ESTADÃO - 31/07
Se Hillary não abrir logo uma larga dianteira com seu discurso de união contra Trump, a eleição promete emoção até o último voto
A festa na indicação de Hillary Clinton como primeira candidata à presidência na história dos Estados Unidos não deve iludir os democratas. A disputa será dura. Na média das pesquisas nacionais, ela perdeu a liderança de quase 11 pontos porcentuais que tinha em abril e ficou atrás de Donald Trump. É esperado que volte a subir, como resultado da Convenção Nacional Democrata na Filadélfia. Mesmo assim, se Hillary não abrir logo uma larga dianteira com seu discurso de união contra Trump, a eleição promete emoção até o último voto. As dificuldades surgem na análise do mapa eleitoral. Para vencer, Hillary precisa de 270 votos no Colégio Eleitoral. Hoje, tem algo como 217 praticamente garantidos. Mas perdeu a liderança na Flórida, Estado crítico para Trump. Ainda enfrenta resistência em Estados que concentram alta proporção de eleitores brancos sem nível universitário, propensos a votar em Trump, como Pensilvânia, Ohio, Iowa, Nevada ou Virgínia – terra de seu vice, Tim Kaine. Preferida por quase 70% nas casas de apostas, Hillary aparece na frente de Trump na maioria dos modelos estatísticos. O problema, como sempre, é a distância entre os modelos e a realidade.
Hillary 1 x 0 Trump
Mesmo defendendo o direito ao aborto, Hillary tem atraído mais eleitores católicos. Numa pesquisa do instituto Pew, ela lidera por 20 pontos de vantagem entre aqueles que vão à missa toda semana. Seu vice, ex-missionário jesuíta em Honduras, é contra o aborto e a pena de morte, mas acatou 11 execuções quando governador da Virgínia.
Hillary 1 x 1 Trump
Na pesquisa Pew, Trump mantém a mesma lliderança avassaladora que Mitt Romney obteve em 2012 entre os evangélicos devotos: 60 pontos.
Hillary 2 x 1 Trump
Três empresas independentes de segurança digital – CrowdStrike, Secureworks e Fidelis – dão como certo o envolvimento de russos na invasão dos computadores do Comitê Nacional Democrata, que resultou no vazamento de 20 mil e-mails, comprovando o favorecimento a Hillary nas primárias. Não há prova de conexão com Trump ou com o presidente russo Vladimir Putin. Mas a expressão “hackers russos” já bastará para Hillary explorar na campanha.
Hillary 2 x 2 Trump
Antes da revelação dos e-mails, um terço daqueles que votaram em Bernie Sanders já preferiam outros candidatos que não Hillary. Uma análise da Catalyst revela que apenas 41% deles votam sempre nos democratas. Algo como 25% votam às vezes, 35% são republicanos ou variam o voto. Há dois desafios para a campanha de Hillary: convencer a turma de Sanders a ir votar – e a votar nela.
Hillary 3 x 2 Trump
O repórter Jose DelReal, do jornal Washington Post, foi impedido de cobrir um comício do vice de Trump, Mike Pence, em Milwaukee. Graças a sua cobertura crítica, o Post foi banido de eventos com Trump. Ele ameaçou até retaliar contra o dono do jornal, Jeff Bezos. Não pega bem intimidar a imprensa na terra da Primeira Emenda.
Hillary 3 x 3 Trump
Antes do escândalo dos e-mails em seus servidores privados, Hillary dizia que, nos hotéis, lia relatórios sensíveis à luz de lanterna, sob cobertores. Mesmo em ambientes amistosos, afirmava ter cuidado com “onde e como lia material secreto e usava tecnologia”. O FBI livrou a cara dela, mas disse que ela corria risco de ser grampeada por países inimigos.
E se empatar?
Se Trump ganhar na Flórida (29 votos), New Hampshire (4), Iowa (6), Ohio (18) e Nevada (6) e perder para Hillary na Pensilvânia (20) e na Virgínia (13), a eleição empataria em 269 votos no Colégio Eleitoral. Pela Constituição, a decisão caberia à Câmara, dominada pelos republicanos – e Trump venceria.
domingo, julho 31, 2016
Previdência, esta velha senhora - SUELY CALDAS
ESTADÃO - 31/07
É inescapável a análise de longo prazo quando se pensa em mudar regras de aposentadoria. Por se tratar de um sistema que transita por 30/40 anos, tempo em que o ser humano poupa enquanto trabalha para garantir renda na velhice, projeções e previsibilidades sobre o futuro precisam estar contempladas nas regras e nos números para a conta fechar equilibrada, sem rombos (e de rombo nossa Previdência entende: o déficit do INSS somou R$ 60,44 bilhões no primeiro semestre e pode chegar a R$ 147 bilhões até dezembro e a R$ 183 bilhões em 2017. Daí a urgência em buscar uma solução). O dilema surge quando se parte para definir dois itens: 1) com qual valor e por quanto tempo é necessário poupar; e 2) qual a idade de acesso à aposentadoria.
Embora pouco se saiba dos detalhes, é óbvio que a proposta de reforma em gestação no governo vai focar esses dois itens e (a parte mais difícil) o quebra-cabeça nele inserido: definir as regras de transição de acordo com a idade e o tempo de contribuição do candidato a se aposentar. O resto são penduricalhos e privilégios que se acumularam ao longo dos anos e que precisam ser removidos para garantir direitos iguais a todos, entre eles acabar com regimes especiais para professores, militares e policiais que se aposentam mais cedo e isenção fiscal para entidades que nada têm de filantrópicas. E, ainda, definir se o trabalhador rural passará ou não a contribuir para o INSS (hoje ele é isento) e se as novas regras serão ou não aplicadas ao funcionalismo público, o que deixaria governadores e prefeitos felizes.
Quem cuida do assunto no governo tem repetido à exaustão: não haverá ajuste fiscal sem reformar a Previdência. O presidente interino Michel Temer já acertou com as lideranças do Legislativo e, tão logo seja aprovado o impeachment, a reforma da Previdência vai tramitar em regime de urgência. Que a urgência é necessária não há dúvida, mas os responsáveis pela proposta precisam ter cuidado em suas projeções, análises e definição das novas regras para evitar erros e injustiças no futuro. Mais uma vez, a análise de longo prazo é fundamental no sentido de não permitir que a necessidade do momento atropele decisões que devem ser tomadas olhando anos à frente e seu reflexo no futuro – método próprio dos sistemas previdenciários.
Vou citar, aqui, dois erros desse tipo que serviram para cavar ainda mais fundo o buraco da Previdência.
O primeiro aconteceu na China. Pressionado por uma população que não parava de crescer e já ultrapassava 1 bilhão de habitantes, o governo chinês adotou a lei do filho único em 1979, punindo pais que se aventurassem a ter um segundo filho. Como freio da explosão demográfica a decisão teve resultado: 30 anos depois 400 milhões de nascimentos haviam sido evitados. Mas os chineses passaram a conviver com outro ameaçador problema: a população envelheceu, o padrão familiar migrou para a equação “4-2-1” (4 avós aposentados, apoiados por 2 pais trabalhadores, que serão sustentados por só 1 filho no futuro). Ruinoso para a Previdência.
Resultado: em outubro de 2015 a China permitiu o segundo filho, mas a crise econômica não animou as chinesas a engravidar e o déficit da Previdência só vai crescer nos próximos anos. Em Previdência é assim: decisões surtem efeitos 30 anos depois.
O segundo erro aconteceu entre nós, mais exatamente em 2011, primeiro mandato de Dilma Rousseff. No açodamento desarvorado e inconsequente de fazer a economia girar à força, Dilma decidiu substituir a contribuição previdenciária de 56 setores econômicos por um imposto sobre o faturamento das empresas. Trocou 100 por 10 e a arrecadação ao INSS desabou no precipício, enquanto despesas com aposentadorias e pensões dispararam e o rombo da Previdência foi à lua. Em setembro de 2015 o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy corrigiu a burrada em parte, elevando as alíquotas do imposto de 1% e 2% para 2,5% e 4,5%. O jeito, agora, é a reforma revogar a burrada. Novamente, decisões de conjuntura aplicadas à longeva Previdência só podem mesmo dar em fiasco.
É inescapável a análise de longo prazo quando se pensa em mudar regras de aposentadoria. Por se tratar de um sistema que transita por 30/40 anos, tempo em que o ser humano poupa enquanto trabalha para garantir renda na velhice, projeções e previsibilidades sobre o futuro precisam estar contempladas nas regras e nos números para a conta fechar equilibrada, sem rombos (e de rombo nossa Previdência entende: o déficit do INSS somou R$ 60,44 bilhões no primeiro semestre e pode chegar a R$ 147 bilhões até dezembro e a R$ 183 bilhões em 2017. Daí a urgência em buscar uma solução). O dilema surge quando se parte para definir dois itens: 1) com qual valor e por quanto tempo é necessário poupar; e 2) qual a idade de acesso à aposentadoria.
Embora pouco se saiba dos detalhes, é óbvio que a proposta de reforma em gestação no governo vai focar esses dois itens e (a parte mais difícil) o quebra-cabeça nele inserido: definir as regras de transição de acordo com a idade e o tempo de contribuição do candidato a se aposentar. O resto são penduricalhos e privilégios que se acumularam ao longo dos anos e que precisam ser removidos para garantir direitos iguais a todos, entre eles acabar com regimes especiais para professores, militares e policiais que se aposentam mais cedo e isenção fiscal para entidades que nada têm de filantrópicas. E, ainda, definir se o trabalhador rural passará ou não a contribuir para o INSS (hoje ele é isento) e se as novas regras serão ou não aplicadas ao funcionalismo público, o que deixaria governadores e prefeitos felizes.
Quem cuida do assunto no governo tem repetido à exaustão: não haverá ajuste fiscal sem reformar a Previdência. O presidente interino Michel Temer já acertou com as lideranças do Legislativo e, tão logo seja aprovado o impeachment, a reforma da Previdência vai tramitar em regime de urgência. Que a urgência é necessária não há dúvida, mas os responsáveis pela proposta precisam ter cuidado em suas projeções, análises e definição das novas regras para evitar erros e injustiças no futuro. Mais uma vez, a análise de longo prazo é fundamental no sentido de não permitir que a necessidade do momento atropele decisões que devem ser tomadas olhando anos à frente e seu reflexo no futuro – método próprio dos sistemas previdenciários.
Vou citar, aqui, dois erros desse tipo que serviram para cavar ainda mais fundo o buraco da Previdência.
O primeiro aconteceu na China. Pressionado por uma população que não parava de crescer e já ultrapassava 1 bilhão de habitantes, o governo chinês adotou a lei do filho único em 1979, punindo pais que se aventurassem a ter um segundo filho. Como freio da explosão demográfica a decisão teve resultado: 30 anos depois 400 milhões de nascimentos haviam sido evitados. Mas os chineses passaram a conviver com outro ameaçador problema: a população envelheceu, o padrão familiar migrou para a equação “4-2-1” (4 avós aposentados, apoiados por 2 pais trabalhadores, que serão sustentados por só 1 filho no futuro). Ruinoso para a Previdência.
Resultado: em outubro de 2015 a China permitiu o segundo filho, mas a crise econômica não animou as chinesas a engravidar e o déficit da Previdência só vai crescer nos próximos anos. Em Previdência é assim: decisões surtem efeitos 30 anos depois.
O segundo erro aconteceu entre nós, mais exatamente em 2011, primeiro mandato de Dilma Rousseff. No açodamento desarvorado e inconsequente de fazer a economia girar à força, Dilma decidiu substituir a contribuição previdenciária de 56 setores econômicos por um imposto sobre o faturamento das empresas. Trocou 100 por 10 e a arrecadação ao INSS desabou no precipício, enquanto despesas com aposentadorias e pensões dispararam e o rombo da Previdência foi à lua. Em setembro de 2015 o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy corrigiu a burrada em parte, elevando as alíquotas do imposto de 1% e 2% para 2,5% e 4,5%. O jeito, agora, é a reforma revogar a burrada. Novamente, decisões de conjuntura aplicadas à longeva Previdência só podem mesmo dar em fiasco.
Sobre humor e cangurus - FERNANDO GABEIRA
O Globo - 31/07
A frase infeliz de Paes faz pensar: existe um humor tipicamente carioca?
Não precisamos de cangurus, mas sim de encanadores. A frase da chefe da delegação australiana na Olimpíada do Rio é mais do que uma tirada pragmática. Ela nos leva a pensar no humor. Quando prometeu os cangurus, diante das reclamações sobre problemas hidráulicos, Eduardo Paes estava fazendo humor. E, ao contrário do que ele costuma dizer, não é um humor carioca, apenas humor. Na verdade, não sei se existe um humor tipicamente carioca. Um dos maiores humoristas de todos os tempos, o carioca Millôr Fernandes era universal na maioria dos seus textos e pode ser incluído em qualquer boa seleção planetária.
Talvez exista um humor judeu, classificado, organizado em antologias, com traços marcantes, como a autoironia de Woody Allen. Mas ainda assim é um esforço classificatório. No livro “O ato da criação”, Arthur Koestler descreve a dinâmica do humor e, de um modo geral, o atribui a um tipo de associação que expressa o encontro súbito de dois quadros do pensamento, uma centelha criativa que faz rir. Paes associou rapidamente um fato do mundo material, o entupimento das pias, para outro do mundo afetivo, os cangurus tão presentes no cenário australiano. A resposta australiana recolocou o quadro real da demanda.
Se examinarmos o quadro clássico da dinâmica do humor, ele apenas introduziu uma centelha criativa, com o propósito de fazer rir. No entanto, carioca ou judeu, o humor está sujeito a uma condição universal: tem ou não tem graça? É difícil aceitar a tese de um humor carioca, sempre que o prefeito do Rio diz uma frase infeliz. Existe um estado de espírito mais descontraído talvez. Mas ele também está sujeito ao julgamento do outro.
Se as frases de Paes expressam um típico humor carioca, era de se esperar que os cariocas fossem discretamente evitados por outros povos: lá vêm aqueles caras, com aquelas piadas sem graça. E não é isso o que acontece nas relações entre eles e o mundo. É compreensível que pessoas modestas atribuam seus talentos à sociedade em que trabalham, que socializem a celebração de suas conquistas. Mas torna-se um pouco difícil atribuir frases das quais ele próprio se arrepende a um traço da sua própria cultura. Como os cariocas, por serem cariocas, estivessem condenados culturalmente a dizer coisas sem graça, nas circunstâncias mais sérias. A resposta da australiana, Kitty Chiller — “precisamos de encanadores” — jogou Paes na realidade e foram feitos avanços nas reparações. Ministros de Brasília andaram dizendo que isso acontece mesmo com prédios novos. É a inversão do senso comum. Seria como dizer: meu carro é novo, por isso não sai da oficina.
O diálogo Paes-Chiller me jogou também numa outra dimensão da realidade. Se uma obra que custou R$ 2,9 bilhões, inaugurada com exposição internacional, foi entregue assim, o que acontece com as outras ao longo do Brasil, escondidas das câmeras, anônimas? Cobrindo uma enchente num bairro popular de São Gonçalo, a moradora me convidou para entrar em sua casa e ver o resultado de uma recente obra de saneamento. Simplesmente os canos devolviam esgoto para dentro de casa. Naquele momento, senti muito que ela fosse obrigada a viver naquelas circunstâncias desagradáveis. Era apenas uma velha senhora de São Gonçalo. O que vemos hoje atrela aquele destino individual à própria imagem do Brasil.
As reportagens mais críticas e dolorosas referem-se sempre aos graves problemas de saneamento. Uma atleta americana postou para seus seguidores: vou remar na merda por vocês. Num sentido mais amplo, a chefe da delegação australiana falou por todo o Brasil: precisamos de encanadores. Impossível esconder de uma superexposição internacional o fato de que ainda não resolvemos no XXI o problema que alguns países resolveram no século XIX, como o saneamento básico. Não é preciso ir aos bairros mais pobres para constatar essa realidade. As lagoas são um termômetro. Todas, e especialmente a Baía de Guanabara, são poluídas e decadentes. A opção de realizar a Vila Olímpica na Barra consagra um tipo de crescimento que segue o ritmo do próprio comércio imobiliário. Ao fugir das grandes concentrações, a expansão impõe ao governo custos muito altos para instalar a infraestrutura. A frase da australiana Kitty Chiller não é todo estranha à Barra de Tijuca de hoje.
Mas, certamente, ao apontar o crescimento para a região, ela pode se tornar profética: precisamos de encanadores. De uma certa forma, a Lava-Jato nos ajudou nisso. Grandes empreiteiras como a Odebrecht não terão condições de repetir seus métodos. E não poderão substituir o planejamento pela lista das obras que querem construir. O colapso dessas grandes empresas talvez abra caminho para se enfrentar com mais eficácia a tarefa do saneamento.
Se isso acontecer será também um legado da Olimpíada, teremos encanadores e os canos que ainda nos faltam.
A frase infeliz de Paes faz pensar: existe um humor tipicamente carioca?
Não precisamos de cangurus, mas sim de encanadores. A frase da chefe da delegação australiana na Olimpíada do Rio é mais do que uma tirada pragmática. Ela nos leva a pensar no humor. Quando prometeu os cangurus, diante das reclamações sobre problemas hidráulicos, Eduardo Paes estava fazendo humor. E, ao contrário do que ele costuma dizer, não é um humor carioca, apenas humor. Na verdade, não sei se existe um humor tipicamente carioca. Um dos maiores humoristas de todos os tempos, o carioca Millôr Fernandes era universal na maioria dos seus textos e pode ser incluído em qualquer boa seleção planetária.
Talvez exista um humor judeu, classificado, organizado em antologias, com traços marcantes, como a autoironia de Woody Allen. Mas ainda assim é um esforço classificatório. No livro “O ato da criação”, Arthur Koestler descreve a dinâmica do humor e, de um modo geral, o atribui a um tipo de associação que expressa o encontro súbito de dois quadros do pensamento, uma centelha criativa que faz rir. Paes associou rapidamente um fato do mundo material, o entupimento das pias, para outro do mundo afetivo, os cangurus tão presentes no cenário australiano. A resposta australiana recolocou o quadro real da demanda.
Se examinarmos o quadro clássico da dinâmica do humor, ele apenas introduziu uma centelha criativa, com o propósito de fazer rir. No entanto, carioca ou judeu, o humor está sujeito a uma condição universal: tem ou não tem graça? É difícil aceitar a tese de um humor carioca, sempre que o prefeito do Rio diz uma frase infeliz. Existe um estado de espírito mais descontraído talvez. Mas ele também está sujeito ao julgamento do outro.
Se as frases de Paes expressam um típico humor carioca, era de se esperar que os cariocas fossem discretamente evitados por outros povos: lá vêm aqueles caras, com aquelas piadas sem graça. E não é isso o que acontece nas relações entre eles e o mundo. É compreensível que pessoas modestas atribuam seus talentos à sociedade em que trabalham, que socializem a celebração de suas conquistas. Mas torna-se um pouco difícil atribuir frases das quais ele próprio se arrepende a um traço da sua própria cultura. Como os cariocas, por serem cariocas, estivessem condenados culturalmente a dizer coisas sem graça, nas circunstâncias mais sérias. A resposta da australiana, Kitty Chiller — “precisamos de encanadores” — jogou Paes na realidade e foram feitos avanços nas reparações. Ministros de Brasília andaram dizendo que isso acontece mesmo com prédios novos. É a inversão do senso comum. Seria como dizer: meu carro é novo, por isso não sai da oficina.
O diálogo Paes-Chiller me jogou também numa outra dimensão da realidade. Se uma obra que custou R$ 2,9 bilhões, inaugurada com exposição internacional, foi entregue assim, o que acontece com as outras ao longo do Brasil, escondidas das câmeras, anônimas? Cobrindo uma enchente num bairro popular de São Gonçalo, a moradora me convidou para entrar em sua casa e ver o resultado de uma recente obra de saneamento. Simplesmente os canos devolviam esgoto para dentro de casa. Naquele momento, senti muito que ela fosse obrigada a viver naquelas circunstâncias desagradáveis. Era apenas uma velha senhora de São Gonçalo. O que vemos hoje atrela aquele destino individual à própria imagem do Brasil.
As reportagens mais críticas e dolorosas referem-se sempre aos graves problemas de saneamento. Uma atleta americana postou para seus seguidores: vou remar na merda por vocês. Num sentido mais amplo, a chefe da delegação australiana falou por todo o Brasil: precisamos de encanadores. Impossível esconder de uma superexposição internacional o fato de que ainda não resolvemos no XXI o problema que alguns países resolveram no século XIX, como o saneamento básico. Não é preciso ir aos bairros mais pobres para constatar essa realidade. As lagoas são um termômetro. Todas, e especialmente a Baía de Guanabara, são poluídas e decadentes. A opção de realizar a Vila Olímpica na Barra consagra um tipo de crescimento que segue o ritmo do próprio comércio imobiliário. Ao fugir das grandes concentrações, a expansão impõe ao governo custos muito altos para instalar a infraestrutura. A frase da australiana Kitty Chiller não é todo estranha à Barra de Tijuca de hoje.
Mas, certamente, ao apontar o crescimento para a região, ela pode se tornar profética: precisamos de encanadores. De uma certa forma, a Lava-Jato nos ajudou nisso. Grandes empreiteiras como a Odebrecht não terão condições de repetir seus métodos. E não poderão substituir o planejamento pela lista das obras que querem construir. O colapso dessas grandes empresas talvez abra caminho para se enfrentar com mais eficácia a tarefa do saneamento.
Se isso acontecer será também um legado da Olimpíada, teremos encanadores e os canos que ainda nos faltam.
A academia tenta entender o estranho fenômeno de juros nulos e deflação - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 31/07
Desde meados dos anos 1990 a economia japonesa apresenta a estranha situação de juros reais negativos e deflação.
A academia não deu muita importância. A economia japonesa –com toda a disciplina e capacidade de poupança– parece se tratar de um mundo tão distante, mesmo para habitantes do hemisfério Norte, que o problema passou batido.
De fato, Paul Krugman publicou em 1998 seu hoje clássico paper "It's Baaack: Japan's Slump and the Return of the Liquidity Trap". Houve alguns outros poucos esforços em entender esse estranho equilíbrio macroeconômico: juros nominais nulos e deflação.
A saída da crise de 2008 colocou quase todo o mundo desenvolvido em um equilíbrio próximo ao japonês. A economia norte-americana apresenta uma recuperação com baixo crescimento do emprego. Na Europa, há desemprego elevado, com juros nulos e inflação muito baixa ou deflação.
Quando ficou claro que o estranho equilíbrio poderia ser um fenômeno mais geral, e não uma idiossincrasia de uma sociedade, ela mesma idiossincrática e distante, a academia se movimentou.
Há hoje literatura muito extensa tentando entender o estranho fenômeno. Em poucos anos a academia produziu um conjunto impressionante de conjecturas, modelos e diagnósticos. Certamente não há consenso e não há entendimento completo do que estamos vivendo.
As teorias consideram imperfeições no mercado de trabalho –em geral algum tipo de rigidez nominal dos salários– e algum tipo de restrição ao crédito.
Por exemplo, o trabalho "A Model of Secular Stagnation", de Gauti Eggertsson e Neil Mehrota, da Universidade Brown, sugere que as economias centrais estariam vivendo situação na qual ocorrem o paradoxo da parcimônia –o desejo de todos pouparem mais somente reduz a poupança e o emprego– e o paradoxo da labuta –o desejo de todos trabalharem mais somente reduz o emprego e o produto.
A saída mais simples é uma forte expansão fiscal. A política monetária é pouco eficaz nessa situação.
Já Stephanie Schmitt-Grohé e Martin Uribe, da Universidade Columbia, no paper "The Making of a Great Contraction with a Liquidity Trap and a Jobless Recovery", argumentam que nessas situações a política monetária ótima deixa de ser a regra de Taylor, que fixa a taxa de juros em função da distância da inflação corrente da meta inflacionária.
Em situações de carência crônica de demanda agregada, a queda da taxa de juros que acompanha a crise é pouco efetiva para estimular o consumo e o investimento. Além disso, a queda dos juros ajuda a manter as expectativas inflacionárias deprimidas, reforçando a recessão. Nessas situações, a melhor política é o banco central fixar o juro nominal no valor dado pela meta inflacionária mais o juro real normal da economia. Os juros nominais mais elevados elevarão as expectativas de inflação e ajudarão a retirar a economia da depressão.
Todos que leram Keynes sabem que esses fenômenos podem existir. A pergunta acadêmica é: que fatores levam a que essa possibilidade tenha ocorrido justamente agora e qual é a melhor resposta de política econômica? Essas questões requerem modelos teóricos com implicações empíricas precisas e testes robustos que não as rejeitem.
De qualquer forma, o mundo gira, a lusitana roda, e a academia não se deprime. Novos problemas, novos desafios. Sempre sem preconceitos e ideias prontas.
Desde meados dos anos 1990 a economia japonesa apresenta a estranha situação de juros reais negativos e deflação.
A academia não deu muita importância. A economia japonesa –com toda a disciplina e capacidade de poupança– parece se tratar de um mundo tão distante, mesmo para habitantes do hemisfério Norte, que o problema passou batido.
De fato, Paul Krugman publicou em 1998 seu hoje clássico paper "It's Baaack: Japan's Slump and the Return of the Liquidity Trap". Houve alguns outros poucos esforços em entender esse estranho equilíbrio macroeconômico: juros nominais nulos e deflação.
A saída da crise de 2008 colocou quase todo o mundo desenvolvido em um equilíbrio próximo ao japonês. A economia norte-americana apresenta uma recuperação com baixo crescimento do emprego. Na Europa, há desemprego elevado, com juros nulos e inflação muito baixa ou deflação.
Quando ficou claro que o estranho equilíbrio poderia ser um fenômeno mais geral, e não uma idiossincrasia de uma sociedade, ela mesma idiossincrática e distante, a academia se movimentou.
Há hoje literatura muito extensa tentando entender o estranho fenômeno. Em poucos anos a academia produziu um conjunto impressionante de conjecturas, modelos e diagnósticos. Certamente não há consenso e não há entendimento completo do que estamos vivendo.
As teorias consideram imperfeições no mercado de trabalho –em geral algum tipo de rigidez nominal dos salários– e algum tipo de restrição ao crédito.
Por exemplo, o trabalho "A Model of Secular Stagnation", de Gauti Eggertsson e Neil Mehrota, da Universidade Brown, sugere que as economias centrais estariam vivendo situação na qual ocorrem o paradoxo da parcimônia –o desejo de todos pouparem mais somente reduz a poupança e o emprego– e o paradoxo da labuta –o desejo de todos trabalharem mais somente reduz o emprego e o produto.
A saída mais simples é uma forte expansão fiscal. A política monetária é pouco eficaz nessa situação.
Já Stephanie Schmitt-Grohé e Martin Uribe, da Universidade Columbia, no paper "The Making of a Great Contraction with a Liquidity Trap and a Jobless Recovery", argumentam que nessas situações a política monetária ótima deixa de ser a regra de Taylor, que fixa a taxa de juros em função da distância da inflação corrente da meta inflacionária.
Em situações de carência crônica de demanda agregada, a queda da taxa de juros que acompanha a crise é pouco efetiva para estimular o consumo e o investimento. Além disso, a queda dos juros ajuda a manter as expectativas inflacionárias deprimidas, reforçando a recessão. Nessas situações, a melhor política é o banco central fixar o juro nominal no valor dado pela meta inflacionária mais o juro real normal da economia. Os juros nominais mais elevados elevarão as expectativas de inflação e ajudarão a retirar a economia da depressão.
Todos que leram Keynes sabem que esses fenômenos podem existir. A pergunta acadêmica é: que fatores levam a que essa possibilidade tenha ocorrido justamente agora e qual é a melhor resposta de política econômica? Essas questões requerem modelos teóricos com implicações empíricas precisas e testes robustos que não as rejeitem.
De qualquer forma, o mundo gira, a lusitana roda, e a academia não se deprime. Novos problemas, novos desafios. Sempre sem preconceitos e ideias prontas.
Mais 20 anos? - AMIR KHAIR
ESTADÃO - 31/07
É natural que haja otimismo em algumas análises quanto às expectativas favoráveis com o governo Temer. Dados recentes chegam a apontar que o fundo do poço já foi atravessado. Não compartilho dessa avaliação. Há de se ter cautela.
Completado o impeachment, novas medidas mais amargas poderão aparecer. Outras virão após completado o período eleitoral municipal. Estão e estarão na linha da economia de despesas primárias (que excluem juros) do governo federal.
Talvez o governo consiga aprovar antes das eleições de outubro mais um pacote: a PEC 241 (que prevê o congelamento de despesas primárias). Creio, no entanto, que isso só vá ocorrer após as eleições municipais, dado o impacto desfavorável com a população na área social e previdenciária. Além disso, há todo um processo de negociações com o Congresso, de olho nas eleições de outubro, e, em se tratando de emenda constitucional, tem trâmite mais demorado, devendo passar pela Câmara e pelo Senado com quórum de aprovação elevado.
Mais complicado e difícil politicamente é a aprovação da reforma da Previdência, cujo debate talvez só ocorra com o início dos trabalhos legislativos em 2017. Segundo a equipe econômica, é necessário que as novas regras de aposentadoria sejam aplicadas o quanto antes, prevendo um período curto de transição do atual regime para o novo, onde deveria constar idade mínima de aposentadoria, desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e acabar com os regimes especiais para a mulher, trabalhador rural e professores. Não vai ser fácil e as centrais sindicais de trabalhadores estão unidas, não aceitando redução de direitos para quem já está no mercado de trabalho, portanto, com transição longa.
Admitindo que a PEC 241 seja aprovada ainda neste ano, que a reforma da Previdência ocorra como deseja a equipe econômica e não ocorram problemas maiores com a rigidez de despesas, a despesa primária do governo federal ficaria congelada por pelo menos dez anos: de 2017 a 2026, podendo ser estendida até 2036, perfazendo 20 anos de congelamento. Em um cenário como esse, o que poderia ocorrer com a situação fiscal?
Perspectivas fiscais. Vamos supor que ocorra nesse período, de 2017 a 2036: a) um crescimento médio anual de 2%; b) inflação anual de 5% em 2017 e de 4% de 2018 em diante e; c) a taxa média de juros da dívida dos títulos federais seja de 12% em 2017 (Boletim Focus), caindo para 10% em 2018. E três alternativas para 2019 a 2036: permanecer em 10%, baixar para 8% e baixar para 6%.
Nessas condições, ocorreria no governo federal em relação ao PIB: a) déficit primário até 2023 e em 2026 o superávit primário estaria abaixo de 1%; b) déficit nominal (que considera juros) caindo de 10,2% em 2016 para em 2026 atingir 3,2% no caso de taxa de juros de 6%, 5,2% no caso de taxa de juros de 8% e ao redor de 8% até 2028 no caso da taxa de juros de 10%.
No início deste ano, a dívida bruta do setor público estava em R$ 3,9 trilhões (66,5% do PIB) e a dívida mobiliária do governo federal estava em R$ 2,6 trilhões (44,7% do PIB), portanto 2/3 da dívida bruta. A evolução que teria essa dívida mobiliária em relação ao PIB seria: a) de elevação até 68,7% em 2023 no caso de taxa de juros de 6%; b) de elevação até 78,2% em 2028 e; c) de elevação contínua até o fim de 2036, quando atingiria 107,1%.
Essas projeções mostram que, para um mesmo resultado primário, na hipótese de congelamento por 20 anos, o déficit nominal e a dívida mobiliária federal apresentam resultados elevados até 2023, mesmo com taxa de juros de 6%. Somente depois de 2023, com taxa de juros de 6%, é que reflui lentamente a relação dívida/PIB.
Proposta. Para se ter resultado nominal tendendo mais rápido para o equilíbrio, é necessário um forte abatimento até o fim de 2017 da dívida mobiliária, que se encontra ao fim de maio em R$ 2,7 trilhões (45,6% do PIB). Isso poderia ocorrer de diversas iniciativas: a) venda de excesso de reservas internacionais (US$ 200 bilhões); b) redução da Selic para o nível de 6% até o fim deste ano; c) acelerar a devolução dos R$ 513 bilhões em créditos do Tesouro Nacional no BNDES; d) redução pela metade na disponibilidade de R$ 926 bilhões do Tesouro Nacional no Banco Central, que não rendem nada; e) venda de ativos desnecessários à finalidade pública.
Admitindo que se proceda à política de redução da dívida mobiliária com ativos mal aplicados e, mesmo sem novas privatizações como a venda de participações acionárias do governo, seria possível até o fim de 2017 reduzir pela metade a dívida mobiliária prevista para o fim de 2017 (R$ 3,6 trilhões).
Na hipótese de venda desses ativos se teria: a) déficits nominais fortemente cadentes e inferiores a 4% do PIB a partir de 2018 por causa da redução dos juros de 7,4% do PIB no fim deste ano para o nível de 2% do PIB a partir de 2018; b) equilíbrio fiscal (déficit nominal zero) em 2029 e superávits a partir de 2030 e; c) a dívida mobiliária federal cairia de 53% do PIB ao fim deste ano para níveis entre 30% e 35% do PIB de 2018 até 2029.
Alternativas viáveis e independente de negociações com o Congresso existem. Para isso, é necessário uma discussão mais abrangente sobre a questão fiscal envolvendo o resultado nominal, para não ficar no samba de uma nota só do déficit primário e do corte social que vem de Dilma com Levy e Barbosa para Temer com Meirelles.
O Banco Central aguarda o esforço fiscal do governo como condição necessária para reduzir a Selic. Enquanto isso, ao praticar a Selic elevada, é o principal causador da elevação de despesas. Já são 22 anos, desde o Plano Real, que o BC espera, também, a redução da inflação para reduzir a taxa de juros. Mais 20 anos?
É natural que haja otimismo em algumas análises quanto às expectativas favoráveis com o governo Temer. Dados recentes chegam a apontar que o fundo do poço já foi atravessado. Não compartilho dessa avaliação. Há de se ter cautela.
Completado o impeachment, novas medidas mais amargas poderão aparecer. Outras virão após completado o período eleitoral municipal. Estão e estarão na linha da economia de despesas primárias (que excluem juros) do governo federal.
Talvez o governo consiga aprovar antes das eleições de outubro mais um pacote: a PEC 241 (que prevê o congelamento de despesas primárias). Creio, no entanto, que isso só vá ocorrer após as eleições municipais, dado o impacto desfavorável com a população na área social e previdenciária. Além disso, há todo um processo de negociações com o Congresso, de olho nas eleições de outubro, e, em se tratando de emenda constitucional, tem trâmite mais demorado, devendo passar pela Câmara e pelo Senado com quórum de aprovação elevado.
Mais complicado e difícil politicamente é a aprovação da reforma da Previdência, cujo debate talvez só ocorra com o início dos trabalhos legislativos em 2017. Segundo a equipe econômica, é necessário que as novas regras de aposentadoria sejam aplicadas o quanto antes, prevendo um período curto de transição do atual regime para o novo, onde deveria constar idade mínima de aposentadoria, desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e acabar com os regimes especiais para a mulher, trabalhador rural e professores. Não vai ser fácil e as centrais sindicais de trabalhadores estão unidas, não aceitando redução de direitos para quem já está no mercado de trabalho, portanto, com transição longa.
Admitindo que a PEC 241 seja aprovada ainda neste ano, que a reforma da Previdência ocorra como deseja a equipe econômica e não ocorram problemas maiores com a rigidez de despesas, a despesa primária do governo federal ficaria congelada por pelo menos dez anos: de 2017 a 2026, podendo ser estendida até 2036, perfazendo 20 anos de congelamento. Em um cenário como esse, o que poderia ocorrer com a situação fiscal?
Perspectivas fiscais. Vamos supor que ocorra nesse período, de 2017 a 2036: a) um crescimento médio anual de 2%; b) inflação anual de 5% em 2017 e de 4% de 2018 em diante e; c) a taxa média de juros da dívida dos títulos federais seja de 12% em 2017 (Boletim Focus), caindo para 10% em 2018. E três alternativas para 2019 a 2036: permanecer em 10%, baixar para 8% e baixar para 6%.
Nessas condições, ocorreria no governo federal em relação ao PIB: a) déficit primário até 2023 e em 2026 o superávit primário estaria abaixo de 1%; b) déficit nominal (que considera juros) caindo de 10,2% em 2016 para em 2026 atingir 3,2% no caso de taxa de juros de 6%, 5,2% no caso de taxa de juros de 8% e ao redor de 8% até 2028 no caso da taxa de juros de 10%.
No início deste ano, a dívida bruta do setor público estava em R$ 3,9 trilhões (66,5% do PIB) e a dívida mobiliária do governo federal estava em R$ 2,6 trilhões (44,7% do PIB), portanto 2/3 da dívida bruta. A evolução que teria essa dívida mobiliária em relação ao PIB seria: a) de elevação até 68,7% em 2023 no caso de taxa de juros de 6%; b) de elevação até 78,2% em 2028 e; c) de elevação contínua até o fim de 2036, quando atingiria 107,1%.
Essas projeções mostram que, para um mesmo resultado primário, na hipótese de congelamento por 20 anos, o déficit nominal e a dívida mobiliária federal apresentam resultados elevados até 2023, mesmo com taxa de juros de 6%. Somente depois de 2023, com taxa de juros de 6%, é que reflui lentamente a relação dívida/PIB.
Proposta. Para se ter resultado nominal tendendo mais rápido para o equilíbrio, é necessário um forte abatimento até o fim de 2017 da dívida mobiliária, que se encontra ao fim de maio em R$ 2,7 trilhões (45,6% do PIB). Isso poderia ocorrer de diversas iniciativas: a) venda de excesso de reservas internacionais (US$ 200 bilhões); b) redução da Selic para o nível de 6% até o fim deste ano; c) acelerar a devolução dos R$ 513 bilhões em créditos do Tesouro Nacional no BNDES; d) redução pela metade na disponibilidade de R$ 926 bilhões do Tesouro Nacional no Banco Central, que não rendem nada; e) venda de ativos desnecessários à finalidade pública.
Admitindo que se proceda à política de redução da dívida mobiliária com ativos mal aplicados e, mesmo sem novas privatizações como a venda de participações acionárias do governo, seria possível até o fim de 2017 reduzir pela metade a dívida mobiliária prevista para o fim de 2017 (R$ 3,6 trilhões).
Na hipótese de venda desses ativos se teria: a) déficits nominais fortemente cadentes e inferiores a 4% do PIB a partir de 2018 por causa da redução dos juros de 7,4% do PIB no fim deste ano para o nível de 2% do PIB a partir de 2018; b) equilíbrio fiscal (déficit nominal zero) em 2029 e superávits a partir de 2030 e; c) a dívida mobiliária federal cairia de 53% do PIB ao fim deste ano para níveis entre 30% e 35% do PIB de 2018 até 2029.
Alternativas viáveis e independente de negociações com o Congresso existem. Para isso, é necessário uma discussão mais abrangente sobre a questão fiscal envolvendo o resultado nominal, para não ficar no samba de uma nota só do déficit primário e do corte social que vem de Dilma com Levy e Barbosa para Temer com Meirelles.
O Banco Central aguarda o esforço fiscal do governo como condição necessária para reduzir a Selic. Enquanto isso, ao praticar a Selic elevada, é o principal causador da elevação de despesas. Já são 22 anos, desde o Plano Real, que o BC espera, também, a redução da inflação para reduzir a taxa de juros. Mais 20 anos?
O PT e a opção Dilma - CELSO MING
ESTADÃO - 31/07
'Os companheiros' parecem confusos e radicalmente divididos sobre apoiar a permanência da presidente afastada
Até que ponto o PT está mesmo interessado na volta da presidente Dilma ao governo, com tudo o que viesse depois?
O teatro e a retórica sugerem que está, sim, e que o interesse do partido se identifica com o interesse da presidente. Mas não é só a lógica que aponta para outra direção. Como tem acontecido em tantos outros assuntos, “os companheiros” parecem confusos e radicalmente divididos.
A condenação do “golpe” a que se aferram peca por falha estratégica. O PT e a presidente Dilma vêm usando todos os recursos políticos e institucionais, os mesmos que passaram a denunciar como ilegítimos. Como aceitar como legítima a defesa da presidente Dilma se todo o processo deve ser considerado nulo, como opinam?
Em outras palavras, é difícil vender a tese do golpe parlamentar e judiciário se os apoiadores da presidente afastada estão usando todos os meios e prerrogativas que lhes conferem a Constituição, as leis e os regimentos, tanto do Congresso quanto do Supremo. Se aceitam as regras do jogo, não há sentido em condená-las.
A outra contradição está no comportamento prático. O PT refugou veementemente a política econômica colocada em marcha no segundo período Dilma. Descartou o que chamou de cavalo de pau na economia adotado ainda em dezembro de 2014, que “criou a sensação de estelionato eleitoral”. Malhou o quanto pôde o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e sua política de ajuste. Malhou depois o ministro que lhe sucedeu, Nelson Barbosa, e também acusou seu programa fiscal “de destruir a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista”. E rejeitou também veementemente os primeiros passos em direção à proposta de reforma da Previdência feita pela própria presidente Dilma e pelo ministro Nelson Barbosa.
Em lugar de tudo isso, os dirigentes do PT defenderam a retomada da política econômica do primeiro governo Dilma, baseada na enorme expansão das despesas públicas, nas desonerações fiscais, na distribuição de subsídios, na derrubada dos juros, na fartura de crédito – decisões que deveriam ser reforçadas pela venda imediata de reservas externas. Ainda nesta sexta-feira, o presidente Lula declarou que a solução da economia está na expansão do consumo e na ativação do crédito, como se faltasse crédito – e como se a retranca no consumo fosse causa e não consequência dos desequilíbrios da economia.
Na Resolução sobre a Conjuntura, de 17 de maio de 2016, o PT comprometeu-se com a defesa de Dilma no processo de impeachment, mas exigiu que, uma vez vitoriosa, adotasse mudança radical de rumo na política econômica adotada antes do seu afastamento do governo.
Dilma chegou a propor que, uma vez de volta ao Palácio do Planalto, novas eleições fossem convocadas imediatamente para escolher novo chefe de governo. Mas essa é uma proposta de baixa viabilidade política, uma vez que exigiria renúncia do vice-presidente e aprovação de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), em dois turnos pelas duas Casas do Congresso, por maioria de três quintos.
E, antes disso, seria preciso saber com que base parlamentar contaria a presidente Dilma para conduzir a economia, especialmente depois do rompimento com o PMDB liderado pelo vice-presidente, Michel Temer, agora seu desafeto.
Independentemente disso, ou Dilma aceitaria a volta dos experimentos e do voluntarismo praticados enquanto vigorou a fracassada Nova Matriz Macroeconômica e sua política de pedaladas, ou adotaria uma variação qualquer da política de Temer, sem no entanto garantir a credibilidade necessária para isso. Qualquer que fosse a opção, teria potencial para produzir novos estragos e isso, decididamente, prejudicaria ainda mais o projeto eleitoral do PT, pelo menos o de 2018.
Por isso, faria mais sentido que o PT permanecesse na oposição, de onde pudesse tirar proveito político de possíveis tropeços do governo Temer, do que voltasse à base de apoio de um eventual novo período Dilma.
E se o PT não está inteiro contra o processo de impeachment, mais improvável ainda contar que seja rejeitado no Senado.
'Os companheiros' parecem confusos e radicalmente divididos sobre apoiar a permanência da presidente afastada
Até que ponto o PT está mesmo interessado na volta da presidente Dilma ao governo, com tudo o que viesse depois?
O teatro e a retórica sugerem que está, sim, e que o interesse do partido se identifica com o interesse da presidente. Mas não é só a lógica que aponta para outra direção. Como tem acontecido em tantos outros assuntos, “os companheiros” parecem confusos e radicalmente divididos.
A condenação do “golpe” a que se aferram peca por falha estratégica. O PT e a presidente Dilma vêm usando todos os recursos políticos e institucionais, os mesmos que passaram a denunciar como ilegítimos. Como aceitar como legítima a defesa da presidente Dilma se todo o processo deve ser considerado nulo, como opinam?
Em outras palavras, é difícil vender a tese do golpe parlamentar e judiciário se os apoiadores da presidente afastada estão usando todos os meios e prerrogativas que lhes conferem a Constituição, as leis e os regimentos, tanto do Congresso quanto do Supremo. Se aceitam as regras do jogo, não há sentido em condená-las.
A outra contradição está no comportamento prático. O PT refugou veementemente a política econômica colocada em marcha no segundo período Dilma. Descartou o que chamou de cavalo de pau na economia adotado ainda em dezembro de 2014, que “criou a sensação de estelionato eleitoral”. Malhou o quanto pôde o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e sua política de ajuste. Malhou depois o ministro que lhe sucedeu, Nelson Barbosa, e também acusou seu programa fiscal “de destruir a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista”. E rejeitou também veementemente os primeiros passos em direção à proposta de reforma da Previdência feita pela própria presidente Dilma e pelo ministro Nelson Barbosa.
Em lugar de tudo isso, os dirigentes do PT defenderam a retomada da política econômica do primeiro governo Dilma, baseada na enorme expansão das despesas públicas, nas desonerações fiscais, na distribuição de subsídios, na derrubada dos juros, na fartura de crédito – decisões que deveriam ser reforçadas pela venda imediata de reservas externas. Ainda nesta sexta-feira, o presidente Lula declarou que a solução da economia está na expansão do consumo e na ativação do crédito, como se faltasse crédito – e como se a retranca no consumo fosse causa e não consequência dos desequilíbrios da economia.
Na Resolução sobre a Conjuntura, de 17 de maio de 2016, o PT comprometeu-se com a defesa de Dilma no processo de impeachment, mas exigiu que, uma vez vitoriosa, adotasse mudança radical de rumo na política econômica adotada antes do seu afastamento do governo.
Dilma chegou a propor que, uma vez de volta ao Palácio do Planalto, novas eleições fossem convocadas imediatamente para escolher novo chefe de governo. Mas essa é uma proposta de baixa viabilidade política, uma vez que exigiria renúncia do vice-presidente e aprovação de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), em dois turnos pelas duas Casas do Congresso, por maioria de três quintos.
E, antes disso, seria preciso saber com que base parlamentar contaria a presidente Dilma para conduzir a economia, especialmente depois do rompimento com o PMDB liderado pelo vice-presidente, Michel Temer, agora seu desafeto.
Independentemente disso, ou Dilma aceitaria a volta dos experimentos e do voluntarismo praticados enquanto vigorou a fracassada Nova Matriz Macroeconômica e sua política de pedaladas, ou adotaria uma variação qualquer da política de Temer, sem no entanto garantir a credibilidade necessária para isso. Qualquer que fosse a opção, teria potencial para produzir novos estragos e isso, decididamente, prejudicaria ainda mais o projeto eleitoral do PT, pelo menos o de 2018.
Por isso, faria mais sentido que o PT permanecesse na oposição, de onde pudesse tirar proveito político de possíveis tropeços do governo Temer, do que voltasse à base de apoio de um eventual novo período Dilma.
E se o PT não está inteiro contra o processo de impeachment, mais improvável ainda contar que seja rejeitado no Senado.
Erro de perito e palavra de juiz - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 31/07
O juiz, necessariamente, não se queda refém da prova técnica. Há distinções a fazer. Sobre a passarela derruída pelas águas ou sobre doença grave a impedir o segurado do INSS de trabalhar, de modo a receber o auxílio-doença, por exemplo, o julgador deve curvar-se à perícia. Mas, nos casos em que, a seu juízo, é-lhe permitido discordar, mormente quando os assistentes técnicos das partes dissentem com versões diversas, é lícito ao julgador, às luzes do panorama geral da lide, pronunciar-se com independência e, principalmente, com sabedoria.
No caso em apreço, estou a escrever sobre o impeachment da Dilma e sobre a conclusão da perícia de que ela não foi "diretamente" responsável pelas "pedaladas" (artifícios contra leis e apropriações de recursos dos bancos controlados pela União para pagar despesas de um governo gastador, demagógico e descontrolado). Ela apenas teria assistido ou dado assistência a membros da sua administração. A perícia da comissão formada por técnicos em orçamento do Senado Federal, entretanto, noutro ponto, o dos decretos de suplementação, sem autorização do Congresso, à revelia das avaliações bimestrais, foi peremptória em apontar a plena responsabilidade da presidente afastada pelo crime orçamentário. O crime é formal, ou seja, independe até dos resultados de ter ou não aumentado a "meta fiscal", como defendem os seus sequazes.
A cassação do mandato de Dilma - que alívio - são favas contadas. É preciso ver o conjunto da obra contra os interesses supremos da nação. Angela Merkel disse, recentemente, que os políticos devem avaliar pela ordem: a) os interesses do país; b) depois os do partido e, c) finalmente os seus pessoais. Assim, estamos certos, agirá o Senado Federal a bem do povo brasileiro, ao contrário da presidente deposta.
Desde 2012 houve uma determinação do governo Dilma Rousseff de manter os gastos em expansão. A receita da União estava caindo, em parte por causa da desaceleração da economia e, em parte, por causa de uma excessiva desoneração tributária, que reduziu a base arrecadadora federal. Com menos receita, mas ampliando os gastos, o governo reduziu progressivamente o seu superavit primário - o que aumentou as incertezas do mercado com os rumos da economia -, pois a piora das contas públicas veio acompanhada de uma redução forçada das taxas de juros, de uma desvalorização do real e da ampliação do crédito subsidiado.
Para não reduzir o superavit primário e piorar ainda mais as expectativas dos agentes econômicos, o governo Dilma apelou para as pedaladas fiscais. Passou a atrasar, sistematicamente, o pagamento de despesas primárias, que afetam diretamente a meta fiscal, abrindo, com isso, espaço para a ampliação de outros gastos. A situação foi ainda mais grave em 2013, pois, sem as pedaladas, o governo federal não teria atingido a meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O resultado primário divulgado foi de R$ 76,6 bilhões, mas seria de R$ 62 bilhões se o Tesouro tivesse pago todos os passivos que terminou adiando naquele ano.
As pedaladas foram operações deliberadas do governo para melhorar, de forma fraudulenta, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as estatísticas fiscais. É difícil acreditar que a presidente não tinha conhecimento de que essas operações estavam sendo realizadas, principalmente porque elas abriam espaço para ela continuar gastando. Não há dúvidas de que esses gastos adicionais ajudaram-na a se reeleger. A perícia feita pelos servidores do Senado concluiu que a "pedalada" do subsídio do Plano Safra relativo a 2015 foi uma operação de crédito, vetada pela LRF. Mas não identificou "ato comissivo da presidente, direto ou imediato para que ocorressem atrasos nos pagamentos".
O uso das palavras "direto ou imediato" é essencial para a leitura do laudo. A responsabilidade de Dilma precisa ser avaliada pelo conjunto das pedaladas, só assim é possível entender o objetivo das operações e a sua natureza. A análise dos peritos do Senado sobre a pedalada do Plano Safra, portanto, não faz sentido, pois considerou apenas esta operação de 2015, separada das operações dos anos anteriores, crime continuado.
Como se diz no Nordeste, "desculpa de amarelo é comer barro". O fato é que a inconsequente desenvoltura com que Dilma malbaratou as finanças do país não merece perdão, ao contrário, merece prisão. Tirá-la do poder é pouco. Precisamos criar um tipo penal que puna o supremo administrador público perdulário ou irresponsável, pelo princípio da significância...
O juiz, necessariamente, não se queda refém da prova técnica. Há distinções a fazer. Sobre a passarela derruída pelas águas ou sobre doença grave a impedir o segurado do INSS de trabalhar, de modo a receber o auxílio-doença, por exemplo, o julgador deve curvar-se à perícia. Mas, nos casos em que, a seu juízo, é-lhe permitido discordar, mormente quando os assistentes técnicos das partes dissentem com versões diversas, é lícito ao julgador, às luzes do panorama geral da lide, pronunciar-se com independência e, principalmente, com sabedoria.
No caso em apreço, estou a escrever sobre o impeachment da Dilma e sobre a conclusão da perícia de que ela não foi "diretamente" responsável pelas "pedaladas" (artifícios contra leis e apropriações de recursos dos bancos controlados pela União para pagar despesas de um governo gastador, demagógico e descontrolado). Ela apenas teria assistido ou dado assistência a membros da sua administração. A perícia da comissão formada por técnicos em orçamento do Senado Federal, entretanto, noutro ponto, o dos decretos de suplementação, sem autorização do Congresso, à revelia das avaliações bimestrais, foi peremptória em apontar a plena responsabilidade da presidente afastada pelo crime orçamentário. O crime é formal, ou seja, independe até dos resultados de ter ou não aumentado a "meta fiscal", como defendem os seus sequazes.
A cassação do mandato de Dilma - que alívio - são favas contadas. É preciso ver o conjunto da obra contra os interesses supremos da nação. Angela Merkel disse, recentemente, que os políticos devem avaliar pela ordem: a) os interesses do país; b) depois os do partido e, c) finalmente os seus pessoais. Assim, estamos certos, agirá o Senado Federal a bem do povo brasileiro, ao contrário da presidente deposta.
Desde 2012 houve uma determinação do governo Dilma Rousseff de manter os gastos em expansão. A receita da União estava caindo, em parte por causa da desaceleração da economia e, em parte, por causa de uma excessiva desoneração tributária, que reduziu a base arrecadadora federal. Com menos receita, mas ampliando os gastos, o governo reduziu progressivamente o seu superavit primário - o que aumentou as incertezas do mercado com os rumos da economia -, pois a piora das contas públicas veio acompanhada de uma redução forçada das taxas de juros, de uma desvalorização do real e da ampliação do crédito subsidiado.
Para não reduzir o superavit primário e piorar ainda mais as expectativas dos agentes econômicos, o governo Dilma apelou para as pedaladas fiscais. Passou a atrasar, sistematicamente, o pagamento de despesas primárias, que afetam diretamente a meta fiscal, abrindo, com isso, espaço para a ampliação de outros gastos. A situação foi ainda mais grave em 2013, pois, sem as pedaladas, o governo federal não teria atingido a meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O resultado primário divulgado foi de R$ 76,6 bilhões, mas seria de R$ 62 bilhões se o Tesouro tivesse pago todos os passivos que terminou adiando naquele ano.
As pedaladas foram operações deliberadas do governo para melhorar, de forma fraudulenta, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as estatísticas fiscais. É difícil acreditar que a presidente não tinha conhecimento de que essas operações estavam sendo realizadas, principalmente porque elas abriam espaço para ela continuar gastando. Não há dúvidas de que esses gastos adicionais ajudaram-na a se reeleger. A perícia feita pelos servidores do Senado concluiu que a "pedalada" do subsídio do Plano Safra relativo a 2015 foi uma operação de crédito, vetada pela LRF. Mas não identificou "ato comissivo da presidente, direto ou imediato para que ocorressem atrasos nos pagamentos".
O uso das palavras "direto ou imediato" é essencial para a leitura do laudo. A responsabilidade de Dilma precisa ser avaliada pelo conjunto das pedaladas, só assim é possível entender o objetivo das operações e a sua natureza. A análise dos peritos do Senado sobre a pedalada do Plano Safra, portanto, não faz sentido, pois considerou apenas esta operação de 2015, separada das operações dos anos anteriores, crime continuado.
Como se diz no Nordeste, "desculpa de amarelo é comer barro". O fato é que a inconsequente desenvoltura com que Dilma malbaratou as finanças do país não merece perdão, ao contrário, merece prisão. Tirá-la do poder é pouco. Precisamos criar um tipo penal que puna o supremo administrador público perdulário ou irresponsável, pelo princípio da significância...
MinC, reconstrução e reconexão - MARCELO CALERO
O GLOBO - 31/07
É urgente a tarefa de reconectar o ministério à sociedade como um todo e, mais do que isso, resgatar a dimensão simbólica da Cultura no coração dos brasileiros
Nos últimos anos, o Ministério da Cultura passou por um processo de desmonte, com sensível redução de sua capacidade operacional. A gestão anterior, para além de ter ocupado mais da metade dos cargos de confiança por funcionários estranhos aos quadros, permitiu a redução do orçamento do MinC a míseros R$ 400 milhões, além de ter legado dívida de mais de R$1 bilhão. Eram inúmeros os compromissos não honrados, desde editais ao pagamento de fornecedores, passando por diversas obras paralisadas. Escritórios e equipamentos culturais do ministério estavam com suas atividades mais elementares comprometidas.
Ao chegarmos ao MinC, apresentamos esse cenário caótico ao presidente Michel Temer, que, imediatamente, se sensibilizou. Foi autorizado aporte financeiro emergencial de R$ 236 milhões, assegurando o funcionamento regular da pasta, pagamento de atrasados e retomada de obras. Ato contínuo, autorizou-se recomposição orçamentária da ordem de 40%, o que, por sua vez, garante o andamento das iniciativas do ministério até o fim do ano. Neste momento, estamos debruçados sobre as dívidas, que pretendemos reduzir a cerca de R$ 300 milhões até o fim do ano.
Assumi compromisso inequívoco com os servidores de carreira. Como diplomata, e tendo tido a experiência de aprovação em três concursos públicos, sei a conquista pessoal que isso representa e sei, também, da dedicação desses brasileiros a seu país. Nosso Programa de Valorização dos Servidores, para além de medidas de qualificação, irá ofertar cargos de confiança em seleção interna. O programa procura atender, ao mesmo tempo, à legítima demanda da sociedade por uma gestão pública profissional, eficiente e republicana. Trata-se, aqui, de importante mudança de paradigma, em que cargos públicos sejam ocupados, em sua maioria, por servidores. Nesse sentido, pela primeira vez na história do ministério, todos os órgãos vinculados cujos presidentes são de livre nomeação do ministro estão sob a liderança de servidores de carreira.
Apresentamos ao presidente Temer um pacote de ações intitulado “O Brasil é Cultura”, que, em cerca de 15 linhas programáticas, buscará responder a uma série de anseios da classe artística, reconfigurar modelos de gestão e, especialmente, produzir uma autêntica democratização da utilização dos recursos públicos da Cultura. Iremos aproveitar experiências exitosas de governos locais, além de reformar, em conjunto com as Casas Legislativas, os mecanismos de fomento. Daremos continuidade a projetos que tenham se mostrado bem-sucedidos e que tenham resultado de construção social verdadeiramente ampla. Queremos dialogar com todos os segmentos, dos que se dedicam ao fazimento cultural local até a indústria de ponta. Uma conversa franca, aberta, sem preconceitos de qualquer natureza ou pré-condições, movida pela defesa da cultura brasileira, em toda sua potência e diversidade.
O que pretendemos é posicionar a Cultura como eixo estratégico de desenvolvimento do Brasil e agente efetivo de inclusão cidadã. É urgente, de igual forma, a tarefa de reconectar o ministério à sociedade como um todo e, mais do que isso, resgatar a dimensão simbólica da Cultura no coração dos brasileiros. Sem sombra de dúvida, a produção cultural é o mais importante de nossos ativos, capaz de criar um conjunto de percepções que nos fortalecem enquanto povo e que permitem uma inserção competitiva no mundo.
Queremos, portanto, um ministério de entregas, de resultados, de construção, ou, de forma mais apropriada, de reconstrução. Um ministério, a um só tempo, parceiro dos produtores culturais, afinado com as expectativas da sociedade e fiel ao seu compromisso de preservar, no sentido mais amplo da palavra, nosso maior tesouro. É com muita propriedade que afirmamos, mais uma vez: o partido da Cultura é a Cultura.
Marcelo Calero é ministro da Cultura
É urgente a tarefa de reconectar o ministério à sociedade como um todo e, mais do que isso, resgatar a dimensão simbólica da Cultura no coração dos brasileiros
Nos últimos anos, o Ministério da Cultura passou por um processo de desmonte, com sensível redução de sua capacidade operacional. A gestão anterior, para além de ter ocupado mais da metade dos cargos de confiança por funcionários estranhos aos quadros, permitiu a redução do orçamento do MinC a míseros R$ 400 milhões, além de ter legado dívida de mais de R$1 bilhão. Eram inúmeros os compromissos não honrados, desde editais ao pagamento de fornecedores, passando por diversas obras paralisadas. Escritórios e equipamentos culturais do ministério estavam com suas atividades mais elementares comprometidas.
Ao chegarmos ao MinC, apresentamos esse cenário caótico ao presidente Michel Temer, que, imediatamente, se sensibilizou. Foi autorizado aporte financeiro emergencial de R$ 236 milhões, assegurando o funcionamento regular da pasta, pagamento de atrasados e retomada de obras. Ato contínuo, autorizou-se recomposição orçamentária da ordem de 40%, o que, por sua vez, garante o andamento das iniciativas do ministério até o fim do ano. Neste momento, estamos debruçados sobre as dívidas, que pretendemos reduzir a cerca de R$ 300 milhões até o fim do ano.
Assumi compromisso inequívoco com os servidores de carreira. Como diplomata, e tendo tido a experiência de aprovação em três concursos públicos, sei a conquista pessoal que isso representa e sei, também, da dedicação desses brasileiros a seu país. Nosso Programa de Valorização dos Servidores, para além de medidas de qualificação, irá ofertar cargos de confiança em seleção interna. O programa procura atender, ao mesmo tempo, à legítima demanda da sociedade por uma gestão pública profissional, eficiente e republicana. Trata-se, aqui, de importante mudança de paradigma, em que cargos públicos sejam ocupados, em sua maioria, por servidores. Nesse sentido, pela primeira vez na história do ministério, todos os órgãos vinculados cujos presidentes são de livre nomeação do ministro estão sob a liderança de servidores de carreira.
Apresentamos ao presidente Temer um pacote de ações intitulado “O Brasil é Cultura”, que, em cerca de 15 linhas programáticas, buscará responder a uma série de anseios da classe artística, reconfigurar modelos de gestão e, especialmente, produzir uma autêntica democratização da utilização dos recursos públicos da Cultura. Iremos aproveitar experiências exitosas de governos locais, além de reformar, em conjunto com as Casas Legislativas, os mecanismos de fomento. Daremos continuidade a projetos que tenham se mostrado bem-sucedidos e que tenham resultado de construção social verdadeiramente ampla. Queremos dialogar com todos os segmentos, dos que se dedicam ao fazimento cultural local até a indústria de ponta. Uma conversa franca, aberta, sem preconceitos de qualquer natureza ou pré-condições, movida pela defesa da cultura brasileira, em toda sua potência e diversidade.
O que pretendemos é posicionar a Cultura como eixo estratégico de desenvolvimento do Brasil e agente efetivo de inclusão cidadã. É urgente, de igual forma, a tarefa de reconectar o ministério à sociedade como um todo e, mais do que isso, resgatar a dimensão simbólica da Cultura no coração dos brasileiros. Sem sombra de dúvida, a produção cultural é o mais importante de nossos ativos, capaz de criar um conjunto de percepções que nos fortalecem enquanto povo e que permitem uma inserção competitiva no mundo.
Queremos, portanto, um ministério de entregas, de resultados, de construção, ou, de forma mais apropriada, de reconstrução. Um ministério, a um só tempo, parceiro dos produtores culturais, afinado com as expectativas da sociedade e fiel ao seu compromisso de preservar, no sentido mais amplo da palavra, nosso maior tesouro. É com muita propriedade que afirmamos, mais uma vez: o partido da Cultura é a Cultura.
Marcelo Calero é ministro da Cultura
Advertência aos políticos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 31/07
Alguns episódios indicam que o Brasil passa por mudanças importantes. Ao tornar réus o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e mais cinco pessoas, a Justiça demonstrou, na última sexta-feira, que a elite política não está acima da lei. O julgamento do mensalão já havia provado, de forma contundente, que poderosos podem conhecer as penalidades previstas para crime de corrupção. O maior exemplo recaiu sobre José Dirceu, ministro todo-poderoso da Casa Civil durante o primeiro mandato de Lula no Palácio do Planalto. Atualmente, Dirceu cumpre prisão em decorrência da Operação Lava-Jato, que neste momento está nos calcanhares da estrela maior do Partido dos Trabalhadores. Não se pode dizer que se trata de mera coincidência.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Lula e outros foi acatada integralmente pelo juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília. Segundo os termos relatados por Rodrigo Janot, o ex-presidente e os demais réus são acusados de crime de obstrução de Justiça ao tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O episódio resultou, entre os diversos impactos na política brasileira ao longo da Lava-Jato, na prisão preventiva de Delcídio do Amaral, ex-senador e ex-líder do governo de Dilma Rousseff, e consequente acordo de delação premiada. O magistrado de Brasília entendeu que a investigação reúne elementos probatórios largamente suficientes para que o processo tenha andamento e determinou prazo para as respectivas defesas se manifestarem.
A decisão de Brasília ocorreu um dia depois de o ex-presidente abrir ofensiva contra outro magistrado federal, Sérgio Moro, no âmbito da ONU. Os advogados do reclamante afirmam, na queixa encaminhada ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, que a condução coercitiva ocorrida em São Paulo em março tratou-se de flagrante ilegalidade. Os defensores de Lula também acusam Moro de ser um homem "consumido por um desejo de autopublicidade, a fim de engrandecer sua cruzada contra políticos que ele alega serem corruptos". A decisão da última sexta-feira, proferida por outro magistrado federal, enfraquece a tese persecutória e amplia o rol de suspeitas sobre a conduta de Lula. É lamentável observar um ex-mandatário da nação, que tem por obrigação zelar pela respeitabilidade do cargo que exerceu durante oito anos, se complicar cada vez mais nas raias da Justiça.
Além do ex-senador Delcídio do Amaral, acompanham Lula neste desdobramento da Lava-Jato o banqueiro André Esteves, o pecuarista José Carlos Bumlai e filho, e advogados e assessores envolvidos. A abertura de ação penal contra o ex-presidente constitui um duro golpe no PT, em meio à iminente definição do processo de impeachment de Dilma Rousseff e às eleições municipais. Mas significa, sobretudo, um alerta para homens públicos e para toda sorte de profissionais envolvidos na política. O Brasil tem leis. E está começando a aplicá-las para valer.
Alguns episódios indicam que o Brasil passa por mudanças importantes. Ao tornar réus o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e mais cinco pessoas, a Justiça demonstrou, na última sexta-feira, que a elite política não está acima da lei. O julgamento do mensalão já havia provado, de forma contundente, que poderosos podem conhecer as penalidades previstas para crime de corrupção. O maior exemplo recaiu sobre José Dirceu, ministro todo-poderoso da Casa Civil durante o primeiro mandato de Lula no Palácio do Planalto. Atualmente, Dirceu cumpre prisão em decorrência da Operação Lava-Jato, que neste momento está nos calcanhares da estrela maior do Partido dos Trabalhadores. Não se pode dizer que se trata de mera coincidência.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Lula e outros foi acatada integralmente pelo juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília. Segundo os termos relatados por Rodrigo Janot, o ex-presidente e os demais réus são acusados de crime de obstrução de Justiça ao tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O episódio resultou, entre os diversos impactos na política brasileira ao longo da Lava-Jato, na prisão preventiva de Delcídio do Amaral, ex-senador e ex-líder do governo de Dilma Rousseff, e consequente acordo de delação premiada. O magistrado de Brasília entendeu que a investigação reúne elementos probatórios largamente suficientes para que o processo tenha andamento e determinou prazo para as respectivas defesas se manifestarem.
A decisão de Brasília ocorreu um dia depois de o ex-presidente abrir ofensiva contra outro magistrado federal, Sérgio Moro, no âmbito da ONU. Os advogados do reclamante afirmam, na queixa encaminhada ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, que a condução coercitiva ocorrida em São Paulo em março tratou-se de flagrante ilegalidade. Os defensores de Lula também acusam Moro de ser um homem "consumido por um desejo de autopublicidade, a fim de engrandecer sua cruzada contra políticos que ele alega serem corruptos". A decisão da última sexta-feira, proferida por outro magistrado federal, enfraquece a tese persecutória e amplia o rol de suspeitas sobre a conduta de Lula. É lamentável observar um ex-mandatário da nação, que tem por obrigação zelar pela respeitabilidade do cargo que exerceu durante oito anos, se complicar cada vez mais nas raias da Justiça.
Além do ex-senador Delcídio do Amaral, acompanham Lula neste desdobramento da Lava-Jato o banqueiro André Esteves, o pecuarista José Carlos Bumlai e filho, e advogados e assessores envolvidos. A abertura de ação penal contra o ex-presidente constitui um duro golpe no PT, em meio à iminente definição do processo de impeachment de Dilma Rousseff e às eleições municipais. Mas significa, sobretudo, um alerta para homens públicos e para toda sorte de profissionais envolvidos na política. O Brasil tem leis. E está começando a aplicá-las para valer.
‘O mais pesado’ - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 31/07
Principal liderança do País, Lula vai esgotando possibilidades para 2018
A “fonte” é quente: o que já saiu não é nada leve, mas as denúncias “mais pesadas” contra o ex-presidente Lula ainda estão por vir. É por isso que Lula e seus advogados se antecipam, em busca de uma duvidosa proteção no Comitê de Direitos Humanos da ONU. No ambiente político, a sensação é de que foi um ato de desespero, indicando que Lula sabe que pode ser preso e estaria aplainando terreno para um futuro pedido de asilo político.
Obstrução de Justiça ao tentar evitar delações premiadas contra amigos e contra si, ocultação de patrimônio no caso do sítio e do triplex, suspeita de palestras fictícias para empreiteiras, envolvimento do filho na Zelotes... tudo isso, que já não é pouco, é apenas parte da história. Os investigadores estão comendo o mingau pelas bordas, até chegar ao centro, fervendo.
No centro, podem estar as perigosas relações de Lula com o exterior, particularmente com Portugal, Angola, Cuba e países vizinhos. E o calor vem da suspeita – com a qual a força-tarefa da Lava Jato trabalha – de que Lula seja o cérebro, ou o chefe da “organização criminosa”. No mensalão, ele passou ao largo e José Dirceu aguentou o tranco. No petrolão, pode não ter a mesma sorte – nem escudo.
Lula tornou-se réu pela primeira vez, na sexta-feira, pelo menor dos seus problemas com a Justiça: a suposta tentativa de evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, para que ele não abrisse o bico sobre as peripécias de seu amigo José Carlos Bumlai. Peripécias essas que seriam para atender a interesses, conveniências e possivelmente pedidos de Lula.
Digamos que tentar obstruir a Justiça é um “crime menor”, quando Lula é suspeito de ter ganho fortunas e viver à custa de empreiteiras, numa rede de propinas, de toma lá, dá cá. Menor, mas impregnado de simbologia e de força política.
Os fatos embolaram-se de quinta para sexta-feira, num ritmo de tirar o fôlego. Lula entra com a petição no Comitê da ONU, acusando o juiz Sérgio Moro de “abuso de poder” e “falta de imparcialidade”. Ato contínuo, sai o laudo da PF mostrando, até com detalhes constrangedores, como o ainda presidente e Marisa Letícia negociaram cada detalhe da reforma de um sítio que juram não ser deles e cujo dono oficial é um íntimo amigo que não tem renda para tal patrimônio. E, já no dia seguinte, explode a decisão da Justiça Federal do DF tornando Lula réu.
O efeito prático da petição à ONU é remoto, ou nenhum. O comitê tem 500 casos, só se reúne três vezes por ano e está esmagado por guerras, atentados que matam dezenas e golpes de Estado sangrentos. Além disso, só acata pedidos semelhantes quando todas as instâncias se esgotaram no país de origem e Lula ainda está às voltas com a primeira instância. Conclusão: a ação é mais política do que jurídica.
Já o laudo da PF é minucioso e bem documentado, criando uma dificuldade adicional para Lula: ele é suspeito de mentir sobre suas propriedades não apenas em seu depoimento às autoridades, mas à própria opinião pública. Difícil acreditar que não é dono do sítio que frequenta regularmente com a família, que recebeu uma reforma feita ao gosto do casal, que abriga os barcos para os netos e parte da mudança do Alvorada após o governo. Se mentiu, por que mentiu?
Mais: Lula atacou Moro na ONU, mas se torna réu por um outro juiz, a muitos quilômetros de Curitiba. Vai alegar que há um complô dos juízes brasileiros contra ele? Porque são todos “de direita”? Ou são todos “tucanos”? Lula parece dar murro em ponta de faca, sem argumentos concretos para se defender e esgotando suas possibilidades não só de disputar em 2018, mas de liderar uma grande e saudável renovação da esquerda brasileira. “Cansei”, reagiu. Mas, se a “fonte” estiver correta, o “mais pesado” ainda vem por aí.
Principal liderança do País, Lula vai esgotando possibilidades para 2018
A “fonte” é quente: o que já saiu não é nada leve, mas as denúncias “mais pesadas” contra o ex-presidente Lula ainda estão por vir. É por isso que Lula e seus advogados se antecipam, em busca de uma duvidosa proteção no Comitê de Direitos Humanos da ONU. No ambiente político, a sensação é de que foi um ato de desespero, indicando que Lula sabe que pode ser preso e estaria aplainando terreno para um futuro pedido de asilo político.
Obstrução de Justiça ao tentar evitar delações premiadas contra amigos e contra si, ocultação de patrimônio no caso do sítio e do triplex, suspeita de palestras fictícias para empreiteiras, envolvimento do filho na Zelotes... tudo isso, que já não é pouco, é apenas parte da história. Os investigadores estão comendo o mingau pelas bordas, até chegar ao centro, fervendo.
No centro, podem estar as perigosas relações de Lula com o exterior, particularmente com Portugal, Angola, Cuba e países vizinhos. E o calor vem da suspeita – com a qual a força-tarefa da Lava Jato trabalha – de que Lula seja o cérebro, ou o chefe da “organização criminosa”. No mensalão, ele passou ao largo e José Dirceu aguentou o tranco. No petrolão, pode não ter a mesma sorte – nem escudo.
Lula tornou-se réu pela primeira vez, na sexta-feira, pelo menor dos seus problemas com a Justiça: a suposta tentativa de evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, para que ele não abrisse o bico sobre as peripécias de seu amigo José Carlos Bumlai. Peripécias essas que seriam para atender a interesses, conveniências e possivelmente pedidos de Lula.
Digamos que tentar obstruir a Justiça é um “crime menor”, quando Lula é suspeito de ter ganho fortunas e viver à custa de empreiteiras, numa rede de propinas, de toma lá, dá cá. Menor, mas impregnado de simbologia e de força política.
Os fatos embolaram-se de quinta para sexta-feira, num ritmo de tirar o fôlego. Lula entra com a petição no Comitê da ONU, acusando o juiz Sérgio Moro de “abuso de poder” e “falta de imparcialidade”. Ato contínuo, sai o laudo da PF mostrando, até com detalhes constrangedores, como o ainda presidente e Marisa Letícia negociaram cada detalhe da reforma de um sítio que juram não ser deles e cujo dono oficial é um íntimo amigo que não tem renda para tal patrimônio. E, já no dia seguinte, explode a decisão da Justiça Federal do DF tornando Lula réu.
O efeito prático da petição à ONU é remoto, ou nenhum. O comitê tem 500 casos, só se reúne três vezes por ano e está esmagado por guerras, atentados que matam dezenas e golpes de Estado sangrentos. Além disso, só acata pedidos semelhantes quando todas as instâncias se esgotaram no país de origem e Lula ainda está às voltas com a primeira instância. Conclusão: a ação é mais política do que jurídica.
Já o laudo da PF é minucioso e bem documentado, criando uma dificuldade adicional para Lula: ele é suspeito de mentir sobre suas propriedades não apenas em seu depoimento às autoridades, mas à própria opinião pública. Difícil acreditar que não é dono do sítio que frequenta regularmente com a família, que recebeu uma reforma feita ao gosto do casal, que abriga os barcos para os netos e parte da mudança do Alvorada após o governo. Se mentiu, por que mentiu?
Mais: Lula atacou Moro na ONU, mas se torna réu por um outro juiz, a muitos quilômetros de Curitiba. Vai alegar que há um complô dos juízes brasileiros contra ele? Porque são todos “de direita”? Ou são todos “tucanos”? Lula parece dar murro em ponta de faca, sem argumentos concretos para se defender e esgotando suas possibilidades não só de disputar em 2018, mas de liderar uma grande e saudável renovação da esquerda brasileira. “Cansei”, reagiu. Mas, se a “fonte” estiver correta, o “mais pesado” ainda vem por aí.
Um breve exercício de cidadania - BOLÍVAR LAMOUNIER
ESTADÃO - 31/07
Não estará na hora de medidas que ajudem a construir um sistema político mais sério?
Embora timidamente, a reforma política parece estar retornando à agenda nacional. A questão de fundo permanece: não é a sociedade que diz aos congressistas como quer ser representada, eles é que dizem a ela como pretendem seguir se autorrepresentando. Ainda assim – ou exatamente por isso –, penso que seria útil a cidadania saudar o reaparecimento da questão enviando um breve exercício aos excelentíssimos senhores deputados e senadores.
Dou por inegável que a atual classe política rebaixou a vida partidária brasileira a um nível sem precedentes, mesmo pelos sabidamente frouxos padrões da nossa República.
Considere-se, por exemplo, a proliferação de siglas, que se acelerou na última eleição e parece fadada a fugir ao controle nas próximas. No momento, salvo melhor juízo, há 26 partidos representados na Câmara dos Deputados, 32 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outros 30, segundo consta, na fila, esperando por registro. Numa primeira aproximação, o número de siglas pode ser examinado sob duas diferentes perspectivas.
A teoria da representação proporcional recomenda um amplo pluralismo, pois se baseia no pressuposto de que as agremiações existem para dar voz a ideologias ou a interesses consistentes e preexistentes na sociedade. Além de antidemocrático, restringir-lhes o número seria disfuncional para o sistema político, pois implicaria alijar do Parlamento correntes de ideias e grupos importantes, dificultando, em vez de facilitar, o manejo dos conflitos que lavram continuamente na sociedade.
A segunda perspectiva não é necessariamente oposta à que venho de expor. Afirma que cada caso é um caso, podendo existir algum país onde as coisas se passem como foi mencionado, devendo-se, pois, aceitar a proliferação como um mal menor que a exclusão de interesses relevantes. Mas, como disse, cada caso é um caso.
No Brasil, decorridas três décadas do restabelecimento do regime civil, é forçoso reconhecer que o pluralismo partidário se transformou de fato na pilhéria prevista já ao tempo da Comissão Afonso Arinos, em 1985-1986, à qual coube a tarefa de elaborar um anteprojeto de Constituição. Neste ano da graça de 2016, todas ou quase todas as 32 siglas registradas se declaram de centro-esquerda; duas dúzias, pelo menos, são rechaçadas com o cabível sarcasmo pela maioria do eleitorado, que nelas não discerne um vestígio sequer de seriedade. Não foi por acaso que, desde 2013, a opinião pública optou por se manifestar na avenida; declarou que a praça é do povo como o céu é do condor. Engajando-se numa memorável onda de protestos, manteve todos os partidos a uma asséptica distância.
Esta é, pois, a situação: o Brasil chegou ao século 21 com um sistema político institucionalmente razoável, extremamente generoso, direi mesmo permissivo, no tocante à abrangência do sufrágio e às facilidades para a criação de partidos, mas deficiente, para não dizer fraudado e fraudulento, noutros aspectos cruciais do regime político que denominamos democracia representativa.
Acontece – e aqui retomo a segunda perspectiva – que nenhum regime político ou sistema de governo existe para lidar com apenas uma ou com umas poucas necessidades. Todos são multipurpose, ou seja, existem para e são de fato forçados a lidar ao mesmo tempo com numerosos objetivos e valores. Objetivos e valores nem sempre compatíveis entre si, diga-se de passagem. Eis por que, se me permitem invocar brevemente o conselheiro Acácio, governo tem de governar escolhendo os objetivos que esteja de fato disposto a implementar e ignorando ou rechaçando os que não esteja.
Pelo menos em dois momentos, portanto, a importância dos partidos políticos deve ser ressaltada. Primeiro, cumpre-lhes refletir a diferenciação subjacente de interesses e ideologias, caso ela exista, ou estabelecer balizas para que ela se constitua – obviamente, dentro de limites, em se tratando de um regime democrático. Nessa função, se não querem ser cúmplices no fraudar a vontade popular, os partidos têm de ser estáveis no que toca a suas formas de organização e liderança, e doutrinariamente inteligíveis – o que nem de longe significa rigidez ou fanatismo ideológico. O segundo momento, ou função, é o que pedantemente se costuma chamar de governabilidade. Assim como devem ajudar a organizar a opinião pública, os partidos devem também organizar as correntes parlamentares, incutindo nelas a altivez necessária para defender a instituição legislativa, mas também flexibilidade para colaborar com o Executivo no que este tiver de sério a propor.
Isto posto, volto à ideia de enviar aos nossos representantes um breve exercício de cidadania. Não incluiria nele os cidadãos sinceramente satisfeitos com a situação atual: os que se sentem bem servidos com o funcionamento atual da representação proporcional e do pluripartidarismo. Aos insatisfeitos e aos que se encontram em dúvida, eu proporia algumas indagações. Dada a complexidade do tema, limitaria minha enquete a detentores de diplomas universitários em nível de pós-graduação.
Primeira indagação: indique os nomes de metade (16) das 32 siglas registradas. Segunda: descreva (genericamente...) as ideologias ou os interesses que as referidas 16 se propõem a representar. Terceira: as principais lideranças de cada uma.
Meu teste nada tem de malicioso. Se a razão de termos 32 siglas registradas e outras tantas na linha de montagem é a necessidade de dar voz a ideologias, interesses ou projetos consistentes, parece-me razoável indagar se pelo menos a faixa mais escolarizada do País as conhece. Caso contrário, não estará na hora de adotarmos cláusulas legais fortemente redutoras, que nos ajudem a construir um sistema político mais sério?
Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria. É membro da Academia Paulista de Letras
Não estará na hora de medidas que ajudem a construir um sistema político mais sério?
Embora timidamente, a reforma política parece estar retornando à agenda nacional. A questão de fundo permanece: não é a sociedade que diz aos congressistas como quer ser representada, eles é que dizem a ela como pretendem seguir se autorrepresentando. Ainda assim – ou exatamente por isso –, penso que seria útil a cidadania saudar o reaparecimento da questão enviando um breve exercício aos excelentíssimos senhores deputados e senadores.
Dou por inegável que a atual classe política rebaixou a vida partidária brasileira a um nível sem precedentes, mesmo pelos sabidamente frouxos padrões da nossa República.
Considere-se, por exemplo, a proliferação de siglas, que se acelerou na última eleição e parece fadada a fugir ao controle nas próximas. No momento, salvo melhor juízo, há 26 partidos representados na Câmara dos Deputados, 32 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outros 30, segundo consta, na fila, esperando por registro. Numa primeira aproximação, o número de siglas pode ser examinado sob duas diferentes perspectivas.
A teoria da representação proporcional recomenda um amplo pluralismo, pois se baseia no pressuposto de que as agremiações existem para dar voz a ideologias ou a interesses consistentes e preexistentes na sociedade. Além de antidemocrático, restringir-lhes o número seria disfuncional para o sistema político, pois implicaria alijar do Parlamento correntes de ideias e grupos importantes, dificultando, em vez de facilitar, o manejo dos conflitos que lavram continuamente na sociedade.
A segunda perspectiva não é necessariamente oposta à que venho de expor. Afirma que cada caso é um caso, podendo existir algum país onde as coisas se passem como foi mencionado, devendo-se, pois, aceitar a proliferação como um mal menor que a exclusão de interesses relevantes. Mas, como disse, cada caso é um caso.
No Brasil, decorridas três décadas do restabelecimento do regime civil, é forçoso reconhecer que o pluralismo partidário se transformou de fato na pilhéria prevista já ao tempo da Comissão Afonso Arinos, em 1985-1986, à qual coube a tarefa de elaborar um anteprojeto de Constituição. Neste ano da graça de 2016, todas ou quase todas as 32 siglas registradas se declaram de centro-esquerda; duas dúzias, pelo menos, são rechaçadas com o cabível sarcasmo pela maioria do eleitorado, que nelas não discerne um vestígio sequer de seriedade. Não foi por acaso que, desde 2013, a opinião pública optou por se manifestar na avenida; declarou que a praça é do povo como o céu é do condor. Engajando-se numa memorável onda de protestos, manteve todos os partidos a uma asséptica distância.
Esta é, pois, a situação: o Brasil chegou ao século 21 com um sistema político institucionalmente razoável, extremamente generoso, direi mesmo permissivo, no tocante à abrangência do sufrágio e às facilidades para a criação de partidos, mas deficiente, para não dizer fraudado e fraudulento, noutros aspectos cruciais do regime político que denominamos democracia representativa.
Acontece – e aqui retomo a segunda perspectiva – que nenhum regime político ou sistema de governo existe para lidar com apenas uma ou com umas poucas necessidades. Todos são multipurpose, ou seja, existem para e são de fato forçados a lidar ao mesmo tempo com numerosos objetivos e valores. Objetivos e valores nem sempre compatíveis entre si, diga-se de passagem. Eis por que, se me permitem invocar brevemente o conselheiro Acácio, governo tem de governar escolhendo os objetivos que esteja de fato disposto a implementar e ignorando ou rechaçando os que não esteja.
Pelo menos em dois momentos, portanto, a importância dos partidos políticos deve ser ressaltada. Primeiro, cumpre-lhes refletir a diferenciação subjacente de interesses e ideologias, caso ela exista, ou estabelecer balizas para que ela se constitua – obviamente, dentro de limites, em se tratando de um regime democrático. Nessa função, se não querem ser cúmplices no fraudar a vontade popular, os partidos têm de ser estáveis no que toca a suas formas de organização e liderança, e doutrinariamente inteligíveis – o que nem de longe significa rigidez ou fanatismo ideológico. O segundo momento, ou função, é o que pedantemente se costuma chamar de governabilidade. Assim como devem ajudar a organizar a opinião pública, os partidos devem também organizar as correntes parlamentares, incutindo nelas a altivez necessária para defender a instituição legislativa, mas também flexibilidade para colaborar com o Executivo no que este tiver de sério a propor.
Isto posto, volto à ideia de enviar aos nossos representantes um breve exercício de cidadania. Não incluiria nele os cidadãos sinceramente satisfeitos com a situação atual: os que se sentem bem servidos com o funcionamento atual da representação proporcional e do pluripartidarismo. Aos insatisfeitos e aos que se encontram em dúvida, eu proporia algumas indagações. Dada a complexidade do tema, limitaria minha enquete a detentores de diplomas universitários em nível de pós-graduação.
Primeira indagação: indique os nomes de metade (16) das 32 siglas registradas. Segunda: descreva (genericamente...) as ideologias ou os interesses que as referidas 16 se propõem a representar. Terceira: as principais lideranças de cada uma.
Meu teste nada tem de malicioso. Se a razão de termos 32 siglas registradas e outras tantas na linha de montagem é a necessidade de dar voz a ideologias, interesses ou projetos consistentes, parece-me razoável indagar se pelo menos a faixa mais escolarizada do País as conhece. Caso contrário, não estará na hora de adotarmos cláusulas legais fortemente redutoras, que nos ajudem a construir um sistema político mais sério?
Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria. É membro da Academia Paulista de Letras
A acertada suspensão do Ciência sem Fronteira - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 31/07
Bilhões foram gastos em bolsas para alunos estudarem no exterior em universidades medianas, enquanto, no Brasil, laboratórios e pesquisas ficaram sem recursos
A tendência do político é considerar intocáveis os gastos ditos sociais. O país é considerado de renda média, mas há grandes contingentes de eleitores pobres, sempre cortejados dos palanques. Porém, existem limites. O principal deles, a disponibilidade de dinheiro público. Quando ele escasseia, como agora, mesmo que não se queira é preciso fazer escolhas, seguir critérios. A alternativa é agravar o desequilíbrio nas contas públicas até a debacle da recessão profunda e da hiperinflação.
O governo do presidente interino Michel Temer tem mesmo de avaliar cada programa social. Até por uma fé ideológica tosca na ideia de que tudo que for feito em nome do pobre é válido — inclusive exercitar a corrupção —, petistas relaxaram na supervisão, avaliação e controle das bilionárias despesas sociais.
O Bolsa Família, não se discute que deva ser mantido. Mas sabe-se que auditorias pouco extensas têm encontrado desvios graves, como mortos inscritos no programa.
Ao avaliar o programa Ciência sem Fonteira (CsF), o Ministério da Educação concluiu que o melhor é cortá-lo, não conceder mais bolsas de estudo no exterior — sempre alardeadas na programação eleitoral da presidente Dilma Rousseff como a redenção do jovem pobre.
Numa avaliação fria, na conjuntura por que se passa de penúria na Educação, o governo acerta, e nisso tem o apoio na academia. Por exemplo, da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader. Ela entende, com razão, que, no momento, é melhor destinar recursos para programas de iniciação científica já existentes e que estão em dificuldade.
Não faz mesmo sentido mandar jovens para o exterior enquanto laboratórios e cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras são sucateados e ficam à míngua. O sociólogo Simon Schwartzman, especialista em Educação, ex-presidente do IBGE, acha que o CsF não justificava o custo. De fato.
A partir de 2011, início do programa, foram gastos nele R$ 8,4 bilhões, na concessão de mais de 100 mil bolsas para graduação e pós, em universidades de 54 países. Segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, cada aluno custou por ano R$ 105 mil.
Já Antônio Freitas, da Academia Brasileira de Educação, diz que a maioria dos estudantes foi para universidades medianas, enquanto excelentes laboratórios da UFRJ estão sem recursos. Um raciocínio lógico simples conclui que o governo tomou a melhor decisão. É certo que haverá críticas, principalmente do campo lulopetista. Mas a lição que fica da ascensão e queda do CsF é que gastar o dinheiro do contribuinte de forma populista, sem preocupações maiores com a avaliação dos programas, é contraproducente até para os beneficiários. Depois, o mercado de trabalho é que tratará de punir os mal qualificados. Mas aí o dinheiro público já se perdeu.
A tendência do político é considerar intocáveis os gastos ditos sociais. O país é considerado de renda média, mas há grandes contingentes de eleitores pobres, sempre cortejados dos palanques. Porém, existem limites. O principal deles, a disponibilidade de dinheiro público. Quando ele escasseia, como agora, mesmo que não se queira é preciso fazer escolhas, seguir critérios. A alternativa é agravar o desequilíbrio nas contas públicas até a debacle da recessão profunda e da hiperinflação.
O governo do presidente interino Michel Temer tem mesmo de avaliar cada programa social. Até por uma fé ideológica tosca na ideia de que tudo que for feito em nome do pobre é válido — inclusive exercitar a corrupção —, petistas relaxaram na supervisão, avaliação e controle das bilionárias despesas sociais.
O Bolsa Família, não se discute que deva ser mantido. Mas sabe-se que auditorias pouco extensas têm encontrado desvios graves, como mortos inscritos no programa.
Ao avaliar o programa Ciência sem Fonteira (CsF), o Ministério da Educação concluiu que o melhor é cortá-lo, não conceder mais bolsas de estudo no exterior — sempre alardeadas na programação eleitoral da presidente Dilma Rousseff como a redenção do jovem pobre.
Numa avaliação fria, na conjuntura por que se passa de penúria na Educação, o governo acerta, e nisso tem o apoio na academia. Por exemplo, da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader. Ela entende, com razão, que, no momento, é melhor destinar recursos para programas de iniciação científica já existentes e que estão em dificuldade.
Não faz mesmo sentido mandar jovens para o exterior enquanto laboratórios e cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras são sucateados e ficam à míngua. O sociólogo Simon Schwartzman, especialista em Educação, ex-presidente do IBGE, acha que o CsF não justificava o custo. De fato.
A partir de 2011, início do programa, foram gastos nele R$ 8,4 bilhões, na concessão de mais de 100 mil bolsas para graduação e pós, em universidades de 54 países. Segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, cada aluno custou por ano R$ 105 mil.
Já Antônio Freitas, da Academia Brasileira de Educação, diz que a maioria dos estudantes foi para universidades medianas, enquanto excelentes laboratórios da UFRJ estão sem recursos. Um raciocínio lógico simples conclui que o governo tomou a melhor decisão. É certo que haverá críticas, principalmente do campo lulopetista. Mas a lição que fica da ascensão e queda do CsF é que gastar o dinheiro do contribuinte de forma populista, sem preocupações maiores com a avaliação dos programas, é contraproducente até para os beneficiários. Depois, o mercado de trabalho é que tratará de punir os mal qualificados. Mas aí o dinheiro público já se perdeu.
Partido que fala javanês - DORA KRAMER
ESTADÃO - 31/07
Discurso do PT anda tão confuso que nem parece expressar-se em português
A coerência nunca foi uma característica cultivada pelo PT, mas de um tempo para cá, desde que o infortúnio bateu com força em sua porta, a desconexão entre a realidade e a fantasia vem assumindo dimensões amazônicas nas falas e nos gestos dos petistas. Discursos e ações tão confusos que parecem ditados em idioma desconhecido.
O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda se tem na conta de um líder com identificação e, portanto, apoio popular. Assim dizem considerá-lo os petistas, apontando a preferência do eleitorado por ele, como candidato a presidente em 2018. Nas mesmas pesquisas aparece também como o “preferido” em matéria de rejeição, embora esse seja um detalhe que nunca venha ao caso quando dele se trata.
Pois como entender que ele assuma posição de ataque direto ao juiz Sérgio Moro, denunciando ao mundo como deletéria sua atuação na Lava Jato, que tem sustentação na lei e, por isso, aprovação absoluta na sociedade? Uma de três: ou não está ligando para o apoio popular porque deu por encerrada a carreira político-eleitoral ou aposta na impossível hipótese de a ONU aceitar a tese da “perseguição política” ou constrói uma falsa justificativa para quando, e se, for preso.
Moro, hoje, é um ídolo e a Lava Jato um símbolo da bandeira original do PT da defesa pela ética na política. Quem se posiciona contra ambos se coloca na contramão da demanda social.
Nessa trilha, como compreender que o PT denuncie o processo de impeachment como “golpe” e ao mesmo tempo apoie a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) – tido como uma das pontas de lança do “golpismo” – para a presidência da Câmara. Pragmatismo poderia ser uma explicação se o resultado do apoio não fosse inócuo. Mas, pior. Resultou em derrota, dado que ao PT nenhum benefício decorreu da aliança firmada da disputa pelo comando da Câmara. O partido ficou com o malefício sem que tenha obtido qualquer benefício.
O dilema petista se exacerba quando o tema é a atitude a tomar nas eleições municipais de outubro próximo. Dizer o quê? Insistir na existência de um golpe ou se concentrar nos assuntos locais atinentes aos problemas das cidades? O golpe é desmentido pelos fatos, e a administração urbana retratada nos índices de rejeição a Fernando Haddad nas pesquisas sobre a possibilidade de se reeleger prefeito de São Paulo.
De onde é impossível entender o que diz o PT que abandonou de vez o português para se comunicar em javanês.
Para todos. Na proposta de reforma da Previdência a ser apresentada ao Congresso depois das eleições trabalhadores rurais deixarão de ter os benefícios adquiridos na Constituinte (em boa medida responsáveis pelo déficit geral), passando a contribuir de maneira mais equilibrada, e os funcionários públicos terão cortados alguns privilégios de modo a tornar mais igual a relação com o setor privado.
Jucá de volta. O governo não desistiu de ter o senador Romero Jucá como titular do Planejamento. Jucá deixou o cargo uma semana depois de nomeado por causa da divulgação de gravações em que fala sobre a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ele é investigado pela operação e alvo de outro processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião do afastamento, Jucá pediu ao Ministério Público que dissesse se há ou não impedimento legal para que ele assuma o posto. Isso tem um mês e meio e o MP ainda não se pronunciou. No Planalto o tempo de espera está se esgotando. Se não houver pronunciamento em breve, valerá a interpretação de que quem cala consente.
Não por outro motivo nem por coincidência, Dyogo Oliveira continua sendo tratado e nominado como interino.
Discurso do PT anda tão confuso que nem parece expressar-se em português
A coerência nunca foi uma característica cultivada pelo PT, mas de um tempo para cá, desde que o infortúnio bateu com força em sua porta, a desconexão entre a realidade e a fantasia vem assumindo dimensões amazônicas nas falas e nos gestos dos petistas. Discursos e ações tão confusos que parecem ditados em idioma desconhecido.
O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda se tem na conta de um líder com identificação e, portanto, apoio popular. Assim dizem considerá-lo os petistas, apontando a preferência do eleitorado por ele, como candidato a presidente em 2018. Nas mesmas pesquisas aparece também como o “preferido” em matéria de rejeição, embora esse seja um detalhe que nunca venha ao caso quando dele se trata.
Pois como entender que ele assuma posição de ataque direto ao juiz Sérgio Moro, denunciando ao mundo como deletéria sua atuação na Lava Jato, que tem sustentação na lei e, por isso, aprovação absoluta na sociedade? Uma de três: ou não está ligando para o apoio popular porque deu por encerrada a carreira político-eleitoral ou aposta na impossível hipótese de a ONU aceitar a tese da “perseguição política” ou constrói uma falsa justificativa para quando, e se, for preso.
Moro, hoje, é um ídolo e a Lava Jato um símbolo da bandeira original do PT da defesa pela ética na política. Quem se posiciona contra ambos se coloca na contramão da demanda social.
Nessa trilha, como compreender que o PT denuncie o processo de impeachment como “golpe” e ao mesmo tempo apoie a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) – tido como uma das pontas de lança do “golpismo” – para a presidência da Câmara. Pragmatismo poderia ser uma explicação se o resultado do apoio não fosse inócuo. Mas, pior. Resultou em derrota, dado que ao PT nenhum benefício decorreu da aliança firmada da disputa pelo comando da Câmara. O partido ficou com o malefício sem que tenha obtido qualquer benefício.
O dilema petista se exacerba quando o tema é a atitude a tomar nas eleições municipais de outubro próximo. Dizer o quê? Insistir na existência de um golpe ou se concentrar nos assuntos locais atinentes aos problemas das cidades? O golpe é desmentido pelos fatos, e a administração urbana retratada nos índices de rejeição a Fernando Haddad nas pesquisas sobre a possibilidade de se reeleger prefeito de São Paulo.
De onde é impossível entender o que diz o PT que abandonou de vez o português para se comunicar em javanês.
Para todos. Na proposta de reforma da Previdência a ser apresentada ao Congresso depois das eleições trabalhadores rurais deixarão de ter os benefícios adquiridos na Constituinte (em boa medida responsáveis pelo déficit geral), passando a contribuir de maneira mais equilibrada, e os funcionários públicos terão cortados alguns privilégios de modo a tornar mais igual a relação com o setor privado.
Jucá de volta. O governo não desistiu de ter o senador Romero Jucá como titular do Planejamento. Jucá deixou o cargo uma semana depois de nomeado por causa da divulgação de gravações em que fala sobre a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ele é investigado pela operação e alvo de outro processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião do afastamento, Jucá pediu ao Ministério Público que dissesse se há ou não impedimento legal para que ele assuma o posto. Isso tem um mês e meio e o MP ainda não se pronunciou. No Planalto o tempo de espera está se esgotando. Se não houver pronunciamento em breve, valerá a interpretação de que quem cala consente.
Não por outro motivo nem por coincidência, Dyogo Oliveira continua sendo tratado e nominado como interino.
Encanamentos - GUSTAVO FRANCO
ESTADÃO 31/07
Os que sofrem de insônia sabem como é penoso quando o sono termina às 3 da manhã e é preciso esperar o dia começar, sem muita alternativa. Passam-se longas horas de um descanso meio dolorido, quando a mente procura se organizar, planejar o dia, refletir sobre o sentido da vida, tudo misturado com os sonhos e pesadelos de uma noite mal dormida.
Assim estamos todos, esperando já despertos a homologação definitiva do afastamento de Dilma Rousseff e o encerramento oficial de um dos mais nefastos episódios de experimentalismo econômico que a nossa história registra.
A tragédia econômica, como se sabe, terá como apogeu a pior recessão da nossa história, medida pela sequência de quedas no PIB em 2015 e 2016, superando a Grande Depressão. É um recorde, numa modalidade sombria, a dos fracassos, e não há atenuante, nenhuma crise ou choque externo, tampouco bodes expiatórios. Pobre Guido Mantega, diante de cuja disciplina é mais correto contar seus dias no Ministério da Fazenda como vacância do que lhe atribuir a autoria de feitos urdidos pela chefia. Não deve haver nenhuma dúvida sobre quem mandava, e como as coisas eram conduzidas.
Pode-se contar a história de Dilma Rousseff, na melhor versão, ainda que um tanto inverossímil, como um fracasso econômico honesto. Ideias heterodoxas, genuinamente de esquerda, com tonalidades brizolistas e taninos populistas, implementada por subordinados descritos como “radicais porém sinceros”, uma expressão consagrada no governo militar para conferir indulgência a alguns psicopatas disparando fogo amigo.
Porém, esse voluntarismo inflacionista vago – não consigo descrever de outra forma – confrontava diretamente instituições e práticas estabelecidas com muito esforço a partir do Plano Real, quando o País venceu a hiperinflação, reconstruiu um bem social de valor inestimável, a sua moeda, sobretudo ao criar impedimentos para as condutas fiscais e monetárias que geravam a doença. A ressurreição das mesmas práticas danosas do passado, enfeitada por uma designação tecnocrática vazia (a Nova Matriz Macroeconômica), e oculta inicialmente por uma supostamente inofensiva “contabilidade criativa”, evoluiu para atropelamentos, jeitinhos e ilegalidades flagrantes com efeitos relevantes no processo eleitoral. As contas do governo federal foram rejeitadas pelo TCU, que felizmente não é o de outros tempos, e assim começou o processo de impeachment.
É curioso que os piores feitos da presidente não façam parte do processo formal de impeachment, como a destruição da Petrobrás, na qual teve responsabilidade direta, e suas conexões, aí incluída a omissão deliberada, com as quadrilhas envolvidas na Lava Jato que drenaram ao menos R$ 6 bilhões, conforme reconhecido no balanço da empresa, para a corrupção e para a campanha do PT. Note que o TST registra que a campanha presidencial de Dilma custou menos de R$ 300 milhões.
Felizmente, a partir de certo ponto, o julgamento do impeachment se torna político, o que introduz uma subjetividade por onde os senhores parlamentares podem apreciar o conjunto da obra, inclusive o temperamento a la Trump e o descuido com o idioma, que deu novos sentidos ao verso de Fernando Pessoa: “A gramática é mais perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”.
Para o bem do País, ela já podia ter renunciado, e acabado com “essa agonia”, nas palavras dela, em vez de vagar sonâmbula, cada vez menor, perdendo o nosso tempo. Seria ótimo adiantar o relógio, pois há muito o que fazer e as coisas importantes, segundo se espera, serão anunciadas apenas após o fim da “interinidade” de Michel Temer em agosto. Teremos a Olimpíada para nos distrair, tomara que tudo corra bem e que não passemos mais vexames, mas a economia vai contando os minutos ansiosa, carente, querendo ser feliz.
Por ora, enquanto o dia amanhece, já é possível enxergar uns vultos importantes que o nevoeiro ideológico vinha mantendo encobertos. Já se fala com sobriedade e equilíbrio sobre reformas trabalhistas, na Previdência e em privatizações. E também, entre tantas possibilidades, em mudar o absurdo funcionamento do FGTS, eliminar o imposto sindical, lipoaspirar o sistema “S”, rever a gratuidade das universidades públicas. Quem sabe também terminem com a Hora do Brasil, com a tomada de três pinos (que merecia uma CPI) e com o serviço militar obrigatório!
Subitamente, o horizonte ficou limpo, tudo é possível, ou ao menos discutível, e as pessoas, ao menos os visionários, querem acelerar o tempo, mudanças e “disrupção”, palavra ainda inexistente, ou dicionarizada, para descrever “destruição criadora”. Abriu-se a janela para “reformas”, na política e na economia, e parece haver demanda para diversos “Uber”, um para cada igrejinha, cartório e monopólio existente no País. Que bom seria ter um Uber para os partidos políticos, outro para a legislação trabalhista, e para os impostos, os bancos. O País precisa de competição, meritocracia, produtividade e do primado do talento, e não mais da tutela mal-intencionada do Estado, sempre disposto a promover um assistencialismo mal-ajambrado, onde as segundas intenções são mais importantes que as primeiras.
As autoridades econômicas parecem dispor de efetiva autonomia para formular as “reformas”, e as dúvidas sobre isso deveriam ser espancadas logo, admitindo-se a vigência de uma lição básica de Itamar Franco: a economia não é tudo, mas é quase, e nenhum governo vai conseguir atravessar a rua se a economia não estiver arrumada. E, para isso, observada a sabedoria australiana recente, é preciso encanadores, e não cangurus.
A equipe econômica de Michel Temer se tornou seu melhor ativo, sua face mais bonita e seu passaporte para o futuro, se, evidentemente, puder trabalhar com liberdade, desligada das métricas políticas clássicas, e equivocadas, do que é “popular”. Em vista da máxima, amplamente comprovada, segundo a qual nada é mais bem-sucedido que o sucesso, segue-se que nada é mais popular que a prosperidade econômica duradoura sustentável. O pior inimigo da mesma, tenha-se claro, é a prosperidade efêmera criada por vigarices populistas, tentação permanente nas terras altas do Brasil central.
Por ora, só se pode aguardar. As verdadeiras competições de saltos não necessariamente ornamentais sobre obstáculos difíceis, de arremesso de martelos, aparelhos e outras velharias corporativistas e de ginástica política verdadeiramente intensa começam mesmo em agosto.
Os que sofrem de insônia sabem como é penoso quando o sono termina às 3 da manhã e é preciso esperar o dia começar, sem muita alternativa. Passam-se longas horas de um descanso meio dolorido, quando a mente procura se organizar, planejar o dia, refletir sobre o sentido da vida, tudo misturado com os sonhos e pesadelos de uma noite mal dormida.
Assim estamos todos, esperando já despertos a homologação definitiva do afastamento de Dilma Rousseff e o encerramento oficial de um dos mais nefastos episódios de experimentalismo econômico que a nossa história registra.
A tragédia econômica, como se sabe, terá como apogeu a pior recessão da nossa história, medida pela sequência de quedas no PIB em 2015 e 2016, superando a Grande Depressão. É um recorde, numa modalidade sombria, a dos fracassos, e não há atenuante, nenhuma crise ou choque externo, tampouco bodes expiatórios. Pobre Guido Mantega, diante de cuja disciplina é mais correto contar seus dias no Ministério da Fazenda como vacância do que lhe atribuir a autoria de feitos urdidos pela chefia. Não deve haver nenhuma dúvida sobre quem mandava, e como as coisas eram conduzidas.
Pode-se contar a história de Dilma Rousseff, na melhor versão, ainda que um tanto inverossímil, como um fracasso econômico honesto. Ideias heterodoxas, genuinamente de esquerda, com tonalidades brizolistas e taninos populistas, implementada por subordinados descritos como “radicais porém sinceros”, uma expressão consagrada no governo militar para conferir indulgência a alguns psicopatas disparando fogo amigo.
Porém, esse voluntarismo inflacionista vago – não consigo descrever de outra forma – confrontava diretamente instituições e práticas estabelecidas com muito esforço a partir do Plano Real, quando o País venceu a hiperinflação, reconstruiu um bem social de valor inestimável, a sua moeda, sobretudo ao criar impedimentos para as condutas fiscais e monetárias que geravam a doença. A ressurreição das mesmas práticas danosas do passado, enfeitada por uma designação tecnocrática vazia (a Nova Matriz Macroeconômica), e oculta inicialmente por uma supostamente inofensiva “contabilidade criativa”, evoluiu para atropelamentos, jeitinhos e ilegalidades flagrantes com efeitos relevantes no processo eleitoral. As contas do governo federal foram rejeitadas pelo TCU, que felizmente não é o de outros tempos, e assim começou o processo de impeachment.
É curioso que os piores feitos da presidente não façam parte do processo formal de impeachment, como a destruição da Petrobrás, na qual teve responsabilidade direta, e suas conexões, aí incluída a omissão deliberada, com as quadrilhas envolvidas na Lava Jato que drenaram ao menos R$ 6 bilhões, conforme reconhecido no balanço da empresa, para a corrupção e para a campanha do PT. Note que o TST registra que a campanha presidencial de Dilma custou menos de R$ 300 milhões.
Felizmente, a partir de certo ponto, o julgamento do impeachment se torna político, o que introduz uma subjetividade por onde os senhores parlamentares podem apreciar o conjunto da obra, inclusive o temperamento a la Trump e o descuido com o idioma, que deu novos sentidos ao verso de Fernando Pessoa: “A gramática é mais perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”.
Para o bem do País, ela já podia ter renunciado, e acabado com “essa agonia”, nas palavras dela, em vez de vagar sonâmbula, cada vez menor, perdendo o nosso tempo. Seria ótimo adiantar o relógio, pois há muito o que fazer e as coisas importantes, segundo se espera, serão anunciadas apenas após o fim da “interinidade” de Michel Temer em agosto. Teremos a Olimpíada para nos distrair, tomara que tudo corra bem e que não passemos mais vexames, mas a economia vai contando os minutos ansiosa, carente, querendo ser feliz.
Por ora, enquanto o dia amanhece, já é possível enxergar uns vultos importantes que o nevoeiro ideológico vinha mantendo encobertos. Já se fala com sobriedade e equilíbrio sobre reformas trabalhistas, na Previdência e em privatizações. E também, entre tantas possibilidades, em mudar o absurdo funcionamento do FGTS, eliminar o imposto sindical, lipoaspirar o sistema “S”, rever a gratuidade das universidades públicas. Quem sabe também terminem com a Hora do Brasil, com a tomada de três pinos (que merecia uma CPI) e com o serviço militar obrigatório!
Subitamente, o horizonte ficou limpo, tudo é possível, ou ao menos discutível, e as pessoas, ao menos os visionários, querem acelerar o tempo, mudanças e “disrupção”, palavra ainda inexistente, ou dicionarizada, para descrever “destruição criadora”. Abriu-se a janela para “reformas”, na política e na economia, e parece haver demanda para diversos “Uber”, um para cada igrejinha, cartório e monopólio existente no País. Que bom seria ter um Uber para os partidos políticos, outro para a legislação trabalhista, e para os impostos, os bancos. O País precisa de competição, meritocracia, produtividade e do primado do talento, e não mais da tutela mal-intencionada do Estado, sempre disposto a promover um assistencialismo mal-ajambrado, onde as segundas intenções são mais importantes que as primeiras.
As autoridades econômicas parecem dispor de efetiva autonomia para formular as “reformas”, e as dúvidas sobre isso deveriam ser espancadas logo, admitindo-se a vigência de uma lição básica de Itamar Franco: a economia não é tudo, mas é quase, e nenhum governo vai conseguir atravessar a rua se a economia não estiver arrumada. E, para isso, observada a sabedoria australiana recente, é preciso encanadores, e não cangurus.
A equipe econômica de Michel Temer se tornou seu melhor ativo, sua face mais bonita e seu passaporte para o futuro, se, evidentemente, puder trabalhar com liberdade, desligada das métricas políticas clássicas, e equivocadas, do que é “popular”. Em vista da máxima, amplamente comprovada, segundo a qual nada é mais bem-sucedido que o sucesso, segue-se que nada é mais popular que a prosperidade econômica duradoura sustentável. O pior inimigo da mesma, tenha-se claro, é a prosperidade efêmera criada por vigarices populistas, tentação permanente nas terras altas do Brasil central.
Por ora, só se pode aguardar. As verdadeiras competições de saltos não necessariamente ornamentais sobre obstáculos difíceis, de arremesso de martelos, aparelhos e outras velharias corporativistas e de ginástica política verdadeiramente intensa começam mesmo em agosto.
O STF quer transparência para os outros - ELIO GASPARI
O GLOBO - 31/07
Em menos de um mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal associou seu mandato de presidente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a três iniciativas inquietantes para quem vê no Judiciário um guardião da liberdade e da transparência.
No início de julho, o chefe da segurança do Supremo, doutor Murilo Herz, pediu à Polícia Federal que investigue a origem do boneco inflável de Lewandowski que desfilava pela avenida Paulista nas manifestações contra o governo petista. Ele representaria um "intolerável atentado à honra do chefe desse Poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça brasileira".
Pouco depois, Lewandowski podou a resolução 226 do CNJ e livrou todos os magistrados de contar quanto recebem por suas palestras fora dos tribunais. (Um ministro do Tribunal Superior do Trabalho faturou R$ 161 mil com 12 palestras.) A exigência foi suprimida a pedido de Lewandowski, que julgou necessário "resguardar a privacidade e a própria segurança" dos juízes, "porque hoje, quando nós divulgamos valores econômicos, estamos sujeitos, num país em crise, num país onde infelizmente nossa segurança pública ainda não atingiu os níveis desejados...". O salário dos ministros do STF é público: R$ 39.293.
Há poucos dias, Daniel Chada, engenheiro-chefe do projeto "Supremo em Números", da FGV-Direito do Rio, e o professor Ivar Hartmann, coordenador da iniciativa, puseram na rede um artigo com um título provocador: "A distribuição dos processos no Supremo é realmente aleatória?".
Numa resposta rápida, é. Cada ministro do Supremo recebe cerca de 500 processos. Em tese, ninguém pode prever qual processo vai para qual ministro. Com base na Lei de Acesso à Informação, um contribuinte pediu ao Supremo o código-fonte do programa de computador que faz a distribuição aleatória. Foi informado de que não seria atendido, tendo em vista a "ausência de previsão normativa para tal".
A lei diz que não pode haver sigilo para informação necessária "à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais".
Um programa bichado pode ser violado. A divulgação de um código-fonte não o torna vulnerável. Pelo contrário, permite a percepção de brechas. O código-fonte do Bitcoin, bem como aquele usado pelo banco Itaú para dar números aos clientes, são públicos.
Nunca apareceu maledicência que justificasse uma suspeita de vício na distribuição dos processos no STF. Ao proteger um sigilo que pode até mesmo encobrir serviço mal feito, a burocracia de Lewandowski atravessou a rua para escorregar na casca de banana que estava na outra calçada.
BACH DESAFINOU
O esgrimista alemão Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, desceu no Rio com o pé esquerdo. Disse que "nós sabemos que os brasileiros gostam de terminar as coisas no último segundo".
Quem atrasou obras não foram os brasileiros, mas as empresas contratadas para fazer o serviço, que deveriam ter sido fiscalizadas pelo Comitê Olímpico Nacional e pela Prefeitura do Rio. Gracinhas com países, tanto envolvendo cangurus como supostos hábitos de seus povos são coisa de pobre, como diria o doutor Eduardo Paes.
A tensão provocada pelo atraso na conclusão de obras é coisa velha e vem desde os jogos de 1896, de Atenas. Atribui-se à sujeira da água de Saint Louis (1904) a morte de dois americanos da equipe de polo aquático. Os sistemas de transportes das cidades americanas funcionam direito, mas o de Atlanta (1996) entrou em colapso. Olimpíada com tudo funcionando direito com uma épica cerimônia de abertura houve a de Berlim em 1936. Anos depois, deu no que deu. (Em 1972, durante os jogos de Munique, 11 integrantes da delegação israelense sequestrados por terroristas morreram).
O prefeito de Montreal (1976) disse que era mais fácil um homem parir do que sua Olimpíada dar deficit. Ela deveria custar US$ 223 milhões e saiu por US$ 1,2 bilhão. Ninguém pode dizer que os canadenses não gostam de fazer contas.
Bach ajudaria o Rio de Janeiro e todas as outras cidades que venham a receber os jogos se, em vez de se referir a povos, der nome aos bois com quem divide o palanque das autoridades e dos notáveis.
RIO-SYDNEY
A gracinha de Eduardo Paes com a delegação australiana jogou fora uma oportunidade para que o prefeito do Rio compartilhasse com seus hóspedes um pedaço da história dos dois países.
Entre 1788 e 1868, o governo inglês povoou a Austrália com 162 mil presos tirados das cadeias. Eram o refugo da Revolução Industrial. A maioria tinha cometidos furtos, e uma menina de 11 anos tomou sete anos porque roubou um queijo. Milhares desses degredados passaram pelo porto do Rio de Janeiro, a ferros, trancados nos porões dos navios. A primeira frota, com 736 prisioneiros, aportou no Rio em 1787 e, no ano seguinte, fundou a cidade de Sydney.
Enquanto o Brasil importava escravos africanos, a Austrália transformou degredados em trabalhadores. Um ladrão de ovelhas virou latifundiário, outro virou juiz e um agitador político tornou-se líder sindical. Um estelionatário elegeu-se deputado. Estima-se que dois em cada dez australianos descendam desses pioneiros.
Em 1787, um oficial reclamou da má qualidade da cachaça carioca. Talvez os atletas de 2016 possam reavaliar seu julgamento.
TESTE DE BLOOMBERG
O bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, flechou Donald Trump em seu discurso na Convenção do Partido Democrata: "Eu reconheço um vigarista quando o vejo".
O teste de Bloomberg deveria ser incorporado por todos os eleitores de todos os países, em todas as eleições.
BOLA DENTRO
O predomínio de Henrique Meirelles no comando da economia foi uma decisão tomada há tempo por Temer.
O Ministério do Planejamento duvidou que houvesse gasolina no tanque. Havia.
VAI SOBRAR PARA OS TESOUREIROS PETISTAS
Há uma bomba relógio nas carceragens da Lava Jato. Depois que o marqueteiro João Santana e sua mulher detonaram a conexão das petropropinas com a caixa do PT, Dilma Rousseff tomou distância da tesouraria do partido. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, seguiu caminho semelhante. Se houve caixa dois nas suas campanhas, não passou por eles.
Pelo cheiro da brilhantina, vai sobrar para os tesoureiros do PT. João Vaccari está na cadeia desde 2015 e já foi condenado a 24 anos de cana. Seu antecessor, Paulo Ferreira foi preso em junho.
Os dois guardam o silencio das múmias, mas alguma coisa nessa história não faz sentido. Vaccari e Ferreira não têm patrimônio ou padrão de vida à altura das propinas milionárias que o PT arrecadava. Se os grandes comissários não sabiam de nada, fica uma pergunta: onde os tesoureiros puseram o dinheiro?
Em menos de um mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal associou seu mandato de presidente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a três iniciativas inquietantes para quem vê no Judiciário um guardião da liberdade e da transparência.
No início de julho, o chefe da segurança do Supremo, doutor Murilo Herz, pediu à Polícia Federal que investigue a origem do boneco inflável de Lewandowski que desfilava pela avenida Paulista nas manifestações contra o governo petista. Ele representaria um "intolerável atentado à honra do chefe desse Poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça brasileira".
Pouco depois, Lewandowski podou a resolução 226 do CNJ e livrou todos os magistrados de contar quanto recebem por suas palestras fora dos tribunais. (Um ministro do Tribunal Superior do Trabalho faturou R$ 161 mil com 12 palestras.) A exigência foi suprimida a pedido de Lewandowski, que julgou necessário "resguardar a privacidade e a própria segurança" dos juízes, "porque hoje, quando nós divulgamos valores econômicos, estamos sujeitos, num país em crise, num país onde infelizmente nossa segurança pública ainda não atingiu os níveis desejados...". O salário dos ministros do STF é público: R$ 39.293.
Há poucos dias, Daniel Chada, engenheiro-chefe do projeto "Supremo em Números", da FGV-Direito do Rio, e o professor Ivar Hartmann, coordenador da iniciativa, puseram na rede um artigo com um título provocador: "A distribuição dos processos no Supremo é realmente aleatória?".
Numa resposta rápida, é. Cada ministro do Supremo recebe cerca de 500 processos. Em tese, ninguém pode prever qual processo vai para qual ministro. Com base na Lei de Acesso à Informação, um contribuinte pediu ao Supremo o código-fonte do programa de computador que faz a distribuição aleatória. Foi informado de que não seria atendido, tendo em vista a "ausência de previsão normativa para tal".
A lei diz que não pode haver sigilo para informação necessária "à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais".
Um programa bichado pode ser violado. A divulgação de um código-fonte não o torna vulnerável. Pelo contrário, permite a percepção de brechas. O código-fonte do Bitcoin, bem como aquele usado pelo banco Itaú para dar números aos clientes, são públicos.
Nunca apareceu maledicência que justificasse uma suspeita de vício na distribuição dos processos no STF. Ao proteger um sigilo que pode até mesmo encobrir serviço mal feito, a burocracia de Lewandowski atravessou a rua para escorregar na casca de banana que estava na outra calçada.
BACH DESAFINOU
O esgrimista alemão Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, desceu no Rio com o pé esquerdo. Disse que "nós sabemos que os brasileiros gostam de terminar as coisas no último segundo".
Quem atrasou obras não foram os brasileiros, mas as empresas contratadas para fazer o serviço, que deveriam ter sido fiscalizadas pelo Comitê Olímpico Nacional e pela Prefeitura do Rio. Gracinhas com países, tanto envolvendo cangurus como supostos hábitos de seus povos são coisa de pobre, como diria o doutor Eduardo Paes.
A tensão provocada pelo atraso na conclusão de obras é coisa velha e vem desde os jogos de 1896, de Atenas. Atribui-se à sujeira da água de Saint Louis (1904) a morte de dois americanos da equipe de polo aquático. Os sistemas de transportes das cidades americanas funcionam direito, mas o de Atlanta (1996) entrou em colapso. Olimpíada com tudo funcionando direito com uma épica cerimônia de abertura houve a de Berlim em 1936. Anos depois, deu no que deu. (Em 1972, durante os jogos de Munique, 11 integrantes da delegação israelense sequestrados por terroristas morreram).
O prefeito de Montreal (1976) disse que era mais fácil um homem parir do que sua Olimpíada dar deficit. Ela deveria custar US$ 223 milhões e saiu por US$ 1,2 bilhão. Ninguém pode dizer que os canadenses não gostam de fazer contas.
Bach ajudaria o Rio de Janeiro e todas as outras cidades que venham a receber os jogos se, em vez de se referir a povos, der nome aos bois com quem divide o palanque das autoridades e dos notáveis.
RIO-SYDNEY
A gracinha de Eduardo Paes com a delegação australiana jogou fora uma oportunidade para que o prefeito do Rio compartilhasse com seus hóspedes um pedaço da história dos dois países.
Entre 1788 e 1868, o governo inglês povoou a Austrália com 162 mil presos tirados das cadeias. Eram o refugo da Revolução Industrial. A maioria tinha cometidos furtos, e uma menina de 11 anos tomou sete anos porque roubou um queijo. Milhares desses degredados passaram pelo porto do Rio de Janeiro, a ferros, trancados nos porões dos navios. A primeira frota, com 736 prisioneiros, aportou no Rio em 1787 e, no ano seguinte, fundou a cidade de Sydney.
Enquanto o Brasil importava escravos africanos, a Austrália transformou degredados em trabalhadores. Um ladrão de ovelhas virou latifundiário, outro virou juiz e um agitador político tornou-se líder sindical. Um estelionatário elegeu-se deputado. Estima-se que dois em cada dez australianos descendam desses pioneiros.
Em 1787, um oficial reclamou da má qualidade da cachaça carioca. Talvez os atletas de 2016 possam reavaliar seu julgamento.
TESTE DE BLOOMBERG
O bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, flechou Donald Trump em seu discurso na Convenção do Partido Democrata: "Eu reconheço um vigarista quando o vejo".
O teste de Bloomberg deveria ser incorporado por todos os eleitores de todos os países, em todas as eleições.
BOLA DENTRO
O predomínio de Henrique Meirelles no comando da economia foi uma decisão tomada há tempo por Temer.
O Ministério do Planejamento duvidou que houvesse gasolina no tanque. Havia.
VAI SOBRAR PARA OS TESOUREIROS PETISTAS
Há uma bomba relógio nas carceragens da Lava Jato. Depois que o marqueteiro João Santana e sua mulher detonaram a conexão das petropropinas com a caixa do PT, Dilma Rousseff tomou distância da tesouraria do partido. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, seguiu caminho semelhante. Se houve caixa dois nas suas campanhas, não passou por eles.
Pelo cheiro da brilhantina, vai sobrar para os tesoureiros do PT. João Vaccari está na cadeia desde 2015 e já foi condenado a 24 anos de cana. Seu antecessor, Paulo Ferreira foi preso em junho.
Os dois guardam o silencio das múmias, mas alguma coisa nessa história não faz sentido. Vaccari e Ferreira não têm patrimônio ou padrão de vida à altura das propinas milionárias que o PT arrecadava. Se os grandes comissários não sabiam de nada, fica uma pergunta: onde os tesoureiros puseram o dinheiro?
A vingança quase perfeita de Delcídio - BERNARDO MELLO FRANCO
FOLHA DE SP - 31/07
O ex-senador Delcídio do Amaral deu o empurrão final para o impeachment ao acusar Dilma Rousseff de interferir na Lava Jato. Agora ele desfere um novo cruzado no queixo de Lula, que começava a deixar a lona para voltar ao palanque nas eleições municipais
.
A delação de Delcídio está na origem da notícia mais importante da semana: a decisão da Justiça Federal que transformou o ex-presidente em réu, sob acusação de obstruir as investigações do petrolão. A denúncia do Ministério Público se baseia na palavra do ex-senador. Ao se sentir abandonado pelo PT, ele apontou Lula como chefe da trama para comprar o silêncio de Nestor Cerveró.
Enquanto a defesa do ex-presidente voltava os olhos para Curitiba, a ação foi aberta por um juiz federal de Brasília. Isso reforçou as dúvidas sobre a estratégia de recorrer à ONU contra a atuação de Sergio Moro. Para um velho amigo de Lula, a ofensiva internacional pode ter estimulado uma reação corporativa contra ele. Na quinta-feira, a Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou nota contra o ex-presidente. Na sexta, o juiz Ricardo Leite o mandou pela primeira vez ao banco dos réus.
A abertura da ação não significa que Lula será condenado, mas produz um novo revés no momento em que ele se esforçava para sair do isolamento. O giro recente pelo Nordeste havia reanimado o petista, que voltou a aparecer na liderança isolada das pesquisas para o Planalto.
No curto prazo, o recebimento da denúncia deve atrapalhar a atuação do ex-presidente nas disputas municipais. Mais adiante, pode abrir caminho para tirá-lo do jogo em 2018. Os adversários já torcem abertamente para que ele seja barrado pela Lei da Ficha Limpa, caso sofra uma condenação em segunda instância até lá.
Para Delcídio, seria a vingança perfeita se ele não tivesse que enfrentar seus próprios fantasmas. A Procuradoria acaba de pedir que o delator volte à cadeia por descumprir as regras da prisão domiciliar.
O ex-senador Delcídio do Amaral deu o empurrão final para o impeachment ao acusar Dilma Rousseff de interferir na Lava Jato. Agora ele desfere um novo cruzado no queixo de Lula, que começava a deixar a lona para voltar ao palanque nas eleições municipais
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A delação de Delcídio está na origem da notícia mais importante da semana: a decisão da Justiça Federal que transformou o ex-presidente em réu, sob acusação de obstruir as investigações do petrolão. A denúncia do Ministério Público se baseia na palavra do ex-senador. Ao se sentir abandonado pelo PT, ele apontou Lula como chefe da trama para comprar o silêncio de Nestor Cerveró.
Enquanto a defesa do ex-presidente voltava os olhos para Curitiba, a ação foi aberta por um juiz federal de Brasília. Isso reforçou as dúvidas sobre a estratégia de recorrer à ONU contra a atuação de Sergio Moro. Para um velho amigo de Lula, a ofensiva internacional pode ter estimulado uma reação corporativa contra ele. Na quinta-feira, a Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou nota contra o ex-presidente. Na sexta, o juiz Ricardo Leite o mandou pela primeira vez ao banco dos réus.
A abertura da ação não significa que Lula será condenado, mas produz um novo revés no momento em que ele se esforçava para sair do isolamento. O giro recente pelo Nordeste havia reanimado o petista, que voltou a aparecer na liderança isolada das pesquisas para o Planalto.
No curto prazo, o recebimento da denúncia deve atrapalhar a atuação do ex-presidente nas disputas municipais. Mais adiante, pode abrir caminho para tirá-lo do jogo em 2018. Os adversários já torcem abertamente para que ele seja barrado pela Lei da Ficha Limpa, caso sofra uma condenação em segunda instância até lá.
Para Delcídio, seria a vingança perfeita se ele não tivesse que enfrentar seus próprios fantasmas. A Procuradoria acaba de pedir que o delator volte à cadeia por descumprir as regras da prisão domiciliar.
Faltam líderes - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 31/07
A atual crise brasileira revela uma aguda escassez de líderes com visão de longo prazo e capacidade de infundir confiança por meio do exemplo, problema que ainda vai perdurar por um longo período e promete ser um desafio para os eleitores nos próximos pleitos. A perda de legitimidade de políticos - independentemente de vinculações partidárias - tornou-se endêmica.
Nomes antes promissores foram varridos do tabuleiro político, e não há no horizonte novos líderes despontando. Resolvi pedir ao economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, especializada em planejamento, gestão e cenários prospectivos, uma avaliação sobre os governadores mais promissores em atividade, nomes que podem aparecer, a médio e longo prazos, como eventuais alternativas políticas.
A Macroplan acompanha há longo tempo o desempenho de governantes, avaliando a qualidade da gestão pública no país, e tem visão detalhada de inovações em curso em governos estaduais. Porto confirma a sensação de ausência de lideranças no campo nacional, e de quadros que inspirem confiança para conduzir o país a uma trajetória de crescimento sustentável no longo prazo, mas identifica gestores diferenciados que eventualmente poderão ocupar esse imenso vazio.
Para Porto, a grave crise econômica coloca em evidência aqueles que mais têm trabalhado no ajuste estrutural das finanças públicas sem comprometer as entregas de serviços e obras à sociedade. Dos três que ele destaca numa primeira leva, apenas o governo do Espírito Santo é seu cliente.
O governador Paulo Hartung (PMDB) retornou ao cargo após um primeiro período de governo em que livrou o Espírito Santo do crime organizado e implantou um modelo de gestão política, estratégica e de austeridade fiscal reconhecido nacionalmente, especialmente pela capacidade de produzir respostas rápidas e em acordo com os demais Poderes do estado capixaba.
Não foi à toa que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi buscar em seu governo a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que era secretária da Fazenda de Hartung. "Apesar do ambiente de escassez de recursos, o governo capixaba prestou os serviços de Saúde, Educação, Segurança e Assistência Social sem interrupção, pagou servidores e fornecedores em dia e terminou 2015 reequilibrado do ponto de vista fiscal, situação nada comparável aos déficits de R$ 7,6 bilhões do Estado do Rio, R$ 2,6 bilhões de Minas e R$ 2,2 bilhões do Rio Grande do Sul", analisa Porto.
Ele destaca o rigoroso ajuste de gastos de custeio de Hartung, com redução de cargos comissionados, renegociação de contratos de fornecimento e adequação dos investimentos à disponibilidade de recursos.
Outro que vem se destacando, para a Macroplan, é o governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, também do PMDB. "Embora à primeira vista possam ser interpretadas como emergenciais ou meramente pragmáticas por serem inevitáveis, as medidas do governador Sartori de disciplinar gastos revelam que ele esboça uma reação estrutural", analisa Porto.
Apoiado por coalizão empresarial e de líderes civis, Sartori liderou a aprovação da primeira Lei de Responsabilidade Fiscal estadual - com regras complementares à lei federal de 2000 - e tem objetivo de restringir concessão de reajustes salariais para outras administrações ou governantes pagarem, bem como limita contratações, criação de cargos e reajustes se a despesa com pessoal ultrapassar o limite de 60% da receita. Há poucos dias, o governo do RS ingressou com ação no Supremo contra o reajuste dos servidores dos demais Poderes do RS, aprovado pela Assembleia Legislativa.
O terceiro nome que se apresenta como contraponto ao desencanto com a política, para Porto, é o do governador de Mato Grosso, Pedro Taques, cujo currículo chama a atenção. Procurador da República antes de se eleger senador, em 2010, Taques foi protagonista na prisão de empresários e políticos acusados de corrupção, entre os quais o ex-senador Jader Barbalho.
O ex-pedetista, hoje tucano, tem trajetória em temas importantes, como combate à corrupção e elaboração do novo Código de Processo Civil; e, como governador, foi um dos mais firmes opositores à presidente Dilma. "No campo da gestão, Taques tem atuado fortemente na costura de parcerias com a iniciativa privada, principalmente no campo da Educação, fazendo entregas relevantes para a sociedade", destaca Porto.
A atual crise brasileira revela uma aguda escassez de líderes com visão de longo prazo e capacidade de infundir confiança por meio do exemplo, problema que ainda vai perdurar por um longo período e promete ser um desafio para os eleitores nos próximos pleitos. A perda de legitimidade de políticos - independentemente de vinculações partidárias - tornou-se endêmica.
Nomes antes promissores foram varridos do tabuleiro político, e não há no horizonte novos líderes despontando. Resolvi pedir ao economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, especializada em planejamento, gestão e cenários prospectivos, uma avaliação sobre os governadores mais promissores em atividade, nomes que podem aparecer, a médio e longo prazos, como eventuais alternativas políticas.
A Macroplan acompanha há longo tempo o desempenho de governantes, avaliando a qualidade da gestão pública no país, e tem visão detalhada de inovações em curso em governos estaduais. Porto confirma a sensação de ausência de lideranças no campo nacional, e de quadros que inspirem confiança para conduzir o país a uma trajetória de crescimento sustentável no longo prazo, mas identifica gestores diferenciados que eventualmente poderão ocupar esse imenso vazio.
Para Porto, a grave crise econômica coloca em evidência aqueles que mais têm trabalhado no ajuste estrutural das finanças públicas sem comprometer as entregas de serviços e obras à sociedade. Dos três que ele destaca numa primeira leva, apenas o governo do Espírito Santo é seu cliente.
O governador Paulo Hartung (PMDB) retornou ao cargo após um primeiro período de governo em que livrou o Espírito Santo do crime organizado e implantou um modelo de gestão política, estratégica e de austeridade fiscal reconhecido nacionalmente, especialmente pela capacidade de produzir respostas rápidas e em acordo com os demais Poderes do estado capixaba.
Não foi à toa que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi buscar em seu governo a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que era secretária da Fazenda de Hartung. "Apesar do ambiente de escassez de recursos, o governo capixaba prestou os serviços de Saúde, Educação, Segurança e Assistência Social sem interrupção, pagou servidores e fornecedores em dia e terminou 2015 reequilibrado do ponto de vista fiscal, situação nada comparável aos déficits de R$ 7,6 bilhões do Estado do Rio, R$ 2,6 bilhões de Minas e R$ 2,2 bilhões do Rio Grande do Sul", analisa Porto.
Ele destaca o rigoroso ajuste de gastos de custeio de Hartung, com redução de cargos comissionados, renegociação de contratos de fornecimento e adequação dos investimentos à disponibilidade de recursos.
Outro que vem se destacando, para a Macroplan, é o governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, também do PMDB. "Embora à primeira vista possam ser interpretadas como emergenciais ou meramente pragmáticas por serem inevitáveis, as medidas do governador Sartori de disciplinar gastos revelam que ele esboça uma reação estrutural", analisa Porto.
Apoiado por coalizão empresarial e de líderes civis, Sartori liderou a aprovação da primeira Lei de Responsabilidade Fiscal estadual - com regras complementares à lei federal de 2000 - e tem objetivo de restringir concessão de reajustes salariais para outras administrações ou governantes pagarem, bem como limita contratações, criação de cargos e reajustes se a despesa com pessoal ultrapassar o limite de 60% da receita. Há poucos dias, o governo do RS ingressou com ação no Supremo contra o reajuste dos servidores dos demais Poderes do RS, aprovado pela Assembleia Legislativa.
O terceiro nome que se apresenta como contraponto ao desencanto com a política, para Porto, é o do governador de Mato Grosso, Pedro Taques, cujo currículo chama a atenção. Procurador da República antes de se eleger senador, em 2010, Taques foi protagonista na prisão de empresários e políticos acusados de corrupção, entre os quais o ex-senador Jader Barbalho.
O ex-pedetista, hoje tucano, tem trajetória em temas importantes, como combate à corrupção e elaboração do novo Código de Processo Civil; e, como governador, foi um dos mais firmes opositores à presidente Dilma. "No campo da gestão, Taques tem atuado fortemente na costura de parcerias com a iniciativa privada, principalmente no campo da Educação, fazendo entregas relevantes para a sociedade", destaca Porto.
O peso das imagens de Dilma e Lula - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 31/07
O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem
O desespero cresce à medida que se aproxima o impeachment e, com isso, Dilma Rousseff vai perdendo a noção do ridículo. A mulher dita honesta, acuada pela sanha golpista dos inimigos do povo e confinada na solidão de um palácio de mentirinha, volta-se, explicitamente, contra seu próprio partido, a quem atribui a responsabilidade por qualquer malfeito que tenha sido cometido nas duas bem-sucedidas campanhas eleitorais de que participou. Mas o sentimento de rejeição é recíproco: está aberta nas hostes lulopetistas a discussão sobre a conveniência de manter Dilma Rousseff afastada da campanha municipal. O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem. Dispensa o abraço de afogado.
Para a presidente afastada, a confissão de seu ex-marqueteiro oficial de que recebeu via caixa 2 pelos serviços prestados na campanha presidencial de 2010 não a atinge: “Ele diz que recebeu isso em 2013. Ora, a campanha começa em 2010 e até o final do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. A partir do momento em que ela é encerrada, tudo o que ficou pendente de pagamento da campanha passa a ser responsabilidade do partido”.
Equivoca-se a mulher honesta. Mesmo que o cipoal legislativo que regula a matéria dê margem a eventuais interpretações pontuais discrepantes, o bom senso impõe a observância do princípio da responsabilidade solidária de candidatos e partidos sobre os gastos eleitorais, principalmente quando se trata de pleito majoritário. No caso, o marqueteiro João Santana, responsável pelo marketing eleitoral de Dilma em 2010, só conseguiu receber US$ 5 milhões que lhe eram devidos – na verdade, US$ 500 mil a menos – em 2013, depositados em conta no exterior.
Ninguém imagina que um candidato à Presidência da República seja obrigado a cobrir gastos de campanha. Mas é óbvio que ele é responsável, solidário com o partido, por esses gastos, inclusive do ponto de vista da legislação eleitoral. É, aliás, exatamente por essa razão que está sendo julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, relativa aos gastos de campanha de 2014. É simplesmente ridícula, portanto, a alegação da presidente afastada de que, como a campanha de 2010 foi encerrada antes de o pagamento ser feito ao marqueteiro, a responsabilidade exclusiva por esse pagamento é do PT.
De resto, essa atitude revela, no mínimo, o desapreço que Dilma tem pelo partido pelo qual se elegeu duas vezes presidente da República. O que suscitaria a questão – se é que ela acredita realmente que possa voltar ao Palácio do Planalto – de saber com o apoio de quem ela contaria para recompor seu governo.
Ao tentar transferir para o PT toda a responsabilidade pelos golpes eleitorais que alavancaram suas eleições, Dilma nada mais fez do que imitar o comportamento de seu criador e mestre, Lula da Silva. Mentor e maior beneficiário do mensalão e do petrolão, peças do mesmo esquema de corrupção com os quais procurou em vão consolidar seu projeto pessoal de poder, o hóspede contumaz do famoso sítio de Atibaia passou oito anos na Presidência da República comportando-se como se qualquer suspeita de seu envolvimento em trambiques fosse crime de lesa-majestade. A diferença entre Dilma e Lula é que este, muito mais esperto, não perdia oportunidade de passar a mão na cabeça de quem operava o jogo sujo para ele.
Hoje, a agenda dos restos do PT concentra-se na sua sobrevivência política, o que passa necessariamente por um desempenho se possível um pouco mais do que medíocre no pleito municipal de outubro. A estratégia eleitoral a ser adotada divide suas lideranças. Por um lado, os que preferem a uma abordagem mais “ideológica” insistem que o mais adequado é a “nacionalização” da campanha, levando para os palanques municipais o tema do “golpe” de que o PT estaria sendo vítima com o impeachment de Dilma. De outra parte, os mais pragmáticos entendem que, numa eleição de prefeitos e vereadores, o que garante voto são as questões locais.
Seja qual for a estratégia, predomina entre as lideranças petistas, nos âmbitos federal, regional e municipal, a convicção de que, com a exceção talvez do Nordeste, as presenças nos palanques de Lula e, principalmente, de Dilma, não são desejáveis. São as voltas que a política dá.
O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem
O desespero cresce à medida que se aproxima o impeachment e, com isso, Dilma Rousseff vai perdendo a noção do ridículo. A mulher dita honesta, acuada pela sanha golpista dos inimigos do povo e confinada na solidão de um palácio de mentirinha, volta-se, explicitamente, contra seu próprio partido, a quem atribui a responsabilidade por qualquer malfeito que tenha sido cometido nas duas bem-sucedidas campanhas eleitorais de que participou. Mas o sentimento de rejeição é recíproco: está aberta nas hostes lulopetistas a discussão sobre a conveniência de manter Dilma Rousseff afastada da campanha municipal. O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem. Dispensa o abraço de afogado.
Para a presidente afastada, a confissão de seu ex-marqueteiro oficial de que recebeu via caixa 2 pelos serviços prestados na campanha presidencial de 2010 não a atinge: “Ele diz que recebeu isso em 2013. Ora, a campanha começa em 2010 e até o final do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. A partir do momento em que ela é encerrada, tudo o que ficou pendente de pagamento da campanha passa a ser responsabilidade do partido”.
Equivoca-se a mulher honesta. Mesmo que o cipoal legislativo que regula a matéria dê margem a eventuais interpretações pontuais discrepantes, o bom senso impõe a observância do princípio da responsabilidade solidária de candidatos e partidos sobre os gastos eleitorais, principalmente quando se trata de pleito majoritário. No caso, o marqueteiro João Santana, responsável pelo marketing eleitoral de Dilma em 2010, só conseguiu receber US$ 5 milhões que lhe eram devidos – na verdade, US$ 500 mil a menos – em 2013, depositados em conta no exterior.
Ninguém imagina que um candidato à Presidência da República seja obrigado a cobrir gastos de campanha. Mas é óbvio que ele é responsável, solidário com o partido, por esses gastos, inclusive do ponto de vista da legislação eleitoral. É, aliás, exatamente por essa razão que está sendo julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, relativa aos gastos de campanha de 2014. É simplesmente ridícula, portanto, a alegação da presidente afastada de que, como a campanha de 2010 foi encerrada antes de o pagamento ser feito ao marqueteiro, a responsabilidade exclusiva por esse pagamento é do PT.
De resto, essa atitude revela, no mínimo, o desapreço que Dilma tem pelo partido pelo qual se elegeu duas vezes presidente da República. O que suscitaria a questão – se é que ela acredita realmente que possa voltar ao Palácio do Planalto – de saber com o apoio de quem ela contaria para recompor seu governo.
Ao tentar transferir para o PT toda a responsabilidade pelos golpes eleitorais que alavancaram suas eleições, Dilma nada mais fez do que imitar o comportamento de seu criador e mestre, Lula da Silva. Mentor e maior beneficiário do mensalão e do petrolão, peças do mesmo esquema de corrupção com os quais procurou em vão consolidar seu projeto pessoal de poder, o hóspede contumaz do famoso sítio de Atibaia passou oito anos na Presidência da República comportando-se como se qualquer suspeita de seu envolvimento em trambiques fosse crime de lesa-majestade. A diferença entre Dilma e Lula é que este, muito mais esperto, não perdia oportunidade de passar a mão na cabeça de quem operava o jogo sujo para ele.
Hoje, a agenda dos restos do PT concentra-se na sua sobrevivência política, o que passa necessariamente por um desempenho se possível um pouco mais do que medíocre no pleito municipal de outubro. A estratégia eleitoral a ser adotada divide suas lideranças. Por um lado, os que preferem a uma abordagem mais “ideológica” insistem que o mais adequado é a “nacionalização” da campanha, levando para os palanques municipais o tema do “golpe” de que o PT estaria sendo vítima com o impeachment de Dilma. De outra parte, os mais pragmáticos entendem que, numa eleição de prefeitos e vereadores, o que garante voto são as questões locais.
Seja qual for a estratégia, predomina entre as lideranças petistas, nos âmbitos federal, regional e municipal, a convicção de que, com a exceção talvez do Nordeste, as presenças nos palanques de Lula e, principalmente, de Dilma, não são desejáveis. São as voltas que a política dá.
Lula culpa o Brasil - MARY ZAIDAN
BLOG DO NOBLAT - 31/07
Fingir que não é com ele, mentir para livrar a sua cara e a sua pele são traços impressos na personalidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre foi assim. Desde os palanques de São Bernardo do Campo -- quando recitava palavras de ordem óbvias diante da massa e de uma ditadura que lhe era dócil --, até à quase inacreditável petição contra o Estado brasileiro que impetrou, na quinta-feira, junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU. Uma alma narcisa que só pensa em si. Que xinga e elogia, soca e abraça por conveniência e só age na primeira pessoa.
O mesmo Lula que em 1993 escorraçou a Câmara dos Deputados afirmando que ela abrigava “300 picaretas” dedicou loas à Casa, 10 anos depois, ao receber a Suprema Distinção Legislativa: “não existe nada mais nobre que um mandato parlamentar”.
Pouco despois de se eleger em 2002, desfilou de braços dados com José Sarney, a quem já acusara de ser “grileiro”. Adulou Renan Calheiros para ficar em pé durante o processo do mensalão; bajulou Paulo Maluf – que já fora o mal em si – para eleger Fernando Haddad, o prefeito mais impopular que São Paulo já teve.
Algumas lembranças do Lula de ocasião fazem arrepiar até a esquerda cativa que ainda hoje o aplaude. Collor de Mello que o diga. A entrevista ao Bom Dia Brasil, na TV Globo, pouco antes de ser eleito presidente da República pela primeira vez, é simbólica. Ali, elogiou, em alto e bom som, os governos de Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, que “pensavam o Brasil estrategicamente”. E discordou de bate-pronto da afirmativa do entrevistador sobre as altas taxas de inflação que os generais deixaram como herança. “Não é verdade”, assegurou.
Depois de vencer a eleição, Lula soltou ainda mais a verve. Fez do hoje condenado e preso José Dirceu o “capitão do time”, para depois puxar-lhe o tapete. Foi a público, em cadeia de rádio e TV, pedir desculpas pela traição dos seus no escândalo do mensalão, ocorrência que, meses depois, passou a negar peremptoriamente.
Quando se vê sem alternativas, escolhe a categoria de vítima, posando como perseguido da mídia e da elite. A mesma elite que lhe prestou favores pessoais e garantiu os bilhões para custear o sonho da hegemonia petista. Tudo à custa de generosas propinas nos negócios públicos.
Ainda que um pouco chamuscado, livrou-se do mensalão. E, se já podia tudo, Lula acreditou no infinito. Inventou Dilma Rousseff, enfiou-a goela abaixo do PT e dos aliados, provocando uma indigestão que nem todos os bilhões desviados de obras públicas, dos fundos de pensão e do sabe-se lá mais onde, foram suficientes para curar.
Vieram a Lava-Jato, o processo de impeachment de Dilma, a incerteza, o medo da cadeia.
O Lula que agora recorre à ONU não é mais o mesmo. Está fragilíssimo.
Por ironia da história, virou réu em Brasília – não em Curitiba -- quase que simultaneamente à sua tentativa de estender ao mundo a sua versão de mártir.
Mas suas bravatas já não ecoam. O processo que tenta impor em Genebra é um amontoado de mentiras. O cerne da peça -- o juiz Sérgio Moro age arbitrariamente para forçar delações de prisioneiros e não há tribunais para rever as sentenças – desintegrou-se em uma simples nota da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe): “O sistema processual brasileiro garante três instâncias recursais e, até o momento, menos de 4% das decisões do juiz Sérgio Moro foram reformadas”. E a tentativa de dizer que as acusações que pairam sobre si não passam de uma ação articulada de forças conservadoras para impedir a sua candidatura em 2018 beira o ridículo.
O Lula que agora recorre à ONU, seja para criar um fato novo em pré-impeachment ou facilitar uma eventual solicitação de asilo político no futuro, se mostra miúdo, debilitado, anêmico.
Ao acusar a Polícia Federal, a mesma que ele tanto elogiava durante o seu governo, e a Justiça, para a qual ele e sua sucessora indicaram 13 ministros, oito dos onze em atividade na Suprema Corte, Lula enterra-se, definitivamente, na lama.
Sua defesa age como se todas as instituições brasileiras – incluindo a imprensa, é claro -- fossem criminosas. E ele, só ele, inocente. O Lula que agora recorre à ONU é patético.
Fingir que não é com ele, mentir para livrar a sua cara e a sua pele são traços impressos na personalidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre foi assim. Desde os palanques de São Bernardo do Campo -- quando recitava palavras de ordem óbvias diante da massa e de uma ditadura que lhe era dócil --, até à quase inacreditável petição contra o Estado brasileiro que impetrou, na quinta-feira, junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU. Uma alma narcisa que só pensa em si. Que xinga e elogia, soca e abraça por conveniência e só age na primeira pessoa.
O mesmo Lula que em 1993 escorraçou a Câmara dos Deputados afirmando que ela abrigava “300 picaretas” dedicou loas à Casa, 10 anos depois, ao receber a Suprema Distinção Legislativa: “não existe nada mais nobre que um mandato parlamentar”.
Pouco despois de se eleger em 2002, desfilou de braços dados com José Sarney, a quem já acusara de ser “grileiro”. Adulou Renan Calheiros para ficar em pé durante o processo do mensalão; bajulou Paulo Maluf – que já fora o mal em si – para eleger Fernando Haddad, o prefeito mais impopular que São Paulo já teve.
Algumas lembranças do Lula de ocasião fazem arrepiar até a esquerda cativa que ainda hoje o aplaude. Collor de Mello que o diga. A entrevista ao Bom Dia Brasil, na TV Globo, pouco antes de ser eleito presidente da República pela primeira vez, é simbólica. Ali, elogiou, em alto e bom som, os governos de Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, que “pensavam o Brasil estrategicamente”. E discordou de bate-pronto da afirmativa do entrevistador sobre as altas taxas de inflação que os generais deixaram como herança. “Não é verdade”, assegurou.
Depois de vencer a eleição, Lula soltou ainda mais a verve. Fez do hoje condenado e preso José Dirceu o “capitão do time”, para depois puxar-lhe o tapete. Foi a público, em cadeia de rádio e TV, pedir desculpas pela traição dos seus no escândalo do mensalão, ocorrência que, meses depois, passou a negar peremptoriamente.
Quando se vê sem alternativas, escolhe a categoria de vítima, posando como perseguido da mídia e da elite. A mesma elite que lhe prestou favores pessoais e garantiu os bilhões para custear o sonho da hegemonia petista. Tudo à custa de generosas propinas nos negócios públicos.
Ainda que um pouco chamuscado, livrou-se do mensalão. E, se já podia tudo, Lula acreditou no infinito. Inventou Dilma Rousseff, enfiou-a goela abaixo do PT e dos aliados, provocando uma indigestão que nem todos os bilhões desviados de obras públicas, dos fundos de pensão e do sabe-se lá mais onde, foram suficientes para curar.
Vieram a Lava-Jato, o processo de impeachment de Dilma, a incerteza, o medo da cadeia.
O Lula que agora recorre à ONU não é mais o mesmo. Está fragilíssimo.
Por ironia da história, virou réu em Brasília – não em Curitiba -- quase que simultaneamente à sua tentativa de estender ao mundo a sua versão de mártir.
Mas suas bravatas já não ecoam. O processo que tenta impor em Genebra é um amontoado de mentiras. O cerne da peça -- o juiz Sérgio Moro age arbitrariamente para forçar delações de prisioneiros e não há tribunais para rever as sentenças – desintegrou-se em uma simples nota da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe): “O sistema processual brasileiro garante três instâncias recursais e, até o momento, menos de 4% das decisões do juiz Sérgio Moro foram reformadas”. E a tentativa de dizer que as acusações que pairam sobre si não passam de uma ação articulada de forças conservadoras para impedir a sua candidatura em 2018 beira o ridículo.
O Lula que agora recorre à ONU, seja para criar um fato novo em pré-impeachment ou facilitar uma eventual solicitação de asilo político no futuro, se mostra miúdo, debilitado, anêmico.
Ao acusar a Polícia Federal, a mesma que ele tanto elogiava durante o seu governo, e a Justiça, para a qual ele e sua sucessora indicaram 13 ministros, oito dos onze em atividade na Suprema Corte, Lula enterra-se, definitivamente, na lama.
Sua defesa age como se todas as instituições brasileiras – incluindo a imprensa, é claro -- fossem criminosas. E ele, só ele, inocente. O Lula que agora recorre à ONU é patético.