segunda-feira, março 07, 2016

Até os orixás estão de saco cheio - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 07/03

A crença nos espíritos data da pré-história. E tudo que data da pré-história e dura até hoje implica razoável sucesso evolucionário. Levo a pré-história muito a sério e a julgo tão importante quanto os últimos 200 anos para que possamos entender os humanos. Só pessoas superficiais em repertório e pobres de espírito avaliam a humanidade sem levar em conta o Alto Paleolítico (nosso melhor momento).

A escuridão do mundo e seus ruídos, a presença dos sonhos à noite e o medo da morte seguramente pavimentaram o caminho para o mundo dos espíritos.

Uma coisa que sempre me chamou a atenção na crença nos espíritos é como eles estão sempre envolvidos com as coisas terrenas. Afinal, se já desencarnaram, qual a razão de ficarem se enrolando com os assuntos dos encarnados? Sei da resposta padrão: missão.

Muitos desses espíritos precisam cuidar dos assuntos terrenos para que eles mesmos ganhem alguma luz em suas evoluções espirituais. Como parte importante dessa evolução espiritual está a necessidade de nos ajudar em nossos rolos. Seres humanos sempre patinam nas mesmas coisas.

Já tive algumas oportunidades de ver orixás e entidades variadas, como Exu (em si um orixá), Pombagira, Caboclo, Preto Velho e outros, em ação. Em algumas dessas vezes cheguei a conversar com eles, e impressiona uma certa sabedoria popular presente em suas falas. Na realidade, existem três grande áreas de choque na vida das pessoas: 1. trabalho e dinheiro, 2. saúde e doença, 3. amor e família.

Se você pensar um pouco, verá que a maioria das coisas que nos afetam, transita, pelo menos, por uma dessas três áreas.

Muitas vezes, suspeito que algumas dessas entidades entendem melhor sobre humanos do que muitos professores e "cientistas" das humanidades.

Por isso, talvez, as falas desses espíritos nos soem tão significativas. Seja porque eles (os espíritos) de fato entendem das nossas agonias, seja porque os pais de santo e as mães de santo é que entendem dessas nossas agonias, como pensa o cético. De qualquer forma, não me interessa a crítica cética aqui. Interessa-me apenas como muitas dessas entidades falam de coisas que de fato nos tocam no dia a dia. Talvez mesmo porque sejamos banais e comuns: todos nós vivemos quase o tempo todo passando por aquelas três grandes áreas de choque descritas acima.

Numa conversa familiar e entre amigos, uma dessas pessoas muito conhecedoras "do ramo" soube de um relato que me chamou a atenção, e que quero partilhar com você aqui, cara leitora e caro leitor.

O relato é o seguinte. Numa gira (evento em que entidades da umbanda atendem pessoas em suas agonias cotidianas), um Caboclo (caboclos são da linhagem de Oxóssi) de grande experiência em atendimento (cujo "cavalo" é um pai de santo de enorme sucesso no ramo) se aborreceu profundamente com as demandas de seus "clientes" ali presentes. Vale salientar para os especialistas que se tratava de um terreiro de candomblé que tem giras de umbanda também, o que é cada vez mais comum.

Precisamos lembrar que, mesmo no ramo de atendimento espiritual, você deve tomar cuidado para não "chutar o saco do cliente", porque ele pode procurar outro orixá, de outro terreiro, para se consultar. E, normalmente, consultas assim podem se transformar em "trabalhos" de todos os tipos, "trabalhos" esses que giram a economia do terreiro e de quem se dedica a essa profissão. Nem só do verbo vive o homem, mas também do pão e da carne.

A irritação do Caboclo (eu sei o nome dele, mas não quero expô-lo aqui) foi com as "conversinhas" de seus clientes ali presentes. Segundo o Caboclo, todo mundo só queria falar com ele sobre "bobagens mesquinhas". E ele, vindo de "tão longe", perdera a paciência para atender pessoas tão bobas. Para nosso Caboclo, o irritante era a "infantilidade" das pessoas ali presentes.

Posso imaginar a irritação de um ser que já passou pela Terra antes de ela ser tomada pela comunidade de retardados em rede que hoje assola o mundo. Até os orixás estão de saco cheio. Caboclo de coragem esse. E sábio.


Reservada a bacanas - RUY CASTRO

Folha de SP - 07/03

Foi-se o tempo em que ser corrupto no Brasil estava ao alcance de qualquer um.

Numa das fabulosas boates do Rio nos anos 50, um boêmio sentado ao lado da mesa de um assessor do ministro da Agricultura, por exemplo, ouvia-o dizer que o governo iria fazer uma importação de tratores. O sujeito puxava conversa e convencia o assessor de que, se essa importação incluísse discretamente 50 Cadillacs rabo-de-peixe, eles poderiam ganhar um bom dinheiro revendendo-os na praça e dividindo a féria. Era assim nos governos Dutra, Getúlio, Juscelino.

No tempo da ditadura, muitos generais trocaram a agrestia dos quartéis, com seu perfume de estrebaria, pela presidência de órgãos públicos, com salários que lhes permitiam pedir reforma do Exército e trocar a casinha no Maracanã pelo apartamento em Copacabana. As obras do "Brasil grande" também podiam não sair das pranchetas, mas, enquanto estavam em estudos, socorriam muitos coronéis desamparados.

Nos governos Sarney, Collor e FHC, foi preciso ser mais criativo para ser corrupto.

Políticos e empresários desenvolveram afinidades jamais sonhadas, donde surgiram as concorrências com cartas marcadas, o loteamento dos cargos públicos e as privatizações marotas. Ali a corrupção começou a encarecer.

Sob Lula e Dilma, explodiu. Nunca neste país foi preciso pagar tanta propina, superfaturar transações, investir em refinarias falidas, subornar políticos, nomear ministros, lubrificar tribunais, silenciar aliados, socorrer amigos, comprar medidas provisórias, pagar por palestras fantasmas e bancar a tomada do Estado por um partido. Para não falar nas boquinhas -é um filho aqui, outro ali, um instituto, um sítio, um tríplex, um pedalinho. E tudo em milhões, nada abaixo de sete dígitos.

Haja dinheiro. Hoje, só bacana pode ser corrupto.


O fim e o começo - AÉCIO NEVES

Folha de SP - 07/03

Vivemos um momento especialmente difícil da vida nacional. Um capricho do destino combinou o agravamento da crise econômica com o pior momento do terremoto político que ameaça o governo.

De um lado, a constatação de que, na economia, a queda vertiginosa do PIB configura anos de crescimento perdido para o país. De outro, as revelações vindas à tona na Operação Lava Jato lançam luzes sobre o mundo de sombras no qual opera o grupo instalado no poder. Trata-se de uma combinação letal. De certo, não sobreviverão nem mesmo algumas biografias.

O fracasso na gestão econômica e as impropriedades cometidas pelo grupo no poder –cada dia elas estão mais expostas– não são uma invenção da oposição e nem fruto de uma conjuntura adversa. O conjunto da obra tem DNA e carteira de identidade petistas. A crise na qual estamos mergulhados é resultado de crenças equivocadas, valores desvirtuados e ambições desmedidas.

Infelizmente o PT não entende a crise, sequer a reconhece. Faz o pior: parece querer aprofundá-la, com uma sucessão de atitudes que beiram a irresponsabilidade cívica, como as pressões a favor de troca de ministros, a crítica contumaz à independência das instituições e da imprensa e a divulgação recente de um programa econômico alternativo ao do próprio governo que preside.

À deriva e maculado por escândalos cada vez mais próximos do seu núcleo de poder, este governo não está apto a restaurar a confiança essencial à reconstrução do país.

A hora que vivemos exige coragem e serenidade de todos os democratas.

Serenidade para não aceitar as provocações que nascem da intolerância daqueles que, sem argumentos, insistem em disseminar o ódio e dividir o Brasil para tentar esconder a realidade. Palavras de ordem ensaiadas não vão calar o país.

Não se trata de quem grita mais ou mais alto. Os brasileiros aprenderam a ouvir uma nova voz: a da Justiça.

Coragem para continuar a busca da verdade. A sociedade não merece menos do que isso. Devemos apoiar os trabalhos do Ministério Público, da Polícia Federal e das demais instituições que zelam pela democracia. É hora de assegurar que elas continuem trabalhando sem constrangimentos, sempre nos limites da ordem constitucional. Afronta a democracia quem, dizendo agir em seu nome, quer destruir seus pilares.

Mas, apesar de tudo o que enfrentamos, nosso olhar não pode ficar refém dos dias que vivemos. É preciso enxergar mais adiante. Do encontro com a verdade nascerá um novo Brasil. Confiante, fortalecido na sua esperança como povo e nação.

Um país com credibilidade, capaz de retomar o crescimento e recuperar o respeito da nossa gente e do mundo. É nessa direção que precisamos caminhar.

Juntos = complicação - VALDO CRUZ

Folha de São Paulo - 07/03

A crise ganha contornos infernais, Lula entra de vez no olho do furacão da Lava Jato, Dilma vai sendo sugada também e a presidente, num instinto de sobrevivência, se reaproxima do criador.

O gesto natural da petista, neste momento de encruzilhada em que se encontra, pode ser uma solução no curtíssimo prazo. Envolve, contudo, riscos que podem agravar o cenário de crise e piorar ainda mais a situação caótica do país.

Dilma vinha se distanciando tanto de Lula como do PT. Seus dois principais pontos de apoio exigiam da presidente ajustes e mudanças que ela resistia e resiste a entregar.

Num deles foi obrigada a ceder. Tirou José Eduardo Cardozo da Justiça, o petista acusado pelo partido de não controlar a Polícia Federal. Mas Dilma o manteve por perto, na Advocacia-Geral da União.

Depois disto, o cenário só fez piorar. A delação da Andrade Gutierrez revelou caixa dois na campanha da petista em 2010; veio a público o roteiro da delação do senador Delcídio do Amaral, citando a presidente em relações complicadas. E a Lava Jato focou de vez no ex-presidente.

Tudo numa só semana, jogando Dilma de novo nos braços de Lula e do PT. Até quando, não se sabe. Dentro do governo, há quem aposte que não por muito tempo. Afinal, os petistas defendem uma guinada na política econômica e querem engavetar a reforma da Previdência.

Se ceder neste campo também a seus aliados, a presidente vai ficar bem na foto com sua turma, unindo ainda mais sua tropa em torno de sua defesa e de seu criador. Mas vai jogar a economia brasileira num buraco ainda mais profundo.

Primeiro, porque a oposição vai infernizar cada vez mais a vida do governo no Congresso, acentuando sua paralisia e obstruindo votações de interesse do Palácio do Planalto.

Segundo, porque Lula e o PT não compreendem que o mundo mudou, o país quebrou e não dá para ajustar as coisas sem dor. É a real.

À sombra da história - MARCELO AGNER

CORREIO BRAZILIENSE - 07/03


Um detalhe chamou a minha atenção durante a declaração de guerra de Lula aos inimigos no dia em que teve que se explicar à PolíciaFederal. Atrás do ex-presidente, destacavam-se duas jovens. Uma delas vestia a camiseta da UNE. A outra, a de uma entidade de estudantes secundaristas - acredito que seja a Ubes.

Lula convocou a tropa de choque para enfrentar o que seus partidários chamam de "golpe e perseguição". Pediu ajuda à CUT, ao MST, ao PT e ao PCdoB para uma cruzada contra a direita e os conservadores - na avaliação do petismo, quem não está com ele se enquadra em um desses dois grupos. UNE e Ubes não estavam na lista. Mas não era necessário citá-las. As duas entidades já se apresentaram para a empreitada. Em nota divulgada no site, a UNE afirma, timidamente, reconhecer a importância das investigações da Justiça, mas sai em defesa de Lula, atacando desde a PF até a imprensa.

Houve um tempo em que gritar "a UNE somos nós, nossa força, nossa voz" era motivo de orgulho. Mesmo sem militar no movimento estudantil, eu sabia da importância dele para o país e para todos os que repudiavam a ditadura militar - e na época em que os militares estavam no poder, é bom lembrar.

Mas o movimento se perdeu no tempo. Ficou deslumbrado com a chegada do PT ao poder, acreditando que a esquerda, enfim, ditaria novos rumos do país. A UNE acabou estatizada. Hoje, ataca instituições republicanas para defender as efêmeras benesses que recebe do Estado. Faltam lideranças e bom senso. Sobra oportunismo.

Ao cerrar fileiras com o governo, a UNE se esqueceu totalmente da educação no país. Seus diretores poucos se importam com a falta de rumos da "Pátria educadora", que deixou universidades à míngua e à beira do colapso. Não há passeatas, protestos ou mobilizações contra o Estado. Muitos podem argumentar que a pauta da UNE sempre excedeu as reivindicações pela melhoria do ensino.

Mas, ao defender veementemente Lula contra a Lava-Jato, a UNE dá o salto mais questionável e perigoso de sua história recente. A entidade que nasceu com a democracia no DNA prefere ficar hoje ao lado do investigado e não do da Justiça, sem esperar o fim das investigações de denúncias que são graves e merecem ser apuradas, explicadas. O Brasil trava sua maior guerra à corrupção e aos malfeitos.

No entanto, muitos tentam transformar o atual momento brasileiro numa luta ideológica e de classes. Acreditar nisso é flertar com o autoritarismo. E a UNE, por representar (ou tentar fazê-lo) nossos estudantes, não tem o direito de fazer escolhas tão açodadas.

Crise política paralisa tudo - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 07/03

As turbulências do ambiente político, marcado nos últimos dias pela aceitação de denúncia contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pelo Supremo, pela delação premiada de Delcídio do Amaral (PT-MS), ex-líder do governo no Senado, e pela condução coercitiva do ex-presidente Lula, para prestar depoimento à Polícia Federal no âmbito da Operação Lava-Jato, contribuíram para lançar mais dúvidas sobre a possibilidade de um acerto do governo com o Congresso, com vistas a destravar o diálogo em torno de medidas de retomada da economia.

A histórica queda de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 e o consequente empobrecimento da população brasileira - a renda per capita diminuiu 4,6% - não deixam dúvida quanto à urgência de se encontrarem saídas para evitar que esse desastroso desempenho contamine 2016. Caso isso ocorra, o país vai experimentar a mais grave recessão da história recente, com consequências ainda mais danosas para o emprego e a renda das pessoas, além da perda total de tudo o que o país vinha conquistando desde a estabilização da moeda, há 20 anos.

Entre os dados do PIB informados na semana passada pelo IBGE, está o preocupante mergulho dos investimentos, que registraram queda 14,1% em 2015, o maior tombo em 18 anos. Trata-se de indicador que reflete com exatidão o ânimo dos agentes econômicos. Para um país como o Brasil, são necessários investimentos anuais que correspondam a pelo menos 22% do PIB para garantir a expansão da oferta de infraestrutura, bem como a expansão e a modernização do parque industrial. Esse nível de investimento, no caso brasileiro, deveria ser mantido por cerca de 10 anos. O Brasil nunca conseguiu manter essa recomendação técnica por mais de dois ou três anos.

Entre 2010 e 2014, os investimentos ficaram em 20% do PIB ou muito próximos disso. A queda de 2015 baixou esse patamar para 18% e, até agora, são pessimistas as previsões para 2016. A falta de investimentos sinaliza baixo crescimento da produção nos próximos anos, além de recuo no processo de modernização, inovação e, portanto, de aumento da produtividade da economia. É consenso entre empresários e economistas não vinculados ao governo que a retomada do dinamismo na atividade econômica passa necessariamente pela volta do investimento, tanto público quanto privado. Mas, no Brasil, essa retomada está bloqueada por pelo menos dois fatores.

O primeiro é consequência dos últimos anos da política econômica equivocada que levou à quase destruição do parque industrial do país. Depois de um período relativamente longo de câmbio desfavorável, a indústria nacional, além da dificuldade para exportar, perdeu boa parte do mercado interno para a importação. Em 2015, a indústria teve, segundo o IBGE, perda de 6,2%. Com isso, o setor acumula uma custosa ociosidade que, enquanto não for superada, vai contribuir para o engavetamento dos projetos de investimento.

O segundo fator é a falta de percepção de que o governo, de fato, caminha para equilibrar suas contas, condição inicial para a volta dos investimentos públicos, para o controle da inflação e o consequente recuo nas taxas de juros. Depende tudo isso da volta à normalidade na política e da credibilidade do governo, o que parece ainda distante.

Procura-se um presidente - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo 07/03

A petista Dilma Rousseff ocupa apenas formalmente o cargo de presidente da República, para o qual foi reeleita em 2014. Na prática, ela já não consegue exercer nenhum poder, salvo o previsto no protocolo – sempre haverá alguém no Palácio do Planalto para lhe servir um cafezinho. Mas a autoridade para governar de fato, conferida pelo voto popular, a presidente não tem mais, nem mesmo diante daqueles que, em tese, deveriam apoiá-la, quer porque integram seu partido, quer porque formam o condomínio que a sustenta. Formou-se um vácuo no Executivo, a tal ponto que, hoje, se pode dizer que falta um presidente no governo que aí está. Como política é ocupação de espaços, esse vazio institucional deixado pela incapacidade de Dilma já está sendo preenchido pelo Congresso, que assume cada vez mais ares de governo, como se no parlamentarismo estivéssemos.

Vendo o Planalto desnorteado, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), planejam impor uma extensa pauta de votações com temas que não são considerados prioritários pelo governo e que contrariam tanto Dilma como o PT.

Entre os projetos que deverão ser levados a plenário no Senado estão a proposta de autonomia do Banco Central, a proibição de mudanças em contratos de concessão, a reforma tributária e a fixação de teto para o endividamento da União, além da reforma da Previdência, que Dilma até quer, mas o PT repudia.

Na Câmara, Eduardo Cunha planeja criar comissões para discutir assuntos que são de interesse direto do governo, como o fim da participação obrigatória da Petrobrás na exploração do pré-sal. “A resultante da comissão especial é que será levada ao plenário”, informou Cunha. Ou seja, o governo perdeu totalmente a influência sobre a agenda legislativa mesmo em assuntos que considera de importância estratégica.

Já as propostas da lavra do governo são tratadas com incontido desdém. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), por exemplo, classificou de “doidice” a intenção do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de criar uma “banda fiscal” para o superávit primário, que automaticamente afrouxaria a meta fiscal em caso de desaceleração da economia. “Precisamos ter realismo fiscal”, ponderou o parlamentar, como se o Congresso fosse um exemplo de dedicação ao equilíbrio das contas públicas.

Portanto, sem força para retomar a iniciativa característica da Presidência, Dilma depende da boa vontade de grupos políticos sobre os quais não exerce nenhuma influência, apesar de ainda deter a poderosa caneta que distribui cargos e verbas. Nem mesmo o modelo de “presidencialismo de cooptação”, resultante da transformação do “presidencialismo de coalizão” em um grosseiro toma lá da cá, tem funcionado. Dilma só conseguiu arregimentar algum apoio na segunda divisão do PMDB, e mesmo assim ao custo de entregar anéis e dedos – como o importantíssimo Ministério da Saúde – a políticos de baixa extração.

Todo esse esforço tem sido incapaz de restituir a Dilma o poder inerente a seu cargo. Sua cruzada em favor da volta da CPMF, hoje praticamente a única pauta que ocupa a agenda presidencial, não encontra respaldo sério em nenhum recanto no Congresso. Ao contrário: sempre que podem, os críticos do governo lembram que, antes de defender a CPMF, Dilma deveria convencer seu próprio partido a aprovar as reformas essenciais para a retomada da economia.

Mas é justamente aí que está o maior problema de Dilma: a petista não governa porque é bisonhamente fraca – e não se fortalece porque, além de ser como é, enfrenta a sabotagem de seus correligionários, a começar pelo chefão do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. A título de “ajudar” Dilma a governar, como disse em discurso à militância petista, Lula tratou de desmoralizar de vez a presidente, ao derrubar seus principais ministros – o da Casa Civil, o da Fazenda e, agora, o da Justiça.

Assim, está claro que, politicamente, Dilma já é passado. Enquanto ela estiver na Presidência, esta será exercida na prática por terceiros – Renan, Cunha, Wagner, Lula et caterva –, com claros prejuízos para o equilíbrio institucional e o futuro imediato do País.

Cassação e impeachment - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 07/03

O governo acabou! Resta determinar como se dará o seu fim! A experiência petista está terminando na delegacia!

Lula foi conduzido coercitivamente à Policia Federal. Terminou a impunidade.

Não é possível governar com escândalos de corrupção produzidos em maior parte pelo PT, com seus dirigentes e líderes presos, condenados ou sob inquéritos e denúncias.

Não é possível governar com o ex-presidente Lula preocupado apenas com a sua própria sobrevivência.

Não é possível governar na mais profunda crise econômica, sem nenhuma ideia nem condições para dela sair.

Não é possível governar sem nenhum apoio partidário (nem do PT) e sem nenhuma popularidade.

Não é possível governar de costas para a sociedade, em meio a crises política, econômica e social, com o PIB despencando e o desemprego adquirindo grandes proporções.

Várias saídas são possíveis. O mais conveniente para o país seria a renúncia ou o afastamento da presidente para tratamento de saúde. Porém, tal posição esbarra em dois grandes problemas.

O primeiro deles consiste em que a própria presidente deveria tomar a iniciativa de tal ato. Porém, para isto, seria necessário um gesto de grandeza que não faz parte de suas qualidades. Nem seus erros consegue admitir. É dominada por uma espécie de autismo em relação à própria realidade por ela criada. Talvez, agora, possa ser pressionada a isto, considerando a nova situação política.

O segundo deles reside em que o ex-presidente Lula poderia tê-la convencido a tomar tal atitude, mas isto, aparentemente, não lhe interessava. Agora, perdeu qualquer condição de tal iniciativa. E a imagem que possui de si, desproporcional aos seus feitos, porém talvez equivalente aos seus malfeitos, não permitiria tal gesto.

Lula e o PT ficaram sem nenhuma narrativa. Logo, o impeachment ou a cassação poderiam lhes ser adequados, pois seriam incorporados ao discurso alicerçado em ideias do tipo “contra a direita”, “contra o golpe” e “contra a mídia golpista”. A nova: “preso político”. São, evidentemente, bobagens, mas é o que restou de um partido sem ideias.

Sobram duas alternativas: a cassação e o impeachment.

As provas de envolvimento da campanha da presidente Dilma em corrupção e em desvio de recursos públicos estão se avolumando. As novas delações, dentre as quais a do senador Delcídio Amaral, fazem crescer ainda mais a fervura. As chances de cassação aumentam em muito, pois o governo e o PT conseguem cada vez menos se defender. E a Lava-Jato não dá tréguas, passando o país a limpo.

Ocorre que um julgamento pelo TSE, por vias normais e sem protelações, demoraria em torno de um ano. Se houver impugnações, diligências e recursos dos mais diferentes tipos, pode se prolongar por dois anos. Estaríamos no final de 2017 ou no início de 2018.

Note-se, aqui, que há questões, pertinentes, quanto a se o TSE poderia cassar uma chapa presidencial sem passar pelo Congresso, pois não está prevista a cassação na Constituição, mas em lei complementar. Em todo caso, tal tipo de processo não deixaria de ensejar dúvidas.

O vice-presidente, por sua vez, teria fundadas justificativas para pleitear uma individualização da chapa, dentre outras razões por haver julgamentos distintos da presidente e do vice, prestações de contas apresentadas separadamente, com doadores diferentes, juramentos distintos, citações diferentes, estruturas jurídicas diferentes da Presidência e da Vice-Presidência, não transferência da culpa e assim por diante.

Considere-se, contudo, a título de hipótese, que haveria a cassação da chapa. Se ocorresse ainda neste ano, o deputado Eduardo Cunha assumiria a Presidência por um período de 90 dias, presidindo o processo eleitoral, com todos os seus problemas de legitimidade. Acrescente-se, ainda, o descrédito total da classe política, de tal maneira que poderíamos ter o seguinte cenário.

Nem Aécio nem Lula seriam provavelmente os vencedores. Um tertius qualquer poderia ganhar o pleito, mergulhando o país em uma nova incerteza e instabilidade. O país continuaria, sob outras roupagens, envolvido em intermináveis crises econômica, política e social.

Por esta razão, voltaria a ganhar força a tese do impeachment, abreviando o processo e assegurando uma tranquila transição do ponto de vista constitucional. O Brasil poderia resgatar-se a curto prazo, o que, hoje, parece impossível.

Nos meios políticos e na sociedade em geral, observa-se um clima muito mais favorável ao sucesso de um eventual impeachment da presidente da República. A percepção de que o barco está naufragando e de que o PMDB e outros partidos tudo podem perder acrescenta ainda mais força a esta alternativa.

Deputados, antes contrários ou indecisos, já se manifestam favoravelmente a esta opção. Estão sendo pressionados pela opinião pública, por suas bases eleitorais e estão cientes de que, com o atual governo, não há saída à vista. Temem cair com Dilma e o PT.

Os senadores, sobretudo do PMDB, já estão dando sinalizações de que poderão abandonar o barco de Dilma. O próprio senador Renan Calheiros já manifestou apoio ao vice-presidente à presidência do partido e o convidou a fazer campanha em Alagoas.

Note-se que o vice-presidente conseguiu reunificar e pacificar o PMDB em uma chapa consensual, algo em que poucos apostavam até algumas semanas atrás. E tal fato é da maior importância, porque é uma resposta política à desunião fomentada pela presidente Dilma e pelo próprio PT. Nesta perspectiva, poderia reunificar e pacificar o país.

Por último, devemos atentar ao fato de o impeachment ser uma solução prevista na própria Constituição, assegurando uma transição propriamente institucional. Ele é, neste sentido, menos traumático do que a cassação. As instituições republicanas seriam totalmente preservadas e um novo caminho poderia se vislumbrar para todo o país.

Em todo o caso, o país não aguenta mais três anos imerso em uma crise que parece não ter fundo!

Urge que o impeachment volte a ser prioritário. Para o bem do Brasil.

Quem é Lula? - PAULO GUEDES

O GLOBO - 07/03

O ex-presidente vai desmerecer sua luta pela redemocratização se incitar militantes à violência em vez de enfrentar serenamente a Justiça


A Polícia Federal avança em busca da verdade disparando Aletheia, a mais nova e politicamente complexa fase da Operação Lava-Jato. Lubrificadas pela delação premiada de Delcídio Amaral, as investigações exigiam o depoimento do ex-presidente Lula, o que foi previamente assegurado por eventual condução coercitiva autorizada pelo juiz federal Sergio Moro. A delação de Delcídio embola os governos Lula e Dilma em uma engrenagem única em sinistra associação com piratas privados e criaturas do pântano político para a apropriação indébita de recursos públicos e para a permanência no poder. O mensalão e o petrolão seriam duas faces do mesmo fenômeno. E a autorização da condução coercitiva por Sergio Moro irritou o ex-presidente e inflamou a militância que o esperava na sede do PT após o depoimento.

Olívio Dutra, um dos fundadores do PT, diz que quem mudou foi o partido, e não seus adversários, atribuindo práticas degeneradas à política do pragmatismo, o “enorme guarda-chuva aberto por Lula”. O líder maior de seus adversários, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, parece concordar com essa avaliação: “É preciso abrir o jogo: não se trata só de Dilma ou do PT, mas da exaustão do atual arranjo político brasileiro.” Compreendem os leitores o profundo silêncio das oposições? Entendem por que a defesa da República depende agora da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário?

Seremos testados nos próximos meses. Não apenas nossas instituições mas também o próprio Lula. Sua biografia não é a de Chávez, e o Brasil não é a Venezuela. Lula prestará um desserviço ao país, desmerecendo sua luta pela redemocratização, se incitar militantes à violência, em vez de enfrentar serenamente uma avaliação de suas responsabilidades perante a Justiça. Seria desesperada e temerária qualquer ameaça de convocar camisas negras, pardas ou vermelhas, “o exército de Stédile” e militantes de organizações sociais para brigar nas ruas. Seria uma provocação ao Exército de Caxias. Nossa democracia dispensa tanto a violência de milícias partidárias quanto as práticas transgressoras de bandos políticos, em que a cumplicidade e o silêncio solidário com os malfeitos colidem com a transparência e a integridade exigidas no trato da coisa pública.

Nunca mais! - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 07/03

Pensei: o cara pirou. Só pode ser. Tudo bem que tenha se sentido ofendido pela reportagem do "The New York Times" sobre seu gosto por bebidas alcoólicas.
Pega mal para um governante ser citado assim. Mas o presidente russo Boris Yeltsin também o fora. E na rede de televisão CNN protagonizara cena memorável dançando em um palco no centro de Moscou depois de ter bebido todas as vodcas possíveis.

DAÍ A LULA determinar a expulsão do país do correspondente do jornal, Larry Rother? Sinto muito, era exagero. E também um abominável ato de arbítrio. Foi isso o que ele ouviu dos poucos assessores com alguma gota de coragem para enfrentar seus costumeiros ataques de cólera - "exagero" Em público, ele vestia a fantasia do "Lulinha paz e amor" com a qual se elegera pela primeira vez.

UM DOS ASSESSORES, em reunião no gabinete presidencial do Palácio do Planalto, sacara de um exemplar da Constituição e apontara o artigo que garantia ao jornalista o direito de permanecer no Brasil. Então Lula cometeu a célebre frase que postei no meu blog no dia 12 de maio de 2004, poucas horas depois de ela ter sido pronunciada: "Foda-se a Constituição!"

NAQUELE DIA, mais de um deputado e senador discursaram no Congresso a propósito do que Lula dissera a respeito da Constituição, embora nenhum, por pudor ou receio de ferir o decoro, tenha reproduzido a frase ofensiva e grosseira. Diretores de jornais e revistas me telefonaram perguntando se eu estava seguro do que publicara. Nenhum ousou escrever sobre o episódio. Eram outros os tempos.

NOS TEMPOS das redes sociais, a imprensa não é mais reverente com os poderosos até porque perdeu o monopólio da informação. Algo que não se dê, a internet dá. Palavras e frases consideradas chulas antigamente foram assimiladas pela linguagem corrente. De resto, como ignorá-las quando saem da boca de homens públicos e têm a ver com fatos públicos relevantes? Foi o que aconteceu outra vez com Lula.

UM VÍDEO postado na internet deu conta do que ele disse em conversa com a presidente Dilma poucos minutos depois do fim do seu depoimento forçado à Lava-Jato na última sexta-feira. Lula disse: "Eles que enfiem no cu todo o processo." Referia-se, certamente, aos procuradores que o haviam interrogado. E ao processo que apura a roubalheira na Petrobras e a sua eventual culpa por ela.

A SAÍDA encontrada por Lula para sobreviver foi se declarar desde já candidato a presidente da República em 2018, correr assustado para o colo do PT, anunciar seu retorno às ruas e reconciliar-se com o discurso incendiário da época em que era inimigo das elites e a elas não se associara ainda, adotando apenas o que elas têm de pior. Dará certo? Difícil que dê. Seria preciso combinar antes com vários adversários.

COM A LAVA-JATO. Com a crise econômica que se anunciou no seu segundo governo. Com a sucessora eleita e reeleita, sem talento para administrar, sequer, uma loja de produtos baratos, quanto mais um país. Com o PT devastado pela corrupção e em queda acelerada no ranking dos partidos mais admirados. E com a maioria dos brasileiros que diz rejeitar a hipótese de votar nele, Lula, novamente.

SÓ HÁ UM RESPONSÁVEL pela tragédia política e pessoal que Lula enfrenta: ele mesmo. Lula está quase nu. E o que já se vê não é recomendável para eleitores com 16 anos ou mais.