sábado, maio 07, 2016

Sem atalho da Fazenda à Presidência - POR EDUARDO ZILBERMAN

O GLOBO - 07/05

A imagem evocada pelo sucesso da dupla Fernando Henrique e Itamar Franco, depois do impedimento de Fernando Collor, é ilusória



Após sete tentativas de estabilização, o Plano Real debelou a hiperinflação em curto período de tempo, sem a necessidade de um ajuste recessivo. O bônus político foi tamanho, a ponto de alçar o então ministro da Fazenda à Presidência.

A ascensão de Fernando Henrique ao longo da campanha presidencial de 1994 é bastante informativa. Em fevereiro, o Ibope apontava FH com 6-7% das intenções de voto, atrás de Lula, Maluf, Brizola e, pasmem, Sarney. Entre abril e junho, já sem Maluf e Sarney figurando entre os presidenciáveis, FH aparecia sempre em segundo lugar, obtendo 15-7% das intenções de voto. Nos meses de julho e agosto, período de consolidação do Plano Real, a ascensão foi vertiginosa. Nas pesquisas dos dias 11/7, 26/7, 9/8, 23/8 e 30/8, o Ibope apontava FH com 20%, 27%, 32%, 40% e 45%, respectivamente. A partir daí, as intenções de voto oscilaram em torno de 45% até o início de outubro, quando o improvável presidente do Brasil foi eleito em primeiro turno.

Caso venha a se concretizar o impedimento da presidente Dilma Rousseff, a perspectiva política de ocupar o Ministério de Fazenda em um governo de transição pode ser tentadora. Entretanto, a imagem evocada pelo sucesso da dupla FH e Itamar Franco, após o impedimento de Fernando Collor, é ilusória. Dificilmente o Ministério da Fazenda servirá de atalho à Presidência da República num eventual governo de Michel Temer. O cenário econômico atual é bastante diferente daquele do início dos anos 90.

No início dos anos 90, o principal problema econômico era uma hiperinflação que superou 80% num único mês. O bom desenho do Plano Real, ao objetivar um rápido processo de estabilização e coordenar as expectativas de inflação da sociedade, inspirou confiança. Com uma nova unidade de valor, as firmas revisaram as estratégias de fixação de preços, passando a embutir uma inflação futura menor em seus reajustes. Este choque de expectativas permitiu à troca do cruzeiro real pelo real estabilizar a economia em pouco tempo. Além disso, para sobreviver em ambiente com inflação galopante, as firmas contemplam ajustes frequentes e sistemáticos dos preços de seus produtos. Este alto grau de flexibilidade dos preços contribuiu para que o Plano Real debelasse a hiperinflação sem a necessidade de ajuste recessivo.

Não surpreende que, após superar o problema econômico crônico à época em um horizonte de tempo bastante curto, e ainda viabilizar uma expansão da economia na esteira do sucesso do Plano Real, FH tenha sido eleito. A magnitude do choque de confiança foi tão grande que o governo FH se permitiu consolidar o ajuste fiscal em seu segundo mandato, mais de quatro anos após a estabilização da economia.

Hoje, o reequilíbrio das contas públicas e as reformas estruturais, condições necessárias para recolocar o país em trajetória de crescimento, urgem. Boa parte do ajuste fiscal envolve corte de gastos públicos, assim como as reformas estruturais envolvem revisões de benefícios concedidos pelo Estado. Ao contrário do que ocorreu em 1994, não há choque de confiança que permita postergar essas agendas por muito tempo. Pelo contrário, a magnitude e a duração de um eventual choque de confiança dependerão justamente da capacidade que o governo terá de encaminhá-las com celeridade num Congresso que costuma “cobrar caro” para apoiar medidas “amargas”, apesar de necessárias.

Obviamente, há medidas que podem contribuir para a reconstrução da confiança, e que dependem em menor grau do Congresso. Por exemplo, um novo marco regulatório que potencialize as concessões em infraestrutura. Isto, aliado a um empenho inicial de capital político para encaminhar algumas medidas “amargas” no Congresso, pode ser o suficiente para estancar momentaneamente a crise, e até ensaiar alguma recuperação econômica. Mas jamais legará um bônus político, em um horizonte tão curto, da magnitude do Plano Real.


Assim como FH no governo Itamar, o ministro da Fazenda num eventual governo Temer terá a missão hercúlea de recolocar o Brasil na rota do desenvolvimento e, para isso, também será necessária uma equipe técnica de primeira linha. Entretanto, sem o respaldo eleitoral para tomar as medidas “amargas”, e ainda ameaçado pela evolução da Lava-Jato, por mais qualificada que seja a equipe, é pouco provável que um eventual governo Temer desate completamente o nó econômico num curto período de tempo.

Em suma, não parece factível que os frutos políticos de uma boa gestão econômica estejam maduros em 2018. Portanto, mesmo sob a ótica política, o horizonte de planejamento econômico tem que ser de longo prazo.

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