O juiz, necessariamente, não se queda refém da prova técnica. Há distinções a fazer. Sobre a passarela derruída pelas águas ou sobre doença grave a impedir o segurado do INSS de trabalhar, de modo a receber o auxílio-doença, por exemplo, o julgador deve curvar-se à perícia. Mas, nos casos em que, a seu juízo, é-lhe permitido discordar, mormente quando os assistentes técnicos das partes dissentem com versões diversas, é lícito ao julgador, às luzes do panorama geral da lide, pronunciar-se com independência e, principalmente, com sabedoria.
No caso em apreço, estou a escrever sobre o impeachment da Dilma e sobre a conclusão da perícia de que ela não foi "diretamente" responsável pelas "pedaladas" (artifícios contra leis e apropriações de recursos dos bancos controlados pela União para pagar despesas de um governo gastador, demagógico e descontrolado). Ela apenas teria assistido ou dado assistência a membros da sua administração. A perícia da comissão formada por técnicos em orçamento do Senado Federal, entretanto, noutro ponto, o dos decretos de suplementação, sem autorização do Congresso, à revelia das avaliações bimestrais, foi peremptória em apontar a plena responsabilidade da presidente afastada pelo crime orçamentário. O crime é formal, ou seja, independe até dos resultados de ter ou não aumentado a "meta fiscal", como defendem os seus sequazes.
A cassação do mandato de Dilma - que alívio - são favas contadas. É preciso ver o conjunto da obra contra os interesses supremos da nação. Angela Merkel disse, recentemente, que os políticos devem avaliar pela ordem: a) os interesses do país; b) depois os do partido e, c) finalmente os seus pessoais. Assim, estamos certos, agirá o Senado Federal a bem do povo brasileiro, ao contrário da presidente deposta.
Desde 2012 houve uma determinação do governo Dilma Rousseff de manter os gastos em expansão. A receita da União estava caindo, em parte por causa da desaceleração da economia e, em parte, por causa de uma excessiva desoneração tributária, que reduziu a base arrecadadora federal. Com menos receita, mas ampliando os gastos, o governo reduziu progressivamente o seu superavit primário - o que aumentou as incertezas do mercado com os rumos da economia -, pois a piora das contas públicas veio acompanhada de uma redução forçada das taxas de juros, de uma desvalorização do real e da ampliação do crédito subsidiado.
Para não reduzir o superavit primário e piorar ainda mais as expectativas dos agentes econômicos, o governo Dilma apelou para as pedaladas fiscais. Passou a atrasar, sistematicamente, o pagamento de despesas primárias, que afetam diretamente a meta fiscal, abrindo, com isso, espaço para a ampliação de outros gastos. A situação foi ainda mais grave em 2013, pois, sem as pedaladas, o governo federal não teria atingido a meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O resultado primário divulgado foi de R$ 76,6 bilhões, mas seria de R$ 62 bilhões se o Tesouro tivesse pago todos os passivos que terminou adiando naquele ano.
As pedaladas foram operações deliberadas do governo para melhorar, de forma fraudulenta, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as estatísticas fiscais. É difícil acreditar que a presidente não tinha conhecimento de que essas operações estavam sendo realizadas, principalmente porque elas abriam espaço para ela continuar gastando. Não há dúvidas de que esses gastos adicionais ajudaram-na a se reeleger. A perícia feita pelos servidores do Senado concluiu que a "pedalada" do subsídio do Plano Safra relativo a 2015 foi uma operação de crédito, vetada pela LRF. Mas não identificou "ato comissivo da presidente, direto ou imediato para que ocorressem atrasos nos pagamentos".
O uso das palavras "direto ou imediato" é essencial para a leitura do laudo. A responsabilidade de Dilma precisa ser avaliada pelo conjunto das pedaladas, só assim é possível entender o objetivo das operações e a sua natureza. A análise dos peritos do Senado sobre a pedalada do Plano Safra, portanto, não faz sentido, pois considerou apenas esta operação de 2015, separada das operações dos anos anteriores, crime continuado.
Como se diz no Nordeste, "desculpa de amarelo é comer barro". O fato é que a inconsequente desenvoltura com que Dilma malbaratou as finanças do país não merece perdão, ao contrário, merece prisão. Tirá-la do poder é pouco. Precisamos criar um tipo penal que puna o supremo administrador público perdulário ou irresponsável, pelo princípio da significância...
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