domingo, fevereiro 08, 2015

Racionamento - mal necessário? - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 08/02

Brasil, Argentina e Venezuela vivem atualmente preocupante e infeliz cenário comum: para qualquer lugar que se olhe só se veem péssimas notícias. Os venezuelanos enfrentam escassez e longas filas para comprar alimentos, papel higiênico, fraldas e até remédios. Na Argentina, além de inflação alta, descrédito e fuga de investimentos, o governo Cristina Kirchner é suspeito de mandar matar o promotor Alberto Nisman, que apresentaria provas contra a presidente no dia seguinte ao assassinato. E, no Brasil, as manchetes na imprensa se revezam entre racionamento de água e de luz, corrupção e o afundamento da Petrobrás. Não são coincidências políticas ao acaso. O que há de comum entre os três países é o bronco e desastrado viés ideológico que seus governantes tentaram impor à economia nos últimos anos, que levou a uma sucessão de erros de gestão e agora é imposto à população um preço muito alto a pagar.

Como no primeiro mandato, também agora faltam ao governo Dilma prevenção, organização e planejamento para evitar catástrofes. E sobram soluções marqueteiras para falsear a realidade. A premência em adotar o racionamento de energia é uma dessas catástrofes preanunciadas que o governo resiste em reconhecer, deixando a população tensa e insegura com o que está por vir. Afinal, o que vai acontecer se não chover na cabeceira dos rios e os reservatórios das usinas secarem? Hospitais sem cirurgias, escolas sem aulas, comércio sem vendas, indústrias sem produção, bancos e tudo o que depender de redes de computação parados. Impensáveis as consequências de um racionamento de emergência, sem avisos nem planejamento. É o caos.

É óbvio que nenhum governo gosta da ideia - além de impopular, racionar energia penaliza a economia e pode levar à recessão, desemprego, etc. Pior ainda em 2015, quando as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) apontam para uma retração de 0,5%. Mas, se a escassez de chuvas se prolonga e ela se torna inevitável, é obrigação do governo se antecipar e preparar um plano para enfrentar o pior. Que pode nem ser aplicado (se do céu cair água em abundância). A pior alternativa é cruzar os braços, nada fazer e esperar...

Os sinais são crescentemente preocupantes. Na quarta-feira o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico deu alerta: o risco de déficit de energia nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste aumentou de 4,9% para 7,3%, ultrapassando o limite de 5% tolerado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Mesmo colocando em uso a carga total das térmicas, esse porcentual ainda fica acima do limite, vai para 6,1%. Outro alerta veio de especialistas do Instituto de Pós-Graduação da UFRJ: o governo desconhece o volume exato de água que as hidrelétricas usam para gerar energia, a situação pode ser pior e a solução é mesmo recorrer ao racionamento. O diretor do instituto e ex-presidente da Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa, garante que a água armazenada nos reservatórios do Sudeste dura para apenas um mês, patamar mais baixo do que antes do racionamento de 2001.

A esse quadro o governo tem acenado com paliativos tão fracos quanto inócuos, propondo aos shoppings que usem energia de seus geradores (o que alguns já fazem); às indústrias que economizem - mesmo que implique queda da produção - e vendam a energia própria excedente; às empresas geradoras que invistam em fontes alternativas, como biomassa, eólicas e solar (solução de médio prazo); e importar energia da Argentina em dias de pico de consumo, o que já vem ocorrendo.

Aquele racionamento vigorou entre 1.º/7/2001 a 19/2/2002. Como agora, a seca foi se agravando e o governo FHC postergava a solução. Ministério de Minas e Energia, Aneel e o Operador Nacional do Sistema ensaiaram o jogo do empurra-empurra de responsabilidades até a situação chegar ao limite, em maio. Paliativos foram frustrados, tornando inevitável o racionamento, que fixava a meta de 20% de economia no consumo em cada casa ou empresa, com premiação para quem cumprisse a meta e punição variada aos faltosos, até o corte de luz. Deu certo.


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