domingo, junho 26, 2016

VAMBORA, ADEMÁRIO! - ARTUR XEXÉO

O GLOBO - 26/06

Dornelles sussurra: ‘Vambora, Ademário’. É engraçado à primeira vista. Mas, com o tempo, fica patético


O governador em exercício não precisava falar para virar figura de caricatura Como todo mundo sabe, o mundo se divide entre os que acompanham “Game of thrones” e os outros. Faço parte do primeiro grupo. Tive altos e baixos na minha relação com o seriado que exibe agora sua sexta temporada. Fiquei fascinado pela primeira, um pouco enfadado com a segunda, não entendi nada da terceira, me empolguei com a quarta, abandonei a quinta pela metade. Mas fui reconquistado e tenho visto com altas doses de prazer a temporada atual.

Como todo mundo sabe, até quem faz parte do grupo dos outros, hoje é um domingo muito especial para os fãs de “Game of thrones”, pois vai ao ar o último episódio desta sexta temporada. Tem sido assim nos últimos cinco anos. Uma vez por ano, e só uma vez por ano, somos brindados com míseros dez episódios da série. E só dez. No domingo passado, foi ao ar o que poderia ser o último capítulo do seriado, a “Batalha dos bastardos”. Há quem julgue que essa cena foi a mais impactante de toda a história. Pela produção, é capaz de ter sido mesmo. Mas como dramaturgia, nada superou ainda o casamento vermelho da quarta temporada. Ou a morte de Lord Eddard Stark, ainda na primeira temporada, quando a gente acreditava que ele era o protagonista absoluto.

Nesta sexta temporada, “Game of thrones” livrou-se da obrigação de seguir as tramas dos livros de George R.R. Martin nos quais é baseada. Desde a estreia na televisão, Martin não escreveu mais nenhum volume. No ano passado, os roteiristas já tinham usado todas as tramas dos romances. Este ano, todos os roteiros foram originais. Isso trouxe mais simplicidade aos arcos dramáticos. “Game of thrones” ficou mais fácil de ser acompanhada. A maior simplicidade não afetou sua capacidade de surpreender. Vimos este ano a morte de Jon Snow, sua consequente ressurreição, seu reencontro com a irmã Sansa. Aguardo para este domingo o encontro de Sansa e Jon com Arya Stark. Ou será que vai ficar para o ano que vem?

Os produtores já avisaram que “Game of thrones” ficará mais dois anos no ar. Mas já alertaram também que vai acabar a dieta de dez episódios por vez. Estão prometendo uma temporada com apenas seis episódios e outra com sete. Isso tudo, é claro, se a série sobreviver à saída do Reino Unido da União Europeia. Praticamente todos os programas de TV gravados na Europa — “Game of thrones” entre eles — usam alguma espécie de financiamento de algum programa de incentivo da União Europeia. É claro que a parte britânica do seriado — hoje em dia é difícil estabelecer a nacionalidade de qualquer produtor audiovisual — não receberia mais incentivo algum. Na duvida, é melhor que Arya encontre seus irmãos hoje mesmo. 


______ Nosso governador em exercício não precisava falar nada para virar uma figura de caricatura. O olhar perdido, a articulação falha, o andar cambaleante — o conjunto da obra é o bastante para ele não ser levado muito a sério. Mas resolveu falar. Dornelles é das antigas. Daquele tempo em que político não era obrigado a se explicar. “Nada a declarar”, era a frase preferida de nossas autoridades. Dornelles é mais evoluído. É daqueles que respondem sem dizer nada. “O senhor vai transferir parte desse dinheiro para as obras do metrô?”, quer saber o repórter. “Estamos trabalhando para normalizar a situação fiscal do estado”, responde o governador. O repórter insiste: “Mas e o metrô?”. O governador embroma: “O governo federal foi parceiro ao colaborar com o estado”. Uma terceira pergunta: “O salário do servidor vai atrasar este mês?”. Nosso governador em exercício parece surpreso com a insistência dos repórteres em levantar questões tão objetivas, em querer transparência nos negócios de Estado, e diz a frase que fará parte para sempre de sua trajetória: “Vambora, Ademário”. Ademário é o motorista, funcionário do Senado Federal emprestado para o governo falido, que livra Francisco Dornelles das perguntas difíceis. Quando não sabe o que responder, Dornelles sussurra: “Vambora, Ademário”. É engraçado à primeira vista. Mas, com o tempo, fica patético. 

______ A senadora Gleisi Hoffmann fez um desabafo emocionante em sua página no Facebook, no qual relata a prisão de seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, acusado de corrupção em casos de empréstimo consignado de aposentados. “Vieram coercitivamente buscá-lo em casa, na presença de nossos filhos menores. Um desrespeito humano sem tamanho, desnecessário. Não havia nada em nossa casa que podia ser levado. Mesmo assim levaram o computador do meu filho adolescente. Fiquei olhando o meu menino e pensei sobre a dor que sentia naquela situação”. Imagino que, nessas situações, quem sofra mais seja mesmo a família e costumo ser solidário com esposas enganadas, mães ignorantes e filhos adolescentes pegos de surpresa. Mas o desabafo de Gleisi me fez pensar não no caso específico do ex-ministro Paulo Bernardo, que ainda não foi condenado a nada, mas em situações semelhantes vividas por filhos adolescentes de políticos corruptos que foram presos na sua frente. Será que pensar na dor dos filhos na hora da prisão não é tarde demais? Eles não deveriam pensar na dor dos filhos na hora que cometem o crime?

Um comentário: