terminantemente a baixar o nível na disputa política. Insistente, uma repórter que queria saber se quem começou a briga foi a ministra Dilma. Ele virou de costas e seguiu caminho. É bom não desdenhar os votos dos espectadores do
programa do Ratinho.

Paz e amor?

» Esperto e próximo ao povão, o presidente Lula dá o sinal do que virá adiante. Ele quer uma campanha de “alto nível” baseada em projetos. Dando corda ao que o povão gosta, aproveitou
os microfones para chamar o senador Sérgio Guerra de “babaca”.

Tesouro

» Entre os escombros no Haiti, um artigo precioso é resgatado. A transmissão de algumas rádios está salva. As notícias diárias são acompanhadas por pequenas multidões que fazem uma roda em torno dos aparelhos de rádio, já que são poucos.

Abuso

» Difícil haver notícia boa que traga a Câmara Legislativa no título. Até na crise vem coisa pior. Para convocar os suplentes, o contribuinte vai arcar
com mais um absurdo —
R$ 100 mil reais por mês. Não há assalariado que aguente manter o alto preço da inutilidade.

DNPM

» Todos os interessados no assunto voltam a atenção para a notícia. Há projeto na Câmara do deputado Carlos Bezerra que isenta as cooperativas de garimpeiros da taxa de exploração.

História de Brasília

Uma canhoeira da Marinha de Guerra apreendeu um navio de contrabandistas ao largo do Rio. A coisa ainda está dentro de muito sigilo. Houve a denúncia de contrabando e as providências iniciais foram solicitadas pelo governador Carlos Lacerda. Com a aproximação da canhoeira, o navio hasteou bandeira inglesa. A canhoeira deu um tiro e foi hasteada, então, a bandeira francesa. No segundo tiro, subiu a bandeira branca. (Publicado em 23/2/1961)

ALBERTO TAMER

Déficit não assusta, mas vai pesar no câmbio

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/01/10


Saiu na semana passada o resultado oficial das contas correntes em 2009. Déficit de US$ 5,94 bilhões em dezembro. Não assusta, 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Neste ano pode chegar a 2,5%, mesmo assim controlável nos próximos anos.

Mas acende um sinal de alerta. Estamos dependendo cada vez mais da entrada de recursos externos e menos das exportações, que não se animam apesar da leve recuperação do comércio mundial, nos últimos meses.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, junta-se aos seus colegas ao afirmar que está preocupado, não com o que o ocorre agora, mas com os números que virão nos próximos anos e os efeitos desfavoráveis sobre a economia.

"2010 é financiável, não é problema. Estimamos um déficit em US$ 53 bilhões, um valor alto, mas ainda plenamente financiável. O problema é que a perspectiva é de que ele deve aumentar nos próximos anos", afirma.

NÃO É SÓ O CÂMBIO

A questão relevante aqui não é o câmbio. Não é um ajuste na taxa de câmbio que irá reverter essa trajetória de aumento do déficit nas contas externas. A diferença é que vamos crescer mais do que a média mundial, ao contrário do que aconteceu entre 2003 e 2008. Nesse período, principalmente nos primeiro anos do período, a brasileira avançou relativamente menos.

"Como esperamos que o mundo cresça pouco nos próximos anos, por achar que a crise ainda restringirá consumo nos países desenvolvidos, e pelas perspectivas de crescimento positivas de nossa economia, a trajetória da conta corrente será inversa ao da bonança que tivemos entre 2003-2008. Naquele momento o câmbio apreciou continuamente e isso não evitou a balança comercial de continuar elevada", diz.

Fomos beneficiados também pelo aumento dos preços das commodities decorrente da própria expansão da economia mundial.

"Por conta disso, essa perspectiva de déficit em conta corrente elevado vai ter seu impacto muito claro no câmbio. Na verdade, isso já começou a acontecer", diz Sergio Vale.

Mais do que a ameaça do governo de colocar mais IOF ou não na entrada de recursos externos, que não é central para mudar a trajetória do câmbio, é a tendência do déficit em conta corrente que fará esse trabalho para a taxa de câmbio. A questão é evitar que isso gere inflação, num momento de crescimento forte e eleição disputada.

O NOVO GOVERNO

Ele não acredita que possa haver grandes mudanças na política na política e monetária e cambial econômica do novo governo. E isso mesmo porque já se pode sentir uma tendência de mudança, neste ano "o que já acalmará o ânimo dos candidatos."

A grande diferença para impedir que o déficit em conta corrente se transforme num problema será fazer um ajuste fiscal relevante. Isso aumentaria a poupança, permitiria juros menores e aumentaria a perspectiva de gastos com infraestrutura e não gastos correntes.

Mas ele acha "impossível um mais forte, em 2011, quando o novo governo assume mais fragilizado. Quem ganhar, deve ganhar por pouco, com margem mais fraca no Congresso, e depois de anos de gastança. Vai ser difícil mudar a cabeça dos congressistas".

CAI SOBRE O CÂMBIO

Por isso, diz ele, o ajuste acabará sendo pela taxa de câmbio, o que vai exigir um novo ciclo de alta de juros e crescimento econômico mais baixo. Não será um "voo de galinha, com crescimento zero, mas temos que contar com a hipótese de crescimento de 3% a 4% já em 2011".

Enquanto a poupança e o investimento não aumentarem significativamente não temos a menor chance de crescer sem poupança externa. E se tentarmos crescer vamos esbarrar novamente na restrição externa.

E Sergio Vale conclui: "Tinha-se a impressão de que esse tipo de restrição já estivesse superado, que não haveria mais problemas dessa ordem no País, mas a verdade é que ela ainda é um desafio decorrente de políticas erradas feitas nos últimos dois anos.