domingo, agosto 28, 2016

Cinco razões para darmos adeus a Dilma - BOLÍVAR LAMOUNIER

FOLHA DE SP - 28/08

O excesso, não a falta, é o que dificulta enumerar os motivos para o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência.


Quem assume tal tarefa se vê diante de duas alternativas: resumi-los numa única sentença, dizendo que ela nunca deveria ter estado lá, ou elaborar um esquema lógico parcimonioso, que permita reduzi-los a um número manejável.

Opto pelo segundo caminho, tentando compactar meu argumento em cinco pontos principais. O primeiro, como não poderia deixar de ser, é a ilegalidade ou, se preferirem, a posição de ilegitimidade formal em que Dilma se colocou.

Refiro-me aqui, naturalmente, aos crimes de responsabilidade que embasam o impeachment. Como Estado constitucional que é, o Brasil não poderia seguir em frente como se nada tivesse acontecido.

Não poderia manter na Presidência um titular que, além de reiteradamente demonstrar desapreço pelas instituições da democracia representativa, não hesitou a atropelar os limites da legalidade no tocante à administração financeira e à legislação orçamentária.

Especificamente, autorizar créditos suplementares sem a aprovação do Congresso equivale a desconsiderar a necessidade de uma lei orçamentária e a ignorar a existência do Legislativo como contrapeso ao Executivo, atingindo dessa forma, em seu âmago, a forma republicana e democrática de governo.

Os quatro pontos que abordarei a seguir têm a ver com o que se pode, apropriadamente, denominar ilegitimidade material, ou substantiva.

Para se eleger e reeleger presidente, Dilma Rousseff participou de uma farsa arquitetada pelo ex-presidente Lula, farsa assentada, como se recorda, sobre três pilares principais: a popularidade de Lula (à época superior a 80%), embustes publicitários levados ao paroxismo e recursos de origem ilícita jorrando em abundância. Aqui, como antecipei, não se trata de ilegitimidade formal, mas material.

Do ponto de vista estritamente jurídico e ex ante, não havia como questionar tal trama. Cabia questioná-la, isso sim, em termos do que o sociólogo Émile Durkheim chamaria de "elementos não contratuais do contrato", ou seja, do ponto de vista da lealdade a regras não escritas da vida política e do regime democrático, que excluem postulações farsescas como as de Dilma Rousseff em 2010.

Com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia, e disso Lula sabia melhor que ninguém. Mas sabia também que sua popularidade pessoal, as mágicas do publicitário da corte e a cornucópia da Petrobras seriam suficientes para alçar sua pupila às alturas do Planalto. Docemente constrangida, Dilma aquiesceu, ou seja, prestou-se a tal farsa.

O terceiro fator que me propus a abordar é a incompetência gerencial de Dilma e sua interface com a corrupção. Para bem expor esse ponto, creio ser útil entrelaçá-lo com a campanha presidencial de 2014. Àquela altura, como sabemos, a derrocada econômica já comia solta.

A questão central era (como é até hoje, dados os desatinos do primeiro mandato de Dilma) o desarranjo das contas públicas. Aqui entra a questão da accountability, anglicismo inevitável quando se trata de discutir a ilegitimidade material de um governo.

Se as palavras ditas durante a campanha fossem levadas a sério, Dilma teria que admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Não o fez, como bem sabemos. Ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável.

Explica-se: no leme, além dela mesma, encontravam-se Lula e João Santana, um trio para o qual malícia e política podem perfeitamente caminhar de braço dado. O resultado aí está à vista de todos: um país economicamente destroçado, com 11,6 milhões de desempregados, forçado a aguardar, pacientemente, o ato final dessa dupla farsa que me vi forçado a relembrar.

Só Deus sabe se Lula, em algum momento, acreditou que Dilma fosse uma tecnocrata da mais alta estirpe. Fato é que, logo no início de 2015, na esteira da impopularidade advinda da crise econômica, a imagem da Dilma-gerente apresentou rachaduras devido à sua interface com a corrupção.

Lá atrás, em 2003, Lula a mandou presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Por que o fez? Acreditava sinceramente em sua competência técnica? Ou, ao contrário, percebia seus limites e a considerava incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada? Ou ainda por saber que ela, cedo ou tarde, a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música?

Seja qual for a resposta certa, fato é que os "malfeitos" de Pasadena corriam sobre a grande mesa do conselho como uma manada de búfalos, sem que Dilma ouvisse o tropel.
Meu quarto ponto pode ser abordado de maneira concisa. O problema é que o despreparo de Dilma não decorre apenas de sua incompetência gerencial e de sua incultura econômica, mas de algo que, de certa forma, as precede: a pobreza de sua visão do mundo. De sua formação ideológica, se preferem.

"Mas como", pode-se objetar, "ela não é petista? Não governava dentro dos parâmetros ideológicos do petismo?". A objeção seria ponderável, se soubéssemos em quê, exatamente, consiste a nunca assaz louvada "ideologia petista".

Fora de dúvida é que Dilma assumiu o governo acreditando piamente que tinha uma ideologia, quero dizer, uma estratégia válida para a promoção do crescimento. No frigir dos ovos, nos demos conta de que sua estratégia era uma mescla mal ajambrada do velho nacional-desenvolvimentismo com a ilusão de aqui implantar um modelo de feição asiática, inspirado no sucesso indiscutível da Coreia do Sul.

Como ocorria nos anos 1950, também para ela educação, ciência e tecnologia, formação de capital humano, essas coisas "menores", poderiam esperar. Com essa mentalidade Dilma subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2011. Em termos políticos, seu "modelo" econômico tinha três requisitos fundamentais.

Primeiro, o popular "quem manda sou eu"; segundo, o Tesouro capta dinheiro caro no mercado e o BNDES se incumbe de repassá-lo pela metade do custo a empresários tão amigos quanto dinâmicos; terceiro, subsídios a rodo, notadamente sob a forma de exonerações fiscais, para incentivar a indústria automobilística e afins a retomarem o crescimento de um jeito ou de outro, além de manter o nível de emprego, cuja importância eleitoral ela não desconhecia.

Em quinto e último lugar, mas não menos importante, a saída de Dilma Rousseff é a limpeza de terreno imprescindível para que o Brasil apresse a recuperação econômica e comece, o quanto antes, a repensar seu futuro.

Para isso, algumas medidas serão necessárias. O ajuste fiscal é a primeira delas. Depois, fortes investimentos em infraestrutura, sem os bloqueios ideológicos que os inviabilizaram durante todo o período lulo-dilmista.

Também são fundamentais propostas sociais enérgicas, notadamente na área educacional, reduzindo programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida à função paliativa que lhes é inerente.

Por fim, aprofundando e concluindo o ataque à corrupção, deve-se encetar uma reforma política séria e abrangente, com o objetivo de recolocar o sistema político num patamar aceitável de legitimidade.

BOLÍVAR LAMOUNIER, 73, é cientista político e sócio-diretor da Augurium Consultoria. Escreveu, entre outros, "Tribunos, Profetas e Sacerdotes: Intelectuais e Ideologias no Século 20" (editora Companhia das Letras)

Sem solução mágica - PAULO HARTUNG

O Globo - 28/08

Devemos ter a consciência de que os governos, qualquer um deles, não podem se colocar ou serem vistos como salvadores da pátria


Nos últimos tempos, especialmente nestes dias, tem-se colocado na conta do resultado de um julgamento político a solução mágica da salvação nacional — como se de alguma forma isso fosse possível. Mas, como se sabe, a história não se faz de saltos ou passes de magia.

Evidentemente que o traumático processo político pauta as atenções, mas não se pode esperar de seu veredicto, qualquer que seja, o condão de tirar o país da errância a que escandalosamente fomos submetidos (déficit fiscal, perda de confiança, juros altos, recessão, desemprego assustador, empobrecimento de milhões de pessoas).

Leon Tolstoi escreveu que “o lugar que ocupamos é menos importante do que aquele para o qual nos dirigimos”. Como não reconhecer que é o futuro, efetivamente, a nossa grande obra se quisermos uma história diferente? Ou seja, precisamos, na atualidade, focar numa agenda estruturante para viabilizarmos um futuro promissor para o país.

Brasília e o Brasil precisam tomar consciência de que estamos à beira do precipício. Mas, ao invés disso, o que temos visto é uma dança de personagens em torno da mesma cantilena latino-americana de irresponsabilidade fiscal e clientelismo governamental. Um pouco mais desse entorpecimento populista, e já estaremos no fundo do abismo.

Mas o que fazer? Venho propondo ao país uma agenda de seis pontos, decisiva para construirmos um novo ciclo de desenvolvimento sustentável e sólido.

Primeiramente, a reorganização das contas públicas, incluindo a reforma da Previdência, a contenção de gastos e a revisão ampla tanto de programas inefetivos quanto de desonerações e subsídios. Importante também manter a coerência entre o discurso de ajuste fiscal e a prática, estancando as pressões corporativistas.

O anacrônico sistema político não dialoga com os anseios e as práticas de sociabilidade atuais. É preciso estabelecer novas formas de diálogo e interação com os cidadãos, além de novas abordagens acerca de temas como cláusula de barreira, proibição de coligações em eleições proporcionais e financiamento de campanhas.

É preciso melhorar os marcos regulatórios, garantindo segurança jurídica aos investidores, principalmente em infraestrutura . Em especial, se impõe a reorganização do marco regulatório da indústria do petróleo e gás. Devido ao intervencionismo, a erros regulatórios, e à queda dos preços internacionais do óleo, esse setor estratégico entrou em colapso.

As parcerias público-privadas, as concessões, entre outros, colocam-se como alternativas de promoção do desenvolvimento para além das ações de um Estado que, se nunca pôde tudo, pode muito menos nesta quadra da história.

E temos a impositiva qualificação da educação básica. Além de ser pré-requisito da ação política republicana de oferta igualitária de oportunidades a todos, a educação de qualidade é um diferencial de competitividade.

Como sexto ponto, destaco a necessidade de fortalecer os órgãos de controle. Através deles, e com uma aplicação eficiente da Lei Anticorrupção, podemos construir um país mais eficiente na aplicação do dinheiro público.

Por fim, é preciso acrescentar que, se o desfecho de um processo político não tem a potência de salvar o país, devemos também ter a consciência de que os governos, qualquer um deles, não podem se colocar ou serem vistos como salvadores da pátria. Por tudo isso é que, independentemente da conclusão deste julgamento político, deve-se colocar uma agenda emergencial como tarefa de todos os brasileiros, seja no setor público, seja no âmbito das atividades produtivas privadas, seja na esfera da sociedade civil.


O assalto ao Estado - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - 28/08

Chegar ao poder pelo voto não é um cheque em branco da sociedade pra fazer o que bem quiser, acima do bem e do mal



Amanhã, para se defender, a presidente afastada, Dilma Rousseff, subirá ao cadafalso no qual será guilhotinada, no Senado, depois de três dias de oitiva das testemunhas de defesa e acusação, na qual se digladiariam os senadores que permanecem fiéis à presidente afastada e, digamos, seus algozes do PMDB e outros ex-aliados, além da antiga oposição, liderada pelo PSDB. Seu infortúnio acabará provavelmente na quarta-feira, quando será cassada, se, antes disso, não renunciar num gesto espetacular, para não legitimar o julgamento.

Em meio ao bate-boca das excelências, que se arrasta há meses, há duas lógicas: de um lado, a intenção das forças antipetistas de dar posse definitiva ao vice-presidente interino, Michel Temer, e assumir o poder até 2018; de outro, o mise-en-scene petista para sustentar a narrativa do “golpe de estado” e dela sair como vítima, para não ter que assumir a responsabilidade principal pela crise econômica, política e ética que assombra o país. No mérito do processo de impeachment, porém, está o respeito à Lei Orçamentária da União e à Lei de Responsabilidade Fiscal, que é tratada, às vezes, como uma coisa banal.

A derrocada do governo Dilma Rousseff está associada ao assalto ao Estado pelo PT e seus aliados. Chegaram ao poder pelo voto, mas não com um cheque em branco da sociedade para fazer o que bem quisessem, acima do bem e do mal. Esse foi o recado que receberam, das ruas em 2013, e não foi ouvido; e em 2015, quando se deu o engajamento popular na campanha do impeachment. Houve um assalto ao Estado em dois sentidos: primeiro, o aparelhamento do governo por meio da ocupação de milhares de cargos comissionados, tanto na administração direta, como na indireta, inclusive estatais, de forma fisiológica e clientelística; segundo, o sistemático desvio de recursos públicos para financiamento eleitoral e formação de patrimônio pessoal, via superfaturamento de obras e serviços. Veremos o que Dilma Rousseff tem a dizer sobre isso amanhã, no seu jus esperneandis.

Os aliados de Dilma Rousseff não estão nem aí para as consequências do desrespeito à Lei Orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal, que tratam como meras formalidades. A aprovação do deficit fiscal de R$ 170,5 bilhões em 2016 pelo Congresso, para permitir que o governo Temer possa gastar mais do que arrecada enquanto não consegue aprovar o “ajuste fiscal”, de certa forma corrobora essa banalização. Dilma e o PT não assumem a responsabilidade sobre o desastre econômico que provocaram ao gastar mais do que o governo arrecada e acreditam que o Estado brasileiro pode tudo. Na verdade, alguns ex-aliados que permanecem no poder sob a liderança do PMDB, quanto a isso, não pensam muito diferente. Talvez seja essa a razão de a discussão no Senado ser polarizada pelos petistas e pela antiga oposição.

Desastre nacional


Os resultados do “assalto ao Estado”, porém, são auto-explicativos. Queda de 16% do PIB per capita entre 2013 e 2016, isto é, de R$ 30,5 mil para R$ 25,7 mil por ano. Aumento do desemprego de 6,4% para 11,2%, com a demissão de 12 milhões de trabalhadores. A pior recessão da história: já chega a 6%. A Grande Recessão de 1929-1933 foi de 5,3%; a de 1980 a 1983, 6,3%; e a de 1989 a1992, 3,4%.

A crise fiscal é devastadora, por causa da elevação dos gastos públicos e da queda de arrecadação: sem a reforma da Previdência, o deficit fiscal subirá de R$ 145 bilhões para R$ 200 bilhões. Aumentar os impostos não é uma solução razoável. A dívida pública chegará a 70% do PIB ao final do ano.

É nesse ambiente que Dilma Rousseff está sendo julgada, por causa das “pedaladas fiscais”. Nada a ver com a Operação Lava-Jato, que desnuda os mecanismos do outro assalto ao poder ao qual nos referimos lá no começo. Parece kafkiano, mas não é. A presidente Dilma Rousseff está bastante enrolada por causa das investigações sobre o caixa dois de suas campanhas eleitorais de 2010 e 2014, mas não pode ser investigada por fatos anteriores ao exercício do atual mandato, de acordo com a Constituição. A mesma que permite sua cassação ao não zelar pelo Orçamento da União.

Com a cassação de seu mandato pelo Senado, Dilma poderá passar por dissabores semelhantes ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato, que acaba de ser indiciado pela Polícia Federal por causa do triplex de Guarujá. Mesmo assim, o líder petista pretende comparecer ao Senado amanhã para prestigiar a presidente afastada.


Cada um cria, à sua maneira, uma realidade que só existe em sua mente - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP -28/08

Gente é bicho complicado. E, ao dizer isso, não me excluo, pois também sou complicado. Só que, modéstia à parte, procuro, tanto quanto possível, manter-me coerente com o que suponho ser a realidade dos fatos.

Digo isso porque, com frequência, conversando com essa ou aquela pessoa, surpreendo-me com a capacidade que elas têm de amoldar a realidade ao que creem –ou lhes convêm– ser a verdade.

Às vezes, tento mostrar-lhes que a coisa não é bem assim, mas de nada adianta, pois, ao que tudo indica, a verdade não lhes importa e, sim, a versão que inventaram.

Já contei aqui a conversa que mantive com uma jovem universitária a propósito de um jornal que seu grupo editava na faculdade.

– O que esse jornal afirma –disse-lhe eu– dá a entender que o comunismo não acabou.

– E não acabou mesmo –respondeu ela. O que acabou não era o comunismo verdadeiro.


Ou seja, como ela necessitava acreditar no sonho marxista, tudo o que ocorreu, desde a revolução soviética de 1917 até hoje, era falso comunismo. Nem Lênin, nem Stalin, nem Mao Tsé-tung, nem Fidel Castro: nenhum deles era comunista de verdade. Só ela e seu pequeno grupo de universitários.

Por isso, digo que gente é bicho complicado. Claro que nem todo mundo chega ao exagero dessa jovem carioca, mas cada qual à sua maneira inventa uma realidade que só existe em sua mente. É claro, porém, que não ocorre só com gente da área política e muito menos da chamada esquerda.

Na área da religião e, sobretudo, das seitas religiosas, a realidade é muitas vezes coisa ignorada. São exceções, mas conseguem adeptos e criam instituições que, de uma maneira ou de outra, atuam na sociedade. Há mesmo os espertos que fundam seitas ou "igrejas" e, depois que conseguem um número considerável de seguidores, as vendem a supostos profetas. Bem, como diz a Maria, minha empregada, neste mundo há de um tudo.

Sim, há, mas nem sempre a coisa chega a esse ponto. Há exemplos mais discretos, embora sejam, de qualquer forma, uma maneira de desconhecer a verdade. E, mesmo admitindo que são exemplos diversos dos mencionados, não deixam de me espantar, por exemplo, a insistência com que algumas pessoas teimam em afirmar que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff é um golpe.

É verdade que quem inventou isso sabe que é mentira e muitas dessas pessoas que o repetem também sabem, mas, apesar de o saberem e, por isso mesmo, fingem que acreditam.

Não estou dizendo nada de novo e, sim, tão somente, manifestando minha surpresa, uma vez que muitas dessas pessoas que o afirmam são plenamente informadas de tudo o que aconteceu: de como surgiu o processo do impeachment e de como se desenvolveu ao longo de mais de nove meses, obedecendo a todas as normas e exigências legais.

Basta dizer que, em certo momento desse processo, 44 testemunhas depuseram em defesa da acusada, e isso sem falar nas infindáveis sessões de debates, em que os seus defensores lançavam mão de sofismas e barganhas para anular o processo.

Todos os recursos foram utilizados para impedir que o impeachment fosse adiante. Na etapa final, o processo foi presidido, nada mais, nada menos, pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, aquelas mesmas pessoas insistem em dizer que se trata de um golpe.

Confesso que tenho dificuldade de entender esse tipo de comportamento. Com facilidade compreendo que uma pessoa desinformada ou inculta deixe-se levar por falsas verdades e demagogias. Mas, quando se trata de alguém que tem pleno conhecimento dos procedimentos legais e das instituições envolvidas no caso, aí não dá para entender.

Ou dá, se assumirmos que o cara engana a si mesmo e, nem à noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, admite que está se enganando.


Moreno como vocês - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 28/08

Antes das pancadas, lembrem-se que também sou brasileiro, moreno como vocês, como diz o verso de Drummond. No entanto, o ufanismo me constrange. Dizem que é um antídoto para o complexo de vira-lata. Será? Complexos têm a manha de reaparecer nos seus antídotos. O sexo, por exemplo, reprimido com uma intensa dedicação à geometria, pode ressurgir numa estranha paixão pelas curvas, triângulos e círculos.

Num hotel do interior de Goiás acompanhei a cerimônia final dos Jogos Olímpicos. Confesso que fiquei meio sem jeito quando ouvi Carlos Nuzman declarar no discurso de encerramento que o Rio era o melhor lugar do mundo. A plateia do discurso era gente de todos os cantos do planeta. Gente que também gosta de onde vive. Se encontrasse o Nuzman, e creio que não virá nos próximos dias ao interior de Goiás, iria propor uma negociação: o Rio é um dos melhores lugares do mundo.

Não creio que tenha ferido outras sensibilidades além da minha. A frase inicial do discurso atenua qualquer juízo: sou o homem mais feliz do mundo. Uma frase que ouvimos de um noivo inebriado na noite de núpcias, um pai na formatura da filha. Quem nega um desconto a um homem que se diz o mais feliz do mundo? No entanto, a Olimpíada é um momento planetário em que as sensibilidades nacionais estão muito à flor da pele. O Brasil é uma sociedade multicultural, mas não recebeu grandes fluxos migratórios no final do século. Na Europa, o multiculturalismo, com todas as suas deformações, aguçou mais ainda essa consciência da presença do outro, tornou mais delicada essa teia nervosa da convivência na diversidade.

Na mesma televisão do quarto tinha visto Brasil e Itália disputando o ouro no vôlei. Torcia por uma a vitória do Brasil e mais uma vitória do Bernardinho. Mas tinha de descarregar e ver imagens do trabalho matinal. Optei por seguir trabalhando no computador, ligado apenas na voz dos locutores. Foi impossível não só pela emoção da partida. Só pelo áudio precário de algumas TVs no interior, não conseguiria saber o resultado. Os pontos do Brasil eram nítidos pelos gritos do locutor. Os da Itália, reportados de forma tão breve que seria preciso levantar sempre para ver o letreiro na tela. O episódio dos nadadores americanos é o mais delicado para discutir. Cometeram um grave erro. Mas foram punidos em vários níveis. Pagaram pela destruição da placa, em seguida foram processados, um deles pagou multa e Bryan Lochte perdeu a quase totalidade de seu patrocínio. Os Estados Unidos cooperaram com a Justiça brasileira.

O balanço registra um equilíbrio entre crime e castigo. Num site de notícias, li um artigo em que o autor dizia: se os brasileiros fizessem nos Estados Unidos seriam mandados para Guantánamo. O prefeito Eduardo Paes, que se saiu bem na gestão do megaevento, disse que desprezava os nadadores porque tinham falhas de caráter. Houve quem defendesse que fossem banidos do esporte. Se os americanos mandassem todos os mentirosos para Guantánamo iriam realmente afundar a ilha com um gigantesco aumento populacional. A frase do prefeito Eduardo Paes me surpreendeu. É um dirigente do PMDB. O partido não costuma ter o discurso de rigor moral na avaliação do outro. A própria cúpula, em escala nacional, é medalha de prata na modalidade defeitos de caráter. Com a derrocada do PT vencedor será desclassificado. E o ouro, vai para quem?

Cada vez que se fala num contexto como anfitrião da Olimpíada, Paes fala pelo Rio e pelo Brasil. Os nadadores precisam nadar. Acabar com a carreira de um atleta de alta performance é uma pena muito dura. E uma cidade tão feliz, hospitaleira, enfim todas as qualidades evidenciadas de novo na Olimpíada, certamente, conhece a fronteira entre justiça e vingança. Critiquei a Olimpíada, um fato irreversível. Meu desejo era de que acontecesse da melhor forma possível. A entrada do saneamento na agenda imediata do governo foi um avanço. A decisão do COI de rever a escolha das cidades-sede, considerando a crise econômica e ambiental no planeta também fortalece a visão das formigas no diálogo com as cigarras. A ideia de aproveitar as cidades que já hospedaram os Jogos corresponde às mudanças de estilo de vida que a escassez de recursos naturais e o aquecimento global recomendam.

Os que sonharam com o sucesso da Olimpíada estavam certos. Os que lembravam o baixo nível de saneamento como uma de nossas fragilidades, também. Li um comentário na rede afirmando que a baía está limpa porque os atletas da vela mergulharam nela, após a vitória. Depois de uma medalha de ouro a pessoa se sente a mais feliz do mundo como o Carlos Nuzman. Se de toda a energia e emoção restar um pouco, que sejam canalizados para os desafios da crise que nos envolve desde antes dos jogos. No fundo, talvez sejamos todos brasileiros com muito orgulho e muito amor. Mas há múltiplas maneiras de expressar esses sentimento, diferentes ritmos, melodias e até mesmo outros versos.


Vamos nos refugiar na casa de campo? - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 28/08

Londres foi bombardeada pela Alemanha por 57 noites seguidas a partir de 7 de setembro de 1940. A blitz durou oito meses. Cerca de 30 mil pessoas morreram e outro tanto ficou severamente ferido. Parte da elite inglesa deixou a capital para se refugiar em suas casas de campo.

O rei e a rainha, no entanto, optaram por permanecer no Palácio de Buckingham, bombardeado nove vezes, e visitar as áreas atingidas. O rei esteve com as tropas na frente de batalha e a família real recebeu cartões de racionamento como os demais cidadãos.

O Brasil passa por uma grave crise fiscal. A dívida pública passou de 52%, em 2013, para 66%, em 2015, e pode chegar a mais de 90%, em 2020, na ausência de reformas estruturais. Nada que se compare à dramaticidade de seguidos bombardeios, mas a renda por habitante caiu cerca de 9%, e diversas políticas públicas terão que ser revistas se quisermos evitar uma trajetória insustentável da dívida. A alternativa será, nos próximos anos, a retomada da inflação crônica e seus prejuízos sociais.

A proposta de limitar o crescimento do gasto público à inflação do ano anterior (PEC dos gastos ) tem o mérito de deixar clara a restrição fiscal para estabilizar a dívida. Preservar o gasto com educação, por exemplo, requer menor crescimento de outras despesas, como Previdência ou gastos com servidores.

Certamente, há o que melhorar na proposta. O gasto público deveria ser corrigido pela meta de inflação, em vez do índice do ano anterior, para evitar seu aumento real em anos de queda da inflação, como, esperamos, ocorrerá em 2017.

O reajuste da remuneração dos funcionários públicos vai na contramão dos sacrifícios impostos à maioria dos trabalhadores, com queda dos salários reais e elevado desemprego. Os servidores do judiciário têm estabilidade e estão na elite salarial do país.

Decepciona que, em meio à grave crise fiscal, parte dessa elite defenda interesses corporativos em detrimento da maioria. Esse reajuste terá desdobramentos sobre outras categorias de servidores, inclusive nos governos locais, aprofundando a crise. Decepciona ainda mais a resistência dessa elite à transparência dos gastos com pessoal.

Depois do primeiro bombardeio do palácio, a rainha teria dito: "Agora posso olhar de frente para o East End", região de Londres duramente atacada anteriormente. À sugestão de que suas filhas fossem para o exterior por precaução, respondeu: "As crianças não irão sem mim. Eu não vou sem o rei. E o rei nunca irá". Sua filha, a atual rainha Elizabeth, com 18 anos no começo de 1945, foi treinada como motorista de caminhões e ambulâncias.

Alguns compartilham o sacrifício da maioria. Outros escolhem suas casas de campo.


O legado conceitual - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 28/08

Não há nada errado em perder, especialmente onde somos iniciantes


Recém terminou o maravilhoso vendaval proporcionado pelos Jogos da 31.ª Olimpíada e as atenções se voltam para suas consequências mais duradouras: o que vai ser das edificações e dos melhoramentos no transporte público, quais serão os impactos sobre a economia, consideradas as dívidas e as impressões deixadas no público estrangeiro.

Tudo considerado, um dos legados mais importantes da festa parece estar localizado em uma província mais subjetiva, onde está o caráter nacional, ou o imaginário coletivo, onde estávamos mesmo muito necessitados de alguma novidade para revigorar valores que andavam esquecidos.

Os Jogos Olímpicos trouxeram uma impressionante invasão de conceitos importantes que serviram para redefinir a experiência do esporte, colocando-a num patamar diferente daquele normalmente associado ao futebol, paixão nacional antiga e complicada.

Do esporte, já sabíamos sobre a celebração do talento quando combinado ao esforço, da excelência associada à disciplina e da estrita lealdade às regras. Mas, no futebol, esses temas parecem diminuídos por conta do dinheiro, dos cartolas, das negociatas da Fifa, dos estádios superfaturados e das coisas acontecendo fora das quatro linhas.

O fato é que, mesmo dentro do campo, a experiência olímpica foi singular, talvez principalmente ao introduzir novas ideias sobre ganhar e perder, talvez finalmente reabilitando uma máxima que a esperteza nacional se encarregou de desmoralizar, segundo a qual a competição é o que importa, ou que são vencedores todos os que competem, ou que o certame é maior que os participantes.

Acho que é isso o que Fernando Pessoa quer dizer ao afirmar que “a gramática é mais perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”, uma máxima que não me sai da cabeça, cada vez que Dilma Rousseff se aproxima de um microfone, e fala de golpe como Putin ao louvar o espírito olímpico.

Para entender a grandeza dessa simples sabedoria é preciso perder. Como de fato ocorreu conosco, muitas vezes nas últimas três semanas. Havia 2.102 medalhas em disputa, das quais o Brasil ganhou 19, equivalente a 0,9% do total, ao participar de 226 eventos, com 485 atletas em 36 esportes. O Goldman Sachs previu 22, considerando, entre outras coisas, que o Brasil representou 2,86% do PIB mundial em 2015, e que teríamos certa vantagem como país-sede.

Não há nada de errado em perder, especialmente onde somos iniciantes, sendo motivo de justo orgulho ser o 8.º ou o 20.º do mundo em alguma coisa difícil de fazer. É importante conhecer o seu lugar no planeta, que não será, provavelmente, o mais alto. Perder engrandece, se você colocou a sua alma na disputa, se você enxerga o talento do outro, o estrangeiro e diferente, e se você entende que o certame é maior do que você.

Perder é democrático ademais, pois democracia pressupõe alternância, ninguém vai ganhar todas e sempre, nem mesmo o “dream team”. Os pódios se modificam e os recordes são sempre batidos. Só é preciso seguir o que disse Bernardinho após o ouro no vôlei: trabalho, esforço, seriedade, ética, e seguir fazendo a coisa certa. E nem assim existe garantia da vitória.

Totalmente diferente é a desclassificação, diante do doping e de pedaladas, que são violações às regras. Isso é trapacear, comportamento que exclui o participante e ofende o esporte, onde só há demérito na indisciplina e na malandragem.

Como seria bom se tais conceitos fossem transportados para a economia e para a política, onde a prevalência da esperteza e da busca de boquinhas, encostos e refeições gratuitas parece apontar exatamente para a outra direção: o importante é não competir.

Na verdade, o governo gasta muito dinheiro público para apoiar campeões ungidos geralmente por artificialismo decorrentes da falta de concorrência, e com pouco sucesso. Acho que o BNDES teve mais sucesso com os campeões na canoagem – que patrocinou não tão modestamente – do que com os da economia, e por uma fração diminuta do custo.

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.

Pelo conjunto da obra - CELSO MING

ESTADÃO - 28/08

Dilma está sendo alijada da Presidência pelas opções equivocadas e pelos graves erros que cometeu


A presidente Dilma tem razão quando afirmou na sua Mensagem ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro, divulgada dia 16, que está sendo afastada do governo “pelo conjunto da obra”.

Ela não está sendo condenada – e cassada por dez anos – apenas porque pedalou à vontade na administração das contas públicas e porque incorreu em crime de responsabilidade, apontado pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela está sendo alijada da Presidência pelas opções equivocadas e pelos graves erros que cometeu.

Nem ela nem a administração que conduziu foram vítimas da crise global, como sempre afirmou, para tentar justificar o desastre. Foi vítima dela própria, na medida em que produziu diagnósticos distorcidos e sérias falhas de pilotagem da política econômica.

A Nova Matriz Macroeconômica que pretendeu induzir investimentos e aumento da produção a partir de crescimentos artificiais de consumo, baseados em desonerações, isenções tributárias, subsídios, reservas de mercado e créditos favorecidos, foi o fracasso já conhecido.

O País mergulhou na maior depressão de sua história. O PIB encolheu por três anos consecutivos, se incluirmos este 2016 que ainda não acabou. A inflação saltou para a casa dos 10% ao ano. O desemprego foi a 11,3% da força de trabalho. O rombo do setor público saltou para R$ 170 bilhões, neste ano. Os títulos do Brasil perderam o grau de investimento e continuaram sendo rebaixados pelas agências de classificação de risco.

A indústria sofreu longo processo de desmanche. A Petrobrás foi submetida a saques sistemáticos, sem que a presidente Dilma os tivesse coibido – e continua ela dizendo que não sabia de nada. Além disso, a própria Petrobrás teve seu caixa desidratado em pelo menos R$ 70 bilhões pela política deliberada de achatamento dos preços dos derivados. Pelas mesmas razões, o setor elétrico entrou em colapso.

Depois de defender essa política devastadora ao longo do processo eleitoral de 2014 e de negar-se a adotar políticas de austeridade, a presidente Dilma desdisse o que disse, nomeou o ortodoxo Joaquim Levy para o comando da economia e deu o cavalo de pau que o próprio PT considerou operação de estelionato eleitoral.

Não faz sentido afirmar que, apesar de tudo, cerca de 30 milhões de brasileiros foram resgatados da pobreza. Eles passaram temporariamente a consumir iogurte, a comprar TV de tela plana e telefones celulares. Viraram consumidores episódicos, mas não puderam desfrutar de melhores condições de educação, saúde e saneamento, desdenhadas pelo governo Dilma porque essas políticas não dão retorno eleitoral imediato.

Os produtos que as camadas mais pobres consumiram por alguns meses foram alijados do carrinho do supermercado, em consequência da dilapidação do poder aquisitivo pela queda de renda, pelo desemprego e pelo excessivo endividamento.

Em outras palavras, o governo Dilma não garantiu melhora sustentável das condições de vida dos mais pobres. Tivesse garantido, estariam eles nas ruas e nas praças públicas pedindo sua absolvição no processo do Senado e sua volta ao governo. Nem para eles há conjunto de obra a defender.

CONFIRA

Ainda não deu certo
A política de metas de inflação funciona para as grandes economias? Na verdade, não tem funcionado nos Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) em 2012 passou a trabalhar com meta (informal) de inflação de 2,0% no período de 12 meses.

Risco de deflação
Mas não vem conseguido cumpri-la. Apenas em curto período de 2012, a meta foi atingida. Embora os juros estejam em torno de 0,25% ao ano, a inflação dos Estados Unidos vem se mantendo entre 0,9% e 1,4% ao ano. Baixar ainda mais os juros não obteria inflação mais alta, objetivo destinado a fugir do risco de deflação.

É para mudar?
Diante do insucesso, os especialistas divergem. Alguns pedem aumento da meta para algo como 4,0% ao ano. Outros sugerem que seja abandonada a meta de inflação e adotado o sistema de meta de crescimento do PIB. A presidente do Fed, Janet Yellen, admite que está estudando as sugestões.

Do pensamento mágico ao bom senso econômico - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 28/08

Algumas pessoas continuam falando como se dinheiro caísse do céu e fosse ilimitado


Marco político, a conclusão do impeachment poderá ser também um ponto de inflexão para a economia brasileira. Afastada a presidente Dilma Rousseff, o novo governo terá melhores condições para apontar um rumo de recuperação e estimular a produção e o investimento. Mantida a presidente, empresários ficarão à espera de uma possível metamorfose, de um quase milagre de conversão, antes de se dispor a investir em máquinas, equipamentos e construções.

Com ou sem conclusão do julgamento, no dia 31 de agosto os brasileiros poderão conhecer o primeiro balanço oficial do primeiro semestre. Saberão quanto encolheu o produto interno bruto (PIB) na primeira metade do ano, se os negócios bateram no fundo do poço e se os sinais positivos observados até agora, um tanto vagos, foram prenúncio de uma virada.

O último bom sinal foi divulgado na sexta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): o investimento produtivo aumentou 0,38% do primeiro trimestre para o segundo. A variação foi puxada principalmente pela produção de bens de capital (máquinas e equipamentos), acompanhada de um aumento da importação em junho. Apesar da melhora, o indicador ainda ficou 9,2% abaixo do nível do segundo trimestre do ano passado. Nos primeiros três meses, a mesma comparação havia indicado uma retração de 17,5%.

Seria exagero falar de uma retomada. Em julho as fábricas ainda produziram utilizando, em média, somente 65% da capacidade instalada, de acordo com a última sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em 2011, no começo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a ocupação atingiu 75% do potencial, em alguns momentos. Os níveis caíram quase continuamente nos anos seguintes.

Tanto pela ociosidade quanto pela insegurança, a disposição de investir continuou muito baixa em agosto, de acordo com a mesma sondagem. Apesar de algum aumento, o indicador de intenção ficou em 42 pontos, bem abaixo, portanto, da linha de 50 pontos, divisória das opiniões e expectativas pessimistas e otimistas.

Confiança será essencial para o setor privado voltar a investir. Antes disso poderá haver algum aumento de produção, até porque o excesso de estoques foi eliminado, ou muito reduzido, nos últimos três meses. Contratações de pessoal só deverão ocorrer mais tarde, como observa, em geral, nos primeiros tempos depois de uma recessão.

Mas a confiança dependerá, em primeiro lugar, de fatores políticos. A mudança de governo poderá ajudar, mas será insuficiente. O presidente Michel Temer precisará demonstrar, juntamente com seus ministros, um compromisso muito claro com a correção dos enormes desajustes da economia brasileira. Além disso, propósitos bem definidos e consequentes serão necessários para atrair capitais privados para os projetos de infraestrutura. Esses projetos poderão proporcionar o impulso mais forte, nos primeiros tempos, à normalização da atividade empresarial e às decisões estratégicas de maior alcance.

A economia deverá crescer 1,6% no próximo ano, segundo as novas projeções anunciadas pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Isso deverá resultar em maior arrecadação de impostos e contribuições.

Mas a proposta orçamentária para 2017 incluirá também, como já foi antecipado, receitas obtidas na outorga de concessões. Serão receitas extraordinárias e nenhum governo sensato basearia um ajuste fiscal duradouro nesse tipo de arrecadação. Será um dinheiro bem-vindo numa fase de muita dificuldade, mas os leilões de infraestrutura deverão, acima de tudo, marcar um retorno ao bom senso e ao realismo, abandonados durante anos.

Nessas concessões, como em todos os demais componentes da política econômica, o governo deverá renegar claramente o pensamento mágico predominante na fase petista. Esse pensamento, ainda exercitado por muitos defensores da presidente Dilma Rousseff e de seus companheiros, inclui, entre outros, os seguintes pressupostos: riqueza cai do céu, basta gastar para produzir resultados e, além disso, rótulos bonitos valem tanto quanto planos, programas e projetos bem elaborados e bem executados. Governar como se essas premissas fossem verdadeiras levou ao fracasso a administração da presidente Dilma Rousseff - e teria levado mesmo sem a maquiagem das contas fiscais e as pedaladas financeiras.

Se alguém estranhar ou achar excessiva a referência a esses pressupostos, pense por alguns momentos em alguns componentes muito importantes do debate político brasileiro. Nesse debate, dá-se mais importância ao volume do chamado gasto social do que aos seus efeitos, mensuráveis nos testes educacionais, na qualidade da mão de obra e na eficiência das políticas de saúde.

Além disso, no pensamento mágico recursos fiscais são ilimitados e qualquer esforço de controle do gasto é manifestação de preconceito neoliberal. Esse pensamento leva também à rejeição de juros altos, como se fosse possível uma política monetária independente da inflação, ou como se o Tesouro pudesse fixar livremente o custo de rolagem de sua dívida.

Disfarçado por belas intenções, o pensamento mágico tem sido uma importante marca do populismo, do discurso de muitos empresários, da fala de políticos ditos de esquerda e de escritos econômicos classificados como progressistas.

Já se escutam arengas desse tipo contra as primeiras tentativas de correção do desarranjo fiscal, como se fosse possível manter por tempo indeterminado um déficit público nominal - com inclusão dos juros, portanto - próximo de 10% do PIB. Isso é mais que o triplo da média observada na União Europeia. Mas detalhes como esse devem ser pouco importantes, quando intelectuais e políticos ligam a Lava Jato e o processo de impeachment a uma conspiração para entregar o pré-sal aos gringos.

ROLF KUNTZ É JORNALISTA

Ministros se contradizem sobre o aumento de impostos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 28/08

A conversa sobre aumento de impostos baixou ao nível da picuinha na semana que passou. Em 24 horas, os ministros líderes da política e da economia de Michel Temer se contradisseram sobre o assunto.

O que Temer enfim disse sobre impostos às alas política e econômica de seu governo? Algo como "pode ser que sim, pode ser que não". A princípio, não; depois, a gente vê como é que fica. Não é piada.

Na terça (23), Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil, disse em público que não haveria tributos extras em 2017 e que tal havia sido a orientação de Temer para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Na quarta-feira (24), Meirelles disse no Congresso que "não há uma definição final sobre isso. Até o momento, não se configurou ainda esta necessidade [mais impostos], mas não fechamos ainda a proposta orçamentária".

A proposta orçamentária, a lei do Orçamento, vai ao Congresso até esta quarta-feira (31). A princípio, vai sem aumento de impostos.

Porém, no início de julho, o governo afirmara que faltava arrumar R$ 55 bilhões para que o buraco nas contas, o deficit, ficasse limitado a R$ 139 bilhões no ano que vem. Ou seja, disse que havia um rombo no rombo.

Suponha-se com alguma fé que essas contas sejam precisas. Como tapar o rombo do rombo?

Com sorte, parte do dinheiro que falta viria de receitas extraordinárias, privatizações ou, ainda mais imponderável, de algum aumento imprevisto e gracioso da arrecadação devido talvez a um crescimento maior e inesperado da economia. Receitas de privatização são obviamente incertas. Extras de arrecadação, ainda mais nesta crise, são praticamente aleatórios.

O governo foi para casa na sexta-feira (26) de noite com planos de apostar nessa composição de probabilidades pequenas. Mais que isso, passou a acreditar que vai conseguir mais receita com vendas de estatais, concessões, prédios velhos e terrenos na lua, algo entre R$ 5 bilhões e R$ 15 bilhões, segundo economista envolvido na conversa.

Caso a mágica não funcione, o que se faz? Sempre é possível asfixiar o investimento público mais um pouco, com os óbvios danos nada colaterais. Ou aumentar um imposto de improviso, de efeito imediato, como a Cide, o "imposto da gasolina".

Economistas graduados do Ministério da Fazenda acham que não vai ser possível arrumar as contas sem algum imposto extra, tanto em 2017 como em 2018, mesmo que consigam aprovar o teto de despesas, mexer na Previdência etc. Meirelles, no entanto, não quer antecipar conflitos.

A ala política do governo está em outra, embora nem de longe viaje tanto quanto os parlamentares do PMDB, que vivem em um mun- do PMDB de desconversa e jeitinho, para dizer a coisa de modo benévolo. Dos partidos maiores, vem do PMDB o maior apoio para estropiar as contas do governo e o arremedo de plano fiscal.

Temer é um homem perdido não apenas entre esses dois mundos mas também inclinado a agradar a todos os líderes das castas política, burocrática, jurídica e empresarial que batem por ora nas portas do Jaburu. O que aparece como picuinha querelante entre Padilha e Meirelles parece cada vez mais efeito da nuvem diáfana e afável de indefinições de Michel Temer.


Política esperará inflação ou punição do mercado para arrumar a casa? - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 28/08

O governo interino do presidente Michel Temer tem emitido sinais dúbios. Há o diagnóstico de que é necessário realizar um ajuste fiscal estrutural. No entanto, o governo emite muitos sinais na direção contrária.

Foram aprovados ou estão próximo da aprovação pelo Congresso Nacional 14 projetos que aumentam salários de inúmeras carreiras do serviço público. Desnecessário dizer que, nas atuais circunstâncias de desemprego elevado e salário real em queda para o setor privado, é difícil justificar politicamente o tratamento privilegiado às corporações do serviço público, que gozam de estabilidade e de salários maiores aos pagos pelo setor privado.

Já o projeto de lei complementar que renegocia as dívidas dos governos estaduais com a União foi desfigurado pelo Congresso. A principal contrapartida estrutural era definir melhor o conceito de gasto com pessoal para efeitos da verificação do limite de 60% da receita corrente líquida. Essa definição era essencial para impedir uma série de formas de contornar a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) que foram criadas nos últimos anos.

Adicionalmente, a renegociação das dívidas dos governos estaduais não foca o problema das finanças públicas dos Estados, que estruturalmente gastam mais do que arrecadam. Durante muitos anos essa situação ficou escondida, pois a receita cresceu muito acima da economia.

Ou seja, diferentemente do que boa parcela da classe política pensa, o desequilíbrio das finanças dos Estados não cessará com a volta do crescimento econômico. O crescimento minorará o problema fiscal estadual, mas não inverterá o sinal da equação.

Aparentemente tucanos e democratas reconheceram o tamanho do problema e estão pressionando o governo Temer. Para todos os que conhecem o PMDB, é difícil se convencer da súbita conversão à responsabilidade fiscal.

O senador Ricardo Ferraço, do PSDB do Espírito Santo, apresentou relatório contrário ao projeto de lei que eleva os salários do STF, na terça-feira passada (23), na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos). Valdir Raupp, do PMDB de Rondônia, apresentou voto em separado favorável ao pleito do Supremo.

Já se fala que o projeto de emenda constitucional que estabelece o teto para o crescimento nominal do gasto primário da União ficará para ser aprovado em 2017. Certamente a aprovação da reforma da Previdência ficará para depois.

É possível que a lassidão fiscal verificada até o momento seja reflexo da falta de força que resulta da interinidade.

Outra interpretação é que os políticos –num momento em que a economia ensaia retomada tímida e as expectativas inflacionárias e a própria inflação são cadentes– têm muita dificuldade de enxergar claramente o problema fiscal e consideram que a elevação da receita que virá com a recuperação será suficiente para arrumar a casa. Nunca faltarão economistas para defender essa tese. E, certamente, os políticos preferirão seguir esses economistas com mensagens mais auspiciosas.

Assim, há risco real de termos que esperar alguma punição maior do mercado –como ocorreu com Joaquim Levy a partir de agosto do ano passado– ou o retorno da inflação para que a política pense de fato em arrumar a casa fiscal.


Eliminar desperdícios - AMIR KHAIR

ESTADÃO - 28/08

É fundamental controlar com rigor as despesas públicas, pois a origem dos recursos vem da sociedade


O governo aposta que, com a aprovação da PEC do congelamento de despesas primárias (exclui juros) e da reforma da Previdência, conseguirá reequilibrar as contas públicas no médio prazo. Com isso, animaria as empresas a retomar investimentos abrindo nova fase de crescimento.

Essa avaliação contém os mesmos princípios defendidos pelo governo Dilma no segundo mandato, com Joaquim Levy e depois com Nelson Barbosa: limitação das despesas primárias, desvinculação das receitas para educação e saúde e reforma da Previdência. O governo atual, que tem maioria no Congresso, conta como certa a aprovação da PEC e da reforma da Previdência.

Em artigo anterior apresentei simulações considerando: a) aprovação do Congresso da proposta do governo; b) crescimento anual de 2% até 2036 quando cessaria o efeito do congelamento de despesas; c) e alternativas de taxas de juros reais (excluída a inflação) de 2%, 4% e 6%. As conclusões foram: a) só ocorreria superávit primário a partir de 2021; b) e a relação dívida/PIB, no caso mais favorável de taxa de juros de 2%, só voltaria ao nível atual daqui a onze anos. Em 2027!

Dificilmente, o País aguentaria esperar tanto tempo, com agravamento do déficit social, com o congelamento de despesas e do impacto da crise sobre as empresas. O governo perderia apoio político e correria o risco de cair, como ocorre agora.

O equívoco dessa proposta é desconsiderar a verdadeira causa da crise fiscal: o excesso de juros, pois 82% (!) do déficit fiscal de 2015 foi causado por R$ 502 bilhões de juros (8,5% do PIB).

Depois de crescer R$ 675 bilhões em 2015, a dívida bruta atingiu em junho R$ 4,1 trilhões (68,5% do PIB) (!) submetida a uma taxa líquida média de juros 12,5%. Esse modelo financeiro resulta num componente de juros de 8,6% do PIB (12,5% de 68,5%). Para equilibrar as contas públicas seria necessário um superávit primário de mesmo valor, o que é impossível. O problema é que a taxa básica de juros teria de baixar para o nível da inflação (taxa real zero) para permitir voltar ao nível atual a partir de 2024. Historicamente nunca ocorreu a taxa real zero. Nos últimos 16 anos, apenas em nove meses (setembro de 2012 a maio de 2013) ficou abaixo de 2%, entre 1,47% e 1,81%. Nesse período a Selic ficou no seu mínimo histórico de 7,25%.

Quanto à relação dívida/PIB, vale informar que o nível atual (68,5%) é mais de 70% acima da média dos países emergentes.

Desperdícios. Cortar despesas sociais, como quer o governo na PEC, atinge a quem delas depende, que são as classes média e baixa. As projeções apontam para sua baixa eficácia fiscal. O maior impacto fiscal vem dos desperdícios fiscais, que podem ser eliminados no curto prazo em decisões soberanas do Executivo. São os seguintes: a) excesso de US$ 200 bilhões de reservas internacionais, segundo metodologia de exposição externa do FMI, que tem custo de carregamento anual de R$ 100 bilhões; b) excesso de R$ 500 bilhões em depósito de R$ 1 trilhão do Tesouro Nacional no Banco Central, que não rendem nada e poderiam abater a dívida com custo anual equivalente a R$ 70 bilhões; c) e subsídio ao BNDES de R$ 512 bilhões (o bolsa empresário) com custo anual equivalente a R$ 35 bilhões. Total (a+b+c) R$ 205 bilhões (!) anuais.

Proposta. Liquidar essas operações até o fim de 2017 daria um montante de R$ 1,7 trilhão, equivalente a 60% da dívida mobiliária do Tesouro em mercado. Ao abater a dívida e operar com taxa de juro real de 2%, levaria a partir de 2018 a relação dívida/PIB para o nível de 50%, com tendência de queda. Isso permitiria ao País reconquistar o grau de investimento pelas agências de classificação de risco.

É fundamental controlar com rigor as despesas públicas, pois a origem dos recursos vem da sociedade, com tributos, especialmente das classes média e baixa, que dependem de serviços e auxílios do Estado. Gestão ineficiente, desperdícios e desvios de qualquer ordem atentam contra o interesse social.

* MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR.

Cena de cinema - DORA KRAMER

ESTADÃO - 28/08

A expectativa em torno da presença de Dilma Rousseff amanhã no Senado para fazer sua defesa e responder a perguntas dos parlamentares é grande, mas não tem a ver com a possibilidade de virada de votos em favor da volta dela à Presidência da República.

Tal missão é impossível. Por três motivos: a firme consolidação da posição majoritária pró-afastamento, a já proverbial falta de traquejo da presidente afastada no manejo do raciocínio argumentativo e a ausência de empatia entre ela e a plateia do caso. Dilma, então, vai apenas cumprir uma tabela? Sim e não.

Poderia optar por não ir, dada a inutilidade prática da ação. Mas vai – acompanhada de grande elenco, Luiz Inácio da Silva à frente – para fazer jus ao roteiro da mulher de “coração valente” que luta até o fim e assim propiciar um fecho apoteótico ao documentário que está sendo produzido sobre o processo de impeachment no qual terá o papel de vítima injustiçada e injuriada. Na impossibilidade de exibir um final feliz, exibe-se como mártir. Uma cena para o cinema.

Feito isso, Dilma desocupa a ribalta e volta ao ostracismo de onde Luiz Inácio da Silva a resgatou, num ato posto pelos fatos na condição de erro crasso que ficará marcado na história como exemplo das consequências do pecado da soberba. Nunca antes neste País terá sido visto um equívoco de tal magnitude, cometido por considerado mestre na matéria. Ainda que involuntariamente e por mais que acredite na fantasia, na vida real Dilma derrubou o mito do grande articulador, do político sensitivo de instinto infalível.

Com esse passo em falso, Lula se colocou em posição semelhante à de Paulo Maluf na eleição municipal de 1996, em São Paulo. Maluf inventou Celso Pitta convocando os eleitores a nunca mais votar nele caso a criatura desse errado. Deu e ficou mais ou menos por isso mesmo. O inventor nunca mais recuperou condições de competitividade em eleições majoritárias, mas seguiu recebendo da população delegação para representá-la na Câmara dos Deputados, a despeito de seus desacertos com a lei.

Lula garantiu ao eleitor de 2010 que Dilma Rousseff era um gênio da administração, sendo desmentido ao passar do tempo pela realidade da inépcia de sua criatura. Juntando-se a ineficácia da pessoa com a eficácia do PT na infração ao Código Penal, tem-se uma fatura robusta espetada na conta do criador na forma de queda na popularidade e perda da credibilidade.

Não obstante a posição de ponta nas pesquisas para a eleição presidencial de 2018, Lula é campeão no quesito rejeição. Não será candidato, pelo simples fato de que correria o risco de perder e/ou de relegar ao esquecimento os 80% de aprovação popular que ostentava ao fim de seu segundo mandato, patrimônio indispensável à sua biografia.

Por essa e várias outras é que o PT vê chegar a hora tão adiada: vai precisar se reinventar a partir de rigorosa autocrítica, mudança de procedimentos e abertura de espaço para novas lideranças, abandonando a dinâmica de partido de uma só estrela. No caso, cadente. No sentido pessoal e, simbolicamente, partidário.

Há gente decente no PT, capaz de revigorar a legenda. Há base social (e sobre isso falam os três meses decorridos entre o afastamento de Dilma pela Câmara e o epílogo no Senado, processo que no caso de Fernando Collor levou 48 horas) e há eleitores ávidos por serem reconquistados.

Daqui em diante cabe ao partido aproveitar esse capital remanescente para olhar para si sem condescendência e recomeçar. Desta vez compreendendo que outra forma de fazer política é possível. Embora custe esforço, a chance é de que seja consistente. De verdade e para sempre. Desde que os petistas estejam dispostos a trilhar o caminho menos percorrido da dificuldade, aceitando que a vida é difícil. E o bom exercício da política também.

Os eufemismos - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 28/08

O ex-ministro Nelson Barbosa admitiu que houve operação de crédito entre a Caixa e o governo, mas em 2014. Já a dívida de R$ 55 bilhões nos outros bancos ele negou que fosse operação de crédito. Prefere chamar de “inadimplemento”. E acrescentou: “Sempre falo a verdade e pago o preço por isso. Sempre defendi que se pagassem esses passivos”, disse ele.

Ou seja, os passivos existiam, só não eram “operação de crédito”. A expressão é rejeitada com argumentos pedestres. Seria crédito, diz ele, se houvesse contrato entre o governo e a instituição financeira, ou se os bancos tivessem pegado recursos e depositado na conta única do Tesouro.

Ora, ora. A Lei de Responsabilidade Fiscal proibiu empréstimo para que os bancos públicos não fossem usados para financiar o governo, como ocorria no passado hiperinflacionário. Quando se atrasa o pagamento de um total de R$ 55 bilhões aos bancos, só com muito eufemismo se pode evitar a expressão usada pela lei, porque evidentemente o governo está sendo financiado. O Tesouro está deixando no caixa único dinheiro devido aos bancos. É por isso que a lei fala de “outras operações assemelhadas”.

Com a Caixa, o ex-ministro disse que foi diferente e admite o empréstimo:

— Poderia se falar de operação de crédito naqueles atrasos referentes ao Bolsa Família, ao seguro desemprego, mas isso é questão de 2014, não é objeto desse procedimento.

A verdade é que o governo pagou primeiro a Caixa e só no fim do ano os outros bancos. Mas durante meses de 2015 se arrastou essa dívida que vinha do ano anterior e chegou a R$ 6 bilhões. Mesmo assim, em setembro de 2015, a Caixa ainda brigava com o governo na Justiça para receber o que não havia recebido na execução do PAC.

A defesa da presidente Dilma tem sido mais diligente do que seus adversários em firmar alguns pontos. São sofismas, mas são apresentados com determinação, para se preparar o discurso a ser usado eleitoralmente. Um dos argumentos foi repetido ontem: Dilma está sendo derrubada para se acabar com programas sociais como o Pronatec. A verdade: o programa de bolsas de cursos técnicos foi quase todo desmontado em 2015, pela própria Dilma. Depois de usar o Pronatec eleitoralmente, o programa teve 60% de corte em 2015.

O desempenho dos defensores do impeachment é sofrível. Eles ou abrem mão de falar para que tudo ande mais rápido —e o presidente interino vá como efetivo à China — ou quando falam são capazes de elogiar o que deveriam criticar. O senador Aécio Neves foi um dos poucos a usar a contundência que o momento pede de quem acusa num processo sério como esse. Lembrou que o TCU em 2013 e 2014 alertou sobre o uso da contabilidade criativa nas contas públicas, das críticas de técnicos do Tesouro e perguntou se ele não se sente responsável pela tragédia econômica. Barbosa disse que saiu do governo em maio de 2013 e que, no governo, sempre defendeu correções e pagamento desses passivos: — Me sinto honrado de ter resolvido esse problema. O ex-ministro admite que Dilma pegou empréstimos junto a bancos públicos em 2014, mas afirmando que em 2015, ano pelo qual ela está sendo julgada, foi o da correção. Só que a lei também proíbe empréstimo em último ano de mandato. O que permite o ex-ministro admitir o erro de 2014 é a ajuda dada à defesa de Dilma pelo deputado Eduardo Cunha, que limitou a discussão apenas ao que ocorreu em 2015. No ano passado, de fato, o governo corrigiu as pedaladas de 2014, mas elas eram tantas que houve acumulação de passivo até de 2015. A grande irresponsabilidade fiscal foi cometida em 2014, no ano eleitoral. E aí está o pior da má-fé.

A discussão é árida, mas por ela passam conceitos valiosos ao país, estacas montadas na época da luta contra a hiperinflação. A defesa de Dilma defende que a única meta válida é a do fim do ano de 2015, mas, se for assim,a meta passa a ser a constatação a posteriori do resultado. Ela perde o valor.

Um dos fatos que derrubou a economia em 2015, admitiu Barbosa, foi o tarifaço de energia. Mas ele também foi produzido quando o governo Dilma segurou os preços para ajudar na campanha eleitoral. O grande debate é até que ponto um governo pode manipular a economia e distorcer a lei fiscal para ganhar eleição?

O conteúdo importa - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/08

Para o PT e parte da esquerda, a mídia é um dos responsáveis pela queda de Dilma Rousseff. No discurso petista, os principais meios de comunicação se uniram às elites conservadoras para derrubar um governo que vinha fazendo reformas de caráter popular.

Tais proposições me parecem frágeis, mas o que pretendo hoje é discutir outra coisa: o poder da imprensa de modificar a realidade. O que subjaz à narrativa petista, afinal, é a ideia de que o governo ia razoavelmente bem, mas que essa percepção foi bloqueada por vontade da mídia.

Não há dúvida de que os meios de comunicação exercem algum tipo de influência. Caso contrário, não valeriam de nada, não seriam procurados por quem tem algo a dizer nem por anunciantes. A questão relevante aqui é se conseguem ir além de refletir o mundo real, moldando até certo ponto as percepções do público, e se tornam capazes de criar realidades ao bel-prazer de seus controladores.

Um autor caro à esquerda, Karl Marx, pensava que não. Num texto de 1842 para o "Rheinische Zeitung", afirmou que a imprensa livre é tão responsável por alterar as condições do mundo "quanto o telescópio do astrônomo é responsável pela incessante moção do Universo".

Para sustentar o contrário é preciso supor que as pessoas não passam de fantoches que fazem tudo o que a mídia lhe ordena. Ora, o que os estudos mais modernos sugerem é que somos seres bastante influenciáveis, por fatores às vezes tão improváveis quanto a música que toca ao fundo. O poder dessas interferências, porém, está longe de absoluto. Elas alteram a proporção de pessoas que responde de um jeito ou de outro aos exercícios propostos pelos pesquisadores, mas só raramente levam alguém a fazer aquilo que não quer.

Um bom marqueteiro até pode convencer alguns incautos de que titica de cachorro é uma iguaria culinária. Mas dificilmente vai ficar rico vendendo isso. O conteúdo importa.

Moral pra cá, moral pra lá - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 28/08

Se a senadora Gleisi Hoffmann decreta que ninguém no Senado – nem ela própria, aliás – tem moral para julgar quem quer que seja, o que dizer da presença do ex-presidente Lula para dar força moral à pupila Dilma Rousseff, amanhã, no plenário? Nem todos os 81 senadores são alvos de processos, mas Lula foi indiciado pela Polícia Federal na sexta-feira, suspeito de receber mais de R$ 2 milhões da OAS para obras naquele triplex em Guarujá que ele jura que não é e nunca foi dele.

O clima já é de “hospício”, segundo o próprio presidente do Senado, Renan Calheiros. Imaginem como pode ficar com Dilma cara a cara com seus algozes, falando o que bem entende, cercada por 35 aliados e apoiada pelo estridente trio de choque Gleisi, Lindbergh Faria e Vanessa Grazziotin. E quantos deles têm moral para defender quem quer que seja?

Até a pronúncia, o Senado vinha se diferenciando em qualidade e em elegância da Câmara. Foi só começar o julgamento final para que a qualidade e a elegância evaporassem, com acusações cruzando os ares do plenário, os piores adjetivos ecoando pelas galerias, as ameaças de processos se multiplicando.

Já no primeiro dia, Gleisi rodou a baiana, Ronaldo Caiado reagiu, Lindbergh tomou as dores e virou um pandemônio. Agora, Gleisi tenta se explicar, Lindbergh anuncia que vai processar Caiado por insinuações do tipo “antidoping” e Caiado expõe na internet uma longa lista de ações e processos contra o senador petista, além de dizer que pretende entrar no Ministério Público contra Gleisi, por ter contratado para seu gabinete uma técnica que havia acabado de testemunhar a favor de Dilma.

O segundo dia não foi melhor. Aos gritos, Renan recriminou a fala de Gleisi sobre a “falta de moral” do Senado e contou que entrou no Supremo para aliviar a barra dela. Como assim? O Senado livrando a barra de alguém? E o Supremo aquiescendo? Virou um barraco. Depois, Renan disse que agiu republicanamente ao defender Gleisi no STF e provocou: “Só revendo o Código Penal, para aumentar a pena pelo crime de ingratidão”.

Enquanto Renan descia do muro, sinalizando que vai votar a favor do impeachment, o vice do Senado, Jorge Viana (PT), exercitava seu conhecido bom senso, negociando com os adversários. E foi assim que Viana, do PT, e Cássio Cunha Lima, líder do PSDB, acertaram com o presidente das sessões, Ricardo Lewandowski, dar um freio de arrumação na bagunça.

Lewandowski, aliás, parece um Cristo na Santa Ceia ali naquele tribunal, teatro, hospício, ou seja lá o que for. Gleisi, Vanessa, Lindbergh e Caiado berram, mas lá está ele impassível, pedindo calma aos senhores e senhoras senadoras. Quando perdeu a paciência, reclamou seu “poder de polícia” e gerou sobressaltos até explicar que isso é apenas um termo formal para discriminar seus poderes na circunstância. Ufa!

No acordão entre Viana e Cássio, não há mais questões de ordem e outros penduricalhos e, como os pró-impeachment decidiram não fazer mais perguntas, o resto de sexta-feira foi de palanque, com as testemunhas pró-Dilma falando sem contestação e a bancada dela fazendo proselitismo a favor do PT.

Eles só se esqueceram de combinar com os adversários comuns. Magno Malta não aguentou ouvir calado o economista Luiz Gonzaga Belluzzo defendendo Dilma e dizendo que o erro dela foi não ter gasto mais (?!?!?!) e gritou: Beluzzo foi expulso do Palmeiras depois de quebrar o clube. Então, o que ele fazia ali falando de contas e responsabilidade fiscal? Faz sentido.

Dentro do plenário, o zunzunzum era sobre o indiciamento de Lula. Fora, Lula tinha uma conversinha a sós com o ex-ministro Edison Lobão, que era amigão de Dilma, é do partido de Michel Temer e está enrolado na Lava Jato, desses que, como disse Gleisi, “não tem moral” para julgar ninguém. Qual será o voto de Lobão?

Duas perspectivas sobre o porvir brasileiro - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 28/08

Em certa medida o País se deslocou para o polo hobbesiano nos últimos 15 ou 20 anos


Toda filosofia política que se preze parte de um contraste entre dois extremos da conduta humana. De um lado, o altruísmo generalizado, que leva ao ideal do bem comum postulado por Aristóteles e Santo Tomás de Aquino; do outro, a figura do “homem lobo do homem”, que leva à luta de todos contra todos, ponto de partida da filosofia de Thomas Hobbes.

Na vida real, exemplos do polo altruísta são raros e efêmeros: o que mais se aproxima é o sentimento de unidade nacional que se configurou em função da guerra; a Grã-Bretanha de Winston Churchill talvez seja o melhor exemplo. No polo hobbesiano, os exemplos abundam. O extremo do extremo é o pretorianismo - aquela situação em que a ordem é precária e só se mantém graças à ação de uma guarda assassina e mercenária, ligada diretamente ao soberano. Descontados os elementos de ficção, é o que vemos no filme O Gladiador, esplêndida reconstrução da época do imperador romano Cômodo, 180-192 d.C. Retratando de forma oblíqua a situação que se prenunciava na Itália, o cineasta Federico Fellini focalizou o mesmo fenômeno por um prisma poético em seu belíssimo Ensaio de Orquestra, de 1978.

Descrever os dois extremos é uma tarefa relativamente fácil. Bem mais difícil é tentar entender os deslocamentos num sentido ou noutro que podem acontecer em qualquer país: o que ofereço em seguida é apenas um exercício com vista a tal objetivo. Não me atrevo a especular sobre a extensão do fenômeno, mas dou por assentado que, em certa medida, o Brasil se deslocou para o polo hobbesiano nos últimos 15 ou 20 anos.

Primeiro, ao liberar as forças sociais represadas desde o rápido crescimento econômico dos anos 1970, as elites políticas vivenciaram o que se pode apropriadamente denominar um embalo de sábado à noite. Imaginaram que a redemocratização e a convocação da Constituinte, resultando numa Carta generosa no que tocava à criação de direitos, reforçadas pelo eventual controle da inflação e a retomada do crescimento, confeririam ao sistema político um alto grau de legitimidade, facilitando a formação de coalizões governativas eficazes.

Mas a realidade subjacente a essa fantasia era bem outra: as instituições eram débeis; a classe política, impedida de se renovar durante os 21 anos do ciclo militar, perdera o pouco de organicidade que tivera em outros tempos; e a sociedade, sacudida por mudanças estruturais aceleradas, tornara-se muito mais difícil de governar. Tornou-se muito mais plebiscitária, quero dizer, atomística e sem identidades grupais estáveis.

Em segundo lugar, ao consumar-se o retorno ao regime civil, era fácil prever que a estrutura partidária dualista (Arena versus MDB) se iria esfacelar, deixando o caminho aberto para uma intensa fragmentação. A reforma partidária de 1979 já dera sinais nesse sentido. Mas a Constituinte e os demais dirigentes políticos relevantes daquele período, em vez de acionar engrenagens institucionais cautelares, “anticíclicas”, fizeram o oposto. Deixaram o processo correr solto e em vários aspectos até o incentivaram. Dessa forma, o “centro”, que em tese poderia reforçar a estabilidade do sistema político, rapidamente se liquefez. Esse quadro deveria ter causado preocupação, mas o que se viu foi outro equívoco.

Tomando a nuvem por Juno, as elites e grande parte das classes médias avaliaram que Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) caminhavam para o centro, com potencial para substituir o centro que se desfizera. Não compreenderam que a ideologia petista não favorecia tal mudança de perfil, ou seja, que o PT permaneceria numa faixa semidemocrática, com um pezinho dentro e outro fora do sistema - ora mais para dentro e ora mais para fora, conforme suas conveniências político-eleitorais.

Contra esse pano de fundo, o governo Fernando Henrique Cardoso deve ser entendido como um interregno de estabilidade e racionalidade. Bem ou mal, conseguiu-se, então, implementar algumas reformas dificilmente reversíveis, por meio do saneamento do sistema financeiro, da privatização de algumas empresas públicas que representavam um peso morto, ou pelo menos não realizavam seu potencial, e o estabelecimento de um regime de política econômica baseado no câmbio flutuante e nas metas de inflação.

Mas tais reformas não foram suficientes para sobrestar a recidiva populista que se iria materializar a partir da ascensão de Lula e, como hoje sabemos, na nuvem de gafanhotos que se abateria sobre o Estado e a economia, devorando implacavelmente os ganhos realizados na gestão das contas públicas e na concepção dos principais serviços sociais, como a educação e a saúde.

Arrastando-se por treze e meio longos anos, a dinâmica acima descrita ganhou velocidade, como um processo de fissão nuclear. Atritou entre si os três ramos do governo e dividiu cada um deles num grau jamais visto no País. Atomizada e desprovida de representação partidária adequada do ponto de vista eleitoral, os diferentes setores da sociedade não obstante se organizaram para a defesa de seus interesses, acentuando até o limite o espírito corporativista existente desde havia muito no País.

O resultado está aí, à vista de todos; nada garante que seja uma danse sur place, um país que se mantém num equilíbrio precário, mas sempre no mesmo lugar. Pode ser um país que pouco a pouco desliza para um equilíbrio cada vez pior. E o pior dessa hipótese pessimista é que ao cidadão comum restará apenas o consolo de dizer - com Fellini, mais uma vez - que “la nave và”, mesmo não sabendo para onde vai essa nave tresloucada.

BOLÍVAR LAMOUNIER É CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É AUTOR DO LIVRO ‘TRIBUNOS, PROFETAS E SACERDOTES: INTELECTUAIS E IDEOLOGIAS NO SÉCULO 20’ (COMPANHIA DAS LETRAS)

Fim de caso - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 28/08

No dia em que comparou o Senado a um hospício, Renan Calheiros se envolveu num exaltado bate-boca com defensores de Dilma Rousseff. Mais tarde, ele se queixaria da agressividade dos petistas. "Vou propor o agravamento da pena por ingratidão", provocou.

O senador havia declarado, em plenário, que usou sua influência para frear uma ofensiva da Lava Jato contra Gleisi Hoffmann. Logo ele, que responde a oito inquéritos por suspeita de envolvimento no petrolão. A ex-ministra reagiu com fúria, e os dois tiveram que ser apartados.

Seria apenas mais uma desavença se Renan não fosse o presidente do Senado. O governo interino comemorou. Conhecido por calcular cada movimento, o peemedebista parece ter ensaiado uma cena pública para cortar os laços com o PT.

O senador e o partido passaram muito tempo em trincheiras opostas. Líder do governo Collor, ministro de FHC, Renan era visto pelos petistas como um símbolo da velha política e do clientelismo. Bastou a sigla chegar ao poder para as divergências ficarem para trás. Nos governos Lula e Dilma, o alagoano seria alçado quatro vezes à presidência do Senado.

Os petistas encontraram um escudeiro capaz de manobrar o plenário. Renan garantiu proteção para sobreviver a outros escândalos. Foi um casamento de interesses, que chega ao fim junto com o julgamento do impeachment.

Antigo desafeto de Michel Temer, o senador passou os últimos meses no muro. Há poucos dias, desistiu de manter as aparências. Primeiro cancelou um encontro com Dilma para viajar com o presidente interino para o Rio. Depois confirmou presença na comitiva de Temer à China, programada para esta semana.

Na noite de sexta, Renan ensaiava o discurso para justificar a nova união. "O Legislativo também é governo. Estarei pronto para ajudar o presidente", anunciou. O PT voltará à oposição. O senador continuará no poder, de onde nunca saiu.


Rodrigo Janot ajudou os inimigos da Lava Jato - ELIO GASPARI

O GLOBO - 28/08

O doutor Rodrigo Janot leu uma expressão —"estelionato delacional"— informando que o vazamento de uma informação banal e legalmente irrelevante envolvendo o ministro José Antonio Dias Toffoli e o empreiteiro Léo Pinheiro (OAS) não saiu da sua Procuradoria porque lá não entrou.

Se lá não entrou, de lá não poderia ter saído e, se não existe, o doutor não teria porque suspender as tratativas pela colaboração de Pinheiro. Se notícias desse tipo podem influenciar decisões do procurador-geral, generaliza-se uma carnavalização jurídica.

A ideia de que Léo Pinheiro queira contar o que sabe e que a Procuradoria não quer ouvi-lo serve apenas para propagar boatos e até mesmo infâmias. A PGR se recusaria a ouvir um grande empreiteiro, sem mostrar o que ele está escondendo.

Pegaram 364 pessoas, quebraram 121 sigilos telefônicos (inclusive o de Léo Pinheiro), fecharam-se 41 acordos de colaboração e evitam-se as revelações, ainda que parciais, de um gato gordo da OAS.

Sob o nome de Lava Jato misturam-se várias iniciativas, conduzidas por duas equipes de procuradores, a de Brasília, chefiada por Janot, e a de Curitiba, onde está o juiz Sergio Moro.

Diversas narrativas de pessoas que gostariam de envenenar as duas equipes informam que elas guardam diferenças. A turma de Curitiba vive nas nuvens da autossuficiência. A de Brasília, na estratosfera da onipotência.

Curitiba cometeu o grande erro da circulação do grampo de Lula com Dilma Rousseff. Brasília pediu espetaculosamente a prisão de José Sarney e do senador Renan Calheiros, negada pelo ministro Teori Zavascki.

A colaboração do senador Delcídio do Amaral tem vulnerabilidades que poderão levar a sua anulação parcial. No caso da colaboração de Sérgio Machado, o ex-presidente da Transpetro, há muito vapor (de enxofre) e pouca materialidade.

A Lava Jato depende muito mais da serenidade dos procuradores do que da conduta dos seus adversários, pois os erros dos servidores servem aos interesses dos delinquentes.

Como no caso do grampo de Lula com Dilma, pode-se fazer tudo por ela, menos o papel de bobo para tirar da mesa tolices alheias.



METEOROS

Muita gente sonha para que a eleição de 2018 ofereça alternativas à lista de candidatos saídos do atual quadro partidário.

Seria um candidato-meteoro.

Quem? As escolhas são livres, aqui vai uma lista para exercícios de quiromancia, por ordem alfabética.


1- Cármen Lúcia. Ela assume a presidência do Supremo Tribunal Federal no próximo dia 12.

2- Joaquim Barbosa. O ex-ministro recolheu-se, mas está na cabeça de muita gente.

3- Rodrigo Janot. O procurador-geral da República parece gostar da ideia.

4- Sergio Moro. O juiz já disse que essa não é sua praia. A conferir.

EREMILDO, O IDIOTA


Eremildo é um idiota e não entendeu o que disseram os doutores da Associação de Magistrados Brasileiros quando tentaram pegar a carótida de Gilmar Mendes:

"É lamentável que um ministro do STF, em período de grave crise no país, milite contra as investigações da Operação Lava Jato, com a intenção de decretar o seu fim, e utilize como pauta a remuneração da magistratura."

O cretino não entendeu o que uma coisa tem a ver com a outra. Por idiota, Eremildo não sabe como a crítica aos penduricalhos da magistratura pode inibir ou acabar com a Lava Jato.

O teto salarial dos servidores públicos é de R$ 33,7 mil. Em Minas Grais há desembargadores que ganham R$ 56 mil, em São Paulo, R$ 52 mil, e no Rio, R$ 38 mil.

Gilmar Mendes falou em "gambiarras". Segundo a ministra Cármen Lúcia, são folhas de pagamentos onde "tem puxadinho e sei lá mais o quê".

TALENTO


A defesa de Dilma Rousseff mostrou que José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do comissariado, é um grande advogado.


TOFFOLI E JOHNSON


Com a história do serviço de impermeabilização de sua casa, o ministro José Antonio Dias Toffoli decidiu ficar no silêncio do seu gabinete. Ele tem as notas fiscais de toda a obra, na qual gastou cerca de R$ 1 milhão.

Seu silêncio livrou-o de uma armadilha celebrizada por ter sido a piada política preferida do desbocado e egocêntrico presidente americano Lyndon Johnson (1963-1969). É a seguinte:

O candidato a xerife de uma pequena cidade do Texas vai ao jornal de um amigo e pede que publique que seu adversário mantivera relações sexuais com porcos.

- Eu não posso publicar isso. Ele vai desmentir, disse o dono do jornal.

- É exatamente isso que que quero, respondeu o candidato.

ESTILO TEMER
Às segundas, quartas e sexta, o governo informa que poderá aumentar impostos.

Às terças, quintas e sábados, garante que não haverá aumento de impostos.

Durante os sete os dias da semana ninguém acredita no que diz.

LUPA NELES


Está no ar a Agência Lupa e ela promete ser o terror dos candidatos a prefeito. Seu serviço é checar o que eles dizem, carimbando a informações como "Falso", "Exagerado" ou "Verdadeiro, mas".

Numa só tacada as repórteres Cristina Tardáguila e Juliana Dal Piva acharam gatos nas biografias de dois candidatos a prefeito do Rio.

Marcelo Crivella nunca teve um diploma de mestrado em engenharia da universidade de Pretória, da Africa do Sul.

Pedro Paulo nunca teve o diploma de mestrado em Economia Regional pela universidade Federal Fluminense. Como Dilma Rousseff na Unicamp, ele foi ao curso, mas não entregou a tese.



OS EMPREITEIROS MOSTRAM SEU PODER


Vá lá que o ministro Gilmar Mendes queira pôr um freio na Lava-Jato, mas ninguém consegue frear as empreiteiras na defesa de seus interesses. Desde 2013 vaga pelo Senado o projeto de lei 559 pelo qual quebram-se os ossos da lei das licitações. O mimo esteve para ser votado em 2014 (ano eleitoral), mas foi para a geladeira. No governo de Michel Temer ele ressuscitou, piorado. Na sua versão inicial criava-se a modalidade de “contratação integrada”, dispensando a apresentação de um projeto básico para obras de valor superior a R$ 2 milhões (projeto básico, a ciclovia Tim Maia tinha). Essa modalidade de licitação light nasceu na Petrobras. Deu no que deu.

Empreiteiras contratadas para uma obra poderão desapropriar imóveis. Uma festa para a fusão de interesses de empresas de engenharia, companhias imobiliárias e escritórios de advocacia versados nesse tipo de litígio.

No “governo de salvação nacional”, acrescentou-se uma gracinha, instituindo o “diálogo competitivo”. Ele prevê a realização de reuniões de autoridades públicas com “licitantes previamente selecionados”. Assim, seria possível organizar um “diálogo competitivo” com os doutores Sérgio Machado, pela Transpetro, Marcelo , pela Odebrecht, e Léo Pinheiro, pela OAS.

O governo vem ajudando a tramitação do projeto de lei 559 e ele poderá ser votado no Senado ainda neste ano, seguindo para a Câmara dos Deputados.


A farsa - MERVAL PEREIRA

O Globo - 28/08

Ao admitir, respondendo a uma pergunta do senador Tasso Jereissati, que não houve atraso nos pagamentos da equalização dos juros do Plano Safra a bancos privados, a exemplo do que ocorreu com o Banco do Brasil, o ex-ministro Nelson Barbosa jogou por terra toda retórica com que tentava garantir que não se caracterizavam como empréstimo ao governo os atrasos de pagamentos, popularmente chamados de “pedaladas”.

O governo não poderia ter deixado de pagar no tempo devido a diferença entre a taxa de juros cobrada pelos bancos privados e o que subsidiava, pois não controlava esses bancos, o mesmo não acontecendo com o BB, de quem é acionista majoritário e, sendo assim, decidia quando pagaria o devido, levando anos para pagar.

Justamente o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que caracteriza tal atitude como improbidade administrativa, e levou ao pedido de impeachment da presidente Dilma por crime de responsabilidade.

A LRF proíbe que o governo imponha necessidades aos bancos públicos justamente para impedir que os use para financiar suas ações, como se fizesse operação compulsória de crédito na instituição financeira que controla.

Tecnicamente, Dilma está sendo julgada pelas “pedaladas” de 2015 e por 3 decretos suplementares editados naquele ano sem autorização do Congresso. Parece pouca coisa, e é o que leva observadores internacionais, como “Le Monde” ontem e várias personalidades internacionais ligadas a movimentos de esquerda, a considerarem superficialmente que uma presidente aparentemente honesta está sendo sacrificada por pequenos delitos administrativos em complô de parlamentares corruptos.

É por isso que o “Le Monde” diz que, se não é um golpe, é uma farsa o que ocorre no Brasil. Se o jornal francês de esquerda usa “farsa” no sentido “narração burlesca, que provoca risos” ou “ato grotesco”, ou algo do gênero, pode até ter certa razão. Pois é mesmo situação risível esta, em que muitos deputados e senadores sob investigação se tornam juízes de uma presidente da República.

Mas, se estiver usando “farsa” no sentido de “embuste”, “mentira ardilosa”, aí estará completamente equivocado, pois a presidente está sendo julgada por ter cometido crimes de responsabilidade que levaram o país a breca, quebrando pela corrupção a maior estatal brasileira.

Nem mesmo a versão de que Dilma é uma mulher honesta que está sendo derrotada por políticos corruptos se sustenta, diante do que está sendo revelado pela Lava-Jato. O que ajuda essa narrativa marota que engana com mais facilidade estrangeiros que não estão a par de nossa realidade — e nem se interessam em entendê-la — é que o processo de impeachment é orientado por lei de 1950, atualizada devido à LRF, mas não para abrigar a lei que introduziu a reeleição no nosso sistema.

Portanto, quando a lei do impeachment diz que um presidente só pode ser julgado por crimes cometidos “no mandato atual”, permite que todos os crimes cometidos no 1º mandato fiquem temporariamente impunes. Por sorte dos brasileiros, o governo Dilma continuou “pedalando” em 2015 antes de “despedalar” na curta gestão do ministro Joaquim Levy, e por isso foi possível abrir o processo de impeachment com base no que houve em 2015.

Mas foi nos anos anteriores, especialmente em 2014, de eleição, que todas as medidas que nos levaram ao caos em que nos encontramos foram feitas, justamente para permitir a reeleição de Dilma, baseada em fotografia do país que já não refletia a realidade econômica, que estava sendo maquiada naquele mesmo instante.

Eleita, teve que convocar uma equipe econômica antagônica ao que vinha sendo realizado até então, para tentar reequilibrar a situação fiscal. O amplo contingenciamento realizado em 2015, citado por Barbosa como um trunfo do governo Dilma, não passou de uma confissão de culpa do descalabro que causaram em busca da manutenção de um projeto de poder do PT baseado em um esquema de corrupção institucionalizada nunca visto no país.

São questões assim que os estrangeiros desavisados não levam em conta, ainda considerando que Lula é “adorado” pelo povo brasileiro, e que Dilma é uma mulher honesta cercada de corruptos.

Não sabem, por exemplo, que todos esses “corruptos” que agora se opõem a ela estavam a seu lado até pouco tempo, escolhidos pelo PT para darem governabilidade no Congresso em troca de apoio político, a maior parte das vezes pago com ilegalidades. Inclusive Eduardo Cunha, que deu a partida para o impeachment.

Bom roteiro para uma farsa burlesca, sem dúvida. Mas é o que temos pelo momento na vida política, e, sobretudo, está sendo realizado no mais estrito cumprimento da Constituição, sob supervisão do STF.

PEC dos partidos ajudará na renovação da política - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 28/08

Emenda à Carta que exige votos para partido ter representação plena e acaba com as coligações em pleitos proporcionais é essencial para sanear o Legislativo


Em um ambiente político tenso, cuja voltagem passou a subir mais uma vez, encerrado o período de relaxamento da Rio-2016, a fase final do pedido de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, está de novo em andamento, e tudo indica deverá ter um desfecho esta semana.

Depois, temas-chave da agenda do Congresso passarão a ganhar mais visibilidade, independentemente de quem estiver no Planalto. Um dos assuntos é a reforma na legislação político-eleitoral, feita por proposta de emenda à Constituição de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Um dos aspectos positivos da PEC é ser minimalista. Não faz qualquer revolução na legislação — até porque não é preciso mesmo nada revolucionário —, nem amplas alterações, para se atacar o ponto nevrálgico da baixa representatividade de partidos e políticos, com todas as consequências malignas do problema.

No pano de fundo da perda de prestígio do Legislativo, trágica para a democracia representativa, está uma desbragada proliferação de legendas nanicas, quase sempre criadas para permitir negociatas. Por exemplo, na comercialização de tempo no horário dito gratuito. E para ganhar o dinheiro fácil do Fundo Partidário, bancado pelo contribuinte. Mesmo sem qualquer parlamentar, partidos repartem 5% do fundo, hoje em R$ 800 milhões.

A PEC de Ferraço cria mecanismo conhecido em democracias fortes e longevas: a cláusula de desempenho, um mínimo de eleitores que a legenda tem de atrair para conseguir acesso pleno ao fundo, participar do programa eleitoral e ser representado, com todos os direitos, no Legislativo. E ainda acaba com a coligação em eleições proporcionais, pela qual votos elegem deputados sem o conhecimento do eleitor, um absurdo.

Aprovada a proposta, partido para ter representação plena necessitará de pelo menos 2% dos votos dados a todos os deputados federais, e atingir este índice no mínimo em 14 estados. Nas eleições de 2022, o índice subirá para 3%.

No pleito de 2006, entraria em vigor uma cláusula idêntica à da Alemanha, com a exigência de 5% dos votos nacionais. Partidos pequenos recorreram ao STF e sustaram a medida. Por um conceito até ingênuo de representatividade — pois ela não existe sem votos —, chegou-se à situação atual: 38 partidos oficializados, muitos ainda na fila para serem criados, e, no Congresso, 28 legendas. A maioria cevada também em outro mecanismo de distorção, a coligação em eleições proporcionais.

No atual Supremo, é bastante provável que aquela reclamação de legendas menores não fosse aceita, tamanhas as distorções que se acumulam no quadro partidário à frente de todos.

Como ficou mais difícil negociar alianças de forma séria nesta pulverização partidária, o PT partiu para o caminho fácil da corrupção via o toma lá dá cá do fisiologismo. A prisão de líderes e Lula e Dilma sob investigação resumem o drama do partido pelo erro cometido.

Uma prova da grave perda de importância dos partidos está em estatísticas publicadas pelo GLOBO sobre filiações partidárias, distribuídas por faixas etárias, de 2008 até hoje. Quanto mais jovem a parcela da população, menor a adesão a partidos. Que cai ano a ano neste período. Entre 18 e 24 anos, retrocede de 5,13% para 2,62%. A tendência é a mesma até a faixa de 35 a 44 anos. E o envelhecimento da população não explica toda esta queda. Os partidos não se renovam, tendem a ficar nas mãos de espertalhões, e assim a política e a democracia perdem substância. A PEC de Ferraço é uma resposta a esta hecatombe.

Os imorais - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 28/08

'É com esse script, reescrito para as circunstâncias, mas muito bem ensaiado, que os senadores petistas pretendem constranger o Congresso perante as câmeras'



O julgamento da presidente Dilma Rousseff já não tem a menor importância, em si, para os petistas que a defendem no Senado. Por se tratar de um processo essencialmente político, as favas já estão para lá de contadas. Portanto, os senadores do PT estão ali com o único objetivo de encenar a “paixão de Dilma”: diante das câmeras de documentaristas simpáticos à causa lulopetista, encarregados de registrar os estertores de Dilma na Presidência, esses histriões querem converter o julgamento em um dramalhão épico, numa tentativa de ditar a história deste triste período.

Pode-se imaginar que o roteiro cinematográfico do “martírio” de Dilma preveja como clímax a presença da presidente no Senado para se defender, amanhã. Consta que a petista trará uma comitiva de três dezenas de pessoas, entre as quais vários correligionários que foram seus ministros, que certamente se comportarão, diante das câmeras, como devotados apóstolos. E há ainda uma chance de ver Lula da Silva, a prima-dona da companhia, que planeja aparecer no Senado para testemunhar o calvário de sua criatura. Como Lula jamais será coadjuvante, em especial quando contracena com a inexpressiva Dilma, pode-se deduzir que sua intenção seja roubar a cena – é ele, afinal, quem julga ter um legado e uma história a defender, ao passo que Dilma, todos sabem, é apenas um pedaço de sua costela.

Todos esses atores, portanto, estão a desempenhar o papel que não lhes cabe: o de vítimas. Como Lula e grande elenco jamais admitiram responsabilidade pelos grosseiros erros dos governos petistas, muito menos pela corrupção sistêmica que carcomeu o Congresso e a administração pública nos últimos dez anos, qualquer acusação de roubalheira ou de irresponsabilidade só pode ser interpretada como campanha anti-PT.

Se o documentário sobre o impeachment de Dilma fizer uso da técnica do flashback, poderá lembrar que, quando estourou o escândalo do mensalão, Lula tratou de negar tudo. Confrontado com evidências acachapantes do esquema de corrupção, Lula chegou a pedir desculpas ao País – para salvar a pele, como sempre, o chefão petista não titubeou em jogar vários de seus homens ao mar. Mais tarde, porém, diante do crescente desgaste de seu partido, Lula tratou de mudar o discurso mais uma vez, dizendo que o PT não era mais corrupto do que os outros partidos e que seus principais dirigentes estavam sendo alvo de processos graças a uma perseguição deliberada contra os petistas em geral. Tudo isso para salvar a pele dos corruptos de outros partidos e aniquilar o “governo popular” do PT.

É com esse script, reescrito para as circunstâncias, mas muito bem ensaiado, que os senadores petistas pretendem constranger o Congresso perante as câmeras. “Qual é a moral deste Senado para julgar a presidenta da República?”, perguntou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), conspurcando a Casa para a qual ela mesma foi eleita. O evidente desrespeito à democracia não passou despercebido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que, na condição de presidente da sessão, admoestou a senadora quando ela insistiu, numa segunda ocasião, em colocar todos os senadores no mesmo saco da imoralidade petista. “Não vou admitir esse tipo de frase num julgamento como esse. Não volte a mencionar essa expressão”, disse Lewandowski. Mas Gleisi, que afinal não estava preocupada com nenhum julgamento, e sim com a construção da “narrativa” para a história, disse que “esta Casa conspirou contra a presidenta Dilma”.

Eis então que representantes do partido que protagonizou o mensalão e o petrolão, que tem três tesoureiros enrolados na Justiça, que teve vários de seus principais dirigentes processados e presos e cujo grande líder, Lula, acaba de ser indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica julgam-se à vontade para questionar a moral dos demais parlamentares.

Tudo tem um propósito claro: se todos são imorais, então ninguém é – e se apenas os petistas são condenados, então isso só pode ser “golpe”. É muito bom que tudo isso esteja sendo registrado em filme – que servirá como precioso documento da incansável vocação dos petistas para fraudar a realidade.

Pedaladas em questão - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/03

A presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), conhecerá seu destino político nos próximos dias. A julgar pelo clima no Congresso, mais de 70% dos senadores votarão por seu impeachment pela violação de normas que disciplinam o uso dos recursos públicos.

Após longo período de debates na Câmara e no Senado, as acusações são mais que conhecidas. Afirma-se que a administração de Dilma, ao praticar as agora notórias pedaladas fiscais em volumes inéditos, tomou empréstimos de bancos públicos –iniciativa proibida pela Constituição e pela lei dos crimes de responsabilidade.

Além disso, sustenta-se que Dilma autorizou seu governo a incorrer em despesas extras (a chamada abertura de crédito suplementar) sem antes obter o aval legalmente necessário do Congresso.

De um ponto de vista factual, não restam dúvidas sobre o acertado das imputações. A partir de 2014, quando a economia brasileira começou a ruir, a gestão petista efetivamente lançou mão de gambiarras para esconder o estado calamitoso de suas finanças. Decerto esperava, com isso, aumentar as chances de reeleição de Dilma.

Da perspectiva do impeachment, contudo, a situação é menos pacífica. Como esta Folha sempre afirmou, a deposição constitucional de um presidente da República não pode ser considerada questão corriqueira. Está em jogo, afinal, o cargo mais elevado do sistema democrático brasileiro.

A abreviação do mandato presidencial, por contrariar o desejo expresso pelos eleitores, deveria ocorrer somente em circunstâncias excepcionais, quando o detentor houvesse perdido todas as condições de seguir governando e estivesse comprovado de maneira cabal o envolvimento direto do chefe do Executivo nas irregularidades.

A defesa de Dilma alega que as decisões sobre pedaladas e créditos suplementares foram tomadas por técnicos, e não pela petista, e que tais expedientes já eram usuais na administração pública. Se a atribuição de crime de responsabilidade a ela tem algo de questionável, sobressai o descompasso entre a conduta que se pretende punir e a sanção extrema que será imposta.

Ainda assim, 367 dos 513 deputados votaram pelo impeachment; calcula-se que em torno de 60 senadores farão o mesmo. Supera-se com folga o mínimo de dois terços exigido na Constituição, requisito alto o suficiente para garantir que só presidentes já incapazes de governar se arriscam a perder o cargo.

Dilma Rousseff está prestes a perder o seu. Após extenso processo supervisionado pelo Supremo Tribunal Federal, o Senado definirá o destino da petista —e não haverá motivo para recusar o veredicto.