domingo, janeiro 24, 2010

JOÃO FURTADO

Uma nova petroquímica?


O Estado de S. Paulo - 24/01/2010

A maior preocupação da opinião pública nesta nova rodada de reestruturação patrimonial da petroquímica parece ser com a formação de um "monopólio" (semi-privado), ademais sob comando de um grupo empresarial cuja "tecnologia empresarial" é ousada e agressiva. Sobre esse assunto, polêmico, deverá debruçar-se o Cade; e não faltarão pareceres técnicos, escritos por economistas especialistas no tema. Ao final do processo, qualquer que seja o seu desfecho, haverá descontentes. Mas convém lembrar que o tamanho da economia brasileira e as tecnologias existentes ajudaram a formar mercados de produtor único em quase todos os produtos; e que as resinas termoplásticas eram, até aqui, uma exceção a essa regra.

Em 2001, quando ocorreu o leilão da Copene, cujo controle foi arrematado pela empresa que depois originou a Braskem, escrevi um artigo (Petroquímica: a reestruturação sem fim) que começava perguntando: "Poderá o controle da Copene pelo grupo Odebrecht colocar fim à interminável reestruturação da petroquímica brasileira, que se arrasta desde o fim dos anos 80? É improvável." Menos de 10 anos se passaram e a reestruturação, interminável, prosseguiu (no Brasil e no mundo). Formou-se a Braskem e ela assumiu o controle integral da Copesul; a Ipiranga abandonou o setor; e formou-se a Quattor, com fragilidades agravadas pelos erros de gestão, as querelas familiares e a cobiça, tornando inevitável o seu desaparecimento como empresa independente, como só acontece entre a segunda e a terceira gerações nas empresas que persistem no encastelamento familiar.

Mundo afora ocorreram também inúmeros lances importantes no setor petroquímico, com um sentido principal: as empresas químicas e petroquímicas centenárias (Shell, BP, Basf e, quando conseguir, a Dow), cuja história se confunde com a própria química, têm "batido em retirada" do segmento de resinas, onde avançam capitais árabes, empresários russos e fundos privados com estratégias agressivas e erráticas.

Frente a este movimento, cabe refletir sobre o sentido de ter, o Brasil, uma grande empresa petroquímica; e uma empresa cujo controle é compartilhado entre um grupo empresarial agressivo e uma empresa estatal com outras prioridades e um processo decisório, digamos, complexo. Por partes.

A demanda química e petroquímica é bastante elástica: o crescimento do consumo desloca outros produtos e materiais em favor dos químicos. A produção de químicos no Brasil não tem acompanhado esse movimento e o déficit químico, que era de US$ 1,2 bilhão em 1990, elevou-se a US$ 6,6 bilhões em 2000 e alcançou US$ 23 bilhões em 2008. Uma vez que esses produtos são indispensáveis ao bom funcionamento da agricultura, da indústria e do consumo, a única forma de evitar esse megadéficit é por meio de investimentos, necessariamente volumosos. Contar com empresas aptas a realizá-los em cada um dos segmentos químicos é um trunfo importante, para a evolução industrial e para a dinâmica macroeconômica (incluindo o chamado setor externo). Ademais, será pela petroquímica e suas ramificações que o petróleo anunciado para o futuro terá valorização efetiva, o que vai muito além das resinas termoplásticas, o segmento de atuação da Braskem.

Ocorre que o principal entrave a esses investimentos tem sido a indisponibilidade de matérias primas competitivas. É esse o ativo-chave do setor; e a Petrobrás não tem sido muito pródiga em relação à petroquímica. A empresa apresenta um discurso que se quer extremamente protetor do "interesse nacional" e o seu presidente, Sérgio Gabrielli, afirma, repete, insiste à exaustão, inclusive para uma plateia de 600 pessoas do setor químico (em dezembro de 2009), que não tem e não terá matéria prima competitiva para fornecer, porque a empresa que dirige e o País têm outras prioridades. Mas, ao mesmo tempo, outros membros de sua diretoria acenam com promessas em sentido contrário...

Mais do que contar com a Petrobrás no comando compartilhado da nova empresa petroquímica, o que o desenvolvimento brasileiro precisa é de um horizonte claro que destrave os investimentos de todas as empresas químicas: regras claras e consistentes de fornecimento de insumos da Petrobrás para todas as empresas (incluindo as fábricas de fertilizantes), para a nova empresa petroquímica em que a Petrobrás terá participação acionária de quase 50%; e desta empresa para as demais empresas petroquímicas. A condição monopolista de fato da Petrobrás tem muitos bônus e também tem ônus. Não se trata de subsídio, mas de competitividade com responsabilidade. Os efeitos dessa nova política comercial que se faz necessária devem ser compartilhados ao longo da cadeia, o que inclui os demais segmentos petroquímicos e a dezena de milhar de empresas de transformação de plásticos.

Quanto à Braskem, o seu ritmo de expansão tem sido estonteante, centrado na compra de ativos existentes ou em aumentos de participações. Desde a compra da Copene houve sem dúvida um salto de governança e um avanço da gestão, requisitos indispensáveis para a entrada de sócios e para a alavancagem financeira. Esse capítulo encerra-se agora, com a nova Braskem ? uma grande empresa petroquímica, com dimensões internacionais indiscutíveis. A prioridade da Braskem nunca foi comprar a Quattor, mas sim uma empresa de resinas nos EUA, para somar às suas demais investidas internacionais e ao recém-anunciado investimento no México.

Evidentemente, ao longo do tempo essa diretriz principal da estratégia da Braskem poderá conflitar com a missão da Petrobrás, que dificilmente poderá ter entre seus objetivos e realizações uma participação muito ativa na produção de resinas em outros países. Essa contradição entre as duas estratégias não encontra mecanismos de solução fáceis no "acordo de acionistas" divulgado pelas empresas. Odebrecht e Petrobrás indicarão não apenas membros do Conselho de Administração, mas também diretores; e a ressalva quanto à qualidade das pessoas é insuficiente para resolver a divergência, quando ela se apresentar.

A Braskem permanece também com algumas das fragilidades registradas já em 2001: não dispondo de reservas abundantes, a preços hipercompetitivos (como o Oriente Médio), precisa construir vantagens baseadas em eficiência operacional e principalmente em inovações tecnológicas. A ousadia da Braskem em outros terrenos (inclusive nas resinas verdes) convive com timidez e acanhamento nesta diretriz, decisiva para seu desenvolvimento e sua independência. Se a Braskem nada fizer para sanar esta fragilidade, o sócio minoritário que entrou em cena para salvar da falência a Quattor terá de vir, cedo ou tarde, em seu socorro. E teremos ainda mais um capítulo da reestruturação.

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