terça-feira, janeiro 05, 2016

Crise? Que crise? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/01

As praias e seus hotéis estavam lotados, as estradas para o litoral, entupidas, e comer um sanduíche exigia uma hora de fila. "Crise? Que crise?"

Histórias e fotos dos congestionamentos dos feriados fizeram sucesso em blogs e redes insociáveis na virada do ano. "Formadores de opinião" adeptos de Dilma Rousseff faziam troça de "pessimildos". Logo apareciam os críticos, e passava-se ao debate: "coxinha", "fascista", "mortadela", "petralha" e nenhuma ordem nas razões.

Como é comum nesse ambiente, virtual e realíssimo, os que comungavam da mesma opinião se congratulavam pela esperteza esotérica, pelo conhecimento exclusivo da realidade e pela imunidade contra o "derrotismo" do "golpismo midiático" —ou pela indiferença à estatística, para não dizer a sofrimentos.

Hotel de praia lotado é um bom indicador? Aliás, estava lotado?

Ainda não há estatísticas gerais da ocupação dos hotéis no final do ano. Há evidências anedóticas (parciais, casos) de que os negócios não foram mal e de empresários do ramo algo contentes.

Até outubro, o negócio parecia em baixa. A taxa de ocupação então caía 6,8% no ano, segundo os dados mais recentes disponíveis da parceria do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil com o Senac de São Paulo. A receita por apartamento diminuía 10,4%. Em 2014, a receita já subira abaixo da inflação (ou seja, diminuiu, em termos reais). Há alguma crise na hotelaria.

Pode ser que o final de ano tenha sido melhor. É possível, mas ainda não precisamente provável, que brasileiros tenham substituído viagens ao exterior pelo turismo doméstico. Acontece em vários negócios quando há "alta do dólar". Em crises menos bicudas, é assim que começam recuperações econômicas. Em vez de comprar lá fora, voltamos a comprar "produto nacional", de hotel a roupa, passando por insumo industrial.

As despesas com viagens ao exterior, medidas em dólar, começaram a cair em fevereiro. Em reais, passaram a despencar lá por agosto, em média quase 20% em relação a 2014.

Em crises costuma haver mudança de padrões de consumo (os preços se alteram uns em relação aos outros; a perda de renda eleva a procura por produtos inferiores etc.). Difícil julgar o que se passa considerando apenas um ramo de negócio. Mas é um tanto ridículo argumentar essas quase obviedades com quem faz "disputa política", a expressão repulsiva que define o uso de truques para justificar interesses da política politiqueira mais baixa, da situação à oposição.

O fato geral é que o investimento em expansão da economia cai desde 2013. Até outubro de 2015, as vendas do varejo caíam 3,6%. O consumo de eletricidade, mais de 2%, raro. O rendimento médio nas metrópoles caía 8,8% até novembro, o número de pessoas empregadas era 3,7% menor que em 2014.

Até setembro, quem não faz troça da desgraça poderia ficar um pouco aliviado com o fato de que, na média do Brasil, nem a renda nem o número de empregados havia caído —sinal de que o interior ainda resistia, talvez por causa de benefícios sociais. Mas Estados e cidades vão ficando sem dinheiro para ataduras ou salários. Esses são apenas sintomas. A doença, embora curável, é muito pior.

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