ESTADÃO - 29/07
É por essa razão que as principais centrais sindicais do País começam a se organizar para, em conjunto, impedir que o governo do presidente em exercício Michel Temer leve adiante uma necessária reforma trabalhista
Quando se trata de atravancar qualquer iniciativa que possa significar a modernização e a racionalização das relações de trabalho, os chefões dos sindicatos esquecem até mesmo as mais agudas rivalidades políticas que os separam. Sabem que precisam unir forças para manter inalterada uma situação que confere aos sindicatos um enorme poder e abundantes recursos.
É por essa razão que as principais centrais sindicais do País começam a se organizar para, em conjunto, impedir que o governo do presidente em exercício Michel Temer leve adiante uma necessária reforma trabalhista. A mais recente adesão a esse movimento é a da Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT.
O presidente da CUT, Vagner Freitas, informou que, depois que o processo de impeachment for encerrado, engrossará as fileiras dos que pretendem “negociar” com o governo os termos da reforma – em outras palavras, pressionar o Planalto, sob ameaça de infernizar a vida dos brasileiros em geral com greves e piquetes, para manter a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) exatamente como está, como se o País ainda estivesse na década de 40 do século passado.
“Depois que (o impeachment) passar no Senado, nós vamos negociar, com Temer ou com Dilma”, informou Freitas, segundo o jornal Valor. Pode-se dizer que tal disposição – ainda que o verbo “negociar”, na boca dos capi da CUT, frequentemente tenha o mesmo sentido que “chantagear” – é uma mudança significativa em relação às atitudes dos sindicalistas do PT até aqui. Em primeiro lugar, o líder da CUT admite conversar com Temer, cujo governo a central diz considerar “ilegítimo” e contra quem Vagner Freitas havia prometido mobilizar os trabalhadores para “ir para as ruas entrincheirados, com armas na mão”, caso o impeachment avançasse. Agora, ao aceitar “negociar” com Temer, Freitas sinaliza que a CUT reconhecerá o governo do peemedebista, abandonando, na prática, a patacoada segundo a qual está em curso um “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff.
No entanto, o que poderia ser sintoma de amadurecimento da CUT nada mais é do que o recorrente oportunismo sindical. Diante da constatação de que as demais centrais sindicais já estão na mesa de negociação com Temer há algum tempo, a CUT parece ter percebido que ficaria isolada, sem nenhuma influência sobre os desdobramentos desse processo, restando-lhe a patética defesa de Dilma, por quem, aliás, os sindicalistas do PT jamais morreram de amores.
Nos cálculos da CUT, portanto, a eventual lealdade que a central ainda pudesse nutrir em relação à governante petista foi preterida pelo mister de preservar seu poder. E isso implica juntar-se a velhos rivais, especialmente a Força Sindical, com quem a CUT disputa espaço desde os anos 90, quase sempre em campos políticos opostos.
Agora mesmo, enquanto a CUT jurava defender Dilma com unhas e dentes, a Força Sindical alinhava-se a Temer. Mas, sendo esse o sindicalismo de resultados, nem tudo é tão simples. Do mesmo modo que a CUT começa a abandonar Dilma, o apoio da Força Sindical a Temer muitas vezes se assemelha a oposição, com direito inclusive a ameaças de greve geral.
Tudo isso porque o governo Temer pretende encaminhar ao Congresso uma proposta de reforma que atualize a CLT, para fazer a legislação acompanhar a modernização tecnológica, que alterou as relações de trabalho, e privilegiar o negociado em relação ao legislado, fortalecendo a negociação coletiva e permitindo que cada setor produtivo encontre as melhores soluções para cada caso.
É claro que uma reforma assim, se levada adiante, pode representar risco para o poder quase imperial que as centrais sindicais exercem sobre o mercado de trabalho. Para essa turma, pouco importa se as mudanças visam a criar mais empregos, pois a preocupação dos sindicatos não é com os 11 milhões de desempregados atualmente no País, e sim com a manutenção de um sistema que lhes dá o monopólio da negociação trabalhista e é sustentado, na marra, pelos assalariados, gente que, ao contrário dos sindicalistas, tem de trabalhar para viver.
sexta-feira, julho 29, 2016
Pokémons contra o terror - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 29/07
Os responsáveis pela segurança na Rio-2016 conclamaram a população a ficar de olho em malas, bolsas e mochilas abandonadas em lugares públicos, porque podem conter explosivos. A ordem é não tocar nelas e alertar o policial mais próximo, para que este acione o esquadrão antibomba. Em segundos, surgirão homens vestidos de astronautas, trazendo pela coleira um robô que, como um cão farejador, irá radiografar o objeto e, se preciso, desarmar ou detonar o artefato.
Nos últimos dias, tivemos alguns casos de alarme na cidade. Felizmente, todos falsos, já que as bolsas e mochilas só continham cuecas sujas, celulares velhos e CDs piratas de funk e axé. Mas a recomendação continua — não se pode cochilar no item terrorismo. Temo apenas que, com a alegria que — contrariando as pesquisas — toma conta do Rio, as pessoas se dediquem cada vez mais a se abraçar, fazer amizades e tirar selfies umas com as outras, como está acontecendo, esquecendo a vigilância.
Uma solução para isso seria trazer logo o Pokémon Go para o país. É o único jogo para smartphone que tira seus usuários do estado de letargia doméstica e aparvalhamento mental que caracteriza esses brinquedos e leva as pessoas para as ruas, onde elas precisam ficar espertas para descobrir e capturar os "pocket monsters" — os monstros de bolso, que aparecem virtualmente em alguma praça ou avenida.
Nos EUA, Canadá, Japão, Alemanha, Austrália e outros países em que foi lançado, ele tem feito crianças e adultos sair pelas cidades e, hipnotizados, cruzar fronteiras nacionais, invadir santuários religiosos e cair em bueiros, dar topadas em postes ou ser atropelados.
No Rio, se liberado o joguinho, bastaria que as pessoas se dispusessem a procurar objetos suspeitos com a mesma sofreguidão com que caçarão os benditos pokémons.
Os responsáveis pela segurança na Rio-2016 conclamaram a população a ficar de olho em malas, bolsas e mochilas abandonadas em lugares públicos, porque podem conter explosivos. A ordem é não tocar nelas e alertar o policial mais próximo, para que este acione o esquadrão antibomba. Em segundos, surgirão homens vestidos de astronautas, trazendo pela coleira um robô que, como um cão farejador, irá radiografar o objeto e, se preciso, desarmar ou detonar o artefato.
Nos últimos dias, tivemos alguns casos de alarme na cidade. Felizmente, todos falsos, já que as bolsas e mochilas só continham cuecas sujas, celulares velhos e CDs piratas de funk e axé. Mas a recomendação continua — não se pode cochilar no item terrorismo. Temo apenas que, com a alegria que — contrariando as pesquisas — toma conta do Rio, as pessoas se dediquem cada vez mais a se abraçar, fazer amizades e tirar selfies umas com as outras, como está acontecendo, esquecendo a vigilância.
Uma solução para isso seria trazer logo o Pokémon Go para o país. É o único jogo para smartphone que tira seus usuários do estado de letargia doméstica e aparvalhamento mental que caracteriza esses brinquedos e leva as pessoas para as ruas, onde elas precisam ficar espertas para descobrir e capturar os "pocket monsters" — os monstros de bolso, que aparecem virtualmente em alguma praça ou avenida.
Nos EUA, Canadá, Japão, Alemanha, Austrália e outros países em que foi lançado, ele tem feito crianças e adultos sair pelas cidades e, hipnotizados, cruzar fronteiras nacionais, invadir santuários religiosos e cair em bueiros, dar topadas em postes ou ser atropelados.
No Rio, se liberado o joguinho, bastaria que as pessoas se dispusessem a procurar objetos suspeitos com a mesma sofreguidão com que caçarão os benditos pokémons.
Saias-justas - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 29/07
O presidente interino Michel Temer está diante de pelo menos três saias-justas simultâneas e tenta escapulir delas com suas melhores armas: a habilidade política, a capacidade de ouvir mais do que falar e de não se comprometer nem com um lado nem com o outro para tentar ficar bem com ambos. Geralmente, dá certo. Mas nem sempre...
Diante da notícia publicada pela colega Sonia Racy de que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, assumiria o comando da segurança na Olimpíada, os ministros Raul Jungmann (Defesa) e Alexandre de Moraes (Justiça), ambos sabidamente vaidosos, deram um pulo. E, finalmente, se uniram contra o “inimigo” comum.
Para tentar contornar esse campeonato de egos, Temer convidou os três para um almoço em palácio e, entre uma declaração descontraída e outra, anunciou uma não solução: a coordenação é tripla, um terço de Etchegoyen, um terço de Jungmann, um terço de Moraes. Alguém já ouviu falar em “comando” assim?! Não resolveu nada, mas pôde, pelo menos, abafar os ciúmes e assistir aos ministros satisfeitos, até brincando com o general: “E aí, chefe?”.
A segunda saia justa é por causa do projeto de repatriação de recursos não declarados no exterior. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, falou mais do que devia e anunciou que o governo patrocinaria mudanças. Aí, quem deu um pulo foi o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarando publicamente que a lei da repatriação não muda. E aí?
Mais uma vez, Temer tentou resolver a pendenga em torno de uma mesa farta. Recebeu Maia para jantar na quarta, ontem reuniu o deputado e o ministro da Fazenda e optou por uma solução engenhosa para nem desautorizar um, nem desautorizar o outro e chegar ao objetivo de mexer na lei: o governo não patrocina mudança nenhuma, mas não se opõe a mudanças que o Congresso definir. Entendeu? Pois é. Diz que não apoia, mas apoia. Como, aliás, fez na própria eleição de Maia na Câmara.
Parênteses 1: a ideia é mudar a base de cálculo dos impostos para a legalização dos dólares. Pela lei em vigor, incidem sobre a movimentação financeira. Pelas alterações, passariam a ser sobre o saldo: quem movimentou US$ 30 milhões e só tem US$ 3 milhões na conta, paga sobre os US$ 3 milhões. Desde que aumente a arrecadação, um dos fantasmas do governo.
Parênteses 2: e as reações da Receita Federal e do Ministério Público, que são contra a lei e as possíveis mexidas na lei? Bem, essa é uma outra história, tema para outros almoços e jantares...
A terceira saia justa de Temer veio com a manchete de ontem do Estado sobre a gula de Meirelles que, depois de abocanhar a Secretaria de Previdência, está salivando para tirar a Secretaria de Orçamento do Planejamento e levar para a Fazenda. Dessa vez quem pulou foi o ministro Dyogo Oliveira.
E o que Temer fez? Após a primeira reunião com Meirelles, convocou ao Planalto o próprio Oliveira, que parece estar sempre na corda bamba. Mas, neste caso, o ministro não está pulando sozinho. O mínimo que dizem é que Meirelles é um salvador da pátria de uma nota só: o teto de gastos, o teto de gastos, o teto de gastos... Resultados? Necas.
Lula. Num mesmo dia, duas notícias sobre o ex-presidente Lula que se complementam. De um lado, o laudo da PF indica que ele orientou a reforma do sítio de Atibaia, no valor de R$ 1,2 milhão. De outro, seus advogados protocolaram petição na Comissão de Direitos Humanos da ONU contra o juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato. Acusam Moro de “imparcialidade” e de “abuso de poder”.
Quem poderia imaginar, há 20 ou 30 anos, que Lula poderia um dia condenar – e denunciar na ONU! – a operação e o juiz que abriram uma nova era no combate à corrupção endêmica no Brasil? O caçador definitivamente virou caça e reage como fera acuada.
O presidente interino Michel Temer está diante de pelo menos três saias-justas simultâneas e tenta escapulir delas com suas melhores armas: a habilidade política, a capacidade de ouvir mais do que falar e de não se comprometer nem com um lado nem com o outro para tentar ficar bem com ambos. Geralmente, dá certo. Mas nem sempre...
Diante da notícia publicada pela colega Sonia Racy de que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, assumiria o comando da segurança na Olimpíada, os ministros Raul Jungmann (Defesa) e Alexandre de Moraes (Justiça), ambos sabidamente vaidosos, deram um pulo. E, finalmente, se uniram contra o “inimigo” comum.
Para tentar contornar esse campeonato de egos, Temer convidou os três para um almoço em palácio e, entre uma declaração descontraída e outra, anunciou uma não solução: a coordenação é tripla, um terço de Etchegoyen, um terço de Jungmann, um terço de Moraes. Alguém já ouviu falar em “comando” assim?! Não resolveu nada, mas pôde, pelo menos, abafar os ciúmes e assistir aos ministros satisfeitos, até brincando com o general: “E aí, chefe?”.
A segunda saia justa é por causa do projeto de repatriação de recursos não declarados no exterior. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, falou mais do que devia e anunciou que o governo patrocinaria mudanças. Aí, quem deu um pulo foi o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarando publicamente que a lei da repatriação não muda. E aí?
Mais uma vez, Temer tentou resolver a pendenga em torno de uma mesa farta. Recebeu Maia para jantar na quarta, ontem reuniu o deputado e o ministro da Fazenda e optou por uma solução engenhosa para nem desautorizar um, nem desautorizar o outro e chegar ao objetivo de mexer na lei: o governo não patrocina mudança nenhuma, mas não se opõe a mudanças que o Congresso definir. Entendeu? Pois é. Diz que não apoia, mas apoia. Como, aliás, fez na própria eleição de Maia na Câmara.
Parênteses 1: a ideia é mudar a base de cálculo dos impostos para a legalização dos dólares. Pela lei em vigor, incidem sobre a movimentação financeira. Pelas alterações, passariam a ser sobre o saldo: quem movimentou US$ 30 milhões e só tem US$ 3 milhões na conta, paga sobre os US$ 3 milhões. Desde que aumente a arrecadação, um dos fantasmas do governo.
Parênteses 2: e as reações da Receita Federal e do Ministério Público, que são contra a lei e as possíveis mexidas na lei? Bem, essa é uma outra história, tema para outros almoços e jantares...
A terceira saia justa de Temer veio com a manchete de ontem do Estado sobre a gula de Meirelles que, depois de abocanhar a Secretaria de Previdência, está salivando para tirar a Secretaria de Orçamento do Planejamento e levar para a Fazenda. Dessa vez quem pulou foi o ministro Dyogo Oliveira.
E o que Temer fez? Após a primeira reunião com Meirelles, convocou ao Planalto o próprio Oliveira, que parece estar sempre na corda bamba. Mas, neste caso, o ministro não está pulando sozinho. O mínimo que dizem é que Meirelles é um salvador da pátria de uma nota só: o teto de gastos, o teto de gastos, o teto de gastos... Resultados? Necas.
Lula. Num mesmo dia, duas notícias sobre o ex-presidente Lula que se complementam. De um lado, o laudo da PF indica que ele orientou a reforma do sítio de Atibaia, no valor de R$ 1,2 milhão. De outro, seus advogados protocolaram petição na Comissão de Direitos Humanos da ONU contra o juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato. Acusam Moro de “imparcialidade” e de “abuso de poder”.
Quem poderia imaginar, há 20 ou 30 anos, que Lula poderia um dia condenar – e denunciar na ONU! – a operação e o juiz que abriram uma nova era no combate à corrupção endêmica no Brasil? O caçador definitivamente virou caça e reage como fera acuada.
Truculência judicial - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 29/07
No longo prazo, a prosperidade de uma nação depende de população (especialmente jovens, que produzam e tenham ideias inovadoras) e acesso a mercados. É, portanto, um tiro no pé a proposta do grupo "O Sul é Meu País" de separar RS, SC e PR do resto do Brasil. A Região Sul tem as menores taxas de natalidade e a idade média populacional mais elevada do país.
Também me parece bastante questionável a ideia de promover, no dia da próxima eleição municipal, um plebiscito não oficial para testar a popularidade da tese secessionista nos três Estados. Além de inconsequente –a Constituição veta a dissolução da União–, esse tipo de consulta não tem nenhum valor científico para aferir o que pensa a população, já que só "vota" quem deseja e não há como saber qual a representatividade do grupo que se manifestou. Não passa, portanto, de um factoide.
Feitas essas ressalvas, me parece absurda a manifestação do TRE-SC que obsta a realização da consulta no Estado. Propalar factoides, uma extensão dos direitos de manifestação do pensamento e de livre associação para fins pacíficos, está entre as liberdades asseguradas pela Carta. Não me parece democrático que o dia da eleição transcorra sob estado de exceção, no qual direitos e garantias fundamentais não vigoram.
Pior mesmo é os juízes catarinenses terem recorrido à lei nº 7170/83, a famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN), para soltar a PF em cima do grupo, sob a suspeita de violação ao artigo 11, que prevê de 4 a 12 anos de reclusão para quem "tentar desmembrar parte do território nacional". Basta, porém, uma passada de olhos nos demais artigos para perceber que a LSN se refere ao desmembramento por meio de ações armadas. O artigo 22 explicita que o "debate de doutrinas" não constitui nem mesmo propaganda criminosa. Pobre do país cujos juízes são mais truculentos do que os militares da ditadura que escreveram a LSN.
No longo prazo, a prosperidade de uma nação depende de população (especialmente jovens, que produzam e tenham ideias inovadoras) e acesso a mercados. É, portanto, um tiro no pé a proposta do grupo "O Sul é Meu País" de separar RS, SC e PR do resto do Brasil. A Região Sul tem as menores taxas de natalidade e a idade média populacional mais elevada do país.
Também me parece bastante questionável a ideia de promover, no dia da próxima eleição municipal, um plebiscito não oficial para testar a popularidade da tese secessionista nos três Estados. Além de inconsequente –a Constituição veta a dissolução da União–, esse tipo de consulta não tem nenhum valor científico para aferir o que pensa a população, já que só "vota" quem deseja e não há como saber qual a representatividade do grupo que se manifestou. Não passa, portanto, de um factoide.
Feitas essas ressalvas, me parece absurda a manifestação do TRE-SC que obsta a realização da consulta no Estado. Propalar factoides, uma extensão dos direitos de manifestação do pensamento e de livre associação para fins pacíficos, está entre as liberdades asseguradas pela Carta. Não me parece democrático que o dia da eleição transcorra sob estado de exceção, no qual direitos e garantias fundamentais não vigoram.
Pior mesmo é os juízes catarinenses terem recorrido à lei nº 7170/83, a famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN), para soltar a PF em cima do grupo, sob a suspeita de violação ao artigo 11, que prevê de 4 a 12 anos de reclusão para quem "tentar desmembrar parte do território nacional". Basta, porém, uma passada de olhos nos demais artigos para perceber que a LSN se refere ao desmembramento por meio de ações armadas. O artigo 22 explicita que o "debate de doutrinas" não constitui nem mesmo propaganda criminosa. Pobre do país cujos juízes são mais truculentos do que os militares da ditadura que escreveram a LSN.
A nova carta - CELSO MING
ESTADÃO - 29/07
Dilma estaria escrevendo, segundo fontes, aos brasileiros. Mas objetivo não é convencê-los de que finalmente beijou a cruz e, sim, evitar o impeachment
A presidente afastada do cargo, Dilma Rousseff, prepara, conforme deixam escapar fontes próximas, uma espécie deCarta ao Povo Brasileiro.
Apenas para reativar a memória, este foi o documento apresentado em junho de 2002 pelo então candidato a presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em que se comprometia a obter o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) que viesse a ser necessário para controlar a inflação e a dívida pública. Foi a senha que garantiria uma administração responsável das contas públicas e dos demais segmentos da política econômica, a mesma que depois foi colocada em prática nos seus primeiros anos de mandato.
Foto: Marcos Muller/ Estadão
A conversão de Dilma à religião verdadeira não convenceria ninguém
Não está claro qual seria o conteúdo dessa nova carta, a ser assinada pela presidente Dilma. Mas, pelas suas poucas manifestações sobre a política econômica adotada pelo presidente em exercício Michel Temer, parece que a presidente Dilma pretende comprometer-se a adotar uma política econômica de linha ortodoxa, caso seja reconduzida ao Palácio do Planalto.
Apenas essa intenção já implica reconhecimento implícito dos equívocos cometidos durante seu primeiro mandato. Se promete mudança de rumo é porque entendeu que o rumo anterior estava errado.
E já se antevê sua ineficácia, na medida em que seu objetivo não é propriamente convencer a opinião pública de que finalmente beijou a cruz, mas apenas tentar reverter a tendência do Senado em votar pelo impeachment. Depois se veria o que fazer.
A conversão de Dilma à religião verdadeira não convenceria ninguém depois de tudo o que disse e demonstrou sobre seus pontos de vista pessoais. Não é de um mês para o outro que alguém abandona tão arraigadas convicções autoritárias e voluntaristas, como as de que governar é botar o Tesouro para gastar além de suas possibilidades, para depois esconder (ou pedalar) os resultados nefastos, como se viu.
Afora isso, não há o que possa garantir o que agora Dilma parece disposta a admitir: que convidaria a mesma equipe econômica do seu desafeto Michel Temer para conduzir sua política econômica. É ingenuidade admitir que Meirelles, Serra, Goldfajn, Pedro Parente e Maria Sílvia Bastos Marques aceitariam compor seu eventual quadro econômico.
Também seria ingenuidade pretender que Dilma conseguiria reunir gente da mesma qualidade e competência entre os que vêm apoiando sua recondução ao governo.
Depois, não basta declarar as melhores intenções e certa disposição para colocá-las em prática. É preciso ver primeiro quais seriam, na prática, as condições políticas em caso de retomada do governo. Como, por exemplo, poderia Dilma conviver com a ala agora irreconciliável do PMDB liderada por Michel Temer e com um PT que condena com todas as forças “a política neoliberal favorável aos rentistas e aos banqueiros”, a mesma que pudesse ser defendida na nova carta ao povo brasileiro?
É claro que existem duendes. Mas não desse tipo.
CONFIRA:
Foto: Infográficos Estadão
As previsões de mais um tombo da arrecadação da Receita Federal se confirmaram em junho: um recuo de 7,14% em relação a junho do ano passado. No semestre, a queda foi de 7,33% em relação ao primeiro semestre do ano passado.
IGP-M
A boa notícia desta quinta-feira foi a derrubada do IGP-M, o índice de inflação mais usado para reajustar os aluguéis e os contratos financeiros. O aumento de julho (sobre junho) foi de apenas 0,18%. O principal fator de queda foi a evolução dos preços dos alimentos no atacado.
Dilma estaria escrevendo, segundo fontes, aos brasileiros. Mas objetivo não é convencê-los de que finalmente beijou a cruz e, sim, evitar o impeachment
A presidente afastada do cargo, Dilma Rousseff, prepara, conforme deixam escapar fontes próximas, uma espécie deCarta ao Povo Brasileiro.
Apenas para reativar a memória, este foi o documento apresentado em junho de 2002 pelo então candidato a presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em que se comprometia a obter o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) que viesse a ser necessário para controlar a inflação e a dívida pública. Foi a senha que garantiria uma administração responsável das contas públicas e dos demais segmentos da política econômica, a mesma que depois foi colocada em prática nos seus primeiros anos de mandato.
Foto: Marcos Muller/ Estadão
A conversão de Dilma à religião verdadeira não convenceria ninguém
Não está claro qual seria o conteúdo dessa nova carta, a ser assinada pela presidente Dilma. Mas, pelas suas poucas manifestações sobre a política econômica adotada pelo presidente em exercício Michel Temer, parece que a presidente Dilma pretende comprometer-se a adotar uma política econômica de linha ortodoxa, caso seja reconduzida ao Palácio do Planalto.
Apenas essa intenção já implica reconhecimento implícito dos equívocos cometidos durante seu primeiro mandato. Se promete mudança de rumo é porque entendeu que o rumo anterior estava errado.
E já se antevê sua ineficácia, na medida em que seu objetivo não é propriamente convencer a opinião pública de que finalmente beijou a cruz, mas apenas tentar reverter a tendência do Senado em votar pelo impeachment. Depois se veria o que fazer.
A conversão de Dilma à religião verdadeira não convenceria ninguém depois de tudo o que disse e demonstrou sobre seus pontos de vista pessoais. Não é de um mês para o outro que alguém abandona tão arraigadas convicções autoritárias e voluntaristas, como as de que governar é botar o Tesouro para gastar além de suas possibilidades, para depois esconder (ou pedalar) os resultados nefastos, como se viu.
Afora isso, não há o que possa garantir o que agora Dilma parece disposta a admitir: que convidaria a mesma equipe econômica do seu desafeto Michel Temer para conduzir sua política econômica. É ingenuidade admitir que Meirelles, Serra, Goldfajn, Pedro Parente e Maria Sílvia Bastos Marques aceitariam compor seu eventual quadro econômico.
Também seria ingenuidade pretender que Dilma conseguiria reunir gente da mesma qualidade e competência entre os que vêm apoiando sua recondução ao governo.
Depois, não basta declarar as melhores intenções e certa disposição para colocá-las em prática. É preciso ver primeiro quais seriam, na prática, as condições políticas em caso de retomada do governo. Como, por exemplo, poderia Dilma conviver com a ala agora irreconciliável do PMDB liderada por Michel Temer e com um PT que condena com todas as forças “a política neoliberal favorável aos rentistas e aos banqueiros”, a mesma que pudesse ser defendida na nova carta ao povo brasileiro?
É claro que existem duendes. Mas não desse tipo.
CONFIRA:
Foto: Infográficos Estadão
As previsões de mais um tombo da arrecadação da Receita Federal se confirmaram em junho: um recuo de 7,14% em relação a junho do ano passado. No semestre, a queda foi de 7,33% em relação ao primeiro semestre do ano passado.
IGP-M
A boa notícia desta quinta-feira foi a derrubada do IGP-M, o índice de inflação mais usado para reajustar os aluguéis e os contratos financeiros. O aumento de julho (sobre junho) foi de apenas 0,18%. O principal fator de queda foi a evolução dos preços dos alimentos no atacado.
Altos e baixos - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 29/07
Os dados divulgados pela Fazenda comprovam o que a equipe econômica temia: a frustração de receita continua. Foi o pior resultado primário para junho em 20 anos e a arrecadação do semestre voltou a 2010. Na semana, o BC deu uma boa notícia: leve queda da inadimplência e dos juros cobrados das pessoas físicas em junho, mas o Ministério do Trabalho mostrou que o corte de vagas foi pior do que a pior estimativa.
O momento atual é de recuperação da confiança em vários setores, ao mesmo tempo em que a economia real continua sofrendo os impactos da recessão. Então os indicadores ficam oscilando entre a leve esperança da melhora ou a dura realidade da recessão. As sondagens recentes com consumidores e empresários melhoraram. Subiu também a expectativa de executivos do setor financeiro, em um levantamento bimestral realizado pela consultoria de crédito GoOn. Por essa pesquisa, ficaram mais positivas as perspectivas de concessão de crédito, inadimplência e corte de vagas para os próximos meses.
— O brasileiro é esperançoso e quando vê uma luz no fim do túnel acredita na melhora. Apesar disso, ainda é cedo para dizer que o crédito voltará a impulsionar a economia. A inadimplência deve voltar a subir, pela sazonalidade desfavorável do segundo semestre e porque o desemprego continua aumentando — afirmou Eduardo Tambellini, diretor e sócio da consultoria.
Segundo o consultor, mesmo que o Banco Central comece a cortar a Selic, ainda levará meses para que os bancos voltem a abrir a torneira dos empréstimos e os consumidores se sintam seguros para contratar novas dívidas. Ele explica que enquanto várias carteiras de crédito ao consumo seguem encolhendo, como por exemplo para aquisição de veículos, as linhas para crédito pessoal e refinanciamento de dívidas estão em alta. O processo ainda é de ajuste e redução das dívidas das famílias.
— A carteira de crédito voltada para renegociação de dívidas cresceu 17,9% em junho, em relação ao mesmo mês do ano passado. O problema é que muita gente pagou uma ou duas mensalidades, para deixar de ficar negativado, mas logo depois parou de pagar. A inadimplência nessa carteira teve crescimento de 12,5% na mesma comparação. Isso tira a confiança dos bancos — afirmou.
No setor público, o desequilíbrio continua. O déficit primário de junho, de R$ 8,8 bilhões, quando se calcula junto as contas do Tesouro, Banco Central e Previdência, é uma péssima notícia. Nos últimos 12 meses, o rombo chega a 2,4% do PIB. O déficit da Previdência chegou a R$ 61 bi no primeiro semestre, com crescimento real de 63% sobre o mesmo período do ano passado. O aumento do desemprego no mercado formal atinge diretamente as receitas do INSS, e a indexação do salário mínimo à inflação pressiona as despesas.
A equipe econômica está preocupada exatamente com isso. A projeção do déficit da previdência continua a crescer, como disse aqui. Calcula-se agora R$ 148 bilhões para o rombo do INSS este ano. A frustração de receita foi maior do que o esperado. E olha que, ao assumir, o governo Temer recalculou as projeções de receitas feitas pelo governo Dilma, que previa um aumento de 9% real na arrecadação. Mas agora até a projeção mais modesta de arrecadação não está ocorrendo. O governo Dilma cortou despesas discricionárias, que estão em queda, mas elevou muito os gastos obrigatórios. Por isso as soluções passam por reformas que exigem aprovação do Congresso.
O país continuará tendo alguns indicadores melhores e outros desanimadores, como nesta semana em que houve redução da inadimplência, mas ao mesmo tempo foi divulgada uma perda de 91 mil empregos formais só em junho. No primeiro semestre, as perdas passaram de 500 mil.
Hoje, o IBGE divulga os dados do desemprego do trimestre encerrado em junho, pela Pnad, e a expectativa de vários economistas de mercado é que o número fique estável em 11,2%. Mas como a perda de vagas divulgadas pelo Caged na quarta-feira veio pior do que o esperado, não será surpresa se a taxa de desocupação também surpreender e continuar subindo.
Os dados divulgados pela Fazenda comprovam o que a equipe econômica temia: a frustração de receita continua. Foi o pior resultado primário para junho em 20 anos e a arrecadação do semestre voltou a 2010. Na semana, o BC deu uma boa notícia: leve queda da inadimplência e dos juros cobrados das pessoas físicas em junho, mas o Ministério do Trabalho mostrou que o corte de vagas foi pior do que a pior estimativa.
O momento atual é de recuperação da confiança em vários setores, ao mesmo tempo em que a economia real continua sofrendo os impactos da recessão. Então os indicadores ficam oscilando entre a leve esperança da melhora ou a dura realidade da recessão. As sondagens recentes com consumidores e empresários melhoraram. Subiu também a expectativa de executivos do setor financeiro, em um levantamento bimestral realizado pela consultoria de crédito GoOn. Por essa pesquisa, ficaram mais positivas as perspectivas de concessão de crédito, inadimplência e corte de vagas para os próximos meses.
— O brasileiro é esperançoso e quando vê uma luz no fim do túnel acredita na melhora. Apesar disso, ainda é cedo para dizer que o crédito voltará a impulsionar a economia. A inadimplência deve voltar a subir, pela sazonalidade desfavorável do segundo semestre e porque o desemprego continua aumentando — afirmou Eduardo Tambellini, diretor e sócio da consultoria.
Segundo o consultor, mesmo que o Banco Central comece a cortar a Selic, ainda levará meses para que os bancos voltem a abrir a torneira dos empréstimos e os consumidores se sintam seguros para contratar novas dívidas. Ele explica que enquanto várias carteiras de crédito ao consumo seguem encolhendo, como por exemplo para aquisição de veículos, as linhas para crédito pessoal e refinanciamento de dívidas estão em alta. O processo ainda é de ajuste e redução das dívidas das famílias.
— A carteira de crédito voltada para renegociação de dívidas cresceu 17,9% em junho, em relação ao mesmo mês do ano passado. O problema é que muita gente pagou uma ou duas mensalidades, para deixar de ficar negativado, mas logo depois parou de pagar. A inadimplência nessa carteira teve crescimento de 12,5% na mesma comparação. Isso tira a confiança dos bancos — afirmou.
No setor público, o desequilíbrio continua. O déficit primário de junho, de R$ 8,8 bilhões, quando se calcula junto as contas do Tesouro, Banco Central e Previdência, é uma péssima notícia. Nos últimos 12 meses, o rombo chega a 2,4% do PIB. O déficit da Previdência chegou a R$ 61 bi no primeiro semestre, com crescimento real de 63% sobre o mesmo período do ano passado. O aumento do desemprego no mercado formal atinge diretamente as receitas do INSS, e a indexação do salário mínimo à inflação pressiona as despesas.
A equipe econômica está preocupada exatamente com isso. A projeção do déficit da previdência continua a crescer, como disse aqui. Calcula-se agora R$ 148 bilhões para o rombo do INSS este ano. A frustração de receita foi maior do que o esperado. E olha que, ao assumir, o governo Temer recalculou as projeções de receitas feitas pelo governo Dilma, que previa um aumento de 9% real na arrecadação. Mas agora até a projeção mais modesta de arrecadação não está ocorrendo. O governo Dilma cortou despesas discricionárias, que estão em queda, mas elevou muito os gastos obrigatórios. Por isso as soluções passam por reformas que exigem aprovação do Congresso.
O país continuará tendo alguns indicadores melhores e outros desanimadores, como nesta semana em que houve redução da inadimplência, mas ao mesmo tempo foi divulgada uma perda de 91 mil empregos formais só em junho. No primeiro semestre, as perdas passaram de 500 mil.
Hoje, o IBGE divulga os dados do desemprego do trimestre encerrado em junho, pela Pnad, e a expectativa de vários economistas de mercado é que o número fique estável em 11,2%. Mas como a perda de vagas divulgadas pelo Caged na quarta-feira veio pior do que o esperado, não será surpresa se a taxa de desocupação também surpreender e continuar subindo.
É urgente definir uma nova política comercial externa - PEDRO PASSOS
FOLHA DE SP -29/07
As evidências não deixam a mais tênue sombra de dúvida: o isolamento de nossa economia é tamanho e tão prolongado que vale pagar qualquer preço para tirarmos o atraso acumulado nas últimas três décadas.
Salvo surtos passageiros de abertura, o que preponderou foram os efeitos dessa autoexclusão econômica: a baixa produtividade das empresas, que desabou com o fechamento do mercado, e a ausência de inovação e eficiência na indústria.
Não por acaso, a manufatura lidera a presente derrocada econômica brasileira, já que não tem forças para enfrentar o colapso da atividade interna e concorrer em mercados externos, o que minimizaria os efeitos da crise.
Não é possível, portanto, esperar mais por nossa inserção na economia mundial, embora a globalização não viva seus melhores momentos.
Como Marcos Troyjo, professor da Universidade de Columbia, vem observando nesta Folha, o mundo acompanha com preocupação os desdobramentos do "brexit" e as eleições em novembro nos EUA, demonstrando grande desconforto com a globalização e, em suas palavras, com a crescente "tentação sombria" do isolamento.
Mas, ainda segundo ele, nem mesmo a perda de ímpeto da globalização serve como desculpa para o Brasil manter a inação da política externa e comercial.
O governo vem renovando a intenção de formular uma estratégia de atuação internacional mais incisiva.
Ela deve contemplar uma visão de futuro sobre o que queremos ser: uma economia dinâmica, moderna e inovadora, alinhada aos padrões internacionais de tecnologia, gestão e produtividade.
Para isso, as novas diretrizes externas devem incorporar a concepção empresarial de que a abertura planejada e firme de mercado e a maior aproximação com as grandes economias possibilitarão ampliar o acesso a bens de capital e bens intermediários tecnologicamente avançados e mais baratos.
O retorno virá na forma de exportações mais vigorosas, resultado da competitividade que a abertura e a importação propiciarão.
A espinha dorsal da política externa deve refletir tal ambição, sustentada por dois grandes eixos.
O primeiro consiste em acelerar a negociação de acordos de comércio com a consciência de que chegaremos atrasados a um movimento que já está maduro e permitiu a alguns países emergentes uma forte interconexão com as economias avançadas. O Brasil ficou de fora.
Na hierarquia de tais iniciativas, precisamos dar prioridade aos acordos com os principais blocos da economia mundial e procurar espaço para participar dos mega-acordos em gestação, caso da Parceria Transpacífico (TPP), liderada pelos EUA.
O cerne desses acordos está na padronização regulatória em ambiente, normas sanitárias, relações trabalhistas, propriedade intelectual e proteção ao investimento. Eles têm pouco (ou nada) a ver com tarifas.
O segundo eixo consiste na reformulação tarifária, de forma a aproximá-la dos padrões internacionais, com a redução no nível de tarifas e no número de alíquotas. Isso resultaria na simplificação do Imposto de Importação e dos procedimentos alfandegários, além de promover maior homogeneidade no tratamento dos diversos setores da economia.
Essas reformas contribuiriam para criar condições para que os grupos multinacionais aqui instalados enxerguem as subsidiárias locais como elo em suas cadeias globais de valor e não como são hoje –centros de produção com foco no mercado interno, e não nas exportações.
Enfrentar uma agenda com tal dimensão exige determinação e vontade política em níveis acima do que o país costuma ver. Trata-se do único caminho para restaurar a força da indústria e os benefícios que lhe são associados, como empregos de qualidade, inovação e avanço de produtividade, inclusive no setor de serviços.
As evidências não deixam a mais tênue sombra de dúvida: o isolamento de nossa economia é tamanho e tão prolongado que vale pagar qualquer preço para tirarmos o atraso acumulado nas últimas três décadas.
Salvo surtos passageiros de abertura, o que preponderou foram os efeitos dessa autoexclusão econômica: a baixa produtividade das empresas, que desabou com o fechamento do mercado, e a ausência de inovação e eficiência na indústria.
Não por acaso, a manufatura lidera a presente derrocada econômica brasileira, já que não tem forças para enfrentar o colapso da atividade interna e concorrer em mercados externos, o que minimizaria os efeitos da crise.
Não é possível, portanto, esperar mais por nossa inserção na economia mundial, embora a globalização não viva seus melhores momentos.
Como Marcos Troyjo, professor da Universidade de Columbia, vem observando nesta Folha, o mundo acompanha com preocupação os desdobramentos do "brexit" e as eleições em novembro nos EUA, demonstrando grande desconforto com a globalização e, em suas palavras, com a crescente "tentação sombria" do isolamento.
Mas, ainda segundo ele, nem mesmo a perda de ímpeto da globalização serve como desculpa para o Brasil manter a inação da política externa e comercial.
O governo vem renovando a intenção de formular uma estratégia de atuação internacional mais incisiva.
Ela deve contemplar uma visão de futuro sobre o que queremos ser: uma economia dinâmica, moderna e inovadora, alinhada aos padrões internacionais de tecnologia, gestão e produtividade.
Para isso, as novas diretrizes externas devem incorporar a concepção empresarial de que a abertura planejada e firme de mercado e a maior aproximação com as grandes economias possibilitarão ampliar o acesso a bens de capital e bens intermediários tecnologicamente avançados e mais baratos.
O retorno virá na forma de exportações mais vigorosas, resultado da competitividade que a abertura e a importação propiciarão.
A espinha dorsal da política externa deve refletir tal ambição, sustentada por dois grandes eixos.
O primeiro consiste em acelerar a negociação de acordos de comércio com a consciência de que chegaremos atrasados a um movimento que já está maduro e permitiu a alguns países emergentes uma forte interconexão com as economias avançadas. O Brasil ficou de fora.
Na hierarquia de tais iniciativas, precisamos dar prioridade aos acordos com os principais blocos da economia mundial e procurar espaço para participar dos mega-acordos em gestação, caso da Parceria Transpacífico (TPP), liderada pelos EUA.
O cerne desses acordos está na padronização regulatória em ambiente, normas sanitárias, relações trabalhistas, propriedade intelectual e proteção ao investimento. Eles têm pouco (ou nada) a ver com tarifas.
O segundo eixo consiste na reformulação tarifária, de forma a aproximá-la dos padrões internacionais, com a redução no nível de tarifas e no número de alíquotas. Isso resultaria na simplificação do Imposto de Importação e dos procedimentos alfandegários, além de promover maior homogeneidade no tratamento dos diversos setores da economia.
Essas reformas contribuiriam para criar condições para que os grupos multinacionais aqui instalados enxerguem as subsidiárias locais como elo em suas cadeias globais de valor e não como são hoje –centros de produção com foco no mercado interno, e não nas exportações.
Enfrentar uma agenda com tal dimensão exige determinação e vontade política em níveis acima do que o país costuma ver. Trata-se do único caminho para restaurar a força da indústria e os benefícios que lhe são associados, como empregos de qualidade, inovação e avanço de produtividade, inclusive no setor de serviços.
É ainda pior do que parece - FERNANDO DANTAS
ESTADÃO - 29/07
Corrigir aposentadorias e pensões pela inflação não é suficiente
Um dos maiores tabus em termos de política econômica no Brasil é o de acabar com a contínua elevação real do piso previdenciário, que é atrelado ao salário mínimo, e sua trajetória de aumentos acima da inflação. Uma questão interessante é saber se, com uma mudança tão politicamente difícil e contundente como essa, os problemas da Previdência brasileira estariam em grande parte resolvidos.
O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, que fez parte da equipe de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, e hoje trabalha na FGV-Rio, fez recentemente um trabalho bastante simples de projeções que chega a uma resposta bem preocupante à pergunta formulada acima. Não, para resolver o nó previdenciário não basta acabar com os aumentos reais dos benefícios, a não ser que a economia brasileira passe a crescer num ritmo de médio e longo prazo de 4% ao ano.
Barbosa Filho trabalhou com benefícios previdenciários reais constantes (isto é, corrigidos apenas pela inflação) em quatro diferentes cenários. Mas é possível simplificar sua pesquisa pensando em dois cenários. No primeiro deles, o crescimento dos contribuintes da Previdência é igual ao crescimento da população entre 15 e 64 anos, e o dos beneficiários é igual ao crescimento da população de mais de 64 anos – trata-se, evidentemente, tanto num caso como no outro, de hipóteses bastante simplificadoras que buscam se aproximar da realidade.
No segundo cenário, o crescimento dos beneficiários segue a mesma regra do cenário anterior, mas o dos contribuintes cresce de forma mais veloz – mais precisamente, a 5,3% ao ano, o ritmo efetivo da expansão da quantidade de contribuições entre 2003 e 2014, fase de veloz formalização do mercado de trabalho.
No primeiro cenário, mesmo com um crescimento médio da economia de 3%, o déficit da Previdência (INSS) salta de cerca de 2% do PIB hoje em dia para cerca de 6,5% em 2050 – e, a partir daí, continua crescendo. Já com um crescimento econômico anual de 4%, o déficit se estabiliza em meados dos anos 30 deste século, mas num nível pouco abaixo de 5% do PIB.
O cenário com crescimento mais veloz dos contribuintes é um pouco menos assustador, mas ainda assim longe de positivo: com ritmo econômico de 3%, o déficit chega a 2050 acima de 5% do PIB e subindo. Com ritmo de 4%, chega na mesma data a pouco menos de 4% do PIB.
Corrigir aposentadorias e pensões pela inflação, portanto, não basta. É preciso diminuir o número de benefícios. Barbosa Filho observa que, hoje, há cerca de duas vezes mais benefícios previdenciários do que brasileiros de mais de 64 anos. Ele imagina cenários em que essa relação é reduzida para 1,2 e 1,5, algo que teria de ser feito elevando a idade mínima ou proibindo acúmulos, por exemplo, de aposentadoria e pensão.
O cálculo foi feito apenas para o primeiro cenário, em que os contribuintes crescem de acordo com a população entre 15 e 64 anos. Mas o impacto, que é muito forte, com certeza também aconteceria no segundo cenário, em que os contribuintes crescem a 5,3% ao ano.
Na simulação com a relação 1,2 entre benefícios e idosos com mais de 64 anos, e com PIB crescendo a 3% ao ano, o déficit em 2050 cai de cerca de 6,5% do PIB para pouco mais de 3%. Com a relação de 1,5, cai para cerca de 4,5%. Com um ritmo econômico de 4%, as quedas são de dimensão semelhante e, no caso de se reduzir a relação para 1,2, o déficit previdenciário ainda sobe até o início da década de 30 para um nível superior a 3% do PIB, mas decresce até 2050 para perto de 2%.
Em resumo, o trabalho de Barbosa Filho mostra que não basta parar de dar aumentos reais a aposentadorias e pensões, é preciso também reduzir o número de benefícios. Sociedade e políticos do Brasil, virem-se com essa!
COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV
Corrigir aposentadorias e pensões pela inflação não é suficiente
Um dos maiores tabus em termos de política econômica no Brasil é o de acabar com a contínua elevação real do piso previdenciário, que é atrelado ao salário mínimo, e sua trajetória de aumentos acima da inflação. Uma questão interessante é saber se, com uma mudança tão politicamente difícil e contundente como essa, os problemas da Previdência brasileira estariam em grande parte resolvidos.
O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, que fez parte da equipe de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, e hoje trabalha na FGV-Rio, fez recentemente um trabalho bastante simples de projeções que chega a uma resposta bem preocupante à pergunta formulada acima. Não, para resolver o nó previdenciário não basta acabar com os aumentos reais dos benefícios, a não ser que a economia brasileira passe a crescer num ritmo de médio e longo prazo de 4% ao ano.
Barbosa Filho trabalhou com benefícios previdenciários reais constantes (isto é, corrigidos apenas pela inflação) em quatro diferentes cenários. Mas é possível simplificar sua pesquisa pensando em dois cenários. No primeiro deles, o crescimento dos contribuintes da Previdência é igual ao crescimento da população entre 15 e 64 anos, e o dos beneficiários é igual ao crescimento da população de mais de 64 anos – trata-se, evidentemente, tanto num caso como no outro, de hipóteses bastante simplificadoras que buscam se aproximar da realidade.
No segundo cenário, o crescimento dos beneficiários segue a mesma regra do cenário anterior, mas o dos contribuintes cresce de forma mais veloz – mais precisamente, a 5,3% ao ano, o ritmo efetivo da expansão da quantidade de contribuições entre 2003 e 2014, fase de veloz formalização do mercado de trabalho.
No primeiro cenário, mesmo com um crescimento médio da economia de 3%, o déficit da Previdência (INSS) salta de cerca de 2% do PIB hoje em dia para cerca de 6,5% em 2050 – e, a partir daí, continua crescendo. Já com um crescimento econômico anual de 4%, o déficit se estabiliza em meados dos anos 30 deste século, mas num nível pouco abaixo de 5% do PIB.
O cenário com crescimento mais veloz dos contribuintes é um pouco menos assustador, mas ainda assim longe de positivo: com ritmo econômico de 3%, o déficit chega a 2050 acima de 5% do PIB e subindo. Com ritmo de 4%, chega na mesma data a pouco menos de 4% do PIB.
Corrigir aposentadorias e pensões pela inflação, portanto, não basta. É preciso diminuir o número de benefícios. Barbosa Filho observa que, hoje, há cerca de duas vezes mais benefícios previdenciários do que brasileiros de mais de 64 anos. Ele imagina cenários em que essa relação é reduzida para 1,2 e 1,5, algo que teria de ser feito elevando a idade mínima ou proibindo acúmulos, por exemplo, de aposentadoria e pensão.
O cálculo foi feito apenas para o primeiro cenário, em que os contribuintes crescem de acordo com a população entre 15 e 64 anos. Mas o impacto, que é muito forte, com certeza também aconteceria no segundo cenário, em que os contribuintes crescem a 5,3% ao ano.
Na simulação com a relação 1,2 entre benefícios e idosos com mais de 64 anos, e com PIB crescendo a 3% ao ano, o déficit em 2050 cai de cerca de 6,5% do PIB para pouco mais de 3%. Com a relação de 1,5, cai para cerca de 4,5%. Com um ritmo econômico de 4%, as quedas são de dimensão semelhante e, no caso de se reduzir a relação para 1,2, o déficit previdenciário ainda sobe até o início da década de 30 para um nível superior a 3% do PIB, mas decresce até 2050 para perto de 2%.
Em resumo, o trabalho de Barbosa Filho mostra que não basta parar de dar aumentos reais a aposentadorias e pensões, é preciso também reduzir o número de benefícios. Sociedade e políticos do Brasil, virem-se com essa!
COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV
Lula busca refúgio - MERVAL PEREIRA
O Globo - 29/07
Não bastasse a exposição internacional de nossas mazelas proporcionada pela realização da Olimpíada, vem agora o ex-presidente Lula pedir ajuda ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, como se fôssemos um país sem instituições jurídicas independentes, como quaisquer dessas repúblicas de banana em que ele deu pretensas palestras, e onde liderou o lobby em favor de empreiteiras nacionais.
Por feliz coincidência, no mesmo dia em que Lula tenta colocar o país numa situação vexaminosa, mas só conseguiu dar um tiro no próprio pé, uma perícia da Polícia Federal expõe fatos que indicam que o ex-presidente e sua família são os reais proprietários do sítio em Atibaia em que as empreiteiras OAS e Odebrecht fizeram obras orçadas em R$ 1,2 milhão.
Além de, segundo especialistas, não haver o menor sentido em pedir intervenção internacional na soberania brasileira, as decisões do Conselho da ONU são “administrativas e declaratórias”, e o mais provável é que o pedido seja recusado sem maiores análises, por impróprio.
Enquanto Lula vai dando demonstrações de que não tem preparo para as adversidades políticas, acumulam-se provas e testemunhos da verdadeira organização criminosa que a Procuradoria-Geral da República diz ser chefiada por ele. Segundo a PGR, a “organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse”.
Em outro ponto, em que pede para que Lula e outras autoridades sejam incluídos no inquérito principal, o procurador-geral, Rodrigo Janot, que, aliás, é acusado por Lula de o perseguir, afirma: “Os diálogos interceptados com autorização judicial não deixam dúvidas de que, embora afastado finalmente do governo, o ex-presidente Lula mantém o controle das decisões mais relevantes”.
Os advogados de Lula acusam também o juiz Sérgio Moro de ter como objetivo colocá-lo na cadeia. Nas mensagens interceptadas pela Polícia Federal nas investigações sobre o sítio de Atibaia e o tríplex do Guarujá, o ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro anota que vai abrir dois centros de custo: “1º Zeca Pagodinho (sítio)” e “2º Zeca Pagodinho (praia)”, alusão ao tríplex do Guarujá.
O nome dos centros de custo deve ter sido dado devido ao teor etílico dos relatos do engenheiro Paulo Gordilho, que cuidou das obras, sobre seus encontros com Lula para definir as intervenções: “Bebemos eu e ele [Lula] uma garrafa de cachaça da boa Havana mineira e umas 15 cervejas”, escreveu em mensagem interceptada pela PF.
O caso do sítio de Atibaia ainda vai ter novos desdobramentos, pois, na delação da Odebrecht, alguns executivos, especialmente Marcelo Odebrecht, admitirão que participaram também das obras. Tratam a questão como “um favor” que fizeram a Lula depois que as obras da OAS deram problema e dona Marisa reclamou.
O ex-presidente então pediu ajuda à Odebrecht, que interveio nas obras para terminar, mas sem ligações com o lobby, que admitem ter sido feito. Esse lobby, eles alegam ser o papel de um expresidente em qualquer país do mundo.
Essa promiscuidade entre o público e o privado — as obras no sítio foram encomendadas e começaram quando Lula ainda era presidente, em 2010 — é recorrente nos relatos de vários colaboradores da Operação Lava-Jato, e incluem a presidente afastada, Dilma Rousseff, que alega não saber de nada sobre o pagamento de propina por caixa 2 para o marqueteiro João Santana pela Odebrecht, em conta no exterior.
Se o Conselho de Direitos Humanos da ONU resolvesse investigar a fundo a questão, teria muito trabalho pela frente. É de se prever que as associações de juízes e procuradores saiam em defesa do Ministério Público e de Moro, pois estão sendo expostas ao julgamento internacional como se fizessem parte de um sistema judicial completamente manipulado.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que pode ser considerado o chefe do Poder Judiciário, tem obrigação de reagir a essa tentativa de desmoralização, mas o atual presidente, Ricardo Lewandowski, não dá sinal de reação.
Não bastasse a exposição internacional de nossas mazelas proporcionada pela realização da Olimpíada, vem agora o ex-presidente Lula pedir ajuda ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, como se fôssemos um país sem instituições jurídicas independentes, como quaisquer dessas repúblicas de banana em que ele deu pretensas palestras, e onde liderou o lobby em favor de empreiteiras nacionais.
Por feliz coincidência, no mesmo dia em que Lula tenta colocar o país numa situação vexaminosa, mas só conseguiu dar um tiro no próprio pé, uma perícia da Polícia Federal expõe fatos que indicam que o ex-presidente e sua família são os reais proprietários do sítio em Atibaia em que as empreiteiras OAS e Odebrecht fizeram obras orçadas em R$ 1,2 milhão.
Além de, segundo especialistas, não haver o menor sentido em pedir intervenção internacional na soberania brasileira, as decisões do Conselho da ONU são “administrativas e declaratórias”, e o mais provável é que o pedido seja recusado sem maiores análises, por impróprio.
Enquanto Lula vai dando demonstrações de que não tem preparo para as adversidades políticas, acumulam-se provas e testemunhos da verdadeira organização criminosa que a Procuradoria-Geral da República diz ser chefiada por ele. Segundo a PGR, a “organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse”.
Em outro ponto, em que pede para que Lula e outras autoridades sejam incluídos no inquérito principal, o procurador-geral, Rodrigo Janot, que, aliás, é acusado por Lula de o perseguir, afirma: “Os diálogos interceptados com autorização judicial não deixam dúvidas de que, embora afastado finalmente do governo, o ex-presidente Lula mantém o controle das decisões mais relevantes”.
Os advogados de Lula acusam também o juiz Sérgio Moro de ter como objetivo colocá-lo na cadeia. Nas mensagens interceptadas pela Polícia Federal nas investigações sobre o sítio de Atibaia e o tríplex do Guarujá, o ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro anota que vai abrir dois centros de custo: “1º Zeca Pagodinho (sítio)” e “2º Zeca Pagodinho (praia)”, alusão ao tríplex do Guarujá.
O nome dos centros de custo deve ter sido dado devido ao teor etílico dos relatos do engenheiro Paulo Gordilho, que cuidou das obras, sobre seus encontros com Lula para definir as intervenções: “Bebemos eu e ele [Lula] uma garrafa de cachaça da boa Havana mineira e umas 15 cervejas”, escreveu em mensagem interceptada pela PF.
O caso do sítio de Atibaia ainda vai ter novos desdobramentos, pois, na delação da Odebrecht, alguns executivos, especialmente Marcelo Odebrecht, admitirão que participaram também das obras. Tratam a questão como “um favor” que fizeram a Lula depois que as obras da OAS deram problema e dona Marisa reclamou.
O ex-presidente então pediu ajuda à Odebrecht, que interveio nas obras para terminar, mas sem ligações com o lobby, que admitem ter sido feito. Esse lobby, eles alegam ser o papel de um expresidente em qualquer país do mundo.
Essa promiscuidade entre o público e o privado — as obras no sítio foram encomendadas e começaram quando Lula ainda era presidente, em 2010 — é recorrente nos relatos de vários colaboradores da Operação Lava-Jato, e incluem a presidente afastada, Dilma Rousseff, que alega não saber de nada sobre o pagamento de propina por caixa 2 para o marqueteiro João Santana pela Odebrecht, em conta no exterior.
Se o Conselho de Direitos Humanos da ONU resolvesse investigar a fundo a questão, teria muito trabalho pela frente. É de se prever que as associações de juízes e procuradores saiam em defesa do Ministério Público e de Moro, pois estão sendo expostas ao julgamento internacional como se fizessem parte de um sistema judicial completamente manipulado.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que pode ser considerado o chefe do Poder Judiciário, tem obrigação de reagir a essa tentativa de desmoralização, mas o atual presidente, Ricardo Lewandowski, não dá sinal de reação.
Todos flertam com Marta - PAULO DE TARSO LYRA
CORREIO BRAZILIENSE - 29/07
Cristã nova no PMDB, ex-petista de carteirinha, deputada, ex-ministra do Turismo, senadora. O currículo de Marta Suplicy é longo. Candidata derrotada à prefeitura de São Paulo em 2000, eleita em 2004, derrotada novamente em 2008, Marta concorre agora em outubro, pela sua nova legenda, na qual chegou abençoada pelo hoje presidente interino, Michel Temer. E transformou-se, nesta semana, em alvo de diversos olhares políticos, seja por atração, seja por repulsa.
Temer avisou para a pupila que não vai à convenção que referendará a candidatura dela, amanhã, para não melindrar outras legendas aliadas que também terão candidatos na disputa paulistana. Mas ele aposta, sim, e muito, na vitória de Marta. Quer levar o PMDB para o Palácio Matarazzo, no comando de uma cidade na qual é fraco politicamente. Por coincidência, o vice é Andrea Matarazzo.
A parceria com Andrea, tão esdrúxula quanto estratégica, também envolve outros olhares. No caso, dos ministros das Relações Exteriores, José Serra, e de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab. Andrea é serrista, abandonou o ninho tucano e filiou-se ao PSD de Kassab. Serra ainda está no PSDB, mas, dependendo das circunstâncias, poderá virar peemedebista em 2018 para disputar o Planalto.
Em um movimento só, os ministros tentam isolar o governador Geraldo Alckmin, também presidenciável, que jogou suas fichas no empresário João Dória Júnior, um nome conhecido no empresariado, mas com experiência zero em política. Em 2008, Serra e Kassab fizeram o mesmo movimento de união. Alckmin era candidato à prefeitura pelo PSDB, Kassab pelo DEM. Este foi para o segundo turno e impediu a reeleição de...Marta Suplicy.
Como o Sobrenatural de Almeida de Nelson Rodrigues não existe apenas no futebol, mas também na política, estão todos juntos agora no mesmo barco, contra Alckmin e contra o PT. Ah, e ainda tem Lula nesse jogo. O comando de campanha do atual prefeito, Fernando Haddad, quer Lula percorrendo a periferia para dizer que Marta não é mais petista. Acha que o recall dela nas classes C, D, E vem dos tempos de petismo. Em apenas uma semana, Marta provou que ainda é capaz de mexer, em torno de si, um tabuleiro de peças nada desprezível.
Cristã nova no PMDB, ex-petista de carteirinha, deputada, ex-ministra do Turismo, senadora. O currículo de Marta Suplicy é longo. Candidata derrotada à prefeitura de São Paulo em 2000, eleita em 2004, derrotada novamente em 2008, Marta concorre agora em outubro, pela sua nova legenda, na qual chegou abençoada pelo hoje presidente interino, Michel Temer. E transformou-se, nesta semana, em alvo de diversos olhares políticos, seja por atração, seja por repulsa.
Temer avisou para a pupila que não vai à convenção que referendará a candidatura dela, amanhã, para não melindrar outras legendas aliadas que também terão candidatos na disputa paulistana. Mas ele aposta, sim, e muito, na vitória de Marta. Quer levar o PMDB para o Palácio Matarazzo, no comando de uma cidade na qual é fraco politicamente. Por coincidência, o vice é Andrea Matarazzo.
A parceria com Andrea, tão esdrúxula quanto estratégica, também envolve outros olhares. No caso, dos ministros das Relações Exteriores, José Serra, e de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab. Andrea é serrista, abandonou o ninho tucano e filiou-se ao PSD de Kassab. Serra ainda está no PSDB, mas, dependendo das circunstâncias, poderá virar peemedebista em 2018 para disputar o Planalto.
Em um movimento só, os ministros tentam isolar o governador Geraldo Alckmin, também presidenciável, que jogou suas fichas no empresário João Dória Júnior, um nome conhecido no empresariado, mas com experiência zero em política. Em 2008, Serra e Kassab fizeram o mesmo movimento de união. Alckmin era candidato à prefeitura pelo PSDB, Kassab pelo DEM. Este foi para o segundo turno e impediu a reeleição de...Marta Suplicy.
Como o Sobrenatural de Almeida de Nelson Rodrigues não existe apenas no futebol, mas também na política, estão todos juntos agora no mesmo barco, contra Alckmin e contra o PT. Ah, e ainda tem Lula nesse jogo. O comando de campanha do atual prefeito, Fernando Haddad, quer Lula percorrendo a periferia para dizer que Marta não é mais petista. Acha que o recall dela nas classes C, D, E vem dos tempos de petismo. Em apenas uma semana, Marta provou que ainda é capaz de mexer, em torno de si, um tabuleiro de peças nada desprezível.
Ciência com correções - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 29/07
Momentos de aguda escassez orçamentária, como os vivenciados hoje no país, impõem aos gestores estatais a tarefa de reavaliar as políticas públicas a fim de corrigir possíveis distorções e aumentar a eficiência dos gastos despendidos.
Vai na direção certa, assim, a decisão do MEC de não dar novas bolsas de estudo no exterior, no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras, a alunos de graduação.
Não há dúvida de que privilegiar os graduandos, concedendo-lhes quase 80% dos 92,8 mil auxílios até agora implementados, constituiu um dos principais desvios da esbanjadora iniciativa. Somente em 2015, o Orçamento reservou ao programa R$ 3,7 bilhões.
Tais alunos carecem, no mais das vezes, de maturidade intelectual ou profissional para absorver conhecimentos e técnicas úteis ao país. Pior, muitos deles, como se verificou depois, nem mesmo dominavam os idiomas estrangeiros nos quais teriam as aulas.
Segundo a propaganda oficial, o Ciência sem Fronteiras priorizaria a excelência. O governo Dilma Rousseff (PT), entretanto, enviou a maioria desses estudantes para universidades de pouca relevância.
Como mostrou esta Folha, menos de 4% dos bolsistas conseguiram vagas para estudar nas 25 melhores instituições do planeta.
A execução atabalhoada, ademais, produziu falhas em aspectos básicos, como garantir a equivalência das disciplinas cursadas no exterior com as ensinadas por aqui. Assim, em muitos casos o ano acadêmico internacional acabou não gerando créditos para o aluno.
Tantos problemas decorrem sem dúvida do viés populista da empreitada, voltada a cumprir metas numéricas vistosas, não a fortalecer de fato o ensino e a pesquisa nacionais. Um exemplo de desperdício, de resto, seguido por outras iniciativas petistas, como o Fies.
O governo provisório de Michel Temer (PMDB), porém, recairá em excesso similar se puser em marcha a estranha ideia de reorientar o Ciência sem Fronteiras ao aprendizado de línguas, dentro e fora do país, por jovens de baixa renda no ensino médio de escolas públicas.
Ainda que não se conheçam números nem custos dessa novidade, parece ser uma maneira no mínimo perdulária de remendar as sabidas deficiências da rede pública com o ensino de idiomas estrangeiros.
O programa de bolsas deveria, desde seu início, privilegiar o intercâmbio de doutorandos e pesquisadores —o que, segundo o MEC, será mantido. A prioridade é permitir que acadêmicos de talento tenham contato direto com a melhor ciência do planeta.
Momentos de aguda escassez orçamentária, como os vivenciados hoje no país, impõem aos gestores estatais a tarefa de reavaliar as políticas públicas a fim de corrigir possíveis distorções e aumentar a eficiência dos gastos despendidos.
Vai na direção certa, assim, a decisão do MEC de não dar novas bolsas de estudo no exterior, no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras, a alunos de graduação.
Não há dúvida de que privilegiar os graduandos, concedendo-lhes quase 80% dos 92,8 mil auxílios até agora implementados, constituiu um dos principais desvios da esbanjadora iniciativa. Somente em 2015, o Orçamento reservou ao programa R$ 3,7 bilhões.
Tais alunos carecem, no mais das vezes, de maturidade intelectual ou profissional para absorver conhecimentos e técnicas úteis ao país. Pior, muitos deles, como se verificou depois, nem mesmo dominavam os idiomas estrangeiros nos quais teriam as aulas.
Segundo a propaganda oficial, o Ciência sem Fronteiras priorizaria a excelência. O governo Dilma Rousseff (PT), entretanto, enviou a maioria desses estudantes para universidades de pouca relevância.
Como mostrou esta Folha, menos de 4% dos bolsistas conseguiram vagas para estudar nas 25 melhores instituições do planeta.
A execução atabalhoada, ademais, produziu falhas em aspectos básicos, como garantir a equivalência das disciplinas cursadas no exterior com as ensinadas por aqui. Assim, em muitos casos o ano acadêmico internacional acabou não gerando créditos para o aluno.
Tantos problemas decorrem sem dúvida do viés populista da empreitada, voltada a cumprir metas numéricas vistosas, não a fortalecer de fato o ensino e a pesquisa nacionais. Um exemplo de desperdício, de resto, seguido por outras iniciativas petistas, como o Fies.
O governo provisório de Michel Temer (PMDB), porém, recairá em excesso similar se puser em marcha a estranha ideia de reorientar o Ciência sem Fronteiras ao aprendizado de línguas, dentro e fora do país, por jovens de baixa renda no ensino médio de escolas públicas.
Ainda que não se conheçam números nem custos dessa novidade, parece ser uma maneira no mínimo perdulária de remendar as sabidas deficiências da rede pública com o ensino de idiomas estrangeiros.
O programa de bolsas deveria, desde seu início, privilegiar o intercâmbio de doutorandos e pesquisadores —o que, segundo o MEC, será mantido. A prioridade é permitir que acadêmicos de talento tenham contato direto com a melhor ciência do planeta.
Quem paga a conta - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 29/07
Em nota, o Ministério da Educação já informou que uma avalanche de recursos judiciais sobrecarregará as áreas administrativas das universidades federais, podendo comprometer o planejamento acadêmico de 2017
A conta das sucessivas greves de professores e servidores da rede pública de ensino básico de vários Estados e dos trancamentos, ocupações e depredações de escolas municipais e estaduais insuflados por pequenos partidos de esquerda radical, entre 2015 e 2016, está chegando a quem terá de pagá-la – os estudantes e os contribuintes.
Como o calendário escolar foi comprometido, os alunos da última série do ensino médio foram os mais prejudicados, pois ficaram sem a carga de ensino que teriam recebido caso as greves não tivessem ocorrido. Por esse motivo, enfrentarão as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em novembro sem terem recebido o conteúdo curricular completo, uma vez que em alguns Estados a reposição das aulas perdidas será feita somente depois de novembro. Terão de estudar por conta própria justamente no momento em que mais precisam de orientação.
Além disso, se eventualmente tiverem um bom desempenho nessas provas, cujas notas servem como base para o acesso às universidades federais, esses estudantes correrão o risco de não poderem se matricular no ensino superior por não disporem de certificado de conclusão do ensino médio. Poderão recorrer aos tribunais, já que não têm culpa pelos problemas ocorridos, o que, certamente, levará incertezas a milhares de vestibulandos. Em nota, o Ministério da Educação já informou que uma avalanche de recursos judiciais sobrecarregará as áreas administrativas das universidades federais, podendo comprometer o planejamento acadêmico de 2017. Para evitar que isso ocorra, em alguns Estados os secretários de Educação estão providenciando gambiarras jurídicas que permitam a expedição de certificados para os alunos do ensino médio que não conseguiram cumprir a carga horária da última série.
Já os contribuintes serão, mais uma vez, obrigados a arcar com a irresponsabilidade no sistema escolar público. Isto porque, apesar de as autoridades educacionais terem mandado cortar o ponto de servidores e professores que deflagraram greves invocando os mais variados pretextos, de reajustes salariais e oposição a programas de avaliação de desempenho à crítica ao neoliberalismo e reivindicação de mais itens na merenda escolar, elas acabaram cedendo às pressões e depositaram em folhas suplementares os valores que haviam sido descontados. “Ficar cinco meses sem trabalhar e receber o dinheiro depois é muito confortável, a não ser para a sociedade, que é quem acaba pagando a conta”, afirma o professor Antônio Freitas, da Academia Brasileira de Educação, referindo-se ao caso do Estado do Rio de Janeiro.
Apesar de a Justiça fluminense ter considerado a greve abusiva e autorizado o desconto dos dias trabalhados, o governador em exercício Francisco Dornelles mandou repor na folha de agosto tudo o que foi descontado nos meses anteriores. A complacência do governador de um Estado onde todas as faltas decorrentes de greves feitas por professores entre 1993 e 2015 foram abonadas é mais do que uma demonstração de inconsequência. Acima de tudo, é um grave equívoco político e administrativo, uma vez que a ausência de qualquer punição estimula servidores e professores a deflagrar mais greves irresponsáveis que, como um círculo vicioso, desorganizam os cursos, prejudicam cronogramas, exigem reposições de aulas que jamais são cumpridas integralmente e comprometem a formação escolar dos estudantes, rebaixando ainda mais os níveis de qualidade do ensino público e abrindo com isso pretexto – quanta hipocrisia – para a deflagração de novas greves em nome da valorização do magistério e da recuperação da escola pública.
Enquanto perdurar essa situação, o Brasil continuará perdendo a corrida educacional, as novas gerações terão negada a formação de que necessitam para se emancipar cultural e profissionalmente e os contribuintes continuarão sendo obrigados a custear uma rede escolar que não resiste a qualquer avaliação de desempenho.
Em nota, o Ministério da Educação já informou que uma avalanche de recursos judiciais sobrecarregará as áreas administrativas das universidades federais, podendo comprometer o planejamento acadêmico de 2017
A conta das sucessivas greves de professores e servidores da rede pública de ensino básico de vários Estados e dos trancamentos, ocupações e depredações de escolas municipais e estaduais insuflados por pequenos partidos de esquerda radical, entre 2015 e 2016, está chegando a quem terá de pagá-la – os estudantes e os contribuintes.
Como o calendário escolar foi comprometido, os alunos da última série do ensino médio foram os mais prejudicados, pois ficaram sem a carga de ensino que teriam recebido caso as greves não tivessem ocorrido. Por esse motivo, enfrentarão as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em novembro sem terem recebido o conteúdo curricular completo, uma vez que em alguns Estados a reposição das aulas perdidas será feita somente depois de novembro. Terão de estudar por conta própria justamente no momento em que mais precisam de orientação.
Além disso, se eventualmente tiverem um bom desempenho nessas provas, cujas notas servem como base para o acesso às universidades federais, esses estudantes correrão o risco de não poderem se matricular no ensino superior por não disporem de certificado de conclusão do ensino médio. Poderão recorrer aos tribunais, já que não têm culpa pelos problemas ocorridos, o que, certamente, levará incertezas a milhares de vestibulandos. Em nota, o Ministério da Educação já informou que uma avalanche de recursos judiciais sobrecarregará as áreas administrativas das universidades federais, podendo comprometer o planejamento acadêmico de 2017. Para evitar que isso ocorra, em alguns Estados os secretários de Educação estão providenciando gambiarras jurídicas que permitam a expedição de certificados para os alunos do ensino médio que não conseguiram cumprir a carga horária da última série.
Já os contribuintes serão, mais uma vez, obrigados a arcar com a irresponsabilidade no sistema escolar público. Isto porque, apesar de as autoridades educacionais terem mandado cortar o ponto de servidores e professores que deflagraram greves invocando os mais variados pretextos, de reajustes salariais e oposição a programas de avaliação de desempenho à crítica ao neoliberalismo e reivindicação de mais itens na merenda escolar, elas acabaram cedendo às pressões e depositaram em folhas suplementares os valores que haviam sido descontados. “Ficar cinco meses sem trabalhar e receber o dinheiro depois é muito confortável, a não ser para a sociedade, que é quem acaba pagando a conta”, afirma o professor Antônio Freitas, da Academia Brasileira de Educação, referindo-se ao caso do Estado do Rio de Janeiro.
Apesar de a Justiça fluminense ter considerado a greve abusiva e autorizado o desconto dos dias trabalhados, o governador em exercício Francisco Dornelles mandou repor na folha de agosto tudo o que foi descontado nos meses anteriores. A complacência do governador de um Estado onde todas as faltas decorrentes de greves feitas por professores entre 1993 e 2015 foram abonadas é mais do que uma demonstração de inconsequência. Acima de tudo, é um grave equívoco político e administrativo, uma vez que a ausência de qualquer punição estimula servidores e professores a deflagrar mais greves irresponsáveis que, como um círculo vicioso, desorganizam os cursos, prejudicam cronogramas, exigem reposições de aulas que jamais são cumpridas integralmente e comprometem a formação escolar dos estudantes, rebaixando ainda mais os níveis de qualidade do ensino público e abrindo com isso pretexto – quanta hipocrisia – para a deflagração de novas greves em nome da valorização do magistério e da recuperação da escola pública.
Enquanto perdurar essa situação, o Brasil continuará perdendo a corrida educacional, as novas gerações terão negada a formação de que necessitam para se emancipar cultural e profissionalmente e os contribuintes continuarão sendo obrigados a custear uma rede escolar que não resiste a qualquer avaliação de desempenho.
A injustiça de o aluno pagar a conta da greve - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 29/07
Além de fazerem o Enem sem o conteúdo curricular completo, estudantes do Rio podem ser obrigados a entrar na Justiça para garantir a matrícula na faculdade
Há um princípio, não escrito e sistematicamente rejeitado por militantes dos chamados movimentos sociais, mas comprovado pela realidade dos fatos, segundo o qual greve em serviços essenciais, portanto públicos, pode não resultar em vitória para quem a deflagra, mas invariavelmente termina em prejuízos para a população. Por exemplo, o médico que cruza os braços num posto de saúde briga contra o Estado tomando seu paciente como refém. Da mesma forma, o professor que, por protesto, deliberadamente não cumpre a carga horária alveja o poder público, mas sua vítima acaba sendo o aluno e respectiva família.
A recém-encerrada paralisação dos professores fluminenses, que engoliu do programa dos estudantes das escolas estaduais cinco meses de conteúdo, é evidência cristalina do efeito deletério dessa suposta demonstração de força de um magistério que deprecia a importância do seu papel na formação dos alunos. Para os docentes que pararam, o acordo que deu fim à greve foi um aval do governo a um período de férias remuneradas. O estado concordou em pagar os dias parados, um perigoso estímulo para novos e inimputáveis movimentos na Educação — e em outros setores de serviços públicos.
A conta, amarga, ficou espetada na fatura do lado mais fraco, que, aliás, sequer esteve representado em algum dos lados do balcão de negociações. Se esteve, não fez diferença: os prejuízos dos alunos, na formação pedagógica, serão irreversíveis. Em especial para as turmas do 3º ano do ensino médio. Na ponta mais estreita do funil de acesso à Universidade, eles estão diante de duas perspectivas, que se completam dentro de um mesmo perfil assombroso.
Em novembro, os estudantes enfrentarão as provas do Enem sem dominar o conteúdo escolar completo. Não bastasse a concorrência já ingrata com alunos do ensino privado. Pelo acordo lavrado, a reposição das aulas perdidas será feita até fevereiro (aliás, por tradição, um ponto da pauta de negociações que não costuma ser cumprido integralmente). E mesmo os que, superada a sonegação de conteúdo, conseguirem aprovação nos exames, terão dificuldades de obter o certificado de conclusão a tempo de fazer a matrícula no ensino superior. Disso resulta que, para os que superarem o funil, muito provavelmente não restará outro caminho a não ser a judicialização. Essa, aliás, é a perspectiva do próprio Ministério da Educação. Subscritor do acordo com os professores, o secretário Wagner Victer fez uma vaga promessa sobre criar um mecanismo que assegure legalmente o ingresso na faculdade. É pouco.
Problemas como esses, e outros a depender do perfil das vítimas, decorrem do fato de a paralisação em áreas essenciais não ser regulamentada em lei. O direito à greve é assegurado pela Constituição, mas a peculiaridade dos serviços públicos implica a necessidade de o Estado ter protocolos distintos para enfrentá-la. A conta não pode ser paga pela população.
Há um princípio, não escrito e sistematicamente rejeitado por militantes dos chamados movimentos sociais, mas comprovado pela realidade dos fatos, segundo o qual greve em serviços essenciais, portanto públicos, pode não resultar em vitória para quem a deflagra, mas invariavelmente termina em prejuízos para a população. Por exemplo, o médico que cruza os braços num posto de saúde briga contra o Estado tomando seu paciente como refém. Da mesma forma, o professor que, por protesto, deliberadamente não cumpre a carga horária alveja o poder público, mas sua vítima acaba sendo o aluno e respectiva família.
A recém-encerrada paralisação dos professores fluminenses, que engoliu do programa dos estudantes das escolas estaduais cinco meses de conteúdo, é evidência cristalina do efeito deletério dessa suposta demonstração de força de um magistério que deprecia a importância do seu papel na formação dos alunos. Para os docentes que pararam, o acordo que deu fim à greve foi um aval do governo a um período de férias remuneradas. O estado concordou em pagar os dias parados, um perigoso estímulo para novos e inimputáveis movimentos na Educação — e em outros setores de serviços públicos.
A conta, amarga, ficou espetada na fatura do lado mais fraco, que, aliás, sequer esteve representado em algum dos lados do balcão de negociações. Se esteve, não fez diferença: os prejuízos dos alunos, na formação pedagógica, serão irreversíveis. Em especial para as turmas do 3º ano do ensino médio. Na ponta mais estreita do funil de acesso à Universidade, eles estão diante de duas perspectivas, que se completam dentro de um mesmo perfil assombroso.
Em novembro, os estudantes enfrentarão as provas do Enem sem dominar o conteúdo escolar completo. Não bastasse a concorrência já ingrata com alunos do ensino privado. Pelo acordo lavrado, a reposição das aulas perdidas será feita até fevereiro (aliás, por tradição, um ponto da pauta de negociações que não costuma ser cumprido integralmente). E mesmo os que, superada a sonegação de conteúdo, conseguirem aprovação nos exames, terão dificuldades de obter o certificado de conclusão a tempo de fazer a matrícula no ensino superior. Disso resulta que, para os que superarem o funil, muito provavelmente não restará outro caminho a não ser a judicialização. Essa, aliás, é a perspectiva do próprio Ministério da Educação. Subscritor do acordo com os professores, o secretário Wagner Victer fez uma vaga promessa sobre criar um mecanismo que assegure legalmente o ingresso na faculdade. É pouco.
Problemas como esses, e outros a depender do perfil das vítimas, decorrem do fato de a paralisação em áreas essenciais não ser regulamentada em lei. O direito à greve é assegurado pela Constituição, mas a peculiaridade dos serviços públicos implica a necessidade de o Estado ter protocolos distintos para enfrentá-la. A conta não pode ser paga pela população.
Os horrores do mundo - FERNANDO GABEIRA
ESTADÃO - 29/07
Eles estão chegando e é hora de encará-los sem os preconceitos do século passado
Quando menino, lembro-me de que a chegada de sinais do progresso era saudada com orgulho. Quando o teatro de revista chegou à cidade, o título do espetáculo era: Juiz de Fora Civiliza-se.
Com o tempo, a gente aprende a gostar do que vem de fora, mas descobre que de fora podem vir também as tendências mais sanguinárias e destrutivas.
Sou favorável a uma lei antiterrorismo no Brasil, independentemente da Olimpíada. Discordo da tese de que foi necessária apenas para atender a pressões externas. Ela foi imposta pelo mundo real.
Não somos um país prioritário para o terrorismo. Mas será que o Isis (Estado Islâmico) sempre se moverá de acordo com a lógica que prevemos?
Depois do 11 de Setembro, os americanos levantaram suspeitas sobre a presença de terroristas na Tríplice Fronteira. Não há notícias de que tenham sido confirmadas.
Visitei a região e senti que a grande colônia muçulmana estava incomodada com as notícias sobre Foz do Iguaçu. Pelo que vi, pelo menos, não havia uma juventude sem perspectivas de trabalho. Ao contrário, sentia-se prosperidade e gente chegando para empreender, construir sua própria casa.
Os critérios que uso para classificar o perigo do terrorismo do Isis, assim como o da Al-Qaeda, começam por diferenciá-lo do terrorismo do século 20. Na peça Os Justos, de Camus, o atentado ao arquiduque é adiado porque havia crianças na carruagem. Hoje, os terroristas não se importam com crianças. Quanto mais mortes produzirem, mais satisfeitos.
Um outro critério é lembrar que aquele tipo de simpatia (Brasil, carnaval, Pelé) com que nos tratam com carinho não existe para esses terroristas. Vamos olhar pelo caminho mais amplo, despojados de todo sentimentalismo.
Eles degolaram um padre de 86 anos perto de Rouen, na França. Somos o maior país católico do mundo. Respondem com bombas a um estilo de vida que tem na liberdade – a de expressão, inclusive – o seu máximo valor. Como o nosso.
O Brasil fez sua primeira experiência no combate aos grupos terroristas ligados ao Isis. Foi uma operação bem-sucedida, que contou com indicações do FBI. Mas faltou o que eu chamaria de um protocolo nacional para comunicar o tema à sociedade. Não pretendo redigi-lo. Mas, como leigo, parece-me que divulgar nomes e imagens de pessoas que acabam de ser presas não é a melhor tática. Se tiverem vínculos criminosos, o mais desavisado de seus cúmplices fugirá ou limpará o terreno. Se forem inocentes, terão sido, na verdade, sujeitos a uma exposição que marcará sua vida.
Outra tendência do governo que me deixou um pouco perplexo está no fato de ele analisar o grupo preso e classificá-lo de amador. Não cabe ao governo definir o profissionalismo de um grupo capturado. Ele prende, investiga e, no final, apresenta os dados.
Imagino que a opção de classificá-los como amadores tenha sido uma tentativa de acalmar a sociedade. Mas é muito discutível a ideia de que o amadorismo nos conforta.
Quase no mesmo momento, um jovem afegão atacava a machadadas passageiros de um trem na Alemanha. O Exército Islâmico assumiu o atentado. Machado é arma rudimentar e amadora. Mas como dói.
O governo brasileiro terá de formar pessoas para comunicar seus passos na repressão ao terrorismo. Os ministros deveriam abster-se.
Durante algum tempo, no jogo de pequenas revelações à imprensa, o ministro da Justiça deixou no ar a possibilidade de as informações terem sido capturadas no WhatsApp. Um desgaste inútil.
Não acredito que tenham obtido dados do WhatsApp. Mas com as indicações do FBI monitoraram todos os suspeitos.
O jogo de informações aos pedaços é muito confuso. Se as pessoas do governo não forem especificamente treinadas para tratar de um tema tão sério, elas podem até favorecer o inimigo.
Um dos argumentos para divulgar toda a ação foi o de que a mulher de um dos presos revelara a prisão dele no Facebook. Mas, e os outros? Por ela ninguém saberia o nome dos outros, pois só mencionou o que viu: a prisão do marido.
É compreensível e necessário que a polícia apresente os resultados de seu trabalho. Isso nos dá mais elementos para navegar no perigo. Uma operação bem-sucedida sempre fortalece a imagem. É até compreensível que o Brasil tenha querido passar uma mensagem de segurança, para lá fora dizerem: “Estão trabalhando”.
Mas a luta contra o terrorismo não é o melhor espaço para isso, porque suas regras transcendem o desejo de um reforço de imagem.
Naturalmente, vamos conhecer mais sobre o perigo do terrorismo no Brasil depois que for divulgado um relatório. Mas o que está acontecendo lá fora também nos aproxima do real.
Um dos criminosos na Normandia usava tornozeleira eletrônica. No momento, esse acessório está bombando no Brasil, chega a faltar no mercado. Dizem que é segura, mas aqui é usada por idosos empreiteiros, lobistas.
O universo do terrorismo é diferente. Agora que existe uma lei será necessário amadurecer na sua execução.
Houve resistência a uma lei antiterrorista com medo de que criminalizasse movimentos sociais. Os fatos mostram atentados a manifestações de minorias religiosas, eventos culturais, celebrações como o 14 de Julho. Uma lei desse tipo, aplicada com uma visão clara do terrorismo, na verdade protege os movimentos sociais.
Os horrores do mundo estão chegando e é hora de encará-los sem os preconceitos do século passado. Esquerda e direita, elite de olhos azuis e proletariado, coxinhas e mortadelas, somos todos iguais para o Exército Islâmico. Duas brasileiras morreram no ataque em Nice. E somos atacados quase todas as noites pelas notícias da morte de tantos inocentes pelo mundo. O Exército Islâmico tem sido o nosso horror cotidiano.
* FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA
Eles estão chegando e é hora de encará-los sem os preconceitos do século passado
Quando menino, lembro-me de que a chegada de sinais do progresso era saudada com orgulho. Quando o teatro de revista chegou à cidade, o título do espetáculo era: Juiz de Fora Civiliza-se.
Com o tempo, a gente aprende a gostar do que vem de fora, mas descobre que de fora podem vir também as tendências mais sanguinárias e destrutivas.
Sou favorável a uma lei antiterrorismo no Brasil, independentemente da Olimpíada. Discordo da tese de que foi necessária apenas para atender a pressões externas. Ela foi imposta pelo mundo real.
Não somos um país prioritário para o terrorismo. Mas será que o Isis (Estado Islâmico) sempre se moverá de acordo com a lógica que prevemos?
Depois do 11 de Setembro, os americanos levantaram suspeitas sobre a presença de terroristas na Tríplice Fronteira. Não há notícias de que tenham sido confirmadas.
Visitei a região e senti que a grande colônia muçulmana estava incomodada com as notícias sobre Foz do Iguaçu. Pelo que vi, pelo menos, não havia uma juventude sem perspectivas de trabalho. Ao contrário, sentia-se prosperidade e gente chegando para empreender, construir sua própria casa.
Os critérios que uso para classificar o perigo do terrorismo do Isis, assim como o da Al-Qaeda, começam por diferenciá-lo do terrorismo do século 20. Na peça Os Justos, de Camus, o atentado ao arquiduque é adiado porque havia crianças na carruagem. Hoje, os terroristas não se importam com crianças. Quanto mais mortes produzirem, mais satisfeitos.
Um outro critério é lembrar que aquele tipo de simpatia (Brasil, carnaval, Pelé) com que nos tratam com carinho não existe para esses terroristas. Vamos olhar pelo caminho mais amplo, despojados de todo sentimentalismo.
Eles degolaram um padre de 86 anos perto de Rouen, na França. Somos o maior país católico do mundo. Respondem com bombas a um estilo de vida que tem na liberdade – a de expressão, inclusive – o seu máximo valor. Como o nosso.
O Brasil fez sua primeira experiência no combate aos grupos terroristas ligados ao Isis. Foi uma operação bem-sucedida, que contou com indicações do FBI. Mas faltou o que eu chamaria de um protocolo nacional para comunicar o tema à sociedade. Não pretendo redigi-lo. Mas, como leigo, parece-me que divulgar nomes e imagens de pessoas que acabam de ser presas não é a melhor tática. Se tiverem vínculos criminosos, o mais desavisado de seus cúmplices fugirá ou limpará o terreno. Se forem inocentes, terão sido, na verdade, sujeitos a uma exposição que marcará sua vida.
Outra tendência do governo que me deixou um pouco perplexo está no fato de ele analisar o grupo preso e classificá-lo de amador. Não cabe ao governo definir o profissionalismo de um grupo capturado. Ele prende, investiga e, no final, apresenta os dados.
Imagino que a opção de classificá-los como amadores tenha sido uma tentativa de acalmar a sociedade. Mas é muito discutível a ideia de que o amadorismo nos conforta.
Quase no mesmo momento, um jovem afegão atacava a machadadas passageiros de um trem na Alemanha. O Exército Islâmico assumiu o atentado. Machado é arma rudimentar e amadora. Mas como dói.
O governo brasileiro terá de formar pessoas para comunicar seus passos na repressão ao terrorismo. Os ministros deveriam abster-se.
Durante algum tempo, no jogo de pequenas revelações à imprensa, o ministro da Justiça deixou no ar a possibilidade de as informações terem sido capturadas no WhatsApp. Um desgaste inútil.
Não acredito que tenham obtido dados do WhatsApp. Mas com as indicações do FBI monitoraram todos os suspeitos.
O jogo de informações aos pedaços é muito confuso. Se as pessoas do governo não forem especificamente treinadas para tratar de um tema tão sério, elas podem até favorecer o inimigo.
Um dos argumentos para divulgar toda a ação foi o de que a mulher de um dos presos revelara a prisão dele no Facebook. Mas, e os outros? Por ela ninguém saberia o nome dos outros, pois só mencionou o que viu: a prisão do marido.
É compreensível e necessário que a polícia apresente os resultados de seu trabalho. Isso nos dá mais elementos para navegar no perigo. Uma operação bem-sucedida sempre fortalece a imagem. É até compreensível que o Brasil tenha querido passar uma mensagem de segurança, para lá fora dizerem: “Estão trabalhando”.
Mas a luta contra o terrorismo não é o melhor espaço para isso, porque suas regras transcendem o desejo de um reforço de imagem.
Naturalmente, vamos conhecer mais sobre o perigo do terrorismo no Brasil depois que for divulgado um relatório. Mas o que está acontecendo lá fora também nos aproxima do real.
Um dos criminosos na Normandia usava tornozeleira eletrônica. No momento, esse acessório está bombando no Brasil, chega a faltar no mercado. Dizem que é segura, mas aqui é usada por idosos empreiteiros, lobistas.
O universo do terrorismo é diferente. Agora que existe uma lei será necessário amadurecer na sua execução.
Houve resistência a uma lei antiterrorista com medo de que criminalizasse movimentos sociais. Os fatos mostram atentados a manifestações de minorias religiosas, eventos culturais, celebrações como o 14 de Julho. Uma lei desse tipo, aplicada com uma visão clara do terrorismo, na verdade protege os movimentos sociais.
Os horrores do mundo estão chegando e é hora de encará-los sem os preconceitos do século passado. Esquerda e direita, elite de olhos azuis e proletariado, coxinhas e mortadelas, somos todos iguais para o Exército Islâmico. Duas brasileiras morreram no ataque em Nice. E somos atacados quase todas as noites pelas notícias da morte de tantos inocentes pelo mundo. O Exército Islâmico tem sido o nosso horror cotidiano.
* FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA
Um ator na Casa Branca - BERNARDO MELLO FRANCO
FOLHA DE SP - 29/07
Os candidatos que tentarão a sorte em outubro deveriam parar tudo e assistir à performance de Barack Obama na convenção do Partido Democrata. De saída da Casa Branca, o presidente americano deu uma aula de retórica política ao pedir votos para Hillary Clinton.
Obama subiu ao palco ovacionado como um popstar. Antes de começar o discurso, distribuiu acenos, esbanjou sorrisos e esquentou a plateia com brincadeiras. O semblante bem-humorado combinava com a mensagem que ele queria passar. Depois de oito anos no poder, o presidente foi à Filadélfia com a missão de vender otimismo para eleger a sucessora.
"Estou ainda mais otimista sobre o futuro da América do que jamais estive", disse. Ele enumerou vitrines de sua administração, como a recuperação da economia e a reforma no sistema de saúde. Depois exaltou o "sonho americano" e retomou o mote da esperança, que embalou sua campanha vitoriosa em 2008.
Obama reconheceu que o partido está dividido e pediu aos admiradores do socialista Bernie Sanders que aceitem apoiar Hillary, próxima a banqueiros e grandes empresários. Ele admitiu que a aliada cometeu "erros", mas enalteceu sua qualificação para comandar o governo.
O presidente usou o carisma e o otimismo como armas contra o rival Donald Trump, que disputará sua cadeira pelo Partido Republicano. Ele descreveu o magnata como um político demagogo, que semeia medo e insegurança para colher votos.
Para atrair os republicanos que não gostam de Trump, Obama elogiou Ronald Reagan, o astro de cinema que chegou ao poder em 1981. Disse que o ex-presidente via os EUA como "uma cidade iluminada numa colina", enquanto o milionário vê o país como uma "cena de crime".
A menção a Reagan foi oportuna. Embora tenha deixado muitas promessas pelo caminho, Obama foi o melhor ator a passar pela Casa Branca desde o galã de "O Amor Está no Ar" e "Em Cada Coração um Pecado".
Os candidatos que tentarão a sorte em outubro deveriam parar tudo e assistir à performance de Barack Obama na convenção do Partido Democrata. De saída da Casa Branca, o presidente americano deu uma aula de retórica política ao pedir votos para Hillary Clinton.
Obama subiu ao palco ovacionado como um popstar. Antes de começar o discurso, distribuiu acenos, esbanjou sorrisos e esquentou a plateia com brincadeiras. O semblante bem-humorado combinava com a mensagem que ele queria passar. Depois de oito anos no poder, o presidente foi à Filadélfia com a missão de vender otimismo para eleger a sucessora.
"Estou ainda mais otimista sobre o futuro da América do que jamais estive", disse. Ele enumerou vitrines de sua administração, como a recuperação da economia e a reforma no sistema de saúde. Depois exaltou o "sonho americano" e retomou o mote da esperança, que embalou sua campanha vitoriosa em 2008.
Obama reconheceu que o partido está dividido e pediu aos admiradores do socialista Bernie Sanders que aceitem apoiar Hillary, próxima a banqueiros e grandes empresários. Ele admitiu que a aliada cometeu "erros", mas enalteceu sua qualificação para comandar o governo.
O presidente usou o carisma e o otimismo como armas contra o rival Donald Trump, que disputará sua cadeira pelo Partido Republicano. Ele descreveu o magnata como um político demagogo, que semeia medo e insegurança para colher votos.
Para atrair os republicanos que não gostam de Trump, Obama elogiou Ronald Reagan, o astro de cinema que chegou ao poder em 1981. Disse que o ex-presidente via os EUA como "uma cidade iluminada numa colina", enquanto o milionário vê o país como uma "cena de crime".
A menção a Reagan foi oportuna. Embora tenha deixado muitas promessas pelo caminho, Obama foi o melhor ator a passar pela Casa Branca desde o galã de "O Amor Está no Ar" e "Em Cada Coração um Pecado".
A aposta de Temer - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O GLOBO - 29/07
A simples aprovação da PEC dos gastos não garantirá a mudança do regime fiscal que se faz necessária
Tudo indica que, dentro de 30 dias, Michel Temer deixará de ser um presidente interino. Será lamentável se, em meio ao clima de distensão e relativo otimismo que o desfecho do processo de impeachment deverá ensejar, o país ficar tentado a subestimar as reais proporções do colossal atoleiro fiscal em que foi metido.
Por enquanto, os efeitos desestabilizadores do crescimento descontrolado do endividamento público vêm sendo precariamente contidos por vagas promessas de mudança do regime fiscal. Três fatores vêm dando credibilidade momentânea a tais promessas: o prestígio da excelente equipe econômica montada por Temer, a suposta solidez do respaldo do governo no Congresso e a aposta no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que prevê a imposição de um teto à evolução do dispêndio federal nos próximos anos.
A simples aprovação da PEC não garantirá a mudança do regime fiscal que se faz necessária. Mas será um passo fundamental para, aos poucos, engendrar o senso de urgência requerido para que as medidas que viabilizarão tal mudança sejam aprovadas pelo Congresso no futuro.
O teto implicará imposição de uma restrição orçamentária rígida à União. E porá em marcha um processo de rápida elevação dos custos de preservação da indefensável rigidez que hoje se observa no gasto público federal. Se não forem aprovadas medidas que atenuem de forma substancial essa rigidez, o respeito ao teto deverá exigir compressão cada vez mais penosa dos gastos discricionários da União, que hoje representam meros 10% do total do dispêndio primário federal.
O que se espera, com algum otimismo, é que, ao exacerbar as contradições do processo orçamentário e aumentar o desconforto gerado pela procrastinação das medidas que podem reduzir a rigidez dos gastos, a imposição do teto reduza a resistência do Congresso à aprovação de tais medidas.
Não falta quem argua que tal expectativa é ingênua. E que o mais provável é que o teto acabe induzindo, não o avanço da reforma fiscal, mas o surgimento de uma coalizão irresistível a favor do afrouxamento ou da simples revogação do teto.
Não é um desdobramento que possa ser descartado. O governo terá de estar atento ao risco desse fiasco. E, claro, a preservação do teto exigirá que, não só Temer, como seu sucessor, permaneçam convictos da sua importância.
As críticas ao teto não vêm apenas de quem manifesta ceticismo sobre sua preservação. Há quem se preocupe com a possibilidade de que o teto, de fato, induza redução substancial da rigidez que hoje se vê no gasto público federal, mas que isso se faça às custas dos dispêndios com educação e saúde. E, temendo tal desfecho, defenda que as vinculações constitucionais que “protegem” esses dispêndios sejam mantidas.
Em meio à segunda década do século XXI, ainda prevalece no país a ideia de que decisões sobre a composição do gasto público não podem ser deixadas ao sabor de negociações políticas entre o Poder Executivo e o Congresso, como ocorre em qualquer nação civilizada. E de que devem continuar restritas pelo emaranhado de regras de vinculação e indexação que, ao longo do tempo, conferiram ao Orçamento a espantosa rigidez que hoje se vê.
É curioso que alguns dos mesmos analistas que defendem a preservação dessas regras também arguam, por outro lado, que o Congresso dificilmente concordará com um ajuste fiscal que prejudique o vasto contingente de eleitores que hoje se beneficiam dos sistemas universais de educação e saúde no país. Se, de fato, creem nisso, por que defendem que o processo orçamentário deve continuar engessado por regras arcaicas de vinculação e indexação?
Tais resistências mostram que o sucesso da aposta no teto deverá exigir também penosa mudança de mentalidade, com superação da indisfarçável descrença no funcionamento da democracia que ainda viceja no país.
Fácil não será. Mas não há saída fácil para o atoleiro fiscal em que o país foi metido.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Tudo indica que, dentro de 30 dias, Michel Temer deixará de ser um presidente interino. Será lamentável se, em meio ao clima de distensão e relativo otimismo que o desfecho do processo de impeachment deverá ensejar, o país ficar tentado a subestimar as reais proporções do colossal atoleiro fiscal em que foi metido.
Por enquanto, os efeitos desestabilizadores do crescimento descontrolado do endividamento público vêm sendo precariamente contidos por vagas promessas de mudança do regime fiscal. Três fatores vêm dando credibilidade momentânea a tais promessas: o prestígio da excelente equipe econômica montada por Temer, a suposta solidez do respaldo do governo no Congresso e a aposta no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que prevê a imposição de um teto à evolução do dispêndio federal nos próximos anos.
A simples aprovação da PEC não garantirá a mudança do regime fiscal que se faz necessária. Mas será um passo fundamental para, aos poucos, engendrar o senso de urgência requerido para que as medidas que viabilizarão tal mudança sejam aprovadas pelo Congresso no futuro.
O teto implicará imposição de uma restrição orçamentária rígida à União. E porá em marcha um processo de rápida elevação dos custos de preservação da indefensável rigidez que hoje se observa no gasto público federal. Se não forem aprovadas medidas que atenuem de forma substancial essa rigidez, o respeito ao teto deverá exigir compressão cada vez mais penosa dos gastos discricionários da União, que hoje representam meros 10% do total do dispêndio primário federal.
O que se espera, com algum otimismo, é que, ao exacerbar as contradições do processo orçamentário e aumentar o desconforto gerado pela procrastinação das medidas que podem reduzir a rigidez dos gastos, a imposição do teto reduza a resistência do Congresso à aprovação de tais medidas.
Não falta quem argua que tal expectativa é ingênua. E que o mais provável é que o teto acabe induzindo, não o avanço da reforma fiscal, mas o surgimento de uma coalizão irresistível a favor do afrouxamento ou da simples revogação do teto.
Não é um desdobramento que possa ser descartado. O governo terá de estar atento ao risco desse fiasco. E, claro, a preservação do teto exigirá que, não só Temer, como seu sucessor, permaneçam convictos da sua importância.
As críticas ao teto não vêm apenas de quem manifesta ceticismo sobre sua preservação. Há quem se preocupe com a possibilidade de que o teto, de fato, induza redução substancial da rigidez que hoje se vê no gasto público federal, mas que isso se faça às custas dos dispêndios com educação e saúde. E, temendo tal desfecho, defenda que as vinculações constitucionais que “protegem” esses dispêndios sejam mantidas.
Em meio à segunda década do século XXI, ainda prevalece no país a ideia de que decisões sobre a composição do gasto público não podem ser deixadas ao sabor de negociações políticas entre o Poder Executivo e o Congresso, como ocorre em qualquer nação civilizada. E de que devem continuar restritas pelo emaranhado de regras de vinculação e indexação que, ao longo do tempo, conferiram ao Orçamento a espantosa rigidez que hoje se vê.
É curioso que alguns dos mesmos analistas que defendem a preservação dessas regras também arguam, por outro lado, que o Congresso dificilmente concordará com um ajuste fiscal que prejudique o vasto contingente de eleitores que hoje se beneficiam dos sistemas universais de educação e saúde no país. Se, de fato, creem nisso, por que defendem que o processo orçamentário deve continuar engessado por regras arcaicas de vinculação e indexação?
Tais resistências mostram que o sucesso da aposta no teto deverá exigir também penosa mudança de mentalidade, com superação da indisfarçável descrença no funcionamento da democracia que ainda viceja no país.
Fácil não será. Mas não há saída fácil para o atoleiro fiscal em que o país foi metido.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Milionários, mas insatisfeitos - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 29/07
Com raras exceções, assim funcionam as entidades sindicais, sustentadas em sua grande maioria por transferências feitas pelo governo
Nem mesmo dispondo de bilhões de reais que caem anual e automaticamente em suas contas bancárias – e dos quais não precisam prestar contas nem ao poder público nem a seus associados – as entidades sindicais estão satisfeitas. Sindicatos, federações, confederações e centrais, patronais e trabalhistas, querem mais dinheiro do trabalhador e das empresas para continuar fazendo o que costumam fazer: remunerar regiamente seus dirigentes, assegurando-lhes adicionalmente presença destacada no ambiente social e no cenário político, investir em imóveis para auferir ainda mais renda e resistir com tenacidade à necessária modernização das relações de trabalho. Uma ou outra vez, atuam na defesa dos interesses daqueles que dizem representar. Afinal, em teoria eles existem para isso.
Com raras exceções, assim funcionam as entidades sindicais, sustentadas em sua grande maioria por transferências feitas pelo governo do dinheiro que corresponde a uma parte do salário dos trabalhadores – sindicalizados ou não – e do capital social das empresas.
No ano passado, essas entidades receberam R$ 3,4 bilhões. Levantamento feito pelo jornal Valor mostrou que aproximadamente 100 entre as mais de 10 mil entidades sindicais formalmente registradas no Ministério do Trabalho e Previdência Social – e, por isso, com direito a uma fatia do imposto sindical, cujo nome oficial é contribuição sindical – recebem valores superiores a R$ 3,6 milhões. Essa quantia corresponde ao limite de faturamento para que uma empresa seja considerada micro ou pequena e possa ser inscrita no regime tributário do Simples. Ou seja, uma centena de entidades sindicais obtém sem nenhum problema e sem necessidade de comprovar nenhuma atividade ou iniciativa, desde que registrada no Ministério do Trabalho, uma receita anual que a enquadraria no mínimo entre as empresas médias do País.
As principais centrais sindicais (CUT, Força Sindical e UGT) são as maiores beneficiárias desse sistema de transferência automática de dinheiro criado pelo Estado Novo varguista e que vem sendo modificado sempre em benefício das organizações sindicais.
Está em exame por uma comissão especial da Câmara projeto que trata do financiamento das entidades sindicais. Um de seus pontos principais é a regulamentação da chamada contribuição negocial ou assistencial, aquela que a maioria dos sindicatos cobra sobre o resultado das negociações coletivas. O Ministério Público do Trabalho tem acionado sindicatos que utilizam essa contribuição, que chega a 20% do salário mensal, impedindo sua cobrança de toda a categoria profissional e limitando-a ao quadro de associados. O projeto estende a cobrança para toda a categoria, permitindo a recusa do pagamento apenas a trabalhador que tenha participado da assembleia que criou o novo imposto ou a ele se oponha no prazo de dez dias.
Não parece difícil que a comissão aprove o projeto, pois seu presidente é o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, assim conhecido por ser o presidente da Força Sindical. O parlamentar tem acesso fácil ao Palácio do Planalto.
Do lado patronal, dirigentes de entidades como a Confederação Nacional do Comércio – a maioria dos quais está no cargo há décadas – consideram defasada a alíquota que incide sobre o capital das empresas e pedem a atualização da base de cálculo da contribuição dos empregadores.
Patronais ou profissionais, as entidades sindicais utilizam o dinheiro para sustentar viagens, salários e outras vantagens de seus dirigentes e, quando há sobra, aplicam na expansão de seu patrimônio imobiliário ou na construção de sedes suntuosas. Algumas utilizam seus recursos – que têm outras fontes, como rendas ditas sociais e extraordinárias, como informou uma delas – para confeccionar patos amarelos utilizados numa campanha contra a alta carga tributária com o título “Não vou pagar o pato”. E quem paga o pato da campanha e outros gastos de entidades como essa?
Com raras exceções, assim funcionam as entidades sindicais, sustentadas em sua grande maioria por transferências feitas pelo governo
Nem mesmo dispondo de bilhões de reais que caem anual e automaticamente em suas contas bancárias – e dos quais não precisam prestar contas nem ao poder público nem a seus associados – as entidades sindicais estão satisfeitas. Sindicatos, federações, confederações e centrais, patronais e trabalhistas, querem mais dinheiro do trabalhador e das empresas para continuar fazendo o que costumam fazer: remunerar regiamente seus dirigentes, assegurando-lhes adicionalmente presença destacada no ambiente social e no cenário político, investir em imóveis para auferir ainda mais renda e resistir com tenacidade à necessária modernização das relações de trabalho. Uma ou outra vez, atuam na defesa dos interesses daqueles que dizem representar. Afinal, em teoria eles existem para isso.
Com raras exceções, assim funcionam as entidades sindicais, sustentadas em sua grande maioria por transferências feitas pelo governo do dinheiro que corresponde a uma parte do salário dos trabalhadores – sindicalizados ou não – e do capital social das empresas.
No ano passado, essas entidades receberam R$ 3,4 bilhões. Levantamento feito pelo jornal Valor mostrou que aproximadamente 100 entre as mais de 10 mil entidades sindicais formalmente registradas no Ministério do Trabalho e Previdência Social – e, por isso, com direito a uma fatia do imposto sindical, cujo nome oficial é contribuição sindical – recebem valores superiores a R$ 3,6 milhões. Essa quantia corresponde ao limite de faturamento para que uma empresa seja considerada micro ou pequena e possa ser inscrita no regime tributário do Simples. Ou seja, uma centena de entidades sindicais obtém sem nenhum problema e sem necessidade de comprovar nenhuma atividade ou iniciativa, desde que registrada no Ministério do Trabalho, uma receita anual que a enquadraria no mínimo entre as empresas médias do País.
As principais centrais sindicais (CUT, Força Sindical e UGT) são as maiores beneficiárias desse sistema de transferência automática de dinheiro criado pelo Estado Novo varguista e que vem sendo modificado sempre em benefício das organizações sindicais.
Está em exame por uma comissão especial da Câmara projeto que trata do financiamento das entidades sindicais. Um de seus pontos principais é a regulamentação da chamada contribuição negocial ou assistencial, aquela que a maioria dos sindicatos cobra sobre o resultado das negociações coletivas. O Ministério Público do Trabalho tem acionado sindicatos que utilizam essa contribuição, que chega a 20% do salário mensal, impedindo sua cobrança de toda a categoria profissional e limitando-a ao quadro de associados. O projeto estende a cobrança para toda a categoria, permitindo a recusa do pagamento apenas a trabalhador que tenha participado da assembleia que criou o novo imposto ou a ele se oponha no prazo de dez dias.
Não parece difícil que a comissão aprove o projeto, pois seu presidente é o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, assim conhecido por ser o presidente da Força Sindical. O parlamentar tem acesso fácil ao Palácio do Planalto.
Do lado patronal, dirigentes de entidades como a Confederação Nacional do Comércio – a maioria dos quais está no cargo há décadas – consideram defasada a alíquota que incide sobre o capital das empresas e pedem a atualização da base de cálculo da contribuição dos empregadores.
Patronais ou profissionais, as entidades sindicais utilizam o dinheiro para sustentar viagens, salários e outras vantagens de seus dirigentes e, quando há sobra, aplicam na expansão de seu patrimônio imobiliário ou na construção de sedes suntuosas. Algumas utilizam seus recursos – que têm outras fontes, como rendas ditas sociais e extraordinárias, como informou uma delas – para confeccionar patos amarelos utilizados numa campanha contra a alta carga tributária com o título “Não vou pagar o pato”. E quem paga o pato da campanha e outros gastos de entidades como essa?
Ilusões com o imposto sobre ‘grandes fortunas’ - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 29/07
Não se deve contar com bilhões no Tesouro, porque peculiaridades existentes na aplicação deste gravame levaram vários países europeus a abandoná-lo
Ao ser incluída na Constituição de 88 a possibilidade de “grandes fortunas” serem taxadas, este imposto passou a transitar no imaginário das esquerdas — sempre prontas a punir a “burguesia” em atos de “justiça social” —, e é sempre lembrado quando há problemas fiscais. É costume, por exemplo, sindicatos colocarem sobre a mesa a proposta do gravame sobre fortunas, quando se discute o sério desequilíbrio do sistema previdenciário.
Taxar o patrimônio dos ricos parece remédio para todos os males. Não é sem motivo, então, que em meio à mais grave crise fiscal da história, esteja para ser votado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado um projeto de lei com este objetivo.
De autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a proposta, relatada por Benedito de Lira (PP-AL), tem como alvo patrimônios superiores a R$ 2,5 milhões. A partir deste valor, começarão a incidir alíquotas a começar de 0,5%, numa progressão escalonada até chegar a 2,5%, aplicados sobre patrimônios acima de R$ 40 milhões.
O projeto destina a arrecadação para o SUS. Mas quem pensa que, assim, estarão resolvidos os problemas da saúde pública deve refrear o otimismo, porque taxar fortunas não é tão simples como parece. Há várias experiências no mundo que aconselham cautela antes de se contar com bilhões no Tesouro.
Uma questão a avaliar é o alto custo de fiscalização. Como se trata de um imposto declaratório — depende de o contribuinte declarar com fidedignidade os bens —, a arrecadação requer uma robusta máquina de fiscalização, cujo custo pode não compensar o que será coletado.
Tanto que, na América Latina, apenas Argentina, Colômbia e Uruguai têm este imposto. Há, ainda, o efeito perverso do incentivo à migração de patrimônios. Se manter propriedades no Brasil passa a ser muito gravoso, pode-se transferir o que for conveniente para o exterior e dar o mesmo destino aos investimentos familiares futuros. O resultado, aparentemente paradoxal, é uma redução real nos impostos recolhidos no país. Sem considerar a migração de empregos.
Esta é uma das explicações para, na década de 90, vários países europeus terem decidido acabar com o imposto sobre fortunas. As distâncias mais curtas dentro do continente também facilitam este tipo de migração de patrimônios. E foi assim que o gravame terminou revogado em Áustria, Itália, Dinamarca, Alemanha, Islândia, Finlândia, Suécia, Espanha e Grécia. Na Alemanha, chegou a ser declarado inconstitucional, devido ao seu caráter confiscatório.
O melhor a fazer é evitar a criação de mais um imposto num país de elevada carga tributária — e pior, um imposto de baixa eficiência e que ainda estimulará a fuga de riqueza e empregos. Não há escapatória à necessidade de se reduzirem os gastos gigantescos do Estado.
Ao ser incluída na Constituição de 88 a possibilidade de “grandes fortunas” serem taxadas, este imposto passou a transitar no imaginário das esquerdas — sempre prontas a punir a “burguesia” em atos de “justiça social” —, e é sempre lembrado quando há problemas fiscais. É costume, por exemplo, sindicatos colocarem sobre a mesa a proposta do gravame sobre fortunas, quando se discute o sério desequilíbrio do sistema previdenciário.
Taxar o patrimônio dos ricos parece remédio para todos os males. Não é sem motivo, então, que em meio à mais grave crise fiscal da história, esteja para ser votado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado um projeto de lei com este objetivo.
De autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a proposta, relatada por Benedito de Lira (PP-AL), tem como alvo patrimônios superiores a R$ 2,5 milhões. A partir deste valor, começarão a incidir alíquotas a começar de 0,5%, numa progressão escalonada até chegar a 2,5%, aplicados sobre patrimônios acima de R$ 40 milhões.
O projeto destina a arrecadação para o SUS. Mas quem pensa que, assim, estarão resolvidos os problemas da saúde pública deve refrear o otimismo, porque taxar fortunas não é tão simples como parece. Há várias experiências no mundo que aconselham cautela antes de se contar com bilhões no Tesouro.
Uma questão a avaliar é o alto custo de fiscalização. Como se trata de um imposto declaratório — depende de o contribuinte declarar com fidedignidade os bens —, a arrecadação requer uma robusta máquina de fiscalização, cujo custo pode não compensar o que será coletado.
Tanto que, na América Latina, apenas Argentina, Colômbia e Uruguai têm este imposto. Há, ainda, o efeito perverso do incentivo à migração de patrimônios. Se manter propriedades no Brasil passa a ser muito gravoso, pode-se transferir o que for conveniente para o exterior e dar o mesmo destino aos investimentos familiares futuros. O resultado, aparentemente paradoxal, é uma redução real nos impostos recolhidos no país. Sem considerar a migração de empregos.
Esta é uma das explicações para, na década de 90, vários países europeus terem decidido acabar com o imposto sobre fortunas. As distâncias mais curtas dentro do continente também facilitam este tipo de migração de patrimônios. E foi assim que o gravame terminou revogado em Áustria, Itália, Dinamarca, Alemanha, Islândia, Finlândia, Suécia, Espanha e Grécia. Na Alemanha, chegou a ser declarado inconstitucional, devido ao seu caráter confiscatório.
O melhor a fazer é evitar a criação de mais um imposto num país de elevada carga tributária — e pior, um imposto de baixa eficiência e que ainda estimulará a fuga de riqueza e empregos. Não há escapatória à necessidade de se reduzirem os gastos gigantescos do Estado.
Terceirização e reforma trabalhista - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Gazeta do Povo - 29/07
Apresentar um novo projeto contrariando a votação na Câmara do ano passado traz implicações políticas e econômicas
Em uma reunião na última quarta-feira (27), o governo abriu um canal de diálogo com as centrais sindicais para debater a reforma trabalhista. Na conversa, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, expôs as três linhas de mudanças que estão na pauta do presidente interino Michel Temer e saiu com o compromisso das centrais – excluindo-se CUT e CGT, que preferem esperar a votação final do impeachment antes de conversar – de que aceitam debater as mudanças.
A abertura de conversas com as centrais faz bastante sentido em duas das propostas: a criação de um mecanismo perene de manutenção de empregos nos moldes do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) e a revisão da legislação trabalhista para que as negociações possam prevalecer sobre o legislado. Sobre o terceiro ponto, a regulamentação da terceirização, é menos clara a necessidade de se retomar a discussão do início, pois um projeto de lei, já aprovado pela Câmara e nas mãos do Senado, tramita no Congresso desde 2004.
Na reunião, Nogueira disse que o governo estuda enviar um novo projeto sobre o tema para o Congresso. A ideia é que ele não legalize a terceirização das chamadas atividades-fim, ou seja, a contratação de prestadores de serviços no mesmo segmento de atuação da empresa contratante, contrariando o texto provado pela Câmara no ano passado. A regulamentação da terceirização da atividade-fim foi alvo de um debate amplo e prevaleceu entre os deputados federais o argumento de que ela é necessária para o setor privado e não reduz os direitos dos trabalhadores.
Apresentar um novo projeto contrariando a votação na Câmara do ano passado traz implicações políticas e econômicas. Do ponto de vista econômico, qualquer atraso na regulamentação aumenta a insegurança jurídica de empresas que precisam recorrer a prestadores de serviço para conduzir seus negócios. A terceirização é um modelo que permite a especialização de empresas em atividades que exigem o acúmulo de conhecimento e vai muito além do fornecimento de mão de obra para áreas tidas como secundárias, como segurança e limpeza.
É justamente nas áreas mais especializadas que a linha que divide atividades-meio e atividades-fim fica mais tênue. Empresas na fronteira tecnológica costumam terceirizar o desenvolvimento de partes de seus softwares e o design de partes de seus produtos. Mesmo em setores tradicionais, como a construção civil, a terceirização traz ganhos de especialização – uma empresa especializada em fundações, por exemplo, pode fazer obras em diversos canteiros de outras construtoras. Nada disso implica na contratação sem o respeito aos direitos trabalhistas
A inclusão do tema em uma nova negociação com sindicatos traria um sinal político importante e negativo. Em primeiro lugar, desvalorizaria uma votação já feita na Câmara. Além disso, tiraria do Senado a responsabilidade de avaliar o texto que recebeu. É certo que, assim como as centrais sindicais, as entidades empresariais também têm ressalvas sobre o texto que chegou ao Senado e será salutar que os senadores façam uma análise crítica do projeto.
Avançar imediatamente na votação do projeto de lei que está no Senado, portanto, não atropelaria o debate público. Quanto aos outros dois temas–novo modelo de PPE e a prevalência do negociado sobre o legislado –, a abertura do diálogo é bem-vinda. São dois assuntos que, ao amadurecer, podem contribuir para a melhoria do ambiente de negócios no Brasil.
Apresentar um novo projeto contrariando a votação na Câmara do ano passado traz implicações políticas e econômicas
Em uma reunião na última quarta-feira (27), o governo abriu um canal de diálogo com as centrais sindicais para debater a reforma trabalhista. Na conversa, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, expôs as três linhas de mudanças que estão na pauta do presidente interino Michel Temer e saiu com o compromisso das centrais – excluindo-se CUT e CGT, que preferem esperar a votação final do impeachment antes de conversar – de que aceitam debater as mudanças.
A abertura de conversas com as centrais faz bastante sentido em duas das propostas: a criação de um mecanismo perene de manutenção de empregos nos moldes do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) e a revisão da legislação trabalhista para que as negociações possam prevalecer sobre o legislado. Sobre o terceiro ponto, a regulamentação da terceirização, é menos clara a necessidade de se retomar a discussão do início, pois um projeto de lei, já aprovado pela Câmara e nas mãos do Senado, tramita no Congresso desde 2004.
Na reunião, Nogueira disse que o governo estuda enviar um novo projeto sobre o tema para o Congresso. A ideia é que ele não legalize a terceirização das chamadas atividades-fim, ou seja, a contratação de prestadores de serviços no mesmo segmento de atuação da empresa contratante, contrariando o texto provado pela Câmara no ano passado. A regulamentação da terceirização da atividade-fim foi alvo de um debate amplo e prevaleceu entre os deputados federais o argumento de que ela é necessária para o setor privado e não reduz os direitos dos trabalhadores.
Apresentar um novo projeto contrariando a votação na Câmara do ano passado traz implicações políticas e econômicas. Do ponto de vista econômico, qualquer atraso na regulamentação aumenta a insegurança jurídica de empresas que precisam recorrer a prestadores de serviço para conduzir seus negócios. A terceirização é um modelo que permite a especialização de empresas em atividades que exigem o acúmulo de conhecimento e vai muito além do fornecimento de mão de obra para áreas tidas como secundárias, como segurança e limpeza.
É justamente nas áreas mais especializadas que a linha que divide atividades-meio e atividades-fim fica mais tênue. Empresas na fronteira tecnológica costumam terceirizar o desenvolvimento de partes de seus softwares e o design de partes de seus produtos. Mesmo em setores tradicionais, como a construção civil, a terceirização traz ganhos de especialização – uma empresa especializada em fundações, por exemplo, pode fazer obras em diversos canteiros de outras construtoras. Nada disso implica na contratação sem o respeito aos direitos trabalhistas
A inclusão do tema em uma nova negociação com sindicatos traria um sinal político importante e negativo. Em primeiro lugar, desvalorizaria uma votação já feita na Câmara. Além disso, tiraria do Senado a responsabilidade de avaliar o texto que recebeu. É certo que, assim como as centrais sindicais, as entidades empresariais também têm ressalvas sobre o texto que chegou ao Senado e será salutar que os senadores façam uma análise crítica do projeto.
Avançar imediatamente na votação do projeto de lei que está no Senado, portanto, não atropelaria o debate público. Quanto aos outros dois temas–novo modelo de PPE e a prevalência do negociado sobre o legislado –, a abertura do diálogo é bem-vinda. São dois assuntos que, ao amadurecer, podem contribuir para a melhoria do ambiente de negócios no Brasil.
O conto da repatriação - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 29/07
A crer nas declarações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o Planalto já teria rejeitado a ideia de atenuar a lei de anistia a quem remeteu dinheiro ao exterior clandestinamente. Espera-se que sua convicção se prove correta, mas há motivos para desconfiar.
Surgiram informações de que estudos sobre mudanças no programa de repatriação foram conduzidos no entorno de Michel Temer (PMDB) e de que o presidente interino se dispõe a analisar modificações que tornem mais sedutora a norma que entrou em vigor neste ano, antes de Dilma Rousseff (PT) ser afastada do Planalto.
Existe no governo certa frustração com os resultados da lei. Contava-se que, com os impostos (alíquota de 15%) e as multas (outros 15%) pagos por brasileiros para regularizar recursos mantidos ilegalmente fora, a arrecadação adicional chegaria a R$ 21 bilhões. Por ora, está na casa de R$ 8 bilhões.
Uma das sugestões para estimular a reentrada de dinheiro partiu de escritórios de advocacia interessados em facilitar a vida de seus clientes: a tributação e a multa incidiriam somente sobre o saldo em conta no dia 31 de dezembro de 2014, não sobre o que tenha sido gasto antes dessa data.
É fácil ver que a mudança atende os interesses de quem tem ativos irregulares no exterior. Difícil é entender como um governo sério poderia concordar com tamanha doçura diante de uma ilegalidade.
As necessidades contábeis não podem ser postas à frente do respeito à lei e dos mandamentos éticos.
Não custa lembrar que anistias desse tipo, por sua própria natureza, tendem a ser um prêmio para quem andou à margem da lei e um desrespeito com quem observou as devidas formalidades legais.
Além disso, criam renovadas expectativas de impunidade e podem beneficiar quem, por meio da sonegação, obteve vantagens competitivas em sua atividade.
No caso específico da lei da repatriação, a experiência internacional comprova potencial não desprezível de arrecadação. Nem por isso o Brasil poderia abrir mão de contrapartidas, muito menos suavizá-las após entrarem em vigor.
Talvez, vendo o aperto orçamentário do país, alguns tenham calculado que poderiam induzir o governo a rever os termos da lei. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parece ser um deles.
Aperto, mesmo, enfrenta quem mantém dinheiro não declarado no exterior. Em 2018 o Brasil terá acesso a dados tributários de 97 países, como parte de convênio de intercâmbio de informações na área.
Como ficarão vulneráveis a processos criminais, os sonegadores não encontrarão incentivo maior que esse para regularizar ativos.
A crer nas declarações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o Planalto já teria rejeitado a ideia de atenuar a lei de anistia a quem remeteu dinheiro ao exterior clandestinamente. Espera-se que sua convicção se prove correta, mas há motivos para desconfiar.
Surgiram informações de que estudos sobre mudanças no programa de repatriação foram conduzidos no entorno de Michel Temer (PMDB) e de que o presidente interino se dispõe a analisar modificações que tornem mais sedutora a norma que entrou em vigor neste ano, antes de Dilma Rousseff (PT) ser afastada do Planalto.
Existe no governo certa frustração com os resultados da lei. Contava-se que, com os impostos (alíquota de 15%) e as multas (outros 15%) pagos por brasileiros para regularizar recursos mantidos ilegalmente fora, a arrecadação adicional chegaria a R$ 21 bilhões. Por ora, está na casa de R$ 8 bilhões.
Uma das sugestões para estimular a reentrada de dinheiro partiu de escritórios de advocacia interessados em facilitar a vida de seus clientes: a tributação e a multa incidiriam somente sobre o saldo em conta no dia 31 de dezembro de 2014, não sobre o que tenha sido gasto antes dessa data.
É fácil ver que a mudança atende os interesses de quem tem ativos irregulares no exterior. Difícil é entender como um governo sério poderia concordar com tamanha doçura diante de uma ilegalidade.
As necessidades contábeis não podem ser postas à frente do respeito à lei e dos mandamentos éticos.
Não custa lembrar que anistias desse tipo, por sua própria natureza, tendem a ser um prêmio para quem andou à margem da lei e um desrespeito com quem observou as devidas formalidades legais.
Além disso, criam renovadas expectativas de impunidade e podem beneficiar quem, por meio da sonegação, obteve vantagens competitivas em sua atividade.
No caso específico da lei da repatriação, a experiência internacional comprova potencial não desprezível de arrecadação. Nem por isso o Brasil poderia abrir mão de contrapartidas, muito menos suavizá-las após entrarem em vigor.
Talvez, vendo o aperto orçamentário do país, alguns tenham calculado que poderiam induzir o governo a rever os termos da lei. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parece ser um deles.
Aperto, mesmo, enfrenta quem mantém dinheiro não declarado no exterior. Em 2018 o Brasil terá acesso a dados tributários de 97 países, como parte de convênio de intercâmbio de informações na área.
Como ficarão vulneráveis a processos criminais, os sonegadores não encontrarão incentivo maior que esse para regularizar ativos.