O ESTADÃO - 07/07
O êxito de uma travessia, em águas revoltas e insidiosas, é alcançar a outra margem, sem grandes perdas.
Não se pode cobrar, portanto, do governo interino de Temer grandes ousadias, como reclama o mercado. Afinal, ele tem de gerir a mais calamitosa herança governamental de que se tem notícia na história brasileira. Tem de enfrentar uma ardilosa guerrilha política, os caprichos de parlamentares viciados em práticas pouco virtuosas e um processo de impeachment, excessivamente formalista. A ansiedade por medidas, que demonstrem a disposição de enfrentar o dramático déficit fiscal, desconsidera as restrições de natureza política.
Os reajustes de servidores públicos, já aprovados na Câmara e os que ainda não integram os projetos de lei – como os dos funcionários da Receita Federal –, constituem compromissos que, conquanto não tenham valor jurídico, devem ser honrados, porque foi empenhada a palavra do Estado. Esse entendimento não autoriza concluir que a celebração desses acordos, tal como ocorre entre empresas e sindicatos, deva ser a forma de negociar reajustes de vencimentos de servidores. A rigor, representa um flagrante menosprezo ao papel constitucional do Congresso e às regras de responsabilidade fiscal.
O legado maldito inclui também os imprevisíveis “esqueletos” financeiros, constituídos principalmente pela necessidade de aporte financeiro às estatais, e a caótica situação dos Estados e municípios, fruto da imprevidência fiscal e da recessão econômica.
O Rio de Janeiro, sede da Olimpíada, é o exemplo mais visível da situação falimentar da grande maioria das entidades subnacionais. A expansão descontrolada das despesas de custeio, em parte sustentada pelas instáveis receitas dos royalties, e a liberalidade na concessão de incentivos fiscais inconstitucionais converteram o Rio em uma espécie de Grécia do Sul, em que os aposentados não recebem vencimentos e a polícia recepciona os turistas com um “bem-vindo ao inferno”, ao mesmo tempo que houve o sucateamento da saúde pública e a instituição do império do crime pelos marginais.
Todos os especialistas sabem que não haverá equilíbrio fiscal sem uma profunda reforma da Previdência Social. Seu custeio responde praticamente por todo déficit fiscal. Essa imprescindível reforma, contudo, requer um tempo de maturação incompatível com a travessia.
A prudência para reconhecer os fatos consumados e postergar as reformas politicamente mais sensíveis não significa abdicar de iniciativas que possam sinalizar um novo rumo. Em menos de dois meses da interinidade, logrou-se a aprovação da Lei das Estatais, que pretende evitar o indevido uso político daquelas entidades. Afora isso, o bom encaminhamento da DRU, da Lei de Qualidade Fiscal e da renegociação da dívida com os Estados, ainda que pendentes de aprovação pelo Congresso, constituem avanços em favor do equilíbrio e da governança fiscal.
A PEC de limitação dos gastos públicos, por ora, deve ser entendida apenas como uma intenção. Ela é claudicante, ao preservar erros apontados em artigo anterior (A travessia e seus desafios, 2/6). Deveria, além disso, alinhar medidas preventivas para deter o crescimento das despesas e não anunciar improdutivas penas pelo descumprimento desse objetivo. Insisto na revisão da malsinada lei de regularização de ativos irregulares no exterior.
De igual forma, é imprescindível conferir liquidez à montanha de recursos represada na dívida ativa e no contencioso administrativo. Uma boa pista seria construir outra regra para o ágio, cuidando de recuperar receitas, cujo destino será o longo caminho do debate constitucional.
Rever os incentivos fiscais pode ser uma boa oportunidade para rediscutir a matéria e detectar prováveis focos de corrupção. Um mau presságio é a pretensão de legalizar os jogos de azar, uma das mais elaboradas formas de lavar dinheiro, promover o crime e estimular o transtorno do jogo, onerando desnecessariamente os combalidos serviços de saúde.
*Consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
quinta-feira, julho 07, 2016
A despiora nas lojas - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 07/07
O comércio paulista está parando de piorar. Tanto que os economistas da Federação do Comércio de São Paulo se animaram a refazer as estimativas do faturamento para o ano de modo até otimista.
Quer dizer, otimista para os tempos que correm. Em vez de encolher, o valor das vendas do varejo ficaria estagnado neste 2016. A projeção anterior, baseada em dados disponíveis até dezembro de 2015, era de queda de 5% (em termos reais: já descontada a inflação).
Há outros indícios recentes, embora tênues, de fundo do poço na vida real, talvez até por exaustão (embora as coisas sempre pudessem piorar, a caminho da depressão).
O preço do metro quadrado dos imóveis anunciados em São Paulo parou de cair, por exemplo, embora ainda baixe ao ritmo de 7,6% ao ano (nos 12 meses até junho, em termos reais), conta baseada no índice FipeZap. O preço médio cai desde janeiro de 2015. Mas subia mais de 5% ao ano ainda em junho de 2014. Em junho de 2012, a insustentáveis 14% ao ano.
COMÉRCIO GRANDE
Voltando ao comércio paulista, trata-se de um negócio grande, com faturamento anual que anda pela casa de R$ 564 bilhões, equivalente a quase 10% do PIB, do tamanho da economia brasileira.
Apesar da despiora esperada pela FecomercioSP, a desgraça é grande. O valor das vendas está 10,6% abaixo do pico alcançado em fevereiro de 2014. Houve uma perda de quase R$ 67 bilhões no valor de vendas. É como se todas as lojas do Estado mais rico do país ficassem fechadas por um mês e meio.
De onde veio a ligeira despiora de ânimos? Segundo dados divulgados nesta quarta (6), nos 12 meses contados até abril, o faturamento caía ainda ao ritmo de 6% (sobre igual período anterior). No entanto, a queda dos primeiros quatro meses de ano sobre o primeiro terço ano passado foi menor, de 2%.
Além do mais, a confiança dos consumidores aumentou nos últimos dois meses. "Se mantida", pode fazer a melhora nas vendas ficar visível entre julho e outubro, estimam os economistas da Fecomercio.
A despiora se deveu ao "desempenho acima do esperado dos setores de supermercado e farmácias e perfumarias". O conjunto dessas lojas está faturando 5% mais, nos últimos 12 meses.
Em termos anuais, quem padece mais são as lojas de eletrodomésticos, as concessionárias de veículos e as lojas de material de construção, todas com perdas de faturamento superiores a 15% em 12 meses. O comércio de roupas, com perda de 12,5%, e o de móveis, com queda de 9,5%, não estão muito longe.
O valor das vendas de eletrodomésticos encolhe desde dezembro de 2013. O de veículos, desde junho de 2014. As vendas desses produtos foram aquelas que mais receberam estímulos no governo Dilma 1, por meio de reduções de impostos sobre a produção industrial, entre outros.
Além da recessão, parece ter havido esgotamento da capacidade e do interesse de consumir esses bens. Era como se o governo estivesse promovendo uma pedalada no consumo, insustentável e que deixou algum buraco na receita de impostos.
Enfim, essas melhoras de ânimo na economia em geral são muito tênues e, por ora, se sustentam apenas na promessa de começo de fim da desordem no governo.
O comércio paulista está parando de piorar. Tanto que os economistas da Federação do Comércio de São Paulo se animaram a refazer as estimativas do faturamento para o ano de modo até otimista.
Quer dizer, otimista para os tempos que correm. Em vez de encolher, o valor das vendas do varejo ficaria estagnado neste 2016. A projeção anterior, baseada em dados disponíveis até dezembro de 2015, era de queda de 5% (em termos reais: já descontada a inflação).
Há outros indícios recentes, embora tênues, de fundo do poço na vida real, talvez até por exaustão (embora as coisas sempre pudessem piorar, a caminho da depressão).
O preço do metro quadrado dos imóveis anunciados em São Paulo parou de cair, por exemplo, embora ainda baixe ao ritmo de 7,6% ao ano (nos 12 meses até junho, em termos reais), conta baseada no índice FipeZap. O preço médio cai desde janeiro de 2015. Mas subia mais de 5% ao ano ainda em junho de 2014. Em junho de 2012, a insustentáveis 14% ao ano.
COMÉRCIO GRANDE
Voltando ao comércio paulista, trata-se de um negócio grande, com faturamento anual que anda pela casa de R$ 564 bilhões, equivalente a quase 10% do PIB, do tamanho da economia brasileira.
Apesar da despiora esperada pela FecomercioSP, a desgraça é grande. O valor das vendas está 10,6% abaixo do pico alcançado em fevereiro de 2014. Houve uma perda de quase R$ 67 bilhões no valor de vendas. É como se todas as lojas do Estado mais rico do país ficassem fechadas por um mês e meio.
De onde veio a ligeira despiora de ânimos? Segundo dados divulgados nesta quarta (6), nos 12 meses contados até abril, o faturamento caía ainda ao ritmo de 6% (sobre igual período anterior). No entanto, a queda dos primeiros quatro meses de ano sobre o primeiro terço ano passado foi menor, de 2%.
Além do mais, a confiança dos consumidores aumentou nos últimos dois meses. "Se mantida", pode fazer a melhora nas vendas ficar visível entre julho e outubro, estimam os economistas da Fecomercio.
A despiora se deveu ao "desempenho acima do esperado dos setores de supermercado e farmácias e perfumarias". O conjunto dessas lojas está faturando 5% mais, nos últimos 12 meses.
Em termos anuais, quem padece mais são as lojas de eletrodomésticos, as concessionárias de veículos e as lojas de material de construção, todas com perdas de faturamento superiores a 15% em 12 meses. O comércio de roupas, com perda de 12,5%, e o de móveis, com queda de 9,5%, não estão muito longe.
O valor das vendas de eletrodomésticos encolhe desde dezembro de 2013. O de veículos, desde junho de 2014. As vendas desses produtos foram aquelas que mais receberam estímulos no governo Dilma 1, por meio de reduções de impostos sobre a produção industrial, entre outros.
Além da recessão, parece ter havido esgotamento da capacidade e do interesse de consumir esses bens. Era como se o governo estivesse promovendo uma pedalada no consumo, insustentável e que deixou algum buraco na receita de impostos.
Enfim, essas melhoras de ânimo na economia em geral são muito tênues e, por ora, se sustentam apenas na promessa de começo de fim da desordem no governo.
À espera do petróleo - CELSO MING
O ESTADÃO - 07/07
O Brasil tem gigantescas reservas potenciais de petróleo e gás, mas já perdeu muito com a falta de pressa em explorá-las
A coluna de terça-feira sugeriu que um dos setores que deveriam ser acionados pelo governo para relançar o crescimento da produção e da renda é o agropecuário. Outro é o do petróleo e gás.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou nessa terça-feira que a produção nacional de petróleo e gás natural atingiu, em maio, 3,2 milhões de barris diários, graças à produção do pré-sal que atingiu o recorde de 1,1 milhão de barris diários.
Também nessa terça, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou que pretende realizar nos próximos 12 meses leilões de quatro áreas do pré-sal junto com áreas de outras bacias, pondo fim a uma temporada de espera que coincidiu com o quase colapso da Petrobrás. A sugestão é mais do que oportuna.
Os preços internacionais do barril de petróleo vêm oscilando entre US$ 45 e US$ 50, bem acima do fundo do poço de US$ 30 por barril em janeiro de 2016. O novo nível de preços parece indicar viabilidade para novos negócios, especialmente no pré-sal. Mais do que isso, desta vez aumentam as pressões políticas para a retomada dos investimentos, especialmente porque ficou premente para Estados e municípios a necessidade de aumentar a arrecadação com royalties.
No entanto, para garantir eficácia aos novos leilões, é preciso urgência no ajuste das regras do jogo. É necessário o quanto antes aprovar o projeto de lei que desobriga a Petrobrás de participar de pelo menos 30% de todo projeto do pré-sal e de ser a única operadora. São condições irrealistas diante da situação financeira precária da empresa. Também se deve estabelecer critérios de unitização, que são procedimentos que definem direitos de produção e de participação nos resultados quando há ligação física entre blocos ou áreas. Sem esses acordos, os investimentos ficam paralisados por falta de distribuição adequada de ônus e benefícios.
Outra área que necessita de revisão é a exagerada obrigatoriedade de conteúdo nacional nos equipamentos do setor. Uma irracionalidade que prevaleceu nos governos do PT foi o entendimento de que a produção de petróleo no País deveria financiar a expansão da indústria de sondas, plataformas, embarcações de apoio, etc. As regras foram tão rígidas que produziram graves distorções e efeito contrário ao pretendido. Aumentaram o custo de produção da Petrobrás, sem garantir o desenvolvimento da indústria. A Sete Brasil, principal empreendimento desse tipo, está em situação pré-falimentar. E as encomendas aos demais estaleiros vêm sendo canceladas ou tendo revistos seus cronogramas.
O Brasil tem gigantescas reservas potenciais de petróleo e gás, mas já perdeu muito com a falta de pressa em explorá-las. As pressões internacionais pelo fim da queima de combustíveis fósseis e o rápido desenvolvimento dos veículos elétricos podem não ter determinado ainda o fim da era do petróleo, mas, certamente, o estão apressando. O maior risco para as próximas gerações não é o de que as atuais estejam acabando com uma grande riqueza. É o de que reservas enormes acabem definitivamente no subsolo porque as atuais gerações não souberam explorá-las a tempo.
CONFIRA:
Aí está a evolução do saldo das cadernetas de poupança.
Recessão e desemprego
Em seis meses, foi o maior volume de saques líquidos: R$ 42,6 bilhões. Apenas em junho, foram R$ 3,7 bilhões. As razões desse desempenho ruim vão se repetindo. É a remuneração mais baixa do que a proporcionada pelos outros títulos de renda fixa em consequência do nível elevado da Selic (14,25% ao ano); e a recessão e o desemprego que obrigam os aplicadores a reforçar seu orçamento doméstico com suas reservas. É um quadro que não deve reverter-se tão cedo.
O Brasil tem gigantescas reservas potenciais de petróleo e gás, mas já perdeu muito com a falta de pressa em explorá-las
A coluna de terça-feira sugeriu que um dos setores que deveriam ser acionados pelo governo para relançar o crescimento da produção e da renda é o agropecuário. Outro é o do petróleo e gás.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou nessa terça-feira que a produção nacional de petróleo e gás natural atingiu, em maio, 3,2 milhões de barris diários, graças à produção do pré-sal que atingiu o recorde de 1,1 milhão de barris diários.
Também nessa terça, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou que pretende realizar nos próximos 12 meses leilões de quatro áreas do pré-sal junto com áreas de outras bacias, pondo fim a uma temporada de espera que coincidiu com o quase colapso da Petrobrás. A sugestão é mais do que oportuna.
Os preços internacionais do barril de petróleo vêm oscilando entre US$ 45 e US$ 50, bem acima do fundo do poço de US$ 30 por barril em janeiro de 2016. O novo nível de preços parece indicar viabilidade para novos negócios, especialmente no pré-sal. Mais do que isso, desta vez aumentam as pressões políticas para a retomada dos investimentos, especialmente porque ficou premente para Estados e municípios a necessidade de aumentar a arrecadação com royalties.
No entanto, para garantir eficácia aos novos leilões, é preciso urgência no ajuste das regras do jogo. É necessário o quanto antes aprovar o projeto de lei que desobriga a Petrobrás de participar de pelo menos 30% de todo projeto do pré-sal e de ser a única operadora. São condições irrealistas diante da situação financeira precária da empresa. Também se deve estabelecer critérios de unitização, que são procedimentos que definem direitos de produção e de participação nos resultados quando há ligação física entre blocos ou áreas. Sem esses acordos, os investimentos ficam paralisados por falta de distribuição adequada de ônus e benefícios.
Outra área que necessita de revisão é a exagerada obrigatoriedade de conteúdo nacional nos equipamentos do setor. Uma irracionalidade que prevaleceu nos governos do PT foi o entendimento de que a produção de petróleo no País deveria financiar a expansão da indústria de sondas, plataformas, embarcações de apoio, etc. As regras foram tão rígidas que produziram graves distorções e efeito contrário ao pretendido. Aumentaram o custo de produção da Petrobrás, sem garantir o desenvolvimento da indústria. A Sete Brasil, principal empreendimento desse tipo, está em situação pré-falimentar. E as encomendas aos demais estaleiros vêm sendo canceladas ou tendo revistos seus cronogramas.
O Brasil tem gigantescas reservas potenciais de petróleo e gás, mas já perdeu muito com a falta de pressa em explorá-las. As pressões internacionais pelo fim da queima de combustíveis fósseis e o rápido desenvolvimento dos veículos elétricos podem não ter determinado ainda o fim da era do petróleo, mas, certamente, o estão apressando. O maior risco para as próximas gerações não é o de que as atuais estejam acabando com uma grande riqueza. É o de que reservas enormes acabem definitivamente no subsolo porque as atuais gerações não souberam explorá-las a tempo.
CONFIRA:
Aí está a evolução do saldo das cadernetas de poupança.
Recessão e desemprego
Em seis meses, foi o maior volume de saques líquidos: R$ 42,6 bilhões. Apenas em junho, foram R$ 3,7 bilhões. As razões desse desempenho ruim vão se repetindo. É a remuneração mais baixa do que a proporcionada pelos outros títulos de renda fixa em consequência do nível elevado da Selic (14,25% ao ano); e a recessão e o desemprego que obrigam os aplicadores a reforçar seu orçamento doméstico com suas reservas. É um quadro que não deve reverter-se tão cedo.
Para evitar outra Encol - ELPIDIO ALVES PINHEIRO
O GLOBO - 07/07
A crise política e econômica por que passa o país vem provocando uma deterioração contínua do mercado imobiliário. Se, por um lado, afeta direta e violentamente as incorporadoras, por outro, deixa ainda mais descoberto o lado mais fraco da relação: os mutuários.
Os cidadãos que adquiriram um imóvel na planta são vítimas do descumprimento de uma lei, por parte das construtoras, que deveria garantir proteção para esses mutuários.
Trata-se da lei 10.931, de 2004, criada para minimizar riscos e aumentar a segurança dos mutuários que adquirem imóvel na planta, definindo o que é chamado “patrimônio de afetação”. Segundo esta lei, as incorporadoras que optarem por este instrumento jurídico recebem benefícios fiscais e, em contrapartida, são obrigadas a manter, por exemplo, uma conta corrente única daquele empreendimento, permitindo que os interessados tenham acesso e saibam que aquela conta é exclusiva e não será utilizada com outros negócios da incorporadora.
Assim, no caso de dificuldades financeiras, o patrimônio do mutuário estará intacto e poderá ser resgatado sem prejuízos. Além disso, a lei determina que seja instituída uma comissão de representantes dos mutuários para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação. Mas, na prática, nada disso ocorre.
As incorporadoras não têm o hábito de criar essas comissões exigidas por lei e, assim, aos consumidores não é permitido o acesso às informações contábeis e financeiras de seus empreendimentos cujo patrimônio legalmente está afetado.
Importante lembrar que a legislação em questão foi criada na esteira dos estragos causados pela falência da Encol, que provocou paralisação de centenas de obras em todas as regiões do país e deixou dezenas de milhares de famílias sem a casa própria no final dos anos 90.
O incentivo fiscal se tornou unicamente instrumento de redução de custos tributários e de estímulo do governo ao setor imobiliário. Não há qualquer fiscalização da Receita Federal para saber se, de fato, os incorporadores afetaram os empreendimentos nos quais gozam do benefício fiscal e se os consumidores estão com seu patrimônio protegido. O benefício representa uma renúncia fiscal anual de cerca de R$ 2,4 bilhões. O descumprimento da lei deve implicar na perda imediata desses benefícios.
Essa medida, além de cumprir a lei, permitiria uma receita extra importante para os cofres públicos num momento em que a economia está instável, e não há previsão de melhora no quadro no curto prazo. Enquanto o Brasil amplia o gasto com os subsídios e incentivos ao setor privado — segundo a FGV, os incentivos passaram a representar 6,2% do PIB, ante 4,2% em 2008 —, a economia sucumbe, e alguns setores ganham sem oferecer nada em troca à sociedade.
O incentivo fiscal oferecido às incorporadoras e que tem se mostrado sem utilidade aparente, a não ser o enriquecimento de uma classe empresarial específica, pode representar muito mais do que apenas um descumprimento da lei e uma perda de arrecadação. Pode ser uma nova Encol. O Brasil não pode permitir que isso aconteça de novo.
Elpidio Alves Pinheiro é engenheiro civil
A crise política e econômica por que passa o país vem provocando uma deterioração contínua do mercado imobiliário. Se, por um lado, afeta direta e violentamente as incorporadoras, por outro, deixa ainda mais descoberto o lado mais fraco da relação: os mutuários.
Os cidadãos que adquiriram um imóvel na planta são vítimas do descumprimento de uma lei, por parte das construtoras, que deveria garantir proteção para esses mutuários.
Trata-se da lei 10.931, de 2004, criada para minimizar riscos e aumentar a segurança dos mutuários que adquirem imóvel na planta, definindo o que é chamado “patrimônio de afetação”. Segundo esta lei, as incorporadoras que optarem por este instrumento jurídico recebem benefícios fiscais e, em contrapartida, são obrigadas a manter, por exemplo, uma conta corrente única daquele empreendimento, permitindo que os interessados tenham acesso e saibam que aquela conta é exclusiva e não será utilizada com outros negócios da incorporadora.
Assim, no caso de dificuldades financeiras, o patrimônio do mutuário estará intacto e poderá ser resgatado sem prejuízos. Além disso, a lei determina que seja instituída uma comissão de representantes dos mutuários para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação. Mas, na prática, nada disso ocorre.
As incorporadoras não têm o hábito de criar essas comissões exigidas por lei e, assim, aos consumidores não é permitido o acesso às informações contábeis e financeiras de seus empreendimentos cujo patrimônio legalmente está afetado.
Importante lembrar que a legislação em questão foi criada na esteira dos estragos causados pela falência da Encol, que provocou paralisação de centenas de obras em todas as regiões do país e deixou dezenas de milhares de famílias sem a casa própria no final dos anos 90.
O incentivo fiscal se tornou unicamente instrumento de redução de custos tributários e de estímulo do governo ao setor imobiliário. Não há qualquer fiscalização da Receita Federal para saber se, de fato, os incorporadores afetaram os empreendimentos nos quais gozam do benefício fiscal e se os consumidores estão com seu patrimônio protegido. O benefício representa uma renúncia fiscal anual de cerca de R$ 2,4 bilhões. O descumprimento da lei deve implicar na perda imediata desses benefícios.
Essa medida, além de cumprir a lei, permitiria uma receita extra importante para os cofres públicos num momento em que a economia está instável, e não há previsão de melhora no quadro no curto prazo. Enquanto o Brasil amplia o gasto com os subsídios e incentivos ao setor privado — segundo a FGV, os incentivos passaram a representar 6,2% do PIB, ante 4,2% em 2008 —, a economia sucumbe, e alguns setores ganham sem oferecer nada em troca à sociedade.
O incentivo fiscal oferecido às incorporadoras e que tem se mostrado sem utilidade aparente, a não ser o enriquecimento de uma classe empresarial específica, pode representar muito mais do que apenas um descumprimento da lei e uma perda de arrecadação. Pode ser uma nova Encol. O Brasil não pode permitir que isso aconteça de novo.
Elpidio Alves Pinheiro é engenheiro civil
Política explícita - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 07/07
Governo é interino, depende de votos de senadores, que não gostam de brigar com o funcionalismo
Os reajustes já concedidos ao funcionalismo público federal custarão R$ 68,7 bilhões nos próximos três anos. Sem problemas, diz o pessoal do governo Temer. Esse gasto estava previsto e cabe no processo de ajuste fiscal, que, aliás, prevê déficits nos próximos dois a três anos.
Entenderam?
O governo promete um ajuste, ou seja, a redução do déficit e um futuro superávit. Então, espeta uma despesa de quase R$ 70 bi — e tudo bem? Para qualquer pessoa de bom senso, a conversa é simples: sem os reajustes, o déficit seria expressivamente menor, de maneira que o ajuste exigiria menos sacrifício em outros setores e menos endividamento.
Toda vez que o presidente Temer e seus economistas tentam explicar que a lógica é diferente, a coisa só piora. Por exemplo: dizem que esse gasto com o funcionalismo já estava previsto e se trata de um reajuste abaixo da inflação.
Então imagine: você está com suas contas no vermelho, e anuncia para a família que está comprando um carro. Seu pessoal se inquieta: então vamos aumentar nossa dívida? E você: sem problema, estava previsto, e o carro está com um preço bom.
A mesma coisa vale para o alívio concedido na dívida dos governos estaduais. Mais dinheiro para os estados, menos receita para a União, logo, maior o déficit federal, mas estava previsto, cabe no ajuste etc...
Tudo considerado, era mais simples ficar no óbvio: o governo é interino, depende de votos de senadores e seus partidos, os quais querem atender a suas bases estaduais e não gostam de brigar com o funcionalismo.
Tradução: o governo está adquirindo seu mandato efetivo. Além disso, os operadores políticos de Temer dizem que estão trocando concessões por votação de matérias importantes para o ajuste futuro das contas.
Sendo assim, eis a questão seguinte: conseguindo o mandato com tais concessões, o governo terá força para depois impor seu programa, para governar como promete ao público?
Terá, garante um amigo nosso, parlamentar de muitos anos, que explica sua convicção de um modo, digamos, popular.
Assim: “Por enquanto, o presidente não é presidente. É interino, depende de uns votos de senadores e seus aliados. E esses não aliviam. Chegam lá no gabinete, vão entrando e cantando de galo: ‘Ô Michel, eu quero no mínimo uma diretoria e duas secretarias de ministério bom’. Depois de votado o impeachment, mandato assegurado, a história é outra. Os mesmos caras vão chegar lá pedindo licença e cumprimentando: ‘Presidente, como vai o senhor?...”
Política explícita.
Parece que a equipe econômica acredita nisso. O ministro Henrique Meirelles cercou-se de fiscalistas — gente que leva a sério o equilíbrio das contas públicas — e garante que tem a fórmula para tocar o ajuste. A peça chave é a proposta de emenda constitucional estabelecendo que o gasto do governo federal de um ano é o mesmo do ano passado mais a inflação decorrida.
Trata-se, portanto, de um congelamento do gasto real. Quando a economia voltar a crescer, em dez anos a despesa do governo federal terá uma queda equivalente a cinco pontos percentuais do PIB. É dinheiro.
Com isso e mais a reforma da Previdência, outro ponto chave da proposta de Meirelles, será possível voltar ao superávit e à redução do endividamento.
É o roteiro da equipe econômica.
Seria o mesmo da equipe política?
Vamos falar francamente: o congelamento real das despesas muda um hábito político antigo, o de que sempre cabe mais alguma clientela no gasto público. E sempre cabe porque as demandas são sempre justas.
O modo como o pessoal do governo Temer justifica os aumentos do funcionalismo é a expressão exata dessa mentalidade: não tem dinheiro, vai aumentar o déficit, mas sabe como é... o pessoal está merecendo.
O mesmo para o alívio da dívida dos estados — os governos estaduais gastaram além da conta, mas sabe como é... estão precisando. E assim vai.
E convém reparar: reforma da Previdência e teto para o gasto público dependem de emenda constitucional, com maioria de três quintos dos votos na Câmara e no Senado.
Haja política explícita.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Governo é interino, depende de votos de senadores, que não gostam de brigar com o funcionalismo
Os reajustes já concedidos ao funcionalismo público federal custarão R$ 68,7 bilhões nos próximos três anos. Sem problemas, diz o pessoal do governo Temer. Esse gasto estava previsto e cabe no processo de ajuste fiscal, que, aliás, prevê déficits nos próximos dois a três anos.
Entenderam?
O governo promete um ajuste, ou seja, a redução do déficit e um futuro superávit. Então, espeta uma despesa de quase R$ 70 bi — e tudo bem? Para qualquer pessoa de bom senso, a conversa é simples: sem os reajustes, o déficit seria expressivamente menor, de maneira que o ajuste exigiria menos sacrifício em outros setores e menos endividamento.
Toda vez que o presidente Temer e seus economistas tentam explicar que a lógica é diferente, a coisa só piora. Por exemplo: dizem que esse gasto com o funcionalismo já estava previsto e se trata de um reajuste abaixo da inflação.
Então imagine: você está com suas contas no vermelho, e anuncia para a família que está comprando um carro. Seu pessoal se inquieta: então vamos aumentar nossa dívida? E você: sem problema, estava previsto, e o carro está com um preço bom.
A mesma coisa vale para o alívio concedido na dívida dos governos estaduais. Mais dinheiro para os estados, menos receita para a União, logo, maior o déficit federal, mas estava previsto, cabe no ajuste etc...
Tudo considerado, era mais simples ficar no óbvio: o governo é interino, depende de votos de senadores e seus partidos, os quais querem atender a suas bases estaduais e não gostam de brigar com o funcionalismo.
Tradução: o governo está adquirindo seu mandato efetivo. Além disso, os operadores políticos de Temer dizem que estão trocando concessões por votação de matérias importantes para o ajuste futuro das contas.
Sendo assim, eis a questão seguinte: conseguindo o mandato com tais concessões, o governo terá força para depois impor seu programa, para governar como promete ao público?
Terá, garante um amigo nosso, parlamentar de muitos anos, que explica sua convicção de um modo, digamos, popular.
Assim: “Por enquanto, o presidente não é presidente. É interino, depende de uns votos de senadores e seus aliados. E esses não aliviam. Chegam lá no gabinete, vão entrando e cantando de galo: ‘Ô Michel, eu quero no mínimo uma diretoria e duas secretarias de ministério bom’. Depois de votado o impeachment, mandato assegurado, a história é outra. Os mesmos caras vão chegar lá pedindo licença e cumprimentando: ‘Presidente, como vai o senhor?...”
Política explícita.
Parece que a equipe econômica acredita nisso. O ministro Henrique Meirelles cercou-se de fiscalistas — gente que leva a sério o equilíbrio das contas públicas — e garante que tem a fórmula para tocar o ajuste. A peça chave é a proposta de emenda constitucional estabelecendo que o gasto do governo federal de um ano é o mesmo do ano passado mais a inflação decorrida.
Trata-se, portanto, de um congelamento do gasto real. Quando a economia voltar a crescer, em dez anos a despesa do governo federal terá uma queda equivalente a cinco pontos percentuais do PIB. É dinheiro.
Com isso e mais a reforma da Previdência, outro ponto chave da proposta de Meirelles, será possível voltar ao superávit e à redução do endividamento.
É o roteiro da equipe econômica.
Seria o mesmo da equipe política?
Vamos falar francamente: o congelamento real das despesas muda um hábito político antigo, o de que sempre cabe mais alguma clientela no gasto público. E sempre cabe porque as demandas são sempre justas.
O modo como o pessoal do governo Temer justifica os aumentos do funcionalismo é a expressão exata dessa mentalidade: não tem dinheiro, vai aumentar o déficit, mas sabe como é... o pessoal está merecendo.
O mesmo para o alívio da dívida dos estados — os governos estaduais gastaram além da conta, mas sabe como é... estão precisando. E assim vai.
E convém reparar: reforma da Previdência e teto para o gasto público dependem de emenda constitucional, com maioria de três quintos dos votos na Câmara e no Senado.
Haja política explícita.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
O rombo permanece - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 07/07
A meta fiscal de 2017 ficou muito próxima à deste ano e isso é um péssimo sinal. O governo está mantendo o déficit em níveis anormais por tempo demais. Será o quarto ano consecutivo de rombo. O argumento de que ele não cresce em relação a 2016 não tranquiliza. Na área política e econômica do governo explica-se a crise, mas ainda não se sabe o fim dela.
Pelo menos, afirma-se que a solução não será aumentar a carga tributária. O governo tem garantido que não será proposto aumento de imposto por enquanto. A avaliação feita é que é preciso primeiro ganhar a confiança da população, convencer que está sendo feito um esforço pelo lado das despesas para depois se pensar em algum aumento de tributação, mesmo que seja de tributo existente, como a Cide. A avaliação que fazem é que esta confiança está sendo conquistada, mas bem devagar.
Os primeiros movimentos do governo parecem contraditórios. Ele propôs uma medida dura de controle de despesas, que foi o limite da correção dos gastos de acordo com a inflação do ano anterior, mas ao mesmo tempo fez um acordo de dívida com os estados considerado generoso, aumentou salário de funcionários, e está aceitando como meta fiscal déficits altos demais.
O que os integrantes do governo dizem é que herdaram as contas com um enorme rombo e que não seria possível levar ao equilíbrio o resultado primário em tempo muito curto, numa época de queda de arrecadação por causa da recessão. Acham que basta o déficit de 2017 ser menor que o de 2016. Evidentemente não basta.
Em relação à dívida dos estados, eles argumentam que o executivo federal não tinha alternativa: 14 estados já tinham recebido liminar do Supremo para não pagar a dívida, e o STF havia dado um prazo curto para que se chegasse a um acordo. O argumento é que os estados ganharam um “refresco”, com os seis meses, e as reduções nas prestações no primeiro momento, mas que também se comprometeram a adotar as medidas de limite de gastos por dez anos.
Sobre os salários dos servidores, o que se ouve em Brasília é que eles já estavam desde 2012 sem reajuste e o aumento será concedido de forma escalonada.
Como vantagens em relação ao governo anterior, argumenta-se que agora há uma equipe com o mesmo pensamento e trabalhando na mesma direção.
O plano de privatizar e fazer concessões para o setor privado será tocado adiante não por ideologia, explicam, mas por não haver alternativa. Dizem que “a capacidade de investimento do governo é zero”.
Até o financiamento público dos projetos de concessão ou privatização pode ser difícil porque o BNDES não poderá financiar tanto quanto no passado. O que o governo tem dito nos seus contatos no mercado é que bancos privados e até instituições estrangeiras podem se interessar em ocupar o espaço de financiamento, já que pode ser um bom negócio. O problema é que o mercado privado financia, mas nunca aos juros subsidiados do BNDES. Isso significaria aumento do custo a ser passado ao consumidor no caso de serviços públicos.
Há alguns sinais melhorando na economia. A confiança começa a subir ligeiramente, como tenho mostrado aqui. Amanhã haverá outro dado positivo: a inflação deve cair abaixo de 9%, ficando, no acumulado em 12 meses, em torno de 8,8%, se for confirmada a previsão do economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Ele calcula que a taxa de junho deve fechar entre 0,30% e 0,35%, bem abaixo do 0,78% de maio e do 0,79% de junho do ano passado.
O problema é que a inflação está caindo por causa da recessão. A política fiscal tem sido condescendente com a permanência de um déficit alto demais, como se isso fosse o novo normal do Brasil.
A meta fiscal de 2017 ficou muito próxima à deste ano e isso é um péssimo sinal. O governo está mantendo o déficit em níveis anormais por tempo demais. Será o quarto ano consecutivo de rombo. O argumento de que ele não cresce em relação a 2016 não tranquiliza. Na área política e econômica do governo explica-se a crise, mas ainda não se sabe o fim dela.
Pelo menos, afirma-se que a solução não será aumentar a carga tributária. O governo tem garantido que não será proposto aumento de imposto por enquanto. A avaliação feita é que é preciso primeiro ganhar a confiança da população, convencer que está sendo feito um esforço pelo lado das despesas para depois se pensar em algum aumento de tributação, mesmo que seja de tributo existente, como a Cide. A avaliação que fazem é que esta confiança está sendo conquistada, mas bem devagar.
Os primeiros movimentos do governo parecem contraditórios. Ele propôs uma medida dura de controle de despesas, que foi o limite da correção dos gastos de acordo com a inflação do ano anterior, mas ao mesmo tempo fez um acordo de dívida com os estados considerado generoso, aumentou salário de funcionários, e está aceitando como meta fiscal déficits altos demais.
O que os integrantes do governo dizem é que herdaram as contas com um enorme rombo e que não seria possível levar ao equilíbrio o resultado primário em tempo muito curto, numa época de queda de arrecadação por causa da recessão. Acham que basta o déficit de 2017 ser menor que o de 2016. Evidentemente não basta.
Em relação à dívida dos estados, eles argumentam que o executivo federal não tinha alternativa: 14 estados já tinham recebido liminar do Supremo para não pagar a dívida, e o STF havia dado um prazo curto para que se chegasse a um acordo. O argumento é que os estados ganharam um “refresco”, com os seis meses, e as reduções nas prestações no primeiro momento, mas que também se comprometeram a adotar as medidas de limite de gastos por dez anos.
Sobre os salários dos servidores, o que se ouve em Brasília é que eles já estavam desde 2012 sem reajuste e o aumento será concedido de forma escalonada.
Como vantagens em relação ao governo anterior, argumenta-se que agora há uma equipe com o mesmo pensamento e trabalhando na mesma direção.
O plano de privatizar e fazer concessões para o setor privado será tocado adiante não por ideologia, explicam, mas por não haver alternativa. Dizem que “a capacidade de investimento do governo é zero”.
Até o financiamento público dos projetos de concessão ou privatização pode ser difícil porque o BNDES não poderá financiar tanto quanto no passado. O que o governo tem dito nos seus contatos no mercado é que bancos privados e até instituições estrangeiras podem se interessar em ocupar o espaço de financiamento, já que pode ser um bom negócio. O problema é que o mercado privado financia, mas nunca aos juros subsidiados do BNDES. Isso significaria aumento do custo a ser passado ao consumidor no caso de serviços públicos.
Há alguns sinais melhorando na economia. A confiança começa a subir ligeiramente, como tenho mostrado aqui. Amanhã haverá outro dado positivo: a inflação deve cair abaixo de 9%, ficando, no acumulado em 12 meses, em torno de 8,8%, se for confirmada a previsão do economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Ele calcula que a taxa de junho deve fechar entre 0,30% e 0,35%, bem abaixo do 0,78% de maio e do 0,79% de junho do ano passado.
O problema é que a inflação está caindo por causa da recessão. A política fiscal tem sido condescendente com a permanência de um déficit alto demais, como se isso fosse o novo normal do Brasil.
A hora do caixa 3 - MARIA CRISTINA FERNANDES
VALOR ECONÔMICO - 07/07
Legalização do jogo é uma ode a Carlinhos Cachoeira
Os projetos que regularizam jogos de azar ganharam uma velocidade inaudita. Um deles deve chegar em fase final de votação antes da eleição que pode fazer presidente dos Estados Unidos um sócio nos negócios do jogo no Brasil. Donald Trump, um dos maiores empresários mundiais do setor, é parceiro de um neto do último presidente da ditadura, João Figueiredo, num hotel da Barra da Tijuca, zona sul fluminense, candidato a sediar um cassino de luxo.
Não é a geopolítica, no entanto, que parece impulsionar as duas Casas do Congresso a votar os projetos em tramitação. O da Câmara é um projeto que tramita há 25 anos, de autoria de um deputado do PMDB de Santa Catarina que deixou a Câmara em 2003. Tem como atual relator um deputado do PP de São Paulo que foi genro do empresário Sílvio Santos, que, além do SBT, é dono de um hotel no Guarujá, no litoral paulista, também construído com infraestrutura para abrigar um cassino.
O PP, partido que lidera os investigados da Lava-Jato, também encabeça o projeto em tramitação no Senado. O texto é de autoria do presidente do partido e tem a relatoria de outro personagem de inquéritos policiais.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pautou a matéria com prioridade de votação em plenário saltando a Comissão de Constituição e Justiça onde o líder do governo, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), contrário ao projeto, apostava que ele pudesse vir a ser questionado. Se aprovado, vai para a Câmara, onde pode vir a ser acoplado àquele que deve ser passar hoje na comissão especial da Casa.
Há filigranas que os diferenciam, mas, no essencial, unem-se pela firme oposição dos órgãos de controle e fiscalização do Estado. Representantes de todos - Receita, Coaf e Ministério Público - ouvidos em audiências públicas no Congresso manifestaram seu desagrado com o avanço de um projeto que pode fazer com que o combate à lavagem de dinheiro, depois de enfrentar tantas tempestades, morra na praia.
Em depoimentos e notas técnicas, desmontaram os principais argumentos dos defensores dos cassinos, o de que a lei regulamentará um serviço que já existe clandestinamente e pode ser fiscalizado da mesma forma que qualquer outra atividade econômica. Os representes dos três órgãos disseram não dispor de estrutura para fiscalizar o que definiram como uma atividade de alto risco.
No assédio a parlamentares somam-se desde grandes empresas que exploram o jogo em outros países até representantes da CBF, mas a nota técnica da Procuradoria Geral da República desmistifica o discurso do aporte de investimentos: "O jogo que se pretende legitimar não será uma atividade econômica aberta a novos empreendedores. Ele já tem dono. O contraventor comanda um estado paralelo que se mistura, e algumas vezes se sobrepõe, ao estado oficial. Nada mais se fará do que legitimar uma atividade que se impôs pela violência e pela corrupção, regularizando-a em benefício de organizações mafiosas que atuam com planejamento, divisão territorial e atuação espúria de forma estruturada e contínua".
Contra o argumento - que já mobilizava o governo desde a gestão Dilma Rousseff - de que o Estado, quebrado, precisa levantar recursos, dois pesquisadores da FGV (Carlos Ragazzo e Gustavo Ribeiro) publicaram artigo demolidor. Em resposta ao potencial de arrecadação de R$ 15 bilhões calculado pelos defensores do projeto, demonstram, com base em pesquisas realizadas em países com jogo legalizado, que a arrecadação pretendida não compensaria os gastos extras com tratamento de viciados, prevenção e combate a crimes correlatos.
O lobby da legalização, que era capitaneado no Planalto pelo ex-ministro(dos dois governos) Henrique Eduardo Alves, chegou a sensibilizar o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, mas encontrou no colega da Justiça, José Eduardo Cardozo, o principal adversário. No governo Temer, a legalização já recebeu o aval de ministros palacianos como Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha e da Agricultura, Blairo Maggi, mas tem a objeção do chanceler José Serra, e dos ministros do Trabalho, do Desenvolvimento Agrário e da Indústria e Comércio. No Congresso, a oposição ao projeto reune uma improvável aliança entre partidos de esquerda, um punhado de tucanos, alguns pemedebistas, e bancadas religiosas. O embate decisivo que deve ser travado no plenário da Câmara, no entanto, ainda tem resultado incerto.
A velocidade com que os projetos caminham no Congresso às vésperas das primeiras eleições sem financiamento empresarial das últimas duas décadas, dissemina a suspeita daquilo que Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, chama de ´caixa 3´. Enquanto o ´2´ desvia recursos públicos para a campanha do candidato, este não passa pela contabilidade eleitoral. No ´caixa 3´ o gasto é feito paralelamente e registrado apenas nas contas a pagar ao crime.
O terceiro dos caixas eleitorais chegou ao conhecimento do grande público no início do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva quando o então assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz, foi preso sob a acusação de achacar o empresário do jogo do bicho Carlos Augusto Ramos, que passaria à história como Carlinhos Cachoeira, o reincidente.
Preso no episódio Waldomiro Diniz, Cachoeira manteria suas atividades no submundo do financiamento eleitoral. Novamente flagrado pela PF, derrubaria um senador do DEM (Demóstenes Torres) e devastaria a antessala de dois governadores, do Distrito Federal (o petista Agnelo Queiroz) e de Goiás (o tucano Marconi Perillo). Posto em liberdade, voltaria a delinquir em associação com um velho parceiro da empreitada (Delta) e seria preso na semana passada na operação ´Saqueador´.
A acelerada tramitação dos projetos de legalização do jogo é um desagravo ao velho bicheiro. Desde que a atividade foi proibida por Eurico Gaspar Dutra, o Congresso tenta devolver o jogo à legalidade. Há 70 anos, o veto rimou com a campanha "pela moral e pelos bons costumes" com que se pretendeu varrer o getulismo. A proposta chega a plenário junto com retirada da urgência do pacote anticorrupção. Se o governo do constitucionalista Michel Temer resolver avalizar o trâmite sob as bênçãos do ´novo centrão´ não poderá se valer do mesmo slogan, mas já tem enredo para compor uma ode a Carlinhos Cachoeira.
Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor.
Legalização do jogo é uma ode a Carlinhos Cachoeira
Os projetos que regularizam jogos de azar ganharam uma velocidade inaudita. Um deles deve chegar em fase final de votação antes da eleição que pode fazer presidente dos Estados Unidos um sócio nos negócios do jogo no Brasil. Donald Trump, um dos maiores empresários mundiais do setor, é parceiro de um neto do último presidente da ditadura, João Figueiredo, num hotel da Barra da Tijuca, zona sul fluminense, candidato a sediar um cassino de luxo.
Não é a geopolítica, no entanto, que parece impulsionar as duas Casas do Congresso a votar os projetos em tramitação. O da Câmara é um projeto que tramita há 25 anos, de autoria de um deputado do PMDB de Santa Catarina que deixou a Câmara em 2003. Tem como atual relator um deputado do PP de São Paulo que foi genro do empresário Sílvio Santos, que, além do SBT, é dono de um hotel no Guarujá, no litoral paulista, também construído com infraestrutura para abrigar um cassino.
O PP, partido que lidera os investigados da Lava-Jato, também encabeça o projeto em tramitação no Senado. O texto é de autoria do presidente do partido e tem a relatoria de outro personagem de inquéritos policiais.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pautou a matéria com prioridade de votação em plenário saltando a Comissão de Constituição e Justiça onde o líder do governo, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), contrário ao projeto, apostava que ele pudesse vir a ser questionado. Se aprovado, vai para a Câmara, onde pode vir a ser acoplado àquele que deve ser passar hoje na comissão especial da Casa.
Há filigranas que os diferenciam, mas, no essencial, unem-se pela firme oposição dos órgãos de controle e fiscalização do Estado. Representantes de todos - Receita, Coaf e Ministério Público - ouvidos em audiências públicas no Congresso manifestaram seu desagrado com o avanço de um projeto que pode fazer com que o combate à lavagem de dinheiro, depois de enfrentar tantas tempestades, morra na praia.
Em depoimentos e notas técnicas, desmontaram os principais argumentos dos defensores dos cassinos, o de que a lei regulamentará um serviço que já existe clandestinamente e pode ser fiscalizado da mesma forma que qualquer outra atividade econômica. Os representes dos três órgãos disseram não dispor de estrutura para fiscalizar o que definiram como uma atividade de alto risco.
No assédio a parlamentares somam-se desde grandes empresas que exploram o jogo em outros países até representantes da CBF, mas a nota técnica da Procuradoria Geral da República desmistifica o discurso do aporte de investimentos: "O jogo que se pretende legitimar não será uma atividade econômica aberta a novos empreendedores. Ele já tem dono. O contraventor comanda um estado paralelo que se mistura, e algumas vezes se sobrepõe, ao estado oficial. Nada mais se fará do que legitimar uma atividade que se impôs pela violência e pela corrupção, regularizando-a em benefício de organizações mafiosas que atuam com planejamento, divisão territorial e atuação espúria de forma estruturada e contínua".
Contra o argumento - que já mobilizava o governo desde a gestão Dilma Rousseff - de que o Estado, quebrado, precisa levantar recursos, dois pesquisadores da FGV (Carlos Ragazzo e Gustavo Ribeiro) publicaram artigo demolidor. Em resposta ao potencial de arrecadação de R$ 15 bilhões calculado pelos defensores do projeto, demonstram, com base em pesquisas realizadas em países com jogo legalizado, que a arrecadação pretendida não compensaria os gastos extras com tratamento de viciados, prevenção e combate a crimes correlatos.
O lobby da legalização, que era capitaneado no Planalto pelo ex-ministro(dos dois governos) Henrique Eduardo Alves, chegou a sensibilizar o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, mas encontrou no colega da Justiça, José Eduardo Cardozo, o principal adversário. No governo Temer, a legalização já recebeu o aval de ministros palacianos como Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha e da Agricultura, Blairo Maggi, mas tem a objeção do chanceler José Serra, e dos ministros do Trabalho, do Desenvolvimento Agrário e da Indústria e Comércio. No Congresso, a oposição ao projeto reune uma improvável aliança entre partidos de esquerda, um punhado de tucanos, alguns pemedebistas, e bancadas religiosas. O embate decisivo que deve ser travado no plenário da Câmara, no entanto, ainda tem resultado incerto.
A velocidade com que os projetos caminham no Congresso às vésperas das primeiras eleições sem financiamento empresarial das últimas duas décadas, dissemina a suspeita daquilo que Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, chama de ´caixa 3´. Enquanto o ´2´ desvia recursos públicos para a campanha do candidato, este não passa pela contabilidade eleitoral. No ´caixa 3´ o gasto é feito paralelamente e registrado apenas nas contas a pagar ao crime.
O terceiro dos caixas eleitorais chegou ao conhecimento do grande público no início do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva quando o então assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz, foi preso sob a acusação de achacar o empresário do jogo do bicho Carlos Augusto Ramos, que passaria à história como Carlinhos Cachoeira, o reincidente.
Preso no episódio Waldomiro Diniz, Cachoeira manteria suas atividades no submundo do financiamento eleitoral. Novamente flagrado pela PF, derrubaria um senador do DEM (Demóstenes Torres) e devastaria a antessala de dois governadores, do Distrito Federal (o petista Agnelo Queiroz) e de Goiás (o tucano Marconi Perillo). Posto em liberdade, voltaria a delinquir em associação com um velho parceiro da empreitada (Delta) e seria preso na semana passada na operação ´Saqueador´.
A acelerada tramitação dos projetos de legalização do jogo é um desagravo ao velho bicheiro. Desde que a atividade foi proibida por Eurico Gaspar Dutra, o Congresso tenta devolver o jogo à legalidade. Há 70 anos, o veto rimou com a campanha "pela moral e pelos bons costumes" com que se pretendeu varrer o getulismo. A proposta chega a plenário junto com retirada da urgência do pacote anticorrupção. Se o governo do constitucionalista Michel Temer resolver avalizar o trâmite sob as bênçãos do ´novo centrão´ não poderá se valer do mesmo slogan, mas já tem enredo para compor uma ode a Carlinhos Cachoeira.
Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor.
Risco externo - MATIAS SPEKTOR
FOLHA DE SP - 07/07
É uma velha tradição da classe política brasileira só atentar para grandes transformações globais quando já é tarde demais.
Foi assim em 1979, quando a elite governante sentiu que algo estava acontecendo, mas levou anos para entender o significado e o alcance da "globalização". E foi assim em 2009, quando a crise financeira do Atlântico Norte dominou as atenções em Brasília, e quase ninguém registrou o problema — tão ou mais grave para nossos interesses — de desaceleração da China.
Em ambos os casos, os governos de plantão foram incapazes de interpretar mudanças globais a tempo de reagir de forma estratégica. A reação, quando finalmente chegou, foi atabalhoada.
Nossa tendência a repetir esse equívoco deve-se a um problema estrutural: o Brasil está longe dos grandes centros de reflexão, sua economia é relativamente fechada e sua elite não é globalizada. Ao contrário de Índia, México e Hong Kong, aqui o inglês não é língua franca. Mesmo nos mais altos escalões, todos se referem ao resto do planeta como "lá fora". Tomar a temperatura do mundo em tempo real vira um desafio árduo.
Em 2016 temos mais do mesmo. Em meio à crise nacional, o país volta-se para dentro. Quando a crise acabar, voltaremos a olhar para fora e, mais uma vez, descobriremos que muita coisa mudou. Quem for governo terá de correr atrás do prejuízo com a desvantagem de quem chega atrasado.
Os Estados Unidos encontram dificuldade para manter o ordenamento global que, apesar de suas brutais injustiças e turbulências, foi e continua sendo central para nosso desenvolvimento. A Europa desunida chacoalha o tabuleiro geoeconômico do qual dependemos. A América do Sul, com a paz colombiana equacionada, assiste a uma reconfiguração do fluxo de cocaína e crime organizado na qual o Brasil já virou epicentro. E nossa economia está sendo moldada por um ambiente regulatório global inédito em áreas de alta tecnologia, comércio internacional e segurança cibernética. A roda gira.
É hora de quebrar o ciclo de despreparo que tem sido nossa marca registrada.
O Estado brasileiro tem boa capacidade instalada para coletar e processar informações sobre tendências globais. O que falta é um modelo de gestão capaz de absorver e integrar o conhecimento gerado em nossa rede de embaixadas e na pesquisa de ponta realizada no Banco Central, IPEA e outros ministérios.
O que temos hoje é um sistema pulverizado que produz material disperso e de utilidade limitada para quem governa. Bem gerida, porém, a estimativa de riscos externos (e as medidas necessárias para mitiga-los) seria um instrumento primoroso de política pública.
É uma velha tradição da classe política brasileira só atentar para grandes transformações globais quando já é tarde demais.
Foi assim em 1979, quando a elite governante sentiu que algo estava acontecendo, mas levou anos para entender o significado e o alcance da "globalização". E foi assim em 2009, quando a crise financeira do Atlântico Norte dominou as atenções em Brasília, e quase ninguém registrou o problema — tão ou mais grave para nossos interesses — de desaceleração da China.
Em ambos os casos, os governos de plantão foram incapazes de interpretar mudanças globais a tempo de reagir de forma estratégica. A reação, quando finalmente chegou, foi atabalhoada.
Nossa tendência a repetir esse equívoco deve-se a um problema estrutural: o Brasil está longe dos grandes centros de reflexão, sua economia é relativamente fechada e sua elite não é globalizada. Ao contrário de Índia, México e Hong Kong, aqui o inglês não é língua franca. Mesmo nos mais altos escalões, todos se referem ao resto do planeta como "lá fora". Tomar a temperatura do mundo em tempo real vira um desafio árduo.
Em 2016 temos mais do mesmo. Em meio à crise nacional, o país volta-se para dentro. Quando a crise acabar, voltaremos a olhar para fora e, mais uma vez, descobriremos que muita coisa mudou. Quem for governo terá de correr atrás do prejuízo com a desvantagem de quem chega atrasado.
Os Estados Unidos encontram dificuldade para manter o ordenamento global que, apesar de suas brutais injustiças e turbulências, foi e continua sendo central para nosso desenvolvimento. A Europa desunida chacoalha o tabuleiro geoeconômico do qual dependemos. A América do Sul, com a paz colombiana equacionada, assiste a uma reconfiguração do fluxo de cocaína e crime organizado na qual o Brasil já virou epicentro. E nossa economia está sendo moldada por um ambiente regulatório global inédito em áreas de alta tecnologia, comércio internacional e segurança cibernética. A roda gira.
É hora de quebrar o ciclo de despreparo que tem sido nossa marca registrada.
O Estado brasileiro tem boa capacidade instalada para coletar e processar informações sobre tendências globais. O que falta é um modelo de gestão capaz de absorver e integrar o conhecimento gerado em nossa rede de embaixadas e na pesquisa de ponta realizada no Banco Central, IPEA e outros ministérios.
O que temos hoje é um sistema pulverizado que produz material disperso e de utilidade limitada para quem governa. Bem gerida, porém, a estimativa de riscos externos (e as medidas necessárias para mitiga-los) seria um instrumento primoroso de política pública.
Um festival de disparates - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 07/07
Quando o desespero bate à porta é altíssima a probabilidade de que a resposta sejam disparates. É o que está acontecendo com os petistas, a começar por seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva, que viajou a Brasília disposto a convencer senadores a votar contra o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff com um argumento fantástico: com sua ex-pupila de volta ao Planalto, ele próprio assumirá de fato o comando do País para executar uma redentora “nova política econômica”, segundo se noticia. Paralelamente, para prevenir a eventualidade de más notícias na Operação Lava Jato que atrapalhem a execução de seus planos, Lula determinou a seus advogados que entrassem com um recurso de “exceção de suspeição” contra o juiz Sergio Moro, solicitando seu afastamento dos três inquéritos em que é investigado por corrupção no âmbito da 13.ª Vara Criminal Federal, na capital paranaense.
Os advogados de Lula protocolaram terça-feira na Justiça Federal do Paraná um pedido para que Sergio Moro se declare suspeito para julgar os processos que envolvem o ex-presidente. Afirmam que o líder petista “não teme ser investigado nem julgado por qualquer juiz: quer justiça e um julgamento imparcial, simplesmente”. E deve querer também um magistrado que acredite em histórias da Carochinha, como a de que frequenta regularmente com toda a família um confortável sítio reformado a seu gosto em Atibaia apenas para atender a insistentes convites de amigos generosos.
Na hipótese de que a Operação Lava Jato não existisse e houvesse uma possibilidade mínima de se concretizar a delirante ideia de Lula de transformar Dilma num simulacro de rainha da Inglaterra e assumir ele próprio o poder de fato, estaria finalmente configurado o tal “golpe” de que os petistas tanto falam. O poder estaria sendo usurpado por quem não foi legitimado pelo voto popular, ao contrário do que ocorre com o presidente em exercício Michel Temer, que substitui Dilma por disposição constitucional e pela mesma razão passará provavelmente a suceder-lhe em caráter definido depois do fim de agosto.
Ninguém em Brasília, nem nos gabinetes de parlamentares petistas, leva a sério qualquer tentativa, inclusive por parte de Lula, de evitar o impeachment de Dilma. Nem a própria presidente afastada acredita sinceramente nessa possibilidade, como sugerem as notícias segundo as quais em suas idas regulares a Porto Alegre nos fins de semana ela tem levado objetos pessoais de volta para casa. Para salvar as aparências, no entanto, Dilma tem procurado manter uma agenda de reuniões com apoiadores, no Palácio da Alvorada. E é lá que a imaginação corre solta atrás de fórmulas milagrosas capazes de acabar com o impeachment.
Como não têm mais nada a perder, os petistas não se constrangem de recorrer às ideias mais disparatadas na tentativa de manter um discurso que lhes permita sobreviver politicamente. É o que Lula tem procurado fazer, quando defende a necessidade de uma “nova política econômica” que ele próprio se encarregaria de implantar se Dilma voltar ao Planalto. Isso significaria, em resumo, a retomada da ampla intervenção do Estado na atividade econômica, com a profusa distribuição de crédito para o consumo da classe média e de incentivos de toda ordem para empresas-companheiras se tornarem “campeãs”. A gastança generalizada e irresponsável, enfim, porque, afinal, um “governo popular” tudo pode para fazer o povo feliz. Mas como as mesmas causas tendem a gerar os mesmos efeitos – no caso, uma economia falida – é difícil imaginar que o próprio Lula leve a sério os assomos populistas com que tenta manter mobilizadas em torno de si as entidades sindicais e organizações sociais sobre as quais, por enquanto, o PT ainda mantém algum tipo de controle.
Enquanto isso, o festival de disparates petistas continua assolando o País. Coube à filósofa Marilena Chaui propagar uma fantástica teoria conspiratória: segundo ela, o juiz Sergio Moro foi treinado pelo FBI não para acabar com a corrupção no Brasil, mas para acabar com a Petrobrás, de modo a que a exploração do pré-sal seja tirada da Petrobrás e entregue às “seis irmãs” da indústria petroleira. Esse despautério está disponível no YouTube. Virará tema de uma próxima passeata do “exército do Stédile”?
Quando o desespero bate à porta é altíssima a probabilidade de que a resposta sejam disparates. É o que está acontecendo com os petistas, a começar por seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva, que viajou a Brasília disposto a convencer senadores a votar contra o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff com um argumento fantástico: com sua ex-pupila de volta ao Planalto, ele próprio assumirá de fato o comando do País para executar uma redentora “nova política econômica”, segundo se noticia. Paralelamente, para prevenir a eventualidade de más notícias na Operação Lava Jato que atrapalhem a execução de seus planos, Lula determinou a seus advogados que entrassem com um recurso de “exceção de suspeição” contra o juiz Sergio Moro, solicitando seu afastamento dos três inquéritos em que é investigado por corrupção no âmbito da 13.ª Vara Criminal Federal, na capital paranaense.
Os advogados de Lula protocolaram terça-feira na Justiça Federal do Paraná um pedido para que Sergio Moro se declare suspeito para julgar os processos que envolvem o ex-presidente. Afirmam que o líder petista “não teme ser investigado nem julgado por qualquer juiz: quer justiça e um julgamento imparcial, simplesmente”. E deve querer também um magistrado que acredite em histórias da Carochinha, como a de que frequenta regularmente com toda a família um confortável sítio reformado a seu gosto em Atibaia apenas para atender a insistentes convites de amigos generosos.
Na hipótese de que a Operação Lava Jato não existisse e houvesse uma possibilidade mínima de se concretizar a delirante ideia de Lula de transformar Dilma num simulacro de rainha da Inglaterra e assumir ele próprio o poder de fato, estaria finalmente configurado o tal “golpe” de que os petistas tanto falam. O poder estaria sendo usurpado por quem não foi legitimado pelo voto popular, ao contrário do que ocorre com o presidente em exercício Michel Temer, que substitui Dilma por disposição constitucional e pela mesma razão passará provavelmente a suceder-lhe em caráter definido depois do fim de agosto.
Ninguém em Brasília, nem nos gabinetes de parlamentares petistas, leva a sério qualquer tentativa, inclusive por parte de Lula, de evitar o impeachment de Dilma. Nem a própria presidente afastada acredita sinceramente nessa possibilidade, como sugerem as notícias segundo as quais em suas idas regulares a Porto Alegre nos fins de semana ela tem levado objetos pessoais de volta para casa. Para salvar as aparências, no entanto, Dilma tem procurado manter uma agenda de reuniões com apoiadores, no Palácio da Alvorada. E é lá que a imaginação corre solta atrás de fórmulas milagrosas capazes de acabar com o impeachment.
Como não têm mais nada a perder, os petistas não se constrangem de recorrer às ideias mais disparatadas na tentativa de manter um discurso que lhes permita sobreviver politicamente. É o que Lula tem procurado fazer, quando defende a necessidade de uma “nova política econômica” que ele próprio se encarregaria de implantar se Dilma voltar ao Planalto. Isso significaria, em resumo, a retomada da ampla intervenção do Estado na atividade econômica, com a profusa distribuição de crédito para o consumo da classe média e de incentivos de toda ordem para empresas-companheiras se tornarem “campeãs”. A gastança generalizada e irresponsável, enfim, porque, afinal, um “governo popular” tudo pode para fazer o povo feliz. Mas como as mesmas causas tendem a gerar os mesmos efeitos – no caso, uma economia falida – é difícil imaginar que o próprio Lula leve a sério os assomos populistas com que tenta manter mobilizadas em torno de si as entidades sindicais e organizações sociais sobre as quais, por enquanto, o PT ainda mantém algum tipo de controle.
Enquanto isso, o festival de disparates petistas continua assolando o País. Coube à filósofa Marilena Chaui propagar uma fantástica teoria conspiratória: segundo ela, o juiz Sergio Moro foi treinado pelo FBI não para acabar com a corrupção no Brasil, mas para acabar com a Petrobrás, de modo a que a exploração do pré-sal seja tirada da Petrobrás e entregue às “seis irmãs” da indústria petroleira. Esse despautério está disponível no YouTube. Virará tema de uma próxima passeata do “exército do Stédile”?
O faz de conta do dinheiro público na Olimpíada do Rio - ROBERTO DIAS
FOLHA DE SP - 07/07
SÃO PAULO - Entrevistado nesta semana por "O Globo", o presidente do Comitê Organizador da Olimpíada do Rio, Carlos Arthur Nuzman, cravou: "Assumimos o compromisso de fazer os Jogos sem dinheiro público e estamos cumprindo".
Não, os Jogos não estão sendo feitos sem dinheiro público. Dos R$ 39 bilhões gastos na Olimpíada, 43% são oriundos do bolso de cidadãos brasileiros, sem incluir despesas estatais com segurança, como mostrou a Folha. Quão muito dinheiro significa isso? São 14 anos de Lei Rouanet.
Para vender a ideia de que os Jogos se materializarão sem verba pública, Nuzman recorta a realidade. Limita-se ao orçamento do Comitê Organizador, uma fração de R$ 7,4 bilhões, vindos sobretudo de patrocinadores, ingressos, licenciamento e do COI. Mas mesmo o recorte é torto essa rubrica carrega renúncia fiscal e patrocínio dos Correios.
A contabilidade criativa do principal responsável pela Olimpíada embute um discurso conveniente. Ao UOL Nuzman afirmou : "A Olimpíada não tem nada a ver com os problemas do Estado [do RJ]". Não é o que diz o governo: "Fica decretado o estado de calamidade pública, em razão da grave crise financeira no Estado do RJ, que impede o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência da realização dos Jogos".
Nuzman falou ainda que "o metrô não fez parte do projeto". Bem, o fato de ele estrear na semana da abertura, e apenas para uso olímpico, ressignifica a palavra "coincidência".
Enquanto o Rio se preparava para os Jogos, outras cidades avaliaram se candidatar, pesando o uso do dinheiro público. Estocolmo e Boston desistiram. Munique e Hamburgo levaram a questão às urnas e caíram fora.
Os brasileiros não tiveram a mesma oportunidade que os alemães. É hora de avaliar se o investimento público valeu a pena —em vários aspectos, é provável que a conclusão seja que sim. Mas o debate deveria ser feito com argumentos menos oblíquos.
SÃO PAULO - Entrevistado nesta semana por "O Globo", o presidente do Comitê Organizador da Olimpíada do Rio, Carlos Arthur Nuzman, cravou: "Assumimos o compromisso de fazer os Jogos sem dinheiro público e estamos cumprindo".
Não, os Jogos não estão sendo feitos sem dinheiro público. Dos R$ 39 bilhões gastos na Olimpíada, 43% são oriundos do bolso de cidadãos brasileiros, sem incluir despesas estatais com segurança, como mostrou a Folha. Quão muito dinheiro significa isso? São 14 anos de Lei Rouanet.
Para vender a ideia de que os Jogos se materializarão sem verba pública, Nuzman recorta a realidade. Limita-se ao orçamento do Comitê Organizador, uma fração de R$ 7,4 bilhões, vindos sobretudo de patrocinadores, ingressos, licenciamento e do COI. Mas mesmo o recorte é torto essa rubrica carrega renúncia fiscal e patrocínio dos Correios.
A contabilidade criativa do principal responsável pela Olimpíada embute um discurso conveniente. Ao UOL Nuzman afirmou : "A Olimpíada não tem nada a ver com os problemas do Estado [do RJ]". Não é o que diz o governo: "Fica decretado o estado de calamidade pública, em razão da grave crise financeira no Estado do RJ, que impede o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência da realização dos Jogos".
Nuzman falou ainda que "o metrô não fez parte do projeto". Bem, o fato de ele estrear na semana da abertura, e apenas para uso olímpico, ressignifica a palavra "coincidência".
Enquanto o Rio se preparava para os Jogos, outras cidades avaliaram se candidatar, pesando o uso do dinheiro público. Estocolmo e Boston desistiram. Munique e Hamburgo levaram a questão às urnas e caíram fora.
Os brasileiros não tiveram a mesma oportunidade que os alemães. É hora de avaliar se o investimento público valeu a pena —em vários aspectos, é provável que a conclusão seja que sim. Mas o debate deveria ser feito com argumentos menos oblíquos.
Brasil, Mongólia ou Venezuela? - LUCIANA BRAFMAN
O GLOBO - 07/07
Diante do quadro de corrupção e da falta de credibilidade no governo por parte do empresariado, não foi zebra a queda de posição no Ranking de Competitividade Global
Há histórias tão verdadeiras que, às vezes, parecem inventadas. A frase, de Manoel de Barros, parece ter sido especialmente desenhada para o Brasil de hoje. Na Sucupira real, as notícias se superam, e a última é sempre mais inacreditável que a anterior. A sucessão de escândalos políticos nos governos PT e PMDB, a queda da ciclovia no Rio, o estupro coletivo, o japonês da Federal e tantas outras histórias nas páginas deste jornal soam absurdas, inacreditáveis. Já entre os acontecimentos que não nos surpreendem, destacam-se os negativos, como a recente divulgação do Ranking de Competitividade Global da escola de negócios suíça IMD, que revelou o Brasil como o quinto pior país do mundo nessa medição.
Diante do quadro de corrupção e da falta de credibilidade no governo por parte do empresariado, não foi zebra a queda de posição (pelo sexto ano) no ranking do qual fazem parte 61 economias. O IMD leva em conta cerca de 300 critérios para a classificação, com foco em desempenho econômico, eficiência governamental, eficiência empresarial e infraestrutura. Estamos no 57ª lugar, à frente apenas de Croácia, Ucrânia, Mongólia e Venezuela.
Uma dose de curiosidade resultou na breve análise dessas nações que nos rodeiam no ranking, vizinhas na arte da corrupção, do descontrole e da ineficiência. Infelizmente, algumas informações nos levam a crer que, em 2017, o buraco do Brasil pode ser mais embaixo.
Vamos à Croácia. O país, que se tornou independente da URSS em 1991, foi pego de jeito pela crise financeira que atingiu a Europa. De 2008 a 2014, os croatas enfrentaram alta das taxas de desemprego e pobreza. Mas, como novata da União Europeia, a Croácia nutre expectativas de reformas (já anunciadas) e acesso a fundos. Segundo o FMI, desde o fim de 2014, o país se recupera da recessão, sobretudo com aumento das exportações. O turismo, fortemente incentivado, já representa parcela significativa do PIB.
Entre a influência russa e a europeia, a Ucrânia tem sua história recente marcada por guerras e rebeliões, tendo o país se transformado em palco de corrupção e espionagem. Em 2015, apesar da queda de quase 10% no PIB, houve progresso em direção à estabilidade, de acordo com relatório do FMI. A liberação de ajuda bilionária do Fundo tem como contrapartida esforços do governo contra a corrupção, além da implementação de reformas de gestão. O país é peça importante na geopolítica do petróleo.
Se há esperança ocidental em relação à Croácia e à Ucrânia, não se pode afirmar o mesmo de Mongólia e Venezuela, que parecem ter menos chances de ultrapassar o Brasil no curto prazo. A Mongólia, também ex-comunista, está na zona de influência da China, principal importador de sua produção agropastoril e mineral. Grande parte da população vive em extrema pobreza, e a infraestrutura é defasada. Com a desaceleração da economia chinesa, as perspectivas não são positivas.
Por fim, a Venezuela, bolivariana, em estado de emergência, até faz com que o Brasil pareça promissor. Com a economia dependente do petróleo, o país sofre os efeitos drásticos da queda do preço do barril. A miséria avança. A indústria inexistente e a redução de importações geraram uma escassez sem precedentes. A população convive com racionamento, previsão de inflação anual na casa de 700%, crise política, medidas autoritárias e ameaças de confisco.
Nossa história e o desenvolvimento socioeconômico brasileiro dos últimos anos estão bem distantes do ocorrido em cada um dos países citados. Para que a imagem do Brasil não se confunda com realidades tão duras quanto às vividas por Mongólia e Venezuela, por exemplo, o país precisa pavimentar seu próprio caminho priorizando combate à corrupção, reforma política e controle das contas públicas. Só assim poderá reconstruir as condições para a eficiência, investir em infraestrutura e, consequentemente, escapar de uma inacreditável 61ª posição do ranking da IMD.
Luciana Brafman é jornalista
Diante do quadro de corrupção e da falta de credibilidade no governo por parte do empresariado, não foi zebra a queda de posição no Ranking de Competitividade Global
Há histórias tão verdadeiras que, às vezes, parecem inventadas. A frase, de Manoel de Barros, parece ter sido especialmente desenhada para o Brasil de hoje. Na Sucupira real, as notícias se superam, e a última é sempre mais inacreditável que a anterior. A sucessão de escândalos políticos nos governos PT e PMDB, a queda da ciclovia no Rio, o estupro coletivo, o japonês da Federal e tantas outras histórias nas páginas deste jornal soam absurdas, inacreditáveis. Já entre os acontecimentos que não nos surpreendem, destacam-se os negativos, como a recente divulgação do Ranking de Competitividade Global da escola de negócios suíça IMD, que revelou o Brasil como o quinto pior país do mundo nessa medição.
Diante do quadro de corrupção e da falta de credibilidade no governo por parte do empresariado, não foi zebra a queda de posição (pelo sexto ano) no ranking do qual fazem parte 61 economias. O IMD leva em conta cerca de 300 critérios para a classificação, com foco em desempenho econômico, eficiência governamental, eficiência empresarial e infraestrutura. Estamos no 57ª lugar, à frente apenas de Croácia, Ucrânia, Mongólia e Venezuela.
Uma dose de curiosidade resultou na breve análise dessas nações que nos rodeiam no ranking, vizinhas na arte da corrupção, do descontrole e da ineficiência. Infelizmente, algumas informações nos levam a crer que, em 2017, o buraco do Brasil pode ser mais embaixo.
Vamos à Croácia. O país, que se tornou independente da URSS em 1991, foi pego de jeito pela crise financeira que atingiu a Europa. De 2008 a 2014, os croatas enfrentaram alta das taxas de desemprego e pobreza. Mas, como novata da União Europeia, a Croácia nutre expectativas de reformas (já anunciadas) e acesso a fundos. Segundo o FMI, desde o fim de 2014, o país se recupera da recessão, sobretudo com aumento das exportações. O turismo, fortemente incentivado, já representa parcela significativa do PIB.
Entre a influência russa e a europeia, a Ucrânia tem sua história recente marcada por guerras e rebeliões, tendo o país se transformado em palco de corrupção e espionagem. Em 2015, apesar da queda de quase 10% no PIB, houve progresso em direção à estabilidade, de acordo com relatório do FMI. A liberação de ajuda bilionária do Fundo tem como contrapartida esforços do governo contra a corrupção, além da implementação de reformas de gestão. O país é peça importante na geopolítica do petróleo.
Se há esperança ocidental em relação à Croácia e à Ucrânia, não se pode afirmar o mesmo de Mongólia e Venezuela, que parecem ter menos chances de ultrapassar o Brasil no curto prazo. A Mongólia, também ex-comunista, está na zona de influência da China, principal importador de sua produção agropastoril e mineral. Grande parte da população vive em extrema pobreza, e a infraestrutura é defasada. Com a desaceleração da economia chinesa, as perspectivas não são positivas.
Por fim, a Venezuela, bolivariana, em estado de emergência, até faz com que o Brasil pareça promissor. Com a economia dependente do petróleo, o país sofre os efeitos drásticos da queda do preço do barril. A miséria avança. A indústria inexistente e a redução de importações geraram uma escassez sem precedentes. A população convive com racionamento, previsão de inflação anual na casa de 700%, crise política, medidas autoritárias e ameaças de confisco.
Nossa história e o desenvolvimento socioeconômico brasileiro dos últimos anos estão bem distantes do ocorrido em cada um dos países citados. Para que a imagem do Brasil não se confunda com realidades tão duras quanto às vividas por Mongólia e Venezuela, por exemplo, o país precisa pavimentar seu próprio caminho priorizando combate à corrupção, reforma política e controle das contas públicas. Só assim poderá reconstruir as condições para a eficiência, investir em infraestrutura e, consequentemente, escapar de uma inacreditável 61ª posição do ranking da IMD.
Luciana Brafman é jornalista
O mundo e o condado - CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 07/07
Na coluna da semana passada, comecei a apresentar as razões pelas quais muitos ingleses idosos votaram para que o Reino Unido saia da União Europeia. O texto produziu, nas mídias sociais, algumas indignações que me surpreenderam.
Segundo alguns, interpretar e quem sabe criticar os idosos ingleses, vencedores do referendo, seria um atentado contra a democracia. Não entendo. A vitória democrática de uma ideia, de um partido ou de um candidato é a prova da legalidade do caminho pelo qual eles chegaram ao poder. Essa legalidade não tem nada a ver com a legitimidade.
Depois do crash de 1929, o partido nazista cresceu até ser o maior da Alemanha e obteve 43,9% dos votos nas eleições de março 1933.
Todos os alemães deveriam aceitar o "santo" resultado das urnas e desistir de se opor? Respeitar a democracia não significa se resignar à decisão da maioria nem considerá-la legítima por ela ser legal.
Outra fonte de indignação foi meu entendimento dos sentimentos dos idosos em relação aos "jovens". Mencionei a mesquinhez dos idosos que tentam preservar qualquer coisa, na ilusão de preservarem assim suas vidas, que vão embora.
Alguém me perguntou por que os sentimentos menos nobres me parecem ser sempre os mais autênticos e relevantes. Deve ser porque li Shakespeare muito cedo na vida e compreendi, com o bobo do rei Lear, que, por exemplo, é fácil "ficar velho antes de ficar sábio".
Muitos jovens ingleses (eles também leem Shakespeare cedo na vida) perceberam os sentimentos menos que nobres de seus idosos. Duas postagens, nas mídias sociais: "Obrigado, vocês me privaram da possibilidade de viver em 27 países" e "Vocês odeiam os imigrantes mais do que amam seus filhos e netos".
De fato, no referendo do Brexit, a oposição entre idosos e jovens se sobrepôs à oposição entre o "shire" e a cidade grande. O "shire" é o condado onde vivem os hobbits do "Senhor dos Anéis": um sonho nostálgico para Bilbo e Frodo, que se arriscaram na aventura. A cidade grande é a mudança, o perigo e a diversidade (das culturas, das orientações sexuais, das éticas possíveis).
Logicamente, no "shire", os estrangeiros são suspeitos. Mas, cuidado: os habitantes do "shire" têm suas razões –que não deveriam ser esquecidas pela União Europeia, se ela quiser sobreviver.
A pequena classe média é sempre a que mais é ameaçada pela imigração: ela olha para os recém-chegados e receia se confundir com eles, precisa excluí-los (quem sabe, segregá-los) para se sentir diferente, para afirmar que ela não está no fundo do poço.
Nas primeiras décadas depois da Segunda Guerra Mundial, chegaram à Inglaterra muitos cidadãos das ex-colônias britânicas, agora Commonwealth –Paquistão, Índia, Uganda, Quênia"¦ Se os ingleses aguentaram essa diversidade crescente nos anos 1960, por que não aguentariam agora?
A diferença é que aqueles imigrantes alimentavam, eventualmente, um ressentimento revanchista de ex-colônia, mas, ao mesmo tempo, o que mais queriam era jogar críquete e tomar chá às 17h: eles amavam e idealizavam a cultura da metrópole. Queriam se tornar ingleses.
Não foi assim com os refugiados a partir dos anos 1990, que escolhem o Reino Unido não pelo chá nem pelo críquete, mas pelo sistema de assistência pública, que é generoso com os recém-chegados.
Setenta por cento dos imigrantes desde os anos 1990 vêm de fora da União Europeia e são muito diferentes dos cidadãos do Commonwealth: eles têm um projeto de bem-estar econômico, mas não de integração. Ao contrário, chegam a manifestar sua hostilidade ao estilo de vida e aos valores europeus e ingleses.
São, em termos mais compreensíveis, uma população imigrante sem inveja. Alguém tolera ter em casa um hóspede (convidado ou não) que critique constantemente a maneira de viver dos anfitriões?
A União Europeia tem a ambição de não ser apenas um mercado comum. A Europa foi o berço dos melhores valores da cultura ocidental. Não é difícil conceber que, apesar de seus momentos mais sinistros e escuros ou por causa deles, ela queira se definir como pátria desses valores. Agora, como conciliar esse projeto com a abertura das fronteiras a quem se declara inimigo desses valores?
Essas questões verdadeiras também explicam o voto dos idosos do "shire".
Na coluna da semana passada, comecei a apresentar as razões pelas quais muitos ingleses idosos votaram para que o Reino Unido saia da União Europeia. O texto produziu, nas mídias sociais, algumas indignações que me surpreenderam.
Segundo alguns, interpretar e quem sabe criticar os idosos ingleses, vencedores do referendo, seria um atentado contra a democracia. Não entendo. A vitória democrática de uma ideia, de um partido ou de um candidato é a prova da legalidade do caminho pelo qual eles chegaram ao poder. Essa legalidade não tem nada a ver com a legitimidade.
Depois do crash de 1929, o partido nazista cresceu até ser o maior da Alemanha e obteve 43,9% dos votos nas eleições de março 1933.
Todos os alemães deveriam aceitar o "santo" resultado das urnas e desistir de se opor? Respeitar a democracia não significa se resignar à decisão da maioria nem considerá-la legítima por ela ser legal.
Outra fonte de indignação foi meu entendimento dos sentimentos dos idosos em relação aos "jovens". Mencionei a mesquinhez dos idosos que tentam preservar qualquer coisa, na ilusão de preservarem assim suas vidas, que vão embora.
Alguém me perguntou por que os sentimentos menos nobres me parecem ser sempre os mais autênticos e relevantes. Deve ser porque li Shakespeare muito cedo na vida e compreendi, com o bobo do rei Lear, que, por exemplo, é fácil "ficar velho antes de ficar sábio".
Muitos jovens ingleses (eles também leem Shakespeare cedo na vida) perceberam os sentimentos menos que nobres de seus idosos. Duas postagens, nas mídias sociais: "Obrigado, vocês me privaram da possibilidade de viver em 27 países" e "Vocês odeiam os imigrantes mais do que amam seus filhos e netos".
De fato, no referendo do Brexit, a oposição entre idosos e jovens se sobrepôs à oposição entre o "shire" e a cidade grande. O "shire" é o condado onde vivem os hobbits do "Senhor dos Anéis": um sonho nostálgico para Bilbo e Frodo, que se arriscaram na aventura. A cidade grande é a mudança, o perigo e a diversidade (das culturas, das orientações sexuais, das éticas possíveis).
Logicamente, no "shire", os estrangeiros são suspeitos. Mas, cuidado: os habitantes do "shire" têm suas razões –que não deveriam ser esquecidas pela União Europeia, se ela quiser sobreviver.
A pequena classe média é sempre a que mais é ameaçada pela imigração: ela olha para os recém-chegados e receia se confundir com eles, precisa excluí-los (quem sabe, segregá-los) para se sentir diferente, para afirmar que ela não está no fundo do poço.
Nas primeiras décadas depois da Segunda Guerra Mundial, chegaram à Inglaterra muitos cidadãos das ex-colônias britânicas, agora Commonwealth –Paquistão, Índia, Uganda, Quênia"¦ Se os ingleses aguentaram essa diversidade crescente nos anos 1960, por que não aguentariam agora?
A diferença é que aqueles imigrantes alimentavam, eventualmente, um ressentimento revanchista de ex-colônia, mas, ao mesmo tempo, o que mais queriam era jogar críquete e tomar chá às 17h: eles amavam e idealizavam a cultura da metrópole. Queriam se tornar ingleses.
Não foi assim com os refugiados a partir dos anos 1990, que escolhem o Reino Unido não pelo chá nem pelo críquete, mas pelo sistema de assistência pública, que é generoso com os recém-chegados.
Setenta por cento dos imigrantes desde os anos 1990 vêm de fora da União Europeia e são muito diferentes dos cidadãos do Commonwealth: eles têm um projeto de bem-estar econômico, mas não de integração. Ao contrário, chegam a manifestar sua hostilidade ao estilo de vida e aos valores europeus e ingleses.
São, em termos mais compreensíveis, uma população imigrante sem inveja. Alguém tolera ter em casa um hóspede (convidado ou não) que critique constantemente a maneira de viver dos anfitriões?
A União Europeia tem a ambição de não ser apenas um mercado comum. A Europa foi o berço dos melhores valores da cultura ocidental. Não é difícil conceber que, apesar de seus momentos mais sinistros e escuros ou por causa deles, ela queira se definir como pátria desses valores. Agora, como conciliar esse projeto com a abertura das fronteiras a quem se declara inimigo desses valores?
Essas questões verdadeiras também explicam o voto dos idosos do "shire".
Os vários lados da reforma trabalhista - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
CORREIO BRAZILIENSE - 07/07
"Não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital"
Encíclica Rerum Novarum, Leão XIII, 1891
Recente manifesto divulgado por 19 Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) expressa veemente repulsa contra algo que denominam "desconstrução do direito do trabalho". O documento também defende a Justiça do Trabalho, cujo papel "ganha relevância nos momentos de crise em que a efetivação dos direitos de caráter alimentar é premente e inadiável". Desconheço alguém que ignore a importância do direito do trabalho, e se dedique à insensatez de tentar desconstruí-lo. Quanto à Justiça do Trabalho, não há motivo para defendê-la, pois não é alvo de conspiração. Para atacá-la seria necessária emenda constitucional subscrita por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, com o objetivo de alijá-la do rol dos órgãos do Poder Judiciário. Se tal manifestação de demência houvesse, não passaria despercebida.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, mediante decreto-lei, exige análise serena e desapaixonada. Não há, porém, como desconhecer que pertence à época da locomotiva a lenha, do telefone de manivela, do ferro de passar roupa a carvão, das estradas de terra batida, dos teares mecânicos. Como obra perecível, é vítima do tempo e dos acontecimentos. O documento dos ministros se inicia com a citação da frase do papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum: "Do trabalho do homem nasce a riqueza das nações", divulgada em 1891 como resposta ao Manifesto Comunista de Marx e Engels, cuja primeira edição data de 1872.
Leão XIII condena a solução socialista que, para combater o infortúnio dos "homens das classes inferiores", "instiga nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretende que toda a propriedade de bens particulares seja suprimida". Ataca, em seguida, o comunismo, por ele considerado "princípio de empobrecimento"... "Porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias." Segundo o papa, compete ao Estado "proteger a propriedade particular e impedir as greves. O remédio mais eficaz e salutar consistiria em "prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que haverão de nascer os conflitos entre operários e patrões".
Entre os deveres que dizem respeito ao pobre e ao operário, nas palavras de Sua Santidade, estariam o de "fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre conforme a equidade; não lesar seu patrão, nem os seus bens, nem a sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas".
Na opinião de Rudof Fischer-Wollpert, autor de Os papas, com a Rerum Novarum, Leão XIII "procurou encontrar uma posição conciliatória entre patrões e empregados". Defendia o proletário contra a exploração desumana, mas não execrava o capital. Ao Estado incumbiria o encargo de resguardar os proprietários contra o socialismo, o comunismo, e as agitações grevistas.
A frase do papa Leão XIII entra no Manifesto dos Ministros como Pilatos no Credo. Que a Consolidação das Leis do Trabalho envelheceu, a idade o comprova. Um dos males, talvez o maior, da legislação cujo centro de gravidade é a CLT, consiste na insegurança jurídica, refletida em milhões de dissídios individuais, na morosidade de julgamento, nos valores desproporcionados de condenações.
A insegurança gera o receio do acúmulo de passivo oculto, de dívidas geradas pela fragilidade do recibo de quitação passado mediante a assistência e homologação do sindicato ou do Ministério do Trabalho. A hostilidade entre patrões e empregados não pode ser motivo de satisfação. Mais de 12 milhões de desempregados bastam para mostrar a necessidade de se fazer algo em favor da segurança jurídica. Legislar cabe ao Congresso Nacional. Ao chefe do Executivo, sancionar, promulgar, e fazer publicar leis. Se todos se conduzirem dentro das respectivas esferas constitucionais, o Brasil caminhará melhor para superar a crise.
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho
"Não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital"
Encíclica Rerum Novarum, Leão XIII, 1891
Recente manifesto divulgado por 19 Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) expressa veemente repulsa contra algo que denominam "desconstrução do direito do trabalho". O documento também defende a Justiça do Trabalho, cujo papel "ganha relevância nos momentos de crise em que a efetivação dos direitos de caráter alimentar é premente e inadiável". Desconheço alguém que ignore a importância do direito do trabalho, e se dedique à insensatez de tentar desconstruí-lo. Quanto à Justiça do Trabalho, não há motivo para defendê-la, pois não é alvo de conspiração. Para atacá-la seria necessária emenda constitucional subscrita por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, com o objetivo de alijá-la do rol dos órgãos do Poder Judiciário. Se tal manifestação de demência houvesse, não passaria despercebida.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, mediante decreto-lei, exige análise serena e desapaixonada. Não há, porém, como desconhecer que pertence à época da locomotiva a lenha, do telefone de manivela, do ferro de passar roupa a carvão, das estradas de terra batida, dos teares mecânicos. Como obra perecível, é vítima do tempo e dos acontecimentos. O documento dos ministros se inicia com a citação da frase do papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum: "Do trabalho do homem nasce a riqueza das nações", divulgada em 1891 como resposta ao Manifesto Comunista de Marx e Engels, cuja primeira edição data de 1872.
Leão XIII condena a solução socialista que, para combater o infortúnio dos "homens das classes inferiores", "instiga nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretende que toda a propriedade de bens particulares seja suprimida". Ataca, em seguida, o comunismo, por ele considerado "princípio de empobrecimento"... "Porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias." Segundo o papa, compete ao Estado "proteger a propriedade particular e impedir as greves. O remédio mais eficaz e salutar consistiria em "prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que haverão de nascer os conflitos entre operários e patrões".
Entre os deveres que dizem respeito ao pobre e ao operário, nas palavras de Sua Santidade, estariam o de "fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre conforme a equidade; não lesar seu patrão, nem os seus bens, nem a sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas".
Na opinião de Rudof Fischer-Wollpert, autor de Os papas, com a Rerum Novarum, Leão XIII "procurou encontrar uma posição conciliatória entre patrões e empregados". Defendia o proletário contra a exploração desumana, mas não execrava o capital. Ao Estado incumbiria o encargo de resguardar os proprietários contra o socialismo, o comunismo, e as agitações grevistas.
A frase do papa Leão XIII entra no Manifesto dos Ministros como Pilatos no Credo. Que a Consolidação das Leis do Trabalho envelheceu, a idade o comprova. Um dos males, talvez o maior, da legislação cujo centro de gravidade é a CLT, consiste na insegurança jurídica, refletida em milhões de dissídios individuais, na morosidade de julgamento, nos valores desproporcionados de condenações.
A insegurança gera o receio do acúmulo de passivo oculto, de dívidas geradas pela fragilidade do recibo de quitação passado mediante a assistência e homologação do sindicato ou do Ministério do Trabalho. A hostilidade entre patrões e empregados não pode ser motivo de satisfação. Mais de 12 milhões de desempregados bastam para mostrar a necessidade de se fazer algo em favor da segurança jurídica. Legislar cabe ao Congresso Nacional. Ao chefe do Executivo, sancionar, promulgar, e fazer publicar leis. Se todos se conduzirem dentro das respectivas esferas constitucionais, o Brasil caminhará melhor para superar a crise.
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Estratégia - Educação com valor e equidade - ROBERTO MACEDO
O Estado de S. Paulo - 07/07
A educação é investimento em capital humano. Este, ao contrário do capital financeiro e em ativos reais, como imóveis, não pode ser separado do ser humano e, assim, tem esse nome. A educação aumenta seu valor e credencia a pessoa a maiores ganhos por seu trabalho. Um famoso economista, Alfred Marshall, afirmou: “O mais valioso de todos os capitais é aquele investido em seres humanos”. Foi o melhor investimento que fiz e recebi em toda a minha vida.
O acesso à educação impacta a distribuição de renda entre pessoas e cabe ao Estado facilitá-lo criteriosamente. E de modo mais forte na infância e na juventude, quando a escolha entre estudar ou não é feita por pais, que podem falhar, até por falta de recursos.
Pobres iniciam a vida em desvantagem, como em nutrição e cuidados com a saúde. Têm muitos lares de mães precoces e em casa e no seu entorno predomina um ambiente que material e culturalmente prejudica a educação. Além de chamar a atenção dos pais para a importância da educação própria e dos filhos, cabe oferecer a esse grupo amplo número de creches e de escolas infantis em tempo integral, para que milhões de crianças nelas ingressem. E também para que durante boa parte do dia deixem seus lares precários, até mesmo para se alimentarem melhor, além de liberarem as mães para o trabalho e/ou o estudo fora deles. Quanto mais cedo esse processo começar, tanto melhor.
Ele deve seguir no ensino fundamental. Mas perto do seu final, com o início da adolescência, é importante que os jovens, em particular os pobres, tenham a uma formação profissional que aumente suas chances de logo se ocuparem no mercado de trabalho, como aprendizes ou efetivos.
Passei por cursos profissionalizantes nesse nível de ensino e no médio, e foi ótimo. Minha família tinha o conforto básico, mas com oito filhos o orçamento era apertado. Contudo havia boas escolas públicas. Mas por volta dos meus 15 anos a carência de recursos apertou, pois nessa idade são muito importantes a inserção e a afirmação social, que têm seus custos. Então, numa escola técnica de comércio concluí um curso que me credenciou como auxiliar de escritório e consegui emprego de seis horas diárias. Foi uma glória, tanto pela satisfação pessoal como por me sentir integrado ao meio social. Oportunidades como essa deveriam ser disseminadas, em particular para estudantes pobres, também para não se perderem por maus caminhos.
Isso deve seguir no ensino médio. Nele passei aos cursos noturnos, cuja ampliação também defendo, para facilitar a combinação entre trabalho e estudos. Mas ela só funciona bem se o trabalho não tomar mais que seis horas diárias ou se houver horários mais flexíveis em geral.
Saí como técnico de contabilidade e com um emprego melhor, também de seis horas diárias. Ainda no noturno, cursei Economia na USP e ao final da graduação recebi bolsas para a pós em tempo integral. Só então entendi e aproveitei o que era estudar para valer. Antes de escolher o curso vi que não podia seguir Medicina ou Engenharia, cujos horários eram incompatíveis com o do meu trabalho. Mais bolsas de estudo podem contornar a necessidade de trabalhar.
Essas ideias vêm da minha vivência estudantil e profissional, inclusive como professor. Sei que levá-las adiante não é fácil, e tanto assim é que a realidade educacional brasileira padece de males que elas poderiam aliviar. Muitos educadores são apegados a essa ou àquela filosofia educacional, não estão sempre focados nos alunos, em resultados e em qualidade, e no setor público há muita gente voltada para interesses corporativos. Os políticos costumam ter prioridades eleitoreiras. Também faltam mais recursos.
Passando a propostas mais provocativas, a educação pública, até o nível médio, deveria ser progressivamente tocada por organizações sociais, de livre escolha pelos pais, que receberiam vouchers do governo para pagá-las.
Nas universidades públicas, houve um exagerado crescimento das federais, que o governo promoveu forte e demagogicamente, de olho nos votos de estudantes e seus pais. Mas sem o mesmo empenho pelas crianças. Elas não votam...
E mais: é preciso acabar com a falácia do ensino universitário “gratuito”! Há sempre quem pague a conta. Aí, há no Brasil um dos sistemas mais iníquos do planeta, pois os recursos correspondentes vêm de impostos predominantemente indiretos, que proporcionalmente oneram mais os pobres, cujos gastos de consumo absorvem maior parcela de seus orçamentos.
Nas universidades públicas estaduais isso é até mais evidente, pois são custeadas por um imposto, o ICMS, sobre a aquisição de mercadorias em geral e vários serviços. Como resultado, até mendigos, que consomem 100% de sua “renda”, contribuem para pagar a educação superior de quem poderia fazer isso de seu próprio bolso. Quem vai encarar o desafio de corrigir essa enorme injustiça? Nem o PT, só em tese socialista, nem os vários partidos que se dizem social-democratas tiveram a coragem de aliviar a enorme iniquidade desse sistema.
A cobrança pela capacidade de pagamento isenta as famílias comprovadamente sem condições de pagar. Estudantes de cursos com dedicação integral receberiam bolsas de estudo para só estudarem. Seria o estudante pago, como fui durante um dos períodos mais gratificantes de minha vida.
O total arrecadado seria dividido em três partes iguais: uma para bolsas, outra para as próprias universidades e a terceira para as já mencionadas ações voltadas para a base da pirâmide educacional.
Este artigo integra série sobre uma estratégia para o País diante da crise atual. O primeiro é de 19/11/2015 e todos são encontrados em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, na primeira e terceira quintas-feiras de cada mês, com títulos iniciados pela palavra estratégia.
*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard) e consultor econômico e de Ensino Superior
A educação é investimento em capital humano. Este, ao contrário do capital financeiro e em ativos reais, como imóveis, não pode ser separado do ser humano e, assim, tem esse nome. A educação aumenta seu valor e credencia a pessoa a maiores ganhos por seu trabalho. Um famoso economista, Alfred Marshall, afirmou: “O mais valioso de todos os capitais é aquele investido em seres humanos”. Foi o melhor investimento que fiz e recebi em toda a minha vida.
O acesso à educação impacta a distribuição de renda entre pessoas e cabe ao Estado facilitá-lo criteriosamente. E de modo mais forte na infância e na juventude, quando a escolha entre estudar ou não é feita por pais, que podem falhar, até por falta de recursos.
Pobres iniciam a vida em desvantagem, como em nutrição e cuidados com a saúde. Têm muitos lares de mães precoces e em casa e no seu entorno predomina um ambiente que material e culturalmente prejudica a educação. Além de chamar a atenção dos pais para a importância da educação própria e dos filhos, cabe oferecer a esse grupo amplo número de creches e de escolas infantis em tempo integral, para que milhões de crianças nelas ingressem. E também para que durante boa parte do dia deixem seus lares precários, até mesmo para se alimentarem melhor, além de liberarem as mães para o trabalho e/ou o estudo fora deles. Quanto mais cedo esse processo começar, tanto melhor.
Ele deve seguir no ensino fundamental. Mas perto do seu final, com o início da adolescência, é importante que os jovens, em particular os pobres, tenham a uma formação profissional que aumente suas chances de logo se ocuparem no mercado de trabalho, como aprendizes ou efetivos.
Passei por cursos profissionalizantes nesse nível de ensino e no médio, e foi ótimo. Minha família tinha o conforto básico, mas com oito filhos o orçamento era apertado. Contudo havia boas escolas públicas. Mas por volta dos meus 15 anos a carência de recursos apertou, pois nessa idade são muito importantes a inserção e a afirmação social, que têm seus custos. Então, numa escola técnica de comércio concluí um curso que me credenciou como auxiliar de escritório e consegui emprego de seis horas diárias. Foi uma glória, tanto pela satisfação pessoal como por me sentir integrado ao meio social. Oportunidades como essa deveriam ser disseminadas, em particular para estudantes pobres, também para não se perderem por maus caminhos.
Isso deve seguir no ensino médio. Nele passei aos cursos noturnos, cuja ampliação também defendo, para facilitar a combinação entre trabalho e estudos. Mas ela só funciona bem se o trabalho não tomar mais que seis horas diárias ou se houver horários mais flexíveis em geral.
Saí como técnico de contabilidade e com um emprego melhor, também de seis horas diárias. Ainda no noturno, cursei Economia na USP e ao final da graduação recebi bolsas para a pós em tempo integral. Só então entendi e aproveitei o que era estudar para valer. Antes de escolher o curso vi que não podia seguir Medicina ou Engenharia, cujos horários eram incompatíveis com o do meu trabalho. Mais bolsas de estudo podem contornar a necessidade de trabalhar.
Essas ideias vêm da minha vivência estudantil e profissional, inclusive como professor. Sei que levá-las adiante não é fácil, e tanto assim é que a realidade educacional brasileira padece de males que elas poderiam aliviar. Muitos educadores são apegados a essa ou àquela filosofia educacional, não estão sempre focados nos alunos, em resultados e em qualidade, e no setor público há muita gente voltada para interesses corporativos. Os políticos costumam ter prioridades eleitoreiras. Também faltam mais recursos.
Passando a propostas mais provocativas, a educação pública, até o nível médio, deveria ser progressivamente tocada por organizações sociais, de livre escolha pelos pais, que receberiam vouchers do governo para pagá-las.
Nas universidades públicas, houve um exagerado crescimento das federais, que o governo promoveu forte e demagogicamente, de olho nos votos de estudantes e seus pais. Mas sem o mesmo empenho pelas crianças. Elas não votam...
E mais: é preciso acabar com a falácia do ensino universitário “gratuito”! Há sempre quem pague a conta. Aí, há no Brasil um dos sistemas mais iníquos do planeta, pois os recursos correspondentes vêm de impostos predominantemente indiretos, que proporcionalmente oneram mais os pobres, cujos gastos de consumo absorvem maior parcela de seus orçamentos.
Nas universidades públicas estaduais isso é até mais evidente, pois são custeadas por um imposto, o ICMS, sobre a aquisição de mercadorias em geral e vários serviços. Como resultado, até mendigos, que consomem 100% de sua “renda”, contribuem para pagar a educação superior de quem poderia fazer isso de seu próprio bolso. Quem vai encarar o desafio de corrigir essa enorme injustiça? Nem o PT, só em tese socialista, nem os vários partidos que se dizem social-democratas tiveram a coragem de aliviar a enorme iniquidade desse sistema.
A cobrança pela capacidade de pagamento isenta as famílias comprovadamente sem condições de pagar. Estudantes de cursos com dedicação integral receberiam bolsas de estudo para só estudarem. Seria o estudante pago, como fui durante um dos períodos mais gratificantes de minha vida.
O total arrecadado seria dividido em três partes iguais: uma para bolsas, outra para as próprias universidades e a terceira para as já mencionadas ações voltadas para a base da pirâmide educacional.
Este artigo integra série sobre uma estratégia para o País diante da crise atual. O primeiro é de 19/11/2015 e todos são encontrados em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, na primeira e terceira quintas-feiras de cada mês, com títulos iniciados pela palavra estratégia.
*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard) e consultor econômico e de Ensino Superior
O horizonte da impunidade - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - RS - 07/07
Recente decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que mantém em liberdade um empresário condenado em segunda instância por assassinato, está provocando preocupação dos integrantes da força- tarefa da Operação Lava-Jato, que se valem do encarceramento de suspeitos para obter as delações premiadas reveladoras da corrupção. Em fevereiro passado, ao negar um habeas corpus em outro caso, o plenário do STF havia decidido por sete votos a quatro que a pena de prisão poderia começar a ser cumprida antes do trânsito em julgado, isto é, antes de se encerrarem todas as possibilidades de recurso. Celso de Mello, um dos votos vencidos na ocasião, entende que o princípio constitucional de presunção de inocência (ou de não culpabilidade) só estará sendo respeitado se o réu puder recorrer em liberdade.
É, realmente, o que pretenderam os constituintes. Porém, a prática acabou deturpando o direito constitucional, tanto em decorrência da lentidão da própria Justiça quanto pela proliferação de recursos procrastinatórios. O resultado é que muitos criminosos permaneciam impunes, não raro até a prescrição da pena. O entendimento do Supremo de que a pena poderia poderia, não significa que deveria ser cumprida depois do julgamento de segunda instância proporcionou aos investigadores da Operação Lava-Jato um instrumento importante para induzir os condenados a colaborar.
Agora esta estratégia, que é considerada arbitrária por alguns juristas, fica enfraquecida pela decisão do ministro Celso de Mello. Tanto que o procurador Deltan Dallagnol, integrante da força- tarefa da Lava-Jato, lembra que ´o réu passa a ver o horizonte da impunidade como algo alcançável´, o que dificulta acordos para admissão do crime e para devolução de valores subtraídos.
Diante do impasse e da insegurança jurídica gerada, é impositivo que o Supremo volte a se manifestar sobre o tema, esclarecendo a qual das posições dará efeito vinculante.
Recente decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que mantém em liberdade um empresário condenado em segunda instância por assassinato, está provocando preocupação dos integrantes da força- tarefa da Operação Lava-Jato, que se valem do encarceramento de suspeitos para obter as delações premiadas reveladoras da corrupção. Em fevereiro passado, ao negar um habeas corpus em outro caso, o plenário do STF havia decidido por sete votos a quatro que a pena de prisão poderia começar a ser cumprida antes do trânsito em julgado, isto é, antes de se encerrarem todas as possibilidades de recurso. Celso de Mello, um dos votos vencidos na ocasião, entende que o princípio constitucional de presunção de inocência (ou de não culpabilidade) só estará sendo respeitado se o réu puder recorrer em liberdade.
É, realmente, o que pretenderam os constituintes. Porém, a prática acabou deturpando o direito constitucional, tanto em decorrência da lentidão da própria Justiça quanto pela proliferação de recursos procrastinatórios. O resultado é que muitos criminosos permaneciam impunes, não raro até a prescrição da pena. O entendimento do Supremo de que a pena poderia poderia, não significa que deveria ser cumprida depois do julgamento de segunda instância proporcionou aos investigadores da Operação Lava-Jato um instrumento importante para induzir os condenados a colaborar.
Agora esta estratégia, que é considerada arbitrária por alguns juristas, fica enfraquecida pela decisão do ministro Celso de Mello. Tanto que o procurador Deltan Dallagnol, integrante da força- tarefa da Lava-Jato, lembra que ´o réu passa a ver o horizonte da impunidade como algo alcançável´, o que dificulta acordos para admissão do crime e para devolução de valores subtraídos.
Diante do impasse e da insegurança jurídica gerada, é impositivo que o Supremo volte a se manifestar sobre o tema, esclarecendo a qual das posições dará efeito vinculante.
Mercosul redescobre o mundo - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 07/07
Argentina e Brasil podem abrir caminho para uma nova inserção do Mercosul no sistema global – mas ao mesmo tempo é preciso cuidar do próprio bloco, atolado em erros e forçado a enfrentar uma grave crise interna. Em relação ao caso argentino, pode-se falar de um retorno ao mundo, depois de um longo afastamento dos mercados. O esforço do presidente Mauricio Macri para enterrar o legado kirchnerista e normalizar os vínculos de seu país com os principais mercados vem sendo muito bem recebido. Também a diplomacia brasileira mudou, depois do afastamento, por enquanto provisório, da presidente Dilma Rousseff. O novo ministro de Relações Exteriores, José Serra, mostra-se disposto a seguir uma política pragmática, muito diferente do requentado terceiro-mundismo implantado em 2003 pela administração petista. Se o atual governo for efetivado, as novas diplomacias brasileira e argentina poderão, atuando juntas, favorecer mudanças positivas no Cone Sul e contribuir para uma integração mais dinâmica e mais produtiva das economias sul-americanas.
O presidente Macri está na dianteira nesse trabalho de renovação diplomática. Participou com sucesso, em janeiro, da reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Seu ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, foi convidado para atuar como debatedor em evento paralelo à reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), ocupando um espaço político perdido por seus antecessores kirchneristas. Nesta semana, Macri, de novo na Europa, pediu pressa para a conclusão do acordo, por muito tempo emperrado, entre União Europeia e Mercosul. Esse retorno só foi possível, naturalmente, porque o governo Macri buscou entendimento com os famigerados abutres, os credores por muito tempo mantidos fora da renegociação da dívida argentina.
Não há segurança sobre o andamento, agora, das conversações entre Mercosul e União Europeia. Brasileiros e argentinos podem estar mais dispostos a uma troca razoável de concessões, mas os negociadores europeus mostram-se hoje menos empenhados em concluir o acordo. A resistência dos agricultores da Europa tem crescido. Além disso, o abandono da União Europeia pelo Reino Unido pode complicar os procedimentos. Mas a passagem de Macri por Bruxelas, onde fez seu apelo a favor do avanço na negociação, já é um sinal muito positivo para os parceiros potenciais da Argentina e do Mercosul.
Antes da viagem à Europa, o presidente argentino assistiu a uma reunião da Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México. Foi um gesto importante para promover a aproximação entre o Mercosul e aquele bloco, formado por economias mais abertas. Mas uma integração efetiva só será possível, disse no ano passado o presidente Enrique Peña Nieto, do México, se os países do Mercosul se tornarem menos fechados. A presidente Dilma Rousseff rejeitou essa hipótese.
Os movimentos da diplomacia argentina e da brasileira são promissores, mas falta consertar danos produzidos pelo kirchnerismo e pelo petismo. A reunião de cúpula do Mercosul prevista para o dia 12 em Montevidéu foi cancelada. A crise brasileira foi levada em conta, mas a causa principal foi a situação venezuelana. A presidência do Mercosul deveria passar do Uruguai para a Venezuela. O governo do Paraguai, país suspenso do bloco entre julho de 2012 e agosto de 2013, por pressão dos governos petista e kirchnerista, opõe-se a essa transferência.
O governo Macri já havia criticado o regime venezuelano. O governo interino do Brasil tem condenado o regime bolivariano pela existência de presos políticos. Além disso, o chanceler José Serra propôs alongar o prazo da transferência até agosto, para se discutir “se a Venezuela fez a lição de casa”. Além de enfrentar o problema da Venezuela, os membros originais do bloco devem cuidar das barreiras comerciais internas, aberrações numa união aduaneira, e redefinir os objetivos comuns. Reconhecer os problemas é um bom passo para o recomeço.
Argentina e Brasil podem abrir caminho para uma nova inserção do Mercosul no sistema global – mas ao mesmo tempo é preciso cuidar do próprio bloco, atolado em erros e forçado a enfrentar uma grave crise interna. Em relação ao caso argentino, pode-se falar de um retorno ao mundo, depois de um longo afastamento dos mercados. O esforço do presidente Mauricio Macri para enterrar o legado kirchnerista e normalizar os vínculos de seu país com os principais mercados vem sendo muito bem recebido. Também a diplomacia brasileira mudou, depois do afastamento, por enquanto provisório, da presidente Dilma Rousseff. O novo ministro de Relações Exteriores, José Serra, mostra-se disposto a seguir uma política pragmática, muito diferente do requentado terceiro-mundismo implantado em 2003 pela administração petista. Se o atual governo for efetivado, as novas diplomacias brasileira e argentina poderão, atuando juntas, favorecer mudanças positivas no Cone Sul e contribuir para uma integração mais dinâmica e mais produtiva das economias sul-americanas.
O presidente Macri está na dianteira nesse trabalho de renovação diplomática. Participou com sucesso, em janeiro, da reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Seu ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, foi convidado para atuar como debatedor em evento paralelo à reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), ocupando um espaço político perdido por seus antecessores kirchneristas. Nesta semana, Macri, de novo na Europa, pediu pressa para a conclusão do acordo, por muito tempo emperrado, entre União Europeia e Mercosul. Esse retorno só foi possível, naturalmente, porque o governo Macri buscou entendimento com os famigerados abutres, os credores por muito tempo mantidos fora da renegociação da dívida argentina.
Não há segurança sobre o andamento, agora, das conversações entre Mercosul e União Europeia. Brasileiros e argentinos podem estar mais dispostos a uma troca razoável de concessões, mas os negociadores europeus mostram-se hoje menos empenhados em concluir o acordo. A resistência dos agricultores da Europa tem crescido. Além disso, o abandono da União Europeia pelo Reino Unido pode complicar os procedimentos. Mas a passagem de Macri por Bruxelas, onde fez seu apelo a favor do avanço na negociação, já é um sinal muito positivo para os parceiros potenciais da Argentina e do Mercosul.
Antes da viagem à Europa, o presidente argentino assistiu a uma reunião da Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México. Foi um gesto importante para promover a aproximação entre o Mercosul e aquele bloco, formado por economias mais abertas. Mas uma integração efetiva só será possível, disse no ano passado o presidente Enrique Peña Nieto, do México, se os países do Mercosul se tornarem menos fechados. A presidente Dilma Rousseff rejeitou essa hipótese.
Os movimentos da diplomacia argentina e da brasileira são promissores, mas falta consertar danos produzidos pelo kirchnerismo e pelo petismo. A reunião de cúpula do Mercosul prevista para o dia 12 em Montevidéu foi cancelada. A crise brasileira foi levada em conta, mas a causa principal foi a situação venezuelana. A presidência do Mercosul deveria passar do Uruguai para a Venezuela. O governo do Paraguai, país suspenso do bloco entre julho de 2012 e agosto de 2013, por pressão dos governos petista e kirchnerista, opõe-se a essa transferência.
O governo Macri já havia criticado o regime venezuelano. O governo interino do Brasil tem condenado o regime bolivariano pela existência de presos políticos. Além disso, o chanceler José Serra propôs alongar o prazo da transferência até agosto, para se discutir “se a Venezuela fez a lição de casa”. Além de enfrentar o problema da Venezuela, os membros originais do bloco devem cuidar das barreiras comerciais internas, aberrações numa união aduaneira, e redefinir os objetivos comuns. Reconhecer os problemas é um bom passo para o recomeço.
Brasil e Argentina aumentam pressão sobre Maduro - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 07/07
Países propõem adiamento de reunião de cúpula que passaria presidência temporária do Mercosul à Venezuela e cobram abertura política
O ministro de Relações Exteriores do Brasil, José Serra, defendeu em Montevidéu, após encontro com o presidente do Uruguai e presidente temporário do Mercosul, Tabaré Vázquez, o adiamento da reunião de cúpula do bloco para meados de agosto. A medida é a primeira ofensiva na área diplomática do governo do presidente interino, Michel Temer, na tentativa de bloquear a entrega da presidência rotativa do bloco ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, cujos rasgos totalitários são conhecidos. Pela proposta, em julho ocorreria apenas uma reunião de chanceleres, segunda-feira, sem poder para efetivar a Venezuela na presidência pro tempore do Mercosul.
A estratégia é ganhar tempo, diante de uma complexa agenda à frente e da falta de consenso entre os sócios sul-americanos. O Paraguai é contra a entrega da presidência a Maduro, antes que o país cumpra a cláusula democrática do bloco. A Venezuela, além de estar mergulhada numa crise econômica sem precedentes, tem seu presidente acusado de violar direitos humanos e de impor uma gestão autoritária, impedindo que a oposição possa atuar segundo as regras democráticas. Líderes como Leopoldo López continuam presos, e Maduro, com a conivência de um Judiciário submisso, vem emperrando as iniciativas da oposição no Legislativo, inclusive a realização do referendo revogatório do seu mandato presidencial.
A presença da Venezuela no Mercosul sempre foi tema controverso. Defendida pelo Brasil de Lula e Dilma Rousseff e pela Argentina do casal Kirchner, favoráveis a uma integração da América Latina à moda chavista, a iniciativa foi rebatida pelo Paraguai, com o argumento da violação de direitos humanos pelo regime de Caracas. Com a vitória de Mauricio Macri na Argentina, em dezembro, e o afastamento de Dilma, em decorrência do processo de impeachment, cresceu a pressão sobre o governo de Maduro e a adesão do país ao bloco volta a ser discutida.
Serra, que levou a Montevidéu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defendeu que Vázquez permaneça na presidência do Mercosul até agosto, contrariando a vontade do presidente uruguaio, que prefere o cumprimento do rito previsto. Já Macri, que também apoia o adiamento da cúpula, admitiu que não deseja que Maduro assuma a o comando do bloco, propondo que Vázquez continue no próximo semestre. A reunião em agosto daria mais tempo a todos para que se definissem esses impasses.
É positivo que os principais sócios do Mercosul, enfim, se articulem para pressionar o governo de Maduro a avançar rumo à democracia plena. Isso é prerrequisitos para adesão ao Mercosul. Sem cumprir esse compromisso básico, não há sequer razão para sustentar o atual regime venezuelano no Mercosul.
Países propõem adiamento de reunião de cúpula que passaria presidência temporária do Mercosul à Venezuela e cobram abertura política
O ministro de Relações Exteriores do Brasil, José Serra, defendeu em Montevidéu, após encontro com o presidente do Uruguai e presidente temporário do Mercosul, Tabaré Vázquez, o adiamento da reunião de cúpula do bloco para meados de agosto. A medida é a primeira ofensiva na área diplomática do governo do presidente interino, Michel Temer, na tentativa de bloquear a entrega da presidência rotativa do bloco ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, cujos rasgos totalitários são conhecidos. Pela proposta, em julho ocorreria apenas uma reunião de chanceleres, segunda-feira, sem poder para efetivar a Venezuela na presidência pro tempore do Mercosul.
A estratégia é ganhar tempo, diante de uma complexa agenda à frente e da falta de consenso entre os sócios sul-americanos. O Paraguai é contra a entrega da presidência a Maduro, antes que o país cumpra a cláusula democrática do bloco. A Venezuela, além de estar mergulhada numa crise econômica sem precedentes, tem seu presidente acusado de violar direitos humanos e de impor uma gestão autoritária, impedindo que a oposição possa atuar segundo as regras democráticas. Líderes como Leopoldo López continuam presos, e Maduro, com a conivência de um Judiciário submisso, vem emperrando as iniciativas da oposição no Legislativo, inclusive a realização do referendo revogatório do seu mandato presidencial.
A presença da Venezuela no Mercosul sempre foi tema controverso. Defendida pelo Brasil de Lula e Dilma Rousseff e pela Argentina do casal Kirchner, favoráveis a uma integração da América Latina à moda chavista, a iniciativa foi rebatida pelo Paraguai, com o argumento da violação de direitos humanos pelo regime de Caracas. Com a vitória de Mauricio Macri na Argentina, em dezembro, e o afastamento de Dilma, em decorrência do processo de impeachment, cresceu a pressão sobre o governo de Maduro e a adesão do país ao bloco volta a ser discutida.
Serra, que levou a Montevidéu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defendeu que Vázquez permaneça na presidência do Mercosul até agosto, contrariando a vontade do presidente uruguaio, que prefere o cumprimento do rito previsto. Já Macri, que também apoia o adiamento da cúpula, admitiu que não deseja que Maduro assuma a o comando do bloco, propondo que Vázquez continue no próximo semestre. A reunião em agosto daria mais tempo a todos para que se definissem esses impasses.
É positivo que os principais sócios do Mercosul, enfim, se articulem para pressionar o governo de Maduro a avançar rumo à democracia plena. Isso é prerrequisitos para adesão ao Mercosul. Sem cumprir esse compromisso básico, não há sequer razão para sustentar o atual regime venezuelano no Mercosul.
Um poder agonizante - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 07/07
Afastado da Presidência da Câmara dos Deputados e do mandato de parlamentar por ordem do Supremo Tribunal Federal, réu em dois inquéritos da Operação Lava-Jato e alvo de diversas investigações, Eduardo Cunha resiste a todas as pressões. E leva consigo a Câmara, paralisada por esse imbróglio que se arrasta há nove meses. Em uma situação absolutamente esdrúxula na política nacional, o deputado peemedebista dá mostra de que pretende levar às últimas consequências a batalha para permanecer no cargo.
Pouco importa se o apego à cadeira da presidência do plenário paralise o Legislativo federal por tempo indefinido, monte uma trincheira com o Ministério Público Federal e obrigue a mais alta Corte de Justiça a tomar decisões delicadas, sob risco de ferir o preceito constitucional de independência entre os poderes da República. Nas três ocasiões em que deliberaram sobre Cunha nos últimos meses, os ministros do Supremo decidiram por unanimidade em desfavor do deputado. Ainda assim, contra tudo e contra todos, o parlamentar resiste.
O impasse em torno de Cunha jogou um poder da República no atoleiro. Mesmo acuado, Cunha mantém uma rede de aliados dispostos a tumultuar os trabalhos na Câmara e o processo em curso contra o peemedebista. Ontem, o deputado federal Ronaldo Fonseca (Pros-DF) fez a sua parte na Comissão de Constituição e Justiça. O relator do caso na CCJ defendeu suspender a sessão do Conselho de Ética que aprovou a cassação de Eduardo Cunha em 14 de junho, sob a alegação de um suposto "efeito manada" que teria ocasionado a mudança de voto de integrantes do colegiado. A reação foi imediata. Houve parlamentar que considerou "pífia" a argumentação de Fonseca.
Independentemente do mérito do relatório na CCJ, o fato é que Cunha e sua trupe conseguiram o que tramavam: procrastinar o desfecho dessa narrativa rocambolesca, que em nada contribui para o interesse público. Com tantas idas e vindas e um recesso branco à frente, já se fala de que o destino de Cunha será selado apenas em agosto. A essa altura, a novela parlamentar estará perto de completar um ano. É tempo por demais precioso para ser desperdiçado.
O desgaste institucional provocado por Eduardo Cunha é alimentado pelo presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA). Sem qualquer respaldo político para conduzir o andamento legislativo e claramente orientado pelo padrinho político, Maranhão é incessantemente questionado por seus pares. Esse ambiente deflagrado acentua a paralisia na Câmara dos Deputados, em um momento dramático da vida nacional, quando o governo de Michel Temer e a sociedade brasileira esperam medidas decisivas para retirar o país da mais grave crise econômica da história. Não interessa a ninguém ter um poder republicano agonizante em praça pública. Exceto àqueles que insistem, a todo custo e contra todas as evidências, em perpetuar uma atuação política errática.
Afastado da Presidência da Câmara dos Deputados e do mandato de parlamentar por ordem do Supremo Tribunal Federal, réu em dois inquéritos da Operação Lava-Jato e alvo de diversas investigações, Eduardo Cunha resiste a todas as pressões. E leva consigo a Câmara, paralisada por esse imbróglio que se arrasta há nove meses. Em uma situação absolutamente esdrúxula na política nacional, o deputado peemedebista dá mostra de que pretende levar às últimas consequências a batalha para permanecer no cargo.
Pouco importa se o apego à cadeira da presidência do plenário paralise o Legislativo federal por tempo indefinido, monte uma trincheira com o Ministério Público Federal e obrigue a mais alta Corte de Justiça a tomar decisões delicadas, sob risco de ferir o preceito constitucional de independência entre os poderes da República. Nas três ocasiões em que deliberaram sobre Cunha nos últimos meses, os ministros do Supremo decidiram por unanimidade em desfavor do deputado. Ainda assim, contra tudo e contra todos, o parlamentar resiste.
O impasse em torno de Cunha jogou um poder da República no atoleiro. Mesmo acuado, Cunha mantém uma rede de aliados dispostos a tumultuar os trabalhos na Câmara e o processo em curso contra o peemedebista. Ontem, o deputado federal Ronaldo Fonseca (Pros-DF) fez a sua parte na Comissão de Constituição e Justiça. O relator do caso na CCJ defendeu suspender a sessão do Conselho de Ética que aprovou a cassação de Eduardo Cunha em 14 de junho, sob a alegação de um suposto "efeito manada" que teria ocasionado a mudança de voto de integrantes do colegiado. A reação foi imediata. Houve parlamentar que considerou "pífia" a argumentação de Fonseca.
Independentemente do mérito do relatório na CCJ, o fato é que Cunha e sua trupe conseguiram o que tramavam: procrastinar o desfecho dessa narrativa rocambolesca, que em nada contribui para o interesse público. Com tantas idas e vindas e um recesso branco à frente, já se fala de que o destino de Cunha será selado apenas em agosto. A essa altura, a novela parlamentar estará perto de completar um ano. É tempo por demais precioso para ser desperdiçado.
O desgaste institucional provocado por Eduardo Cunha é alimentado pelo presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA). Sem qualquer respaldo político para conduzir o andamento legislativo e claramente orientado pelo padrinho político, Maranhão é incessantemente questionado por seus pares. Esse ambiente deflagrado acentua a paralisia na Câmara dos Deputados, em um momento dramático da vida nacional, quando o governo de Michel Temer e a sociedade brasileira esperam medidas decisivas para retirar o país da mais grave crise econômica da história. Não interessa a ninguém ter um poder republicano agonizante em praça pública. Exceto àqueles que insistem, a todo custo e contra todas as evidências, em perpetuar uma atuação política errática.