quarta-feira, janeiro 27, 2016

Sugestões - RUY CASTRO

Folha de SP - 27.01
Ninguém me pediu, mas aqui vão sugestões de orelhada para alguns problemas da atualidade.
1. Começam a proliferar no Carnaval carioca os blocos clandestinos, que não pedem autorização para sair, provocam confusão no trânsito e desfilam fora do roteiro dos banheiros químicos. Com isso, haja botequins e restaurantes pelo caminho, além dos becos e ruas transversais. Sugestão: uso obrigatório de uma popular fantasia dos velhos Carnavais, a de bebê, com touca, babador, camisinha de pagão e calcinha –só que esta, agora, equipada com fralda descartável.
2. Os "black blocs" voltaram a se infiltrar nas manifestações, destruindo patrimônio alheio e infernizando a vida do povo para dar prejuízo aos capitalistas sangrentos. São filmados quebrando tudo e levados presos, mas rapidamente soltos por seus advogados sob o argumento de que não é possível identificá-los sob as máscaras. Sugestão: identificá-los pela cor do capuz, modelo da jaqueta, características dos adereços de mão –porretes, martelos, tesouras, estiletes– e estilo de ataque às vitrines. O estilo é o homem.
3. Os interrogados pelo Ministério Público e pela Operação Lava Jato insistem em não se lembrar ou desconhecer que pessoas sob suas ordens levaram anos assaltando a Petrobras e outras instituições em benefício próprio ou de interesses políticos. Sugestão: para a falta de memória, o velho Fosfosol.
4. Para o alegado desconhecimento de fatos cometidos sob suas barbas, seria o caso de submetê-los ao detector de mentiras. É o aparelho que mede alterações do pulso, batimentos cardíacos e contrações musculares quando o interrogado é submetido a certas perguntas. Mas o detector é um procedimento apenas auxiliar.
Há quem seja tão sincero ao mentir que ele não pode ser usado como prova.

Pero sin perder la ternura jamás - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP -27.01
A decisão de política monetária foi surpreendente e justificada pelo temor da desaceleração da economia global, acerca da qual dirigentes do BC foram alertados em reunião do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e cujo efeito mais direto, em sua opinião, seria reduzir a inflação.
Eu me refiro, claro, à reunião do Copom de agosto de 2011, quando o Banco Central, sob a suposição de um "cenário alternativo" (segundo o qual "a deterioração do cenário internacional [causaria] um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009"), iniciou um processo de redução da taxa de juros que só cessaria em outubro de 2012, embora expectativas de inflação e as próprias projeções do BC se encontrassem acima da meta.
Não há a menor dúvida de que se tratou de um movimento desastroso: a partir daí o BC perdeu de vez a batalha das expectativas, que jamais voltaram a se aproximar da meta de inflação. O tal impacto da crise internacional nunca se materializou e a inflação superou a meta em todos os anos desde então.
Sim, usei um truque retórico barato, mas a verdade é que não há como deixar de notar as semelhanças entre o que ocorreu à época e a decisão da semana passada, em particular o apelo a fenômenos internacionais para justificá-la aos olhos do público, retórica ainda mais mixuruca do que a minha.
Isto dito, além de o Banco Central ter requentado a desculpa de 2011, a forma pela qual o processo se desenrolou foi vexaminosa. Seu presidente, no dia da reunião, ressaltou o rebaixamento das projeções do FMI para o crescimento brasileiro, aparentemente ignorando que o boletim Focus (publicado, a propósito, pelo BC) já mostrava a mesma piora das expectativas sobre o desempenho nacional.
Não bastasse isso, veio em seguida à reunião, por meio de porta-voz não oficial, com mais um pretexto por ter violado o silêncio às vésperas do encontro: seria para "assegurar que todas as opções estivessem na mesa no dia de abertura do Copom", pois, "se não tivesse feito uma sinalização prévia, a repercussão da decisão (...) teria sido ainda mais negativa". A preocupação comovente com o mercado de renda fixa e seus pobres operadores chega a me enternecer...
Melhor seria, porém, ter se preocupado com outra reação de mercado, já devidamente documentada aqui na Folha: a elevação das expectativas de inflação que se seguiu à decisão do Copom, num eco desconfortável do erro de 2011.
Com efeito, comparando o rendimento dos títulos do Tesouro com e sem proteção contra a inflação, é possível estimar a chamada "inflação implícita", medida imperfeita, mas rapidamente disponível, das expectativas inflacionárias, com a vantagem de representar apostas em que dinheiro está em jogo, quando preconceitos são deixados de lado diante da possibilidade de ganho e perda.
Assim, entre segunda-feira, antes da "sinalização" do Banco Central, e quinta-feira, o dia imediatamente posterior à reunião do Copom, essas medidas subiram em todos os horizontes, mas em particular para os próximos dois a três anos, revelando a piora da percepção quanto à inflação.
A inevitável conclusão é que o BC repetiu o erro de 2011; plagiar a desculpa esfarrapada de 2011 (em que só Delfim Netto acredita) é apenas reflexo da parca imaginação do BC.

Saldo revelador - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 27/01
Ninguém deve se iludir. As contas externas do país fecharam 2015 menos ruins do que as de 2014, mas não há o que comemorar. Pelo contrário, a melhora se resume à redução do deficit. Apesar das razões que levaram nossas contas com o resto do mundo a aparentar avanço, elas são, na verdade, mais uma coleção de reflexos do naufrágio no qual a economia brasileira se debate.
Conforme o Banco Central (BC) divulgou ontem, o rombo nas contas externas em 2015 somou US$ 58,942 bilhões, o mais baixo em seis anos. Um alívio: foi possível cobrir contabilmente o deficit com a entrada de Investimentos Diretos no País (IDP), de US$ 75 bilhões - antes conhecido como Investimento Direto Estrangeiro (IDE), que, em nova metodologia, passou a considerar o intercâmbio de recursos entre empresas brasileiras e suas filiais no exterior. Não quer dizer que o IDP tenha sido grande sucesso, já que foi o menor valor desde 2013.
É fato que o deficit veio menor do que esperava o próprio BC, que trabalhava com estimativa de US$ 62 bilhões para 2015. Também é verdade que o rombo deixou longe o recorde registrado em 2014, de US$ 104 bilhões. Mas continua muito acima do que especialistas consideram tecnicamente saudável. Como proporção do Produto Interno do Bruto (PIB) do país, o deficit em contas externas do Brasil em 2015 correspondeu a 3,32%, mas não deveria ultrapassar os 2,5%.
Um dos fatores que contribuíram para reduzir o tamanho do deficit externo do ano passado foi o saldo da balança comercial. Ou seja, a soma de tudo que o país exportou menos o quanto pagou pelo que importou ficou positiva em US$ 17,670 bilhões. Também aí sobram motivos para governo e agentes econômicos se preocuparem. É que a balança comercial melhorou por motivos tortos. Não houve aumento das exportações, como seria desejável.
Em vez disso, as vendas externas do país tiveram importante queda de 15,2% em relação a 2014. O saldo positivo foi possível porque as importações brasileiras, antes vigorosas para atender à expansão da produção e ao consumo das pessoas, despencaram, registrando queda ainda maior que a das exportações: recuo de 25,3% ante 2014, pelos critérios do BC, que incluem operações como a compra de energia de Itaipu.
A queda expressiva nas importações não pode ser atribuída apenas à desvalorização do real ante o dólar. Estão em queda preocupante as importações de insumos e de equipamentos para a expansão e modernização da produção, especialmente por parte da indústria. Além disso, revela o recuo na aquisição de bens de consumo e gastos com viagens ao exterior em razão da perda de emprego e renda da população.
Não menos preocupante é a constatação de que, apesar do câmbio favorável, as exportações não ganharam fôlego suficiente para ajudar o país a sair da recessão. Portanto, em vez de festa, o que as contas externas sugerem é que o Brasil não pode mais esperar para reagir com reformas que reduzam a burocracia e o custo de produzir no país com mais competitividade. O Brasil precisa se organizar para ocupar o lugar que merece na economia mundial. Se não o fizermos, a concorrência o fará.

Governo de algemas - ROSANGELA BITTAR

Valor Econômico - 27.01

Lula acha que não há uma alma mais honesta que ele nessa terra brasilis, e a terra acha que não há uma alma brasileira feliz, neste momento, com sua vida financeira, profissional, social, ética, política.
Nem o Carnaval é capaz de melhorar esse estado de espírito. O desconforto é diversificado, pode-se fazer a pesquisa em diferentes universos que ora irão cravar o desemprego como o maior problema do país, outro momento será o da corrupção, ora é a saúde que, em qualquer nível, esfera administrativa ou partido na gestão é o que arrefece o entusiasmo com a vida de todo cidadão responsável. Há enquetes que mostram grupos numerosos preocupados com transporte, outras revelam terror com a ausência das obras de infraestrutura que poderiam conter os desastres naturais mas as providência para evitá-los não aparecem antes. E como a presença do governo na vida do cidadão é por aqui sufocante, a responsabilidade por todos os males, omissão e ação, é mesmo do governo. No caso do governo Dilma, omissão, pois a paralisia é total.
O governo está no segundo ano do segundo mandato e não começa. A presidente é movida por um festival de negações, de sustos, de respostas vazias quando resolve fornecê-las, de lugares comuns, sentenças carentes de sentido. Passa a maior parte do tempo enfurnada. De vez em quando, tocada por uma ameaça forte de ser defenestrada, reúne grupos, mobiliza, discursa, viaja. Mas na maior parte do tempo se preserva. Se explode, é internamente, nem isso se vê. O problema é sempre o outro, ou não há problema.
O professor Delfim Netto fez uma boa síntese em entrevista à jornalista Claudia Safatle, publicada no Valor de segunda-feira: não existe presidencialismo sem presidente. Já havia ele próprio, em manifestações anteriores, destacado a falta de protagonismo de Dilma Rousseff. Eufemismos. Aconselhou-a a assumir sua responsabilidade, mas o fez por vias tortas. Sugeriu que ela coloque o Congresso contra a parede exigindo que aprove reformas de fundo ou assuma a culpa pelo caos.
Jogar a responsabilidade de governo sobre o Congresso é só o que este governo tem feito, desde sempre. Embora esteja com o principal partido da aliança que o sustenta, o PT, o confronto das ideias de reforma sugeridas por Delfim. Pode ser a técnica da psicologia de dizer a ela para agir mesmo que seja para por peso nas costas do próximo.
A presidente passou pelo espasmo das providências com relação ao desastre ambiental que atingiu várias cidades de Minas, passou pelo espasmo das providências de combate ao Aedes aegypti, a maior vergonha nacional e o maior risco à população no momento, e agora se prepara para enfrentar outro espasmo de ação, o da ressurreição do Conselhão, de cuja eficácia o Brasil está livre desde sua gênese. Como um conselho de 80 pessoas nada resolve, já se pode prever, por exemplo, o resultado de sua primeira reunião, na quinta-feira. Dilma encontrou-se com oito ministros de Estado, ontem, para preparar medidas a serem anunciadas aos ilustres integrantes do grupo, entre elas a retomada do crédito como motor do crescimento. De novo. Além de outras que também acha o governo que vale a pena reiterar, reiterar, reiterar.
Em contrapartida espera ouvir dos conselheiros o apoio ao governo na sua campanha para aprovar a CPMF no Congresso e levar adiante a reforma da Previdência. Dilma não tem demonstrado força nem criatividade para sair do redemoinho.
Sabe que o impeachment acabou, mas no lugar da guerra que travava para se manter no cargo a presidente não tem o que colocar.
Não há também mais a disputa Nelson Barbosa versus ministro da Fazenda, vez que ele assumiu o posto de seu próprio freguês de contendas. Então, em lugar de apresentar novas armas, será mais um para voltar seus mísseis ao Congresso.
No meio desse nevoeiro, a presidente está sempre perplexa: com o FMI, com a corrupção, com seus assessores diretos envolvidos em suspeita de irregularidades nos processos correntes, com o desleixo do governo, com a falta de iniciativas que tirem o país do ciclo de calamidades.
Agora deve estar estarrecida, um estágio mais avançado do que perplexa, com seu ministro da Saúde, de uma franqueza desconcertante, que diz, como a OMS, que estamos perdendo a guerra para o mosquito Aedes aegypti, e numa nova versão do dito malufista "estupra mas não mata", disse que torce para que as mulheres peguem a doença que provoca microcefalia antes de engravidar.
Esse ministro da Saúde, porém, é o de menos. Ele entrou em outubro para a história do Brasil, ao ingressar no governo quando a dengue, a zika e a chikungunya já eram epidemia. Nos governos Lula e Dilma o PT colocou na Saúde seus ministros politicamente mais fortes. Alexandre Padilha de lá saiu para disputar o governo de São Paulo; Humberto Costa foi enfrentar Eduardo Campos em Pernambuco, e hoje é senador que volta e meia assume a liderança dos interesses do governo; e o último, Arthur Chioro, o mais enraizado no partido, que ampliou os tentáculos petistas pelo ministério inteiro, fazendo uma administração por conferências e assembleias, foi provavelmente o mais inerte.
Se for possível deixar o pensamento dar um voo daqui para trás, não é possível deter a atenção em uma única providência inovadora, séria, competente para resolver o dramático problema da saúde. Para um único Mais Médicos, há centenas de redes falidas de atendimento à saúde como a do Rio e a de Brasília.
O futuro que se vem desenhando também não é atraente. Procura-se uma ideia de Ciro Gomes, por exemplo, o último candidato a presidente lançado esta semana, um único plano ou medida para o governo do Brasil, e não se acha; procura-se um caminho apontado por Dilma para a Petrobras, em que é especialista, sair do buraco onde a jogaram, e não se vê; procura-se uma fonte de recursos para o governo meter a mão que não seja o FGTS, uma espécie de fundo de pensão dos novos tempos a sofrer sangria, não há. Passado, presente e futuro sem perspectiva.
Encurralado pelas denúncias e suspeitas, processos e delações, Lula resolveu cuidar da vida, da sobrevivência política, das campanhas eleitorais, e deve parar de ficar tutelando Dilma a cada nova rodada de crise. Só Dilma pode libertar seu governo das algemas.

Banco Central: a falta que a autonomia faz - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 27/01

Quanto mais o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, tenta explicar a decisão de mudar subitamente o rumo da política de juros no último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), menos convincente a história fica. Tombini alega que, ao participar de reunião na Basileia nos dias 9 e 10, foi informado da forte desaceleração da economia chinesa e da queda dos preços do petróleo. Ele teria constatado que os dois movimentos produziriam efeitos desinflacionários na economia mundial e que o certo seria, então, o Copom manter a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano, em vez de elevá-la, como vinha sendo sinalizado pelo próprio BC há alguns meses.
Daquele domingo até o primeiro dia da reunião do Comitê, passaram-se nove dias. Tombini, mesmo assustado com os prognósticos de seus colegas banqueiros centrais reunidos no Banco de Compensações Internacionais, resolveu avisar ao distinto público, apenas na véspera da decisão, que levaria o Copom a tomar uma decisão diferente daquela que vinha sendo antecipada em documentos e discursos oficiais.
No dia 14, o presidente do BC teria recebido do Fundo Monetário Internacional (FMI), cinco dias antes da divulgação oficial, as novas projeções para o crescimento do Brasil e do mundo em 2016 e 2017. Os números eram revisões para baixo do que o Fundo havia divulgado em setembro. Mais uma vez, o presidente do BC ficou atemorizado com o que viu.
É curioso que Tombini não tenha se apavorado antes com as projeções do mercado divulgadas semanalmente pelo BC e que há tempos já previam queda de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, apenas 0,5 ponto percentual abaixo do que diz o FMI. "A ideia de que o FMI sabe mais do que nós sobre o estado da economia é extravagante", disse, em entrevista à Cláudia Safatle, o ex-ministro Delfim Netto.
O que se sabe é que, um dia antes do encontro do Copom, quando anunciou seu espanto com as projeções do FMI, Tombini se reuniu com a presidente da República. Alguém tem dúvida sobre a opinião de Dilma Rousseff acerca do tema taxa de juros?
O que está em discussão não é a decisão da semana passada. Economistas de perfil ortodoxo defenderam publicamente a manutenção da taxa Selic em 14,25%. O que precisa ser debatido é a débil institucionalidade do Banco Central, que produz episódios como o da última reunião do Copom e é responsável em grande medida pela tragédia econômica vivida pelo Brasil neste e nos últimos cinco anos.
Há vários fatores concorrendo para o fato de o país conviver com os juros mais altos do planeta. Um deles é, sem dúvida, a ausência de independência formal da instituição. Apenas isso já responde por alguns pontos percentuais da taxa Selic - três, segundo estimativas de estudiosos do tema.
Quando era ministra do governo Lula, a presidente acreditou na tese de que os juros são altos no Brasil porque alguns diretores do BC são provenientes do mercado financeiro. Com sua influência crescente, ela conseguiu que esses diretores fossem substituídos por funcionários de carreira. Ao chegar ao Palácio do Planalto, fechou as portas do BC a nomes da academia ou do mercado e nomeou Tombini para comandá-lo.
A ascensão do atual presidente do BC foi facilitada por uma conversa que ele teve com Dilma durante a transição de governo em 2010. No colóquio, ela perguntou se seria possível chegar a 2014 com juro real de 2% ao ano. O futuro presidente do BC respondeu prontamente: "Sim".
Economista de formação rigorosa, com doutorado pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e conhecimento profundo tanto de micro quanto de macroeconomia, Tombini foi o primeiro chefe do Departamento Econômicos (Depec), criado para amparar com estudos e estatísticas confiáveis o regime de metas para inflação, adotado em meados de 1999. Ele tem experiência e dispõe de conhecimento técnico para lidar com os temas mais complexos de uma autoridade monetária.
O que Tombini e seus colegas de diretoria não têm é independência para cumprir o mandato constitucional do BC - zelar pelo poder de compra da moeda, reduzindo a inflação para a meta (4,5%). Como funcionários públicos, eles são constrangidos publicamente e perseguidos politicamente, como ocorreu recentemente com o próprio Tombini. Na mesma situação, diretores vindos de fora podem pedir as contas e ir embora - hoje, apenas um diretor (Tony Volpon, da área internacional) é oriundo do mercado.
Em agosto de 2011, Tombini fez alegações parecidas com a de agora para embarcar numa aventura que está custando muito caro ao país. O enredo é muito parecido: depois de participar de uma "terrível" reunião na Basileia, ele teria ido à presidente Dilma para informá-la de que a Europa mergulharia novamente numa recessão e que isso teria efeitos desinflacionários em todo o mundo; diante desse quadro, seria possível reduzir drasticamente a taxa de juros.
Na ocasião, o BC vinha comunicando que, graças a pressões inflacionárias e especialmente à deterioração das expectativas, os juros continuariam subindo. Sem emitir qualquer sinal ao mercado (leia-se: à sociedade), Tombini e seus diretores reduziram a taxa Selic no fim de agosto, iniciando um processo que a levou para 7,25% ao ano em 2012. Aquela decisão foi o marco inicial do que ficou conhecido como Nova Matriz Econômica, um conjunto de medidas que destruiu o bem-sucedido arcabouço macroeconômico adotado pelo país em 1999.
Na gestão Tombini, a média inflacionária anual aumentou para 7,07%, acima do teto permitido (6,5%); as expectativas de inflação, desde 2011, estiveram sempre acima da meta; a volatilidade da taxa de juros é a maior da história do regime; a comunicação com o mercado é deficiente, o que dificulta ainda mais a gestão das expectativas etc.
O Brasil tem hoje o juro mais alto do mundo, uma das inflações mais elevadas e está em recessão há dois anos. Não tem o único benefício dos juros altos, que seria inflação baixa ou pelo menos em torno da meta. O juro alto, além de inibir a atividade econômica, provoca uma enorme despesa aos cofres públicos - nos 12 meses até novembro, chegou a R$ 496,9 bilhões (8,42% do PIB). A quem interessa, portanto, que o BC não tenha autonomia? O que a sociedade ganha com o atual modelo?

Tem boi na linha e na polícia - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de SP - 27/01
Parece inédito o número de grandes empresas brasileiras envolvidas em rolos medonhos e que estão sendo investigadas por policiais, promotores e procuradores.

De qualquer modo, não há memória anedótica ou jornalística de que tantos rolos tenham parado simultaneamente na polícia ou no xadrez.

Parênteses: sim, o motivo desta nota é o caso dos grupos JBS ("Friboi") e Banco Rural (notório no mensalão). Soube-se ontem que a cúpula dessas empresas foi acusada pelo Ministério Público Federal de fraude financeira.

Então, em vez de lavar as mãos, a ideia agora é ter mãos limpas?

Esse assunto deriva rapidamente para a politização barata e para debates débeis sobre copos meio vazios ou meio cheios de água suja. Suscita também aquelas comparações algo provincianas, pelo imediatismo ou mera ignorância: "só no Brasil...".

Essa conversa mais jeca morre logo quando se recorda a sujeira que é boa parte da grande banca global, que assina termos confessando ter formado quadrilha (sic) para fraudar o fisco dos EUA e paga bilhões de dólares de multa para limpar a barra ou que manipula taxas de juros centrais do mercado etc., para citar apenas poucos episódios.

Ainda assim, não é o caso de ficarmos animados de estarmos em tão má ou boa companhia.

Primeiro, porque não há muitas grandes empresas no Brasil. Uma olhada rápida nas 20 maiores do país indica que quase metade está envolvida em algum rolo.

Segundo, porque o governo é sócio ou dono de várias dessas companhias (embora nada tenha a ver com vários dos crimes). O BNDESPar (braço de investimentos do BNDES) tem 25% do capital da JBS, por exemplo, 35% de todo o investimento da empresa em companhias coligadas (sobre as quais tem influência significativa das decisões).

Terceiro, porque os casos mais teratológicos foram propiciados ou tiveram parte ativa de gente do governo, que recriou um sistema de proteções e favores vários para oligopólios apadrinhados pelo Estado com leis e dinheiros baratos.

Este caso foi o da Petrobras e complexo associado, obviamente, uma versão grotesca de perversões do nacional-desenvolvimentismo, ressuscitada mesmo depois de desastres vistos, por exemplo, na ditadura militar, besteira analisada e provada, no Brasil e no mundo, em extensa bibliografia.

Lembre-se ainda de que há grandes empresas acusadas de pagar propina para escapar de imposto no "tribunal" da Receita, caso muito emperrado, aliás, o que não cheira bem (Operação Zelotes). Há a ciranda do petrolão e escândalos conexos (anda mal parada também a investigação no setor elétrico). Quase todas as incorporadoras imobiliárias da rica e privatista São Paulo pagavam propina na prefeitura. Etc.

Nem toda a imundície é parceria público-privada; há muito caso de pura iniciativa privada, mas os limites são incertos.

A nova Lei Anticorrupção, progressos no Ministério Público e na Polícia Federal desde os anos 2000 e maior pressão internacional contribuem para dificultar a fraude.

Porém, dada a extensão do rolo, o tamanho dos envolvidos e os crimes que são cometidos mesmo nesse novo ambiente, a gente se pergunta se as mudanças serão suficientes para evitar uma nova geração de empreendimentos criminosos.

Causa e consequência - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/01

Toda essa polêmica sobre as gafes cometidas em série pelo ministro da Saúde Marcelo Castro, até chegar ao “sincericídio” de admitir que perdemos a guerra contra o mosquito da dengue, da zika e da chicumgunha, só tem importância por um aspecto: a maneira como os cargos são preenchidos.
Juntar causa e consequência não é um esporte muito praticado no Brasil, mas o fato de que a corrupção já aparece como o principal problema do país pode indicar que os brasileiros finalmente estão descobrindo que ela é uma das causas da crise em que estamos metidos.
Não adianta a presidente Dilma ficar nervosa com os desacertos verbais de seu ministro – logo quem –, se o substituto também será escolhido da mesma maneira e, pior que isso, provavelmente não haverá substituto, pois Marcelo Castro foi nomeado por indicação do então líder do PMDB na Câmara Leonardo Picciani, que não pode abrir mão de seu apoio, pois continua lutando para se manter no cargo.
A presidente Dilma sabe que, na atual circunstância, é melhor para ela continuar com um ministro da Saúde ineficiente e boquirroto do que perder o apoio do líder do PMDB. O deputado Hugo Motta, colocado pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha na presidência da CPI da Petrobras e agora disputando a liderança na Câmara sob os mesmos auspícios, já saiu em defesa do ministro da Saúde, nomeado pelo mesmo Picciani com quem disputa agora a liderança na Câmara.
Isso quer dizer que Motta já vislumbra na crise da Saúde uma boa oportunidade para arrebanhar alguns votos na bancada peemedebista que apóia o ministro Castro, que deve estar muito irritado com as críticas que vem recebendo do Palácio do Planalto.
Não será surpresa se nos próximos dias, a pedido de Picciani, a própria presidente Dilma ou seu ministro principal Jaques Wagner sejam obrigados a dar declarações favoráveis a Marcelo Castro. Isso porquê a disputa pela liderança do PMDB está acirrada, e Picciani corre o risco de perder a eleição, o que vai levar novamente o impeachment para o centro do debate político.
Até aqui, tratamos de dois aspectos da crise brasileira: as negociações internas do PMDB, e a maneira como os governos nomeiam seus principais ministros. Digamos que as áreas da Saúde e da Educação fossem prioritárias para esse governo. Se pegarmos os critérios utilizados nas indicações de seus condutores, veremos que não pode dar certo esse sistema deturpado de presidencialismo de coalizão, que se transforma em cooptação pura e simples.
Em nenhum momento se fala sobre projeto de governo, sobre programa para a Saúde e a Educação. A “Pátria Educadora” não passou de um slogan vazio, e a escolha do filósofo Renato Janine apenas uma propaganda enganosa dessa prioridade. Não havia intenção de implementar nada, nem foi dada ao ministro condição mínima de atuação nos cerca de 5 meses em que esquentou a cadeira do ministério da Educação.
Logo um arranjo político obrigou a sua saída para acomodar o então Chefe do Gabinete Civil, Aluizio Mercadante, que voltou para a Educação como uma espécie de castigo por má atuação na coordenação política do Palácio do Planalto.
Então, não adianta a presidente Dilma ficar irritada com as tiradas do ministro da Saúde, assim como não deve esperar nada de um ministro como o da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, cujo maior mérito é ser “muito simpático, um gringão”, como o definem no PMDB do Rio, e ter sido dono de um restaurante rodízio na Baixada Fluminense.
Escolhido pelo PMDB do Rio, ele está lá da mesma maneira que Marcelo Castro está na Saúde, escolhido por Picciani para fortalecer a ala do PMDB que é contra o impeachment de Dilma. E como agora vão exigir deles o que não podem oferecer?
Já estamos vendo uma nova edição da mesma novela. Newton Cardoso Junior anuncia que em troca de apoio a Picciani, Minas exige a nomeação do ministro da Aviação Civil “antes da eleição”.
Do jeito como as negociações partidárias são feitas, é impossível imaginar uma saída a curto prazo dessa situação de anomia, onde ninguém é de ninguém e não se sabe quem manda, e com que objetivo.

O presépio da doutora Dilma - ELIO GASPARI

O GLOBO - 27/01

O Conselhão que se reúne amanhã é um retrato da capacidade do governo de viver no mundo da sua fantasia


O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foi criado em 2003 e é composto por 90 membros. Para a reunião de amanhã, dois titulares tiveram que ser substituídos, pois Marcelo Odebrecht e José Carlos Bumlai estão na cadeia. Também estão trancados o ex-conselheiro João Vaccari Neto e José Dirceu, que assinou o ato de criação do organismo. É difícil imaginar outro grupo de 90 pessoas com semelhante desempenho. Para se ter uma ideia do que significa uma porcentagem de 2% de presos, vale lembrar que a taxa de brasileiros encarcerados para cada cem habitantes é de 0,3%.

O Conselhão pretendia ser um foro de debates. Tornou-se um pastel de vento a serviço da propaganda de um governo cuja titular diz que “o Brasil não parou, nem vai parar”. Os pibinhos e a recessão aconteceram no Burundi. É marquetagem tão inútil que desde julho de 2014 a doutora Dilma não o convocava. Uma reunião de 88 pessoas serve apenas para fotografias de um consenso inexistente. A menos que se considere consenso o fato de estarem todas sentadas.

Quando o Conselho foi criado, nele estava a atriz Lucélia Santos. Foi substituída por Wagner Moura. Pelo lado dos empresários, lá estará Jorge Paulo Lemann. Certamente, ele tem algo a dizer, mas, da última vez que foi ao Planalto, a doutora deu-lhe um chá de cadeira de mais de uma hora. Até aí pode-se pensar que tenha surgido algum imprevisto. O problema muda de figura quando se sabe que mandaram uma funcionária fazer-lhe sala, e ela dirigiu-se a Lemann em inglês. Coube a ele explicar que foi criado nas ondas de Ipanema. O surfista do século passado tornou-se o homem mais rico do Brasil porque a InBev produz e exporta gestão, exatamente o que falta ao governo da doutora.

Ele acaba de anunciar que adiou o cumprimento da meta anunciada em novembro de visitar todos os domicílios do país até o fim deste mês para combater o mosquito da zika. Lorota. O que houve foi o colapso de uma promessa impossível de ser atingida. Na melhor das hipóteses, foram a 15% das casas. Houve burocrata sugerindo que, para evitar o risco da microcefalia, as mulheres não engravidem. Como o mosquito está no Brasil há mais de um século, a providência extinguiria a população de Pindorama. Depois, veio o ministro da Saúde, torcendo para que as jovens sejam infectadas pelo vírus antes da idade fértil, pois assim adquiririam imunidade.

Como Brasília comanda espetáculos, em dezembro a doutora assinou o Decreto 8.612, criando uma Sala Nacional de Coordenação e Controle, para cuidar do mosquito. Ela funcionaria no Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional. A sala mágica seria habitada por representantes de seis ministérios, dentro do Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, que, por sua vez tem três “eixos”: “Mobilização e combate ao mosquito, atendimento a pessoas e desenvolvimento tecnológico”.

Aí está a essência da gestão da doutora: havendo um problema (o mosquito), lança-se um plano de enfrentamento, cria-se uma sala de controle anexa a um centro de gerenciamento e, daí em diante, o assunto é dos outros. Se nada der certo, convoca-se uma reunião do Conselhão para mudar de assunto em busca do que o Planalto chama de “agenda positiva”.

Se tudo vai mal, logo... - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 27/01

Roubar para ostentar é um ato falho do nosso inconsciente aristocrático

A lógica nacional sempre foi sensata. Ela rezava assim: se tudo vai mal e, se o Brasil também vai mal, então tudo vai bem. Este princípio — hoje em suspeição — permeia o nosso pensamento. Está tão dentro de nós quanto o melado que nos lambuza. Prestigiado, ele foi encampado pela esquerda como um valor. O roubo dos outros, vociferam, legitima o nosso. Ademais, roubar aquilo que seria de todos para ajudar os pobres não é safadagem porque, até o advento desta desagradável era de transparência e de liberalismo golpista, o que era de todos não era de ninguém.

Pertencia aos que “subiam” e controlavam a “República”. Aliás, devo lembrar o nosso desgosto por tudo o que é “re-pública” (coisa pública), pois, sendo mais filhos de família do que cidadãos, temos horror à impessoalidade e ao anonimato, esses irmãos da igualdade. No país das celebridades e dos queridinhos, todo mundo quer, além da conta bancária na Suíça, uma coleção de carros de luxo ou um quarto secreto cheio de quadros tão falsos quanto o dono. Roubar para ostentar é um ato falho do nosso inconsciente aristocrático.

O de “todos” é negativo. Ou alguém vai casar com uma “mulher pública”? Não estaria aí o temor que, ao lado do nosso machismo, afasta as mulheres da política?

O fato é que a indiferença a “tudo que é de todos” define o que nós, brasileiros, entendemos por “política”. Para nós, a política é o túmulo do que não gostamos. Como nada temos a ver com ela, tudo o que diz respeito ao gerenciamento público é entregue aos políticos, que fazem o que bem entendem, desde que atendam aos nossos pleitos. Ou não nos perturbem com muitos deveres e impostos.

Enquanto isso, nós jogamos o nosso lixo na rua certos de que cabe ao “governo” resolver o assunto, mas a maldita “política” não deixa. Tudo vai bem até o dia em que descobrimos que o descaso em massa, ao lado de incompetência administrativa e da má-fé ideológica, levam o país à ruína.

E se países não são empresas, eles só prestam quando gastam menos do que arrecadam. Mas se a nossa utopia é todo mundo virar funcionário público, bolsista ou aposentado e, como prêmio, todo “político” ter o direito de roubar sem ser punido, então o Brasil vai pro brejo!

E, se ele não é de ninguém, hoje nós temos certeza que ele não pode mais ser de Lula, do PT, da dona Dilma e do lambuzado Jaques Wagner.

Há uma cadeia. A indiferença que é o maior fosso entre o Estado e a sociedade começa a acabar quando o colapso da saúde, da segurança e da educação vira calamidades. Ao lado das catástrofes climáticas e dos abismos sociais ainda puerilmente tratados como dependentes de “vontade política”, e não de uma moralidade engendrada pela escravidão negra, comandada por uma aristocracia branca, entramos no vermelho.

Mas, se somarmos a tudo isso a incompetência e a roubalheira, temos o nó de porco perfeito.

O que me intriga, porém, não é somente o roubo; é achar que há roubo de direita e roubo de esquerda. O primeiro é errado, o segundo é certo. Curiosa essa inversão carnavalesca já anunciada quando o líder do partido e um dos que mais lucraram com a ladroagem — Lula, o probo — desafia-nos publicamente afirmando que não há “viva alma” mais honesta que ele. Só mesmo pensando no carnaval pode-se ouvir essa bazófia de um sujeito capaz de desconstruir-se com tanta competência.

Eis o operário pobre que virou o presidente mais amigo dos ricos da história deste país. E, não satisfeito com essa mascarada, deu aos seus novos amigos mais que dinheiro, pois num feito digno de sua patológica onipotência, entregou-lhes o Brasil. Para tanto, tornou-se um misto de presidente-garoto-propaganda e criou uma rede de favores nacionais e internacionais com todo tipo de gente, preferencialmente com “pluto-cleptocratas”. Seu governo criou uma imensa e incompetente máquina estatal voltada para a reação anti-igualitária, com o devido abandono dos idiotas que, por amor, esperança, honestidade, ideologia e utopia, o elegeram. Voltado para o poder do dinheiro, o lulopetismo fabricou uma nova elite e um novo discurso, não mais baseado no velho marxismo libertador da Guerra Fria, mas num populismo de massa unipartidário, capaz de comprar legislação e legisladores, no que se transformou na mais grave roubalheira da história do capitalismo: o assalto que arruinou a Petrobras.

A parceria de um partido dito revolucionário com setores tradicionais do empresariado resultou em ganhos eleitorais, num fardo impossível de administrar e num incrível embaralhamento institucional. Hoje, ser de esquerda é impedir o funcionamento da Justiça. Hoje, buscar o rumo é ser golpista.

Criamos mais um brasileirismo: o “capitalismo de esquerda”. Aquele que rouba e não faz. Ao fim e ao cabo, quem paga somos nós. Mas, como tais arranjos ocorrem em toda parte e, além disso, como disse a presidenta, todo mundo erra, se tudo vai mal, logo...