sábado, maio 07, 2016

Barbosa e a 'escorpiã' - MÁRIO RAMOS RIBEIRO

O ESTADO DE S. PAULO - 07/05

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não consegue avançar no ajuste fiscal. Propõe até ampliar o déficit primário, em lugar de reduzi-lo. Se Dilma Rousseff sair da Presidência, ele irá junto. Se ela ficar, também pode sair, pois Lula, o mandão, quer outra política econômica e é alérgico a reformas e cortes de gastos.

Este quadro lembra a velha história do escorpião e do sapo, em que este é morto pelo escorpião ao atravessar uma lagoa carregando-o nas costas. Uma vez escorpião, sempre escorpião. Uma vez populista, sempre populista! Joaquim Levy, o sapo anterior, não sobreviveu.

Nossa crise combina corrupção sistêmica, incompetência técnica e uso e abuso do viés populista. Não há como sermos ingênuos: precisamos levantar os olhos para obter uma perspectiva deste quadro e discuti-la. James Buchanan, Nobel de Economia (1986),defendeu uma "ética normativa para a vida prática". A economia e a política deveriam se preocupar inicialmente com as instituições ou as regras do jogo que emolduram a economia. Disse ele: se "essas regras albergassem a preocupação com o 'dever', com o 'justo', com o 'conhecimento do que é certo e próprio"', a economia e o direito conduziriam a um bem-estar superior.

Na mesma linha, Douglass North, outro Nobel (1993), consagrou o termo "economia institucional" nos anos 1960. Esse termo também diz respeito às regras do jogo que, formalmente instituídas ou não, balizariam a operacionalidade da política econômica e garantiriam o seu sucesso na ampliação do bem-estar da sociedade.

Há, assim, dois níveis de análise e de ação da economia institucional: a economia política e a política econômica. A interação permanente entre eles é que qualificará o resultado. Uma boa economia política gera regras do jogo saudáveis. São as que limitam o poder discricionário dos governantes, que despersonalizam a política econômica e que fiscalizam, controlam e monitoram a gestão pública antes, durante e depois do exercício do mandato do governante. Reduzem a incerteza, minimizam a insegurança jurídica e ampliam o horizonte de planejamento, sem o que o estado de ânimo dos empreendedores e consumidores será contido, como está neste momento no País. Se as regras forem boas, a política econômica pode até prosperar.

Digo pode pois não há garantia absoluta de prosperidade. Entretanto, se, como hoje, as regras forem más, não cooperativas, personalistas, idiossincráticas e indutoras de conflitos insolúveis, muito pouco pode ser feito e a política econômica vai fracassar, pois neste caso há garantia absoluta de erro. Assim entendida - e de forma concreta para o Brasil de hoje a conclusão soa bem natural: Dilma não consegue arrumar a casa; se outro incumbente conseguir fazê-lo, é preciso garantir que outro não consiga desarrumá-la. Em particular, é preciso que as leis do impeachment e a de Responsabilidade Fiscal sejam aprimoradas para tempestivamente impedir isso aos primeiros sinais de ameaça.

Para a maioria dos economistas, as regras do jogo são um dado que vem da política, e não há o que fazer. E preciso rever isso. Quanto aos políticos, é necessário que se convençam de que muitas vezes, ao tentarem fazer o bem, estão causando um dano, pois a economia responde negativamente a tentativas de desequilibrá-la - como fez Dilma Rousseff com suas "pedaladas" fiscais e outros desatinos.

Reconhecer a importância da economia política não é desmerecer a razão técnica. E exatamente o contrário: trata-se de impedir que ações destruidoras comprometam tanto essa razão quanto a ação política.

Quanto a ministros da Fazenda, ou outros que conduzam a bandeira da razão econômica, é bom que se acautelem ao trabalhar para políticos. Há sempre escorpiões - hoje a "escorpiã" - dispostos a sacrificá-los, mesmo que amparados em suas costas. E, desta vez, tudo indica que a escorpiã também afundara com o sapo.


Um comentário: