O procurador-geral da República Augusto Aras concedeu entrevista a Pedro Bial. Ficou fácil notar que algo está errado. Depois de ouvir o personagem por incontáveis minutos, fica-se com uma dúvida incômoda:
Afinal, a entrevista foi mais constrangedora pelas perguntas que Aras teve de ouvir ou pelas respostas que ele não conseguiu oferecer?
As perguntas foram embaraçosas porque giraram em torno da suspeita de que há na chefia do Ministério Público Federal não um procurador, mas um acochambrador.
Indagou-se sobre o autoconvite de Bolsonaro e a recepção amistosa oferecida na Procuradoria a um presidente investigado, sobre a certeza do inquilino do Planalto de que o inquérito que o incomoda será arquivado, sobre a insinuação de que um arquivamento poderia render o prêmio de uma indicação para cobiçada poltrona no Supremo...
As respostas soaram incômodas até nos instantes em que o entrevistado se esforçou para passar firmeza. "Vou cumprir a Constituição, sou firme e duro", disse o procurador-geral a certa altura, sem se dar conta de que solidez é algo que se demonstra com atos, não com palavras.
Por ora, o que se viu além de gogó foram decisões fluidas e recuos.
Foi com fluidez que o procurador-geral revelou-se menos generoso do que a própria Advocacia-Geral da União ao recomendar ao Supremo que divulgasse quase nada do vídeo que expôs o strip-tease coletivo da reunião ministerial de 22 de abril.
Foi com uma meia-volta que Aras pediu ao Supremo a suspensão do inquérito sobre fake news. O mesmo processo que ele já havia considerado constitucional, destoando da antecessora Raquel Dodge.
"Esqueceu de combinar comigo", afirmou Aras sobre a hipotética vaga no Supremo. Não percebeu que combinação é uma palavra que não orna com o vocabulário de um procurador. Não deve ser pronunciada nem como ironia.
"O presidente não comete nenhum ilícito por não usar a máscara", declarou o entrevistado noutro ponto, confundindo o papel de procurador-geral com o de Advogado-Geral da União.
Como se tudo isso fosse pouco, Aras ainda conseguiu colocar em dúvida algo que deveria ser indubitável. Insinuou durante a entrevista que as Forças Armadas podem atuar como instância moderadora quando "um Poder invade a competência de outro". Uma tese esdrúxula que foi esgrimida por Bolsonaro na fatídica reunião ministerial de 22 de abril.
Vale a pena ouvir o procurador-geral: "Quando o artigo 142 [da Constituição] estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcionamento dos Poderes constituídos, essa garantia é no limite da garantia de cada poder. Um poder que invade a competência de outro poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituição."
A manifestação de Aras causou arrepios no Supremo, cujos ministros vêm sendo tratados como inimigos pelo presidente. A má repercussão foi tão grande que o procurador-geral viu-se compelido a soltar uma nota oficial para explicar o que não deveria ter colocado em dúvida.
Esforçando-se para não ficar mal com o Planalto, Aras escreveu: "Os poderes são harmônicos e independentes entre si. Cada um deles há de praticar autocontenção para que não se venha a contribuir para uma crise institucional. As Forças Armadas existem para a defesa da pátria, para a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, para garantia da lei e da ordem, a fim de preservar a democracia brasileira."
A Procuradoria já conviveu com extremos inconvenientes. Teve procurador que ganhou fama de engavetador. Teve procurador que se autoproclamou flechador. O ideal seria que houvesse na Procuradoria o básico essencial: um procurador que exiba alguma disposição para procurar.
Até aqui, Aras pareceu mais propenso a crer do que a duvidar. Precisa demonstrar que sua firmeza e dureza vão além da retórica. A julgar pelo comportamento de Bolsonaro, não faltarão oportunidades.