O ESTADÃO - 08/08
Na medicina, o resultado "falso positivo" de um exame aponta, erroneamente, a presença de uma enfermidade inexistente, enquanto a leitura "falsa negativa" indica que a afecção não existe, quando, de fato, o paciente está doente. Os termos podem ainda ser usados de forma mais livre, digamos, como fez recentemente o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, em seu pronunciamento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia 5/8. Lá, o dirigente da autoridade monetária brasileira referiu-se aos surtos de melhora da economia mundial observados nos últimos anos como episódios "falso positivos", responsáveis por uma sensação equivocada de solidez que jamais contaminou a visão do BC a respeito da recuperação global. É, pode ser.
O "falso positivismo" de Tombini, entretanto, foi mais longe. Seguindo a linha das demais autoridades do País e, sobretudo, da presidente em campanha, Tombini asseverou que a taxa de desemprego no País está baixa e assim deve permanecer porque, nos últimos anos, os jovens puderam optar por estudar e se qualificar em vez de serem forçados a entrar na força de trabalho. Isso só foi possível, dizem os mais ferrenhos articuladores do falso positivismo, porque houve uma inédita ascensão social no País. A ascensão social é indiscutível. Já o aumento da qualificação da força de trabalho e a presumida alta da produtividade que deveria acompanhar tão auspicioso diagnóstico, deles não se tem notícia. Ou melhor, a notícia que se tem sobre a qualidade da educação dos jovens brasileiros, provenientes de exames internacionais como o Pisa, apontam o contrário. Não há margens para erro aí.
Produtividade que cresce aquém dos salários, como se sabe, pressiona os preços, gera inflação. Mas o presidente do Banco Central optou pelo diagnóstico "falso positivo" - na verdade, "falso negativo" - da inflação. Disse não haver risco de descontrole, ainda que o IPCA permaneça próximo do teto da meta com 1/4 dos preços controlados na marra. Negou a presença de uma velha doença, disse não existir estagflação no País, mesmo que as chances de atividade cada vez mais fraca com inflação resistente sejam crescentes. Se médico fosse, em vez de presidente do BC, poderia ser acusado de ter cometido um erro do segundo tipo: o de rechaçar a presença de grave enfermidade, negligenciando o paciente.
Tombini não é responsável pelos descaminhos e desmazelos do País. Ele dirige uma instituição importante, que deveria zelar pelo poder de compra dos brasileiros, mas não pode fazer todo o esforço de conter os estragos sozinho. O pronunciamento complacente ao Senado causa algum estranhamento, mas é sintomático de um governo que preferiu, nos últimos anos, ignorar os problemas da economia brasileira, ou mesmo contribuir para aumentá-los, em vez de reconhecer erros, ouvir as críticas e mudar o rumo. Agora é tarde. Agora, temos de lidar com a perspectiva de mais um ano de crescimento baixo, mais um ano de inflação alta, mais um ano de dúvidas a respeito da real solidez do mercado de trabalho, dos empregos e dos salários. Independentemente de quem ganhe as eleições de outubro, o quadro que se delineia para 2015 é ruim, as políticas que terão de ser implantadas para tratar dos problemas brasileiros hão de ser impopulares, o ambiente no País não deve melhorar tão cedo. Essa é a realidade, ainda que doa escutá-la, ainda que o governo não entenda a diferença entre pessimismo e realismo. Pessimismo é achar que vamos para o fundo do poço. Realismo é achar que vamos para o fundo do poço se nada fizermos, ignorando a desordem sob as ilusões do equivocado falso positivismo.
Voltando à medicina, suponhamos que um paciente tenha feito exame para saber se tem um câncer, potencialmente tratável. Não seria terrível se o médico cometesse o erro de dizer-lhe que nada sofre, enquanto o tumor insidioso se aproxima do limiar entre a cura e a inexorável fatalidade? Não seria terrível se o governo continuasse a nos bombardear com resultados falso negativos, revestidos de uma positividade pueril? Não seria?
sexta-feira, agosto 08, 2014
O casamento do meu ex - TATI BERNARDI
FOLHA DE SP - 08/08
Se eu usasse cauda branca numa igreja, me peguei dizendo ao psiquiatra, eu teria um ataque de riso
Por mais desconexos que fossem o vestido roxo, a meia calça preta e os sapatos vermelhos, esses eram meus únicos acompanhantes no que deve ter sido a noite mais solitária da minha vida. O motivo da roupa não foi afronta, foi mesmo uma limitação: eu não sei me vestir direito. O cabelo e a maquiagem, eu mesma dei um "tapa" em casa --e eles sofreram com a violência doméstica gratuita. O motivo, mais uma vez, não foi vingança. Eu não sei me pentear e nem me maquiar e, desconfio, tenho dúvidas também de como existir. Me recuso a ir a um salão de beleza. Precisa ter a coluna muito boa e a cabeça muito ruim pra aturar esses lugares estranhíssimos, decorados por revistas e pessoas maldosas e atapetados por assassinados fios capilares de diversas cores e sebos.
A noiva, ao contrário de mim, sabia como afinar antebraços, sorrir sem o peso abissal do cinismo, ser feliz sem a obsessão cruel com autoironia e usar com leveza e maturidade saltos altos e joias. Ela é uma moça, uma princesa, uma dama, uma graça, uma dessas coisas que homens adoram adquirir pra adornar a vida. Estava frio e ela estava quentinha. Eu entendi tudo e quase desejei (ser eu a) estar casando com ela.
Ela não trazia os extremos --e, por isso, visíveis-- sinais da angústia: bafo, cervical invertida, vontade de sentar o tempo todo pra dar uma descansada de ter nascido, dedos sendo estalados com certo vício, queixo inseguro e uma vontadezinha de suicídio escondidinha láááá no último dente.
Se eu usasse (a sério) uma cauda branca numa igreja, me peguei dizendo ao psiquiatra no dia seguinte, eu teria um ataque de riso histérico. Eu me sentiria tão ridícula que teria medo do teto cair em minha cabeça caso eu não fizesse rapidamente alguma piada. Eu me rasgaria inteira e gritaria "nem atrás sou mais pura, tia Celinha". E nós rimos. Se eu chegasse numa limusine ou numa charrete ou numa jangada, imagine só as desgraças cômicas que eu proporcionaria aos convidados? Talvez eu morresse afogada ou, mais grave: o cavalo cagasse em mim.
Ele estava lindo. Lindo, lindo, lindo. A primeira vez que transamos (e eu não tive um orgasmo porque eu estava feliz demais pra ter um e ele me achou louca por ter dito isso e então tudo começou a desandar porque ele já tinha a ideia de casar com uma princesa quentinha e não uma louca que diz essas coisas) eu olhei seus cachos molhados de suor e pensei "taqueupariu que gato". Seus cachos agora estão grisalhos mas eu ainda tenho por volta de 35 ameaças de paradas cardíacas sempre que o vejo. E tive 135 ao vê-lo vestido de chumbo, no altar. Não sei se era essa a cor mas, certamente, era essa agora a palavra.
Quando lhe dei o abraço de "Seja feliz, querido" pensei em dizer "Te amo pra sempre eterno amor da vida, vamos tentar de novo? Talvez hoje, que eu não estou feliz, eu tenha um orgasmo e você se sinta homem e eu me sinta uma princesa", mas disse apenas "Pô, legal hein!?". Ele fez aquele carinho na minha cabeça que quer dizer "Ô, doidinha, te adoro" e eu pensei "Talvez eu morra mais tarde, te deixo uma carta", mas apenas disse "Agora vou atacar a comida".
Ao chegar em casa, dormi de conchinha com minha cachorra e chorei ouvindo Caetano. Pra que rimar amor com dor? Porque ele é lindo, ela é uma princesa e eu fiquei tão entupida, que tive que pingar Aturgyl.
Leis, leis, leis - DAVID COIMBRA
ZERO HORA - 08/08
Não sou a favor da palmada educativa. E não sou a favor da lei que proíbe a palmada educativa.
Não sou a favor de expulsar alunos da escola. E não sou a favor da norma que proíbe a expulsão de alunos da escola.
Como é que o Estado vai regular pela lei o que tem de ser regulado pelo bom senso?
Até porque, no caso da palmada, o Estado brasileiro não tem nem meios de punir eventuais infratores. Há 500 mil pessoas presas no Brasil, quase meia Porto Alegre. Nas masmorras medievais de Norte a Sul, amontoam-se assassinos, traficantes, assaltantes, sequestradores, tratados de uma forma que seria escandalosa, se eles fossem animais de zoológico. Não há lugar para pais lenientes, mesmo que sua negligência tenha permitido que tigres estraçalhassem os braços de seus filhos.
Nos Estados Unidos, a População carcerária é cinco vezes maior, e as cadeias são 50 vezes melhores. A polícia e a Justiça têm estrutura para agir. E agem, por Deus que agem. Dura lex mesmo. A lei, nos Estados Unidos, é educativa, como pretendem ser a lei da palmada e a norma que proibiria expulsões em escolas. Mas é educativa não por simplesmente existir, mas por punir. Uma lei sem poder de punição não educa. Ao contrário, deseduca, porque vira piada. Torna-se uma lei que ensina a descumprir a lei.
O pai e a mãe cruéis, que espancam os filhos, não deixarão de fazê-lo por causa da lei da palmada, pelo singelo motivo de que a lei da palmada não os punirá. A lei da palmada não dá palmada em ninguém. Essa lei também é chamada de Lei Bernardo, em alusão ao menino assassinado no interior do Rio Grande do Sul. Denominação apropriada e, ao mesmo tempo, irônica, porque Bernardo, até onde se sabe, não levava palmada, mas pediu ajuda à Justiça devido à indiferença do pai. Quer dizer: os problemas da educação doméstica são mais complexos do que disciplinar ou não os filhos pelo castigo físico.
O que a Justiça poderia ter feito naquele caso, além do que fez, chamar o pai e censurá-lo? Ficar com a guarda do menino? Interná-lo na Fase? Piada...
A Lei Maria da Penha não funciona pela mesma razão. Porque o homem que bate na mulher sabe que, se quiser bater, baterá, e a lei pouco poderá fazer contra ele. Ele é detido, volta para casa e espanca a mulher de novo, só que com mais força.
A lei é educativa quando pune, porque a punição é educativa. Diminuir o poder das escolas de punir alunos numa época em que a regra é a leniência, como no caso do pai do menino mutilado pelo tigre, ou a indiferença, como no caso do pai do menino assassinado no RS, diminuir o poder de punição das escolas nesse tempo é mais do que um erro do Estado: é um erro criminoso. As crianças, às vezes, clamam pela punição, porque, ao puni-las, pais e educadores demonstram que zelam por elas. Punição justa não é maldade; é interesse, é cuidado, é atenção. As crianças brasileiras e o povo brasileiro estão carentes de punição, não de crueldade. Carentes de autoridade, não de autoritarismo. Punam os filhos do Brasil. Punam! E mostrarão que se importam com eles.
Não sou a favor de expulsar alunos da escola. E não sou a favor da norma que proíbe a expulsão de alunos da escola.
Como é que o Estado vai regular pela lei o que tem de ser regulado pelo bom senso?
Até porque, no caso da palmada, o Estado brasileiro não tem nem meios de punir eventuais infratores. Há 500 mil pessoas presas no Brasil, quase meia Porto Alegre. Nas masmorras medievais de Norte a Sul, amontoam-se assassinos, traficantes, assaltantes, sequestradores, tratados de uma forma que seria escandalosa, se eles fossem animais de zoológico. Não há lugar para pais lenientes, mesmo que sua negligência tenha permitido que tigres estraçalhassem os braços de seus filhos.
Nos Estados Unidos, a População carcerária é cinco vezes maior, e as cadeias são 50 vezes melhores. A polícia e a Justiça têm estrutura para agir. E agem, por Deus que agem. Dura lex mesmo. A lei, nos Estados Unidos, é educativa, como pretendem ser a lei da palmada e a norma que proibiria expulsões em escolas. Mas é educativa não por simplesmente existir, mas por punir. Uma lei sem poder de punição não educa. Ao contrário, deseduca, porque vira piada. Torna-se uma lei que ensina a descumprir a lei.
O pai e a mãe cruéis, que espancam os filhos, não deixarão de fazê-lo por causa da lei da palmada, pelo singelo motivo de que a lei da palmada não os punirá. A lei da palmada não dá palmada em ninguém. Essa lei também é chamada de Lei Bernardo, em alusão ao menino assassinado no interior do Rio Grande do Sul. Denominação apropriada e, ao mesmo tempo, irônica, porque Bernardo, até onde se sabe, não levava palmada, mas pediu ajuda à Justiça devido à indiferença do pai. Quer dizer: os problemas da educação doméstica são mais complexos do que disciplinar ou não os filhos pelo castigo físico.
O que a Justiça poderia ter feito naquele caso, além do que fez, chamar o pai e censurá-lo? Ficar com a guarda do menino? Interná-lo na Fase? Piada...
A Lei Maria da Penha não funciona pela mesma razão. Porque o homem que bate na mulher sabe que, se quiser bater, baterá, e a lei pouco poderá fazer contra ele. Ele é detido, volta para casa e espanca a mulher de novo, só que com mais força.
A lei é educativa quando pune, porque a punição é educativa. Diminuir o poder das escolas de punir alunos numa época em que a regra é a leniência, como no caso do pai do menino mutilado pelo tigre, ou a indiferença, como no caso do pai do menino assassinado no RS, diminuir o poder de punição das escolas nesse tempo é mais do que um erro do Estado: é um erro criminoso. As crianças, às vezes, clamam pela punição, porque, ao puni-las, pais e educadores demonstram que zelam por elas. Punição justa não é maldade; é interesse, é cuidado, é atenção. As crianças brasileiras e o povo brasileiro estão carentes de punição, não de crueldade. Carentes de autoridade, não de autoritarismo. Punam os filhos do Brasil. Punam! E mostrarão que se importam com eles.
Argentina, novas 'relações carnais' - MARCOS TROYJO
FOLHA DE SP - 08/08
Cenário de parcas opções agravado pela crise dos abutres leva elite argentina a abraçar nova promessa
A força arregimentada por Bush pai na 1ª Guerra do Golfo contou com reforço simbólico. Nove anos após o traumático conflito nas Malvinas e o estranhamento com potências ocidentais, a Argentina remetia uma fragata ao esforço de constranger o apetite de Saddam Hussein por sua vizinhança.
Com o gesto, Buenos Aires alinhava-se a Washington em "relações carnais". Mediante uma economia dolarizada, a Argentina sintonizara-se à banca multilateral e a Wall Street. Nada disso impediu o esfacelamento do peso em 2001 e o subsequente calote. Envenenou-se o entusiasmo pela Alca. Desmoronou o "realismo periférico".
O olhar estratégico argentino orientou-se então ao Brasil. Já se jogara pá de cal sobre velhos antagonismos geopolíticos com a renúncia conjunta nos anos 90 ao desenvolvimento de armas nucleares. Trocas comerciais sob o guarda-chuva do Mercosul se expandiam. No Brasil de Lula, o novo antiamericanismo argentino tinha muro de arrimo.
No crescente intercâmbio entre os dois grandes do Cone Sul, a escala da economia brasileira sombreou a do vizinho. Todo o "hype" em torno dos Brics e da "brasilmania" fez brotar sentimento dúbio nos círculos decisórios argentinos. Dor de cotovelo pela condição coadjuvante na América do Sul. Reconforto na certeza de que, atrelada à reluzente estrela econômica do Brasil, o país arremeteria.
Nessa luz, compreende-se toda ciclotímica afirmação da "individualidade" argentina.
Discursos sobre os benefícios da integração, mas catimba na liberalização multissetorial do comércio com o Brasil e nas negociações Mercosul-União Europeia.
A "brasildependência" converteu-se num pesadelo em Buenos Aires. Comércio bilateral declinante. Diminuição do influxo de investimentos produtivos. Certeza de não contar com o vizinho num quadro de liquidez escassa. Daí, a percepção de que os reflexos do subdesempenho econômico brasileiro dos últimos quatro anos são mais fortes na Argentina do que os efeitos do marasmo argentino sobre o Brasil.
Esse cenário de parcas opções --agravado pela crise dos abutres-- leva a elite argentina a abraçar nova promessa de "relações carnais". Dessa vez, o parceiro é a China.
Pequim e Buenos Aires agora mantêm acordo para a operação de troca (currency swap) de US$ 11 bilhões entre seus bancos centrais. Disso emerge um "curralito comercial". A Argentina pode pagar importações chinesas em yuan.
A China rapidamente tornou-se o segundo maior parceiro comercial argentino.
O Banco de Desenvolvimento da China está injetando US$ 8 bilhões em hidrelétricas e na rede ferroviária. Os chineses entram com tudo na reserva de Vaca Muerta, na Patagônia, onde supostamente encontram-se os maiores depósitos não-convencionais de petróleo e gás do planeta --em que muitos enxergam o "último trem argentino rumo à prosperidade".
Com os EUA desinteressados e demonizados e o Brasil envolto em seus próprios dilemas, a Argentina é cada vez mais atraída ao campo gravitacional chinês.
Cenário de parcas opções agravado pela crise dos abutres leva elite argentina a abraçar nova promessa
A força arregimentada por Bush pai na 1ª Guerra do Golfo contou com reforço simbólico. Nove anos após o traumático conflito nas Malvinas e o estranhamento com potências ocidentais, a Argentina remetia uma fragata ao esforço de constranger o apetite de Saddam Hussein por sua vizinhança.
Com o gesto, Buenos Aires alinhava-se a Washington em "relações carnais". Mediante uma economia dolarizada, a Argentina sintonizara-se à banca multilateral e a Wall Street. Nada disso impediu o esfacelamento do peso em 2001 e o subsequente calote. Envenenou-se o entusiasmo pela Alca. Desmoronou o "realismo periférico".
O olhar estratégico argentino orientou-se então ao Brasil. Já se jogara pá de cal sobre velhos antagonismos geopolíticos com a renúncia conjunta nos anos 90 ao desenvolvimento de armas nucleares. Trocas comerciais sob o guarda-chuva do Mercosul se expandiam. No Brasil de Lula, o novo antiamericanismo argentino tinha muro de arrimo.
No crescente intercâmbio entre os dois grandes do Cone Sul, a escala da economia brasileira sombreou a do vizinho. Todo o "hype" em torno dos Brics e da "brasilmania" fez brotar sentimento dúbio nos círculos decisórios argentinos. Dor de cotovelo pela condição coadjuvante na América do Sul. Reconforto na certeza de que, atrelada à reluzente estrela econômica do Brasil, o país arremeteria.
Nessa luz, compreende-se toda ciclotímica afirmação da "individualidade" argentina.
Discursos sobre os benefícios da integração, mas catimba na liberalização multissetorial do comércio com o Brasil e nas negociações Mercosul-União Europeia.
A "brasildependência" converteu-se num pesadelo em Buenos Aires. Comércio bilateral declinante. Diminuição do influxo de investimentos produtivos. Certeza de não contar com o vizinho num quadro de liquidez escassa. Daí, a percepção de que os reflexos do subdesempenho econômico brasileiro dos últimos quatro anos são mais fortes na Argentina do que os efeitos do marasmo argentino sobre o Brasil.
Esse cenário de parcas opções --agravado pela crise dos abutres-- leva a elite argentina a abraçar nova promessa de "relações carnais". Dessa vez, o parceiro é a China.
Pequim e Buenos Aires agora mantêm acordo para a operação de troca (currency swap) de US$ 11 bilhões entre seus bancos centrais. Disso emerge um "curralito comercial". A Argentina pode pagar importações chinesas em yuan.
A China rapidamente tornou-se o segundo maior parceiro comercial argentino.
O Banco de Desenvolvimento da China está injetando US$ 8 bilhões em hidrelétricas e na rede ferroviária. Os chineses entram com tudo na reserva de Vaca Muerta, na Patagônia, onde supostamente encontram-se os maiores depósitos não-convencionais de petróleo e gás do planeta --em que muitos enxergam o "último trem argentino rumo à prosperidade".
Com os EUA desinteressados e demonizados e o Brasil envolto em seus próprios dilemas, a Argentina é cada vez mais atraída ao campo gravitacional chinês.
Invasão americana ainda não cicatrizou - GILLES LAPOUGE
O ESTADÃO - 08/08
Enquanto jihadistas devoram o Iraque, políticos como Tony Blair, que apoiaram ofensiva dos EUA em 2003, usam isso como desculpa
Esquadrões negros de jihadistas do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isil, na sigla em inglês) investem sobre as cidades do Iraque. O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair aproveita para dizer que, em 2003, teve toda razão em apoiar George W. Bush na guerra desencadeada contra o ditador iraquiano Saddam Hussein. Isso porque o dia de 2003 em que Blair decidiu "colar" no americano e enviar soldados britânicos ao Iraque é uma lembrança lúgubre para ele. Foi o começo de sua queda.
Até então, o brilhante, sedutor e moderno Blair havia conseguido tudo. Mas a intervenção no Iraque formou uma mancha sombria que os anos, longe de dissolver, adensaram. Em 18 de junho, o deputado conservador Peter Tapsell pediu à Câmara dos Comuns que Blair fosse processado. Há pouca chance de isso ocorrer, ainda mais que, na época, o atual primeiro-ministro, o conservador David Cameron, havia votado pela guerra. Onze anos depois, a invasão absurda do Iraque se tornou um pesadelo para Blair. A opinião pública não perdoou o envio de soldados ao Iraque, a falta de lamento de Blair e seu enriquecimento pessoal. Apesar de ter ficado muito rico, o pobre Blair sofre porque toda vez que se desloca é recebido por manifestantes que o acusam de crimes de guerra.
Eis porque ele tenta hoje utilizar em seu favor o caos do Iraque. A seu ver, a debandada das forças legalistas iraquianas deve-se, não à guerra Bush/Blair de 2003, mas à guerra civil que massacra a Síria neste momento. "Devemos nos desfazer da ideia de que 'nós' provocamos essa situação. Isso simplesmente não é verdade", diz ele.
Blair parece não estar convencendo a opinião pública britânica. Ainda mais que há outros atores utilizando as desordens atuais no sentido exatamente contrário. Em primeiro lugar, o ex-primeiro-ministro francês Dominique de Villepin, que era chanceler no governo de Jacques Chirac em 2003 e conheceu seu momento de glória no dia em que, diante do Conselho de Segurança da ONU, explicou com eloquência (e com lirismo descabelado) por que a França não quis se envolver na guerra de Bush.
Villepin denunciou a ilusão da diplomacia americana. "Fracasso da construção nacional como sonham os engenheiros políticos americanos: no Oriente complicado, houve a tentação de fazer tábula rasa para construir novas nações. Isso é não ver que se abria a Caixa de Pandora comunitária e, cedo ou tarde, todas as fronteiras herdadas da era colonial seriam questionadas em nome das purezas étnicas ou confessionais".
Villepin acrescentou uma ideia nova: a seu ver, a desgraça atual do Iraque era o antagonismo mantido por todos entre os dois ramos do Islã, os sunitas (Arábia Saudita, jihadistas, etc.) e os xiitas (Irã e outros).
"Preservar a unidade do Oriente Médio é superar a clivagem sunita-xiita que se tornou a linha de frente comunitária em todo o Oriente Médio, no sul do Iraque, por exemplo, porque isso arrastaria para o caos o Irã, a Arábia Saudita, a Turquia e a Jordânia", disse ele. "Uma conferência regional deve colocar em volta da mesa todas as potências em torno do que é consenso para todas: a garantia das fronteiras num quadro de segurança coletiva."
Villepin propõe aí um belo programa. Infelizmente, do lado dos jihadistas que estão devorando o Iraque, a análise é rigorosamente oposta porque se trata, ao contrário, de apagar todas as fronteiras herdadas não só do período colonial, mas mesmo da Idade Média e da Renascença, para substituir a confusão atual do país pelo califado islâmico que desconsidera as nações, as fronteiras e a história. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
Enquanto jihadistas devoram o Iraque, políticos como Tony Blair, que apoiaram ofensiva dos EUA em 2003, usam isso como desculpa
Esquadrões negros de jihadistas do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isil, na sigla em inglês) investem sobre as cidades do Iraque. O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair aproveita para dizer que, em 2003, teve toda razão em apoiar George W. Bush na guerra desencadeada contra o ditador iraquiano Saddam Hussein. Isso porque o dia de 2003 em que Blair decidiu "colar" no americano e enviar soldados britânicos ao Iraque é uma lembrança lúgubre para ele. Foi o começo de sua queda.
Até então, o brilhante, sedutor e moderno Blair havia conseguido tudo. Mas a intervenção no Iraque formou uma mancha sombria que os anos, longe de dissolver, adensaram. Em 18 de junho, o deputado conservador Peter Tapsell pediu à Câmara dos Comuns que Blair fosse processado. Há pouca chance de isso ocorrer, ainda mais que, na época, o atual primeiro-ministro, o conservador David Cameron, havia votado pela guerra. Onze anos depois, a invasão absurda do Iraque se tornou um pesadelo para Blair. A opinião pública não perdoou o envio de soldados ao Iraque, a falta de lamento de Blair e seu enriquecimento pessoal. Apesar de ter ficado muito rico, o pobre Blair sofre porque toda vez que se desloca é recebido por manifestantes que o acusam de crimes de guerra.
Eis porque ele tenta hoje utilizar em seu favor o caos do Iraque. A seu ver, a debandada das forças legalistas iraquianas deve-se, não à guerra Bush/Blair de 2003, mas à guerra civil que massacra a Síria neste momento. "Devemos nos desfazer da ideia de que 'nós' provocamos essa situação. Isso simplesmente não é verdade", diz ele.
Blair parece não estar convencendo a opinião pública britânica. Ainda mais que há outros atores utilizando as desordens atuais no sentido exatamente contrário. Em primeiro lugar, o ex-primeiro-ministro francês Dominique de Villepin, que era chanceler no governo de Jacques Chirac em 2003 e conheceu seu momento de glória no dia em que, diante do Conselho de Segurança da ONU, explicou com eloquência (e com lirismo descabelado) por que a França não quis se envolver na guerra de Bush.
Villepin denunciou a ilusão da diplomacia americana. "Fracasso da construção nacional como sonham os engenheiros políticos americanos: no Oriente complicado, houve a tentação de fazer tábula rasa para construir novas nações. Isso é não ver que se abria a Caixa de Pandora comunitária e, cedo ou tarde, todas as fronteiras herdadas da era colonial seriam questionadas em nome das purezas étnicas ou confessionais".
Villepin acrescentou uma ideia nova: a seu ver, a desgraça atual do Iraque era o antagonismo mantido por todos entre os dois ramos do Islã, os sunitas (Arábia Saudita, jihadistas, etc.) e os xiitas (Irã e outros).
"Preservar a unidade do Oriente Médio é superar a clivagem sunita-xiita que se tornou a linha de frente comunitária em todo o Oriente Médio, no sul do Iraque, por exemplo, porque isso arrastaria para o caos o Irã, a Arábia Saudita, a Turquia e a Jordânia", disse ele. "Uma conferência regional deve colocar em volta da mesa todas as potências em torno do que é consenso para todas: a garantia das fronteiras num quadro de segurança coletiva."
Villepin propõe aí um belo programa. Infelizmente, do lado dos jihadistas que estão devorando o Iraque, a análise é rigorosamente oposta porque se trata, ao contrário, de apagar todas as fronteiras herdadas não só do período colonial, mas mesmo da Idade Média e da Renascença, para substituir a confusão atual do país pelo califado islâmico que desconsidera as nações, as fronteiras e a história. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
Schopenhauer e o consumo do planeta - JOSÉ PIO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR - 08/08
Os limites físicos do planeta e a explosão populacional (9,4 bilhões de habitantes em 2050) vão encurralar a humanidade e obrigar-nos todos a um confronto com a questão do consumo (necessário) e o consumismo (exagerado) de bens e serviços. Já se disse que a humanidade vive um período de alienação e está virando as costas para problemas gravíssimos que podem comprometer a própria existência na Terra.
A questão é que, para viver e sobreviver, o ser humano precisa consumir. Sem alimentos, vestuário, abrigo e medicamentos, o corpo não sobrevive e o homem morre. Viver é consumir. Mas, para isso, é preciso produzir e, para fazê-lo, o homem agrega outros tipos de consumo. Quem vai para o trabalho necessita de meios de transporte, educação, treinamento e bens materiais (como ferramentas, equipamentos, móveis), coisas necessárias ao processo produtivo.
Então, há o consumo final feito pelo homem e o consumo intermediário para produzir os bens finais de consumo. O primeiro postulado econômico é: quanto de bens e serviços o homem precisa para viver, sobreviver e ser feliz? Não há resposta exata. Mas é possível resposta intuitiva. O segundo postulado é: quanto de bens e serviços a humanidade está consumindo (às vezes apenas comprando, sem nem sequer consumi-los) e de que não precisa para viver?
Se fosse possível mensurar com exatidão a diferença entre o necessário (primeiro postulado) e o excesso (segundo postulado), teríamos aí a medida da contribuição do homem de hoje para a destruição de recursos finitos do planeta, que vai encurralar a humanidade muito brevemente. Existe uma alienação individual e coletiva em relação ao consumo excessivo. Mas por que o ser humano compra tanto mais do que precisa para viver bem?
A psicologia é a ciência que explica os processos mentais e o comportamento humano. Mas até 200 anos atrás, a psicologia não existia como uma ciência autônoma; era uma parte da filosofia, razão por que os grandes filósofos trataram dela, todos eles. Isso nos remete a um filósofo tão estranho quanto genial, um intelectual que tinha aversão ao convívio com o semelhante, mas compreendeu e interpretou como poucos o comportamento humano. Arthur Schopenhauer (1788-1860) deu as melhores explicações sobre o consumo desvairado do homem.
Enquanto Kant (1724-1804) dizia que a central de comando no cérebro é a inteligência e a razão, Schopenhauer afirmava que a central de comando é a vontade. É ela que leva o homem a desejar, consumir, saciar, desejar de novo... e assim indefinidamente. A vontade não cessa de nos dirigir, pois, assim que um desejo é saciado, há outro e mais outro... Para Schopenhauer, o querer nos escraviza, para o que ele apresentou sua proposta de libertação da vontade.
O filósofo observou que a própria felicidade depende da superação da vontade, e escreveu: “Em que consiste o sofrimento? É a luta para vencer o obstáculo que fica entre a vontade e a meta. O que é felicidade? É atingir a meta”. Assim, ele estabeleceu para si próprio como meta de vida desejar o menos possível, saber o mais possível. No fundo, é a conhecida proposta de buscar a felicidade no ser e não no ter.
Schopenhauer propõe que usemos a razão para superar a vontade, mas alerta que a tarefa não é fácil, pois a vontade é biológica (somos escravos em nossa própria morada, disse ele) e a razão é construída. O ser humano trava uma batalha interior diária entre a razão e a vontade. Voltarei ao tema em outro artigo.
Os limites físicos do planeta e a explosão populacional (9,4 bilhões de habitantes em 2050) vão encurralar a humanidade e obrigar-nos todos a um confronto com a questão do consumo (necessário) e o consumismo (exagerado) de bens e serviços. Já se disse que a humanidade vive um período de alienação e está virando as costas para problemas gravíssimos que podem comprometer a própria existência na Terra.
A questão é que, para viver e sobreviver, o ser humano precisa consumir. Sem alimentos, vestuário, abrigo e medicamentos, o corpo não sobrevive e o homem morre. Viver é consumir. Mas, para isso, é preciso produzir e, para fazê-lo, o homem agrega outros tipos de consumo. Quem vai para o trabalho necessita de meios de transporte, educação, treinamento e bens materiais (como ferramentas, equipamentos, móveis), coisas necessárias ao processo produtivo.
Então, há o consumo final feito pelo homem e o consumo intermediário para produzir os bens finais de consumo. O primeiro postulado econômico é: quanto de bens e serviços o homem precisa para viver, sobreviver e ser feliz? Não há resposta exata. Mas é possível resposta intuitiva. O segundo postulado é: quanto de bens e serviços a humanidade está consumindo (às vezes apenas comprando, sem nem sequer consumi-los) e de que não precisa para viver?
Se fosse possível mensurar com exatidão a diferença entre o necessário (primeiro postulado) e o excesso (segundo postulado), teríamos aí a medida da contribuição do homem de hoje para a destruição de recursos finitos do planeta, que vai encurralar a humanidade muito brevemente. Existe uma alienação individual e coletiva em relação ao consumo excessivo. Mas por que o ser humano compra tanto mais do que precisa para viver bem?
A psicologia é a ciência que explica os processos mentais e o comportamento humano. Mas até 200 anos atrás, a psicologia não existia como uma ciência autônoma; era uma parte da filosofia, razão por que os grandes filósofos trataram dela, todos eles. Isso nos remete a um filósofo tão estranho quanto genial, um intelectual que tinha aversão ao convívio com o semelhante, mas compreendeu e interpretou como poucos o comportamento humano. Arthur Schopenhauer (1788-1860) deu as melhores explicações sobre o consumo desvairado do homem.
Enquanto Kant (1724-1804) dizia que a central de comando no cérebro é a inteligência e a razão, Schopenhauer afirmava que a central de comando é a vontade. É ela que leva o homem a desejar, consumir, saciar, desejar de novo... e assim indefinidamente. A vontade não cessa de nos dirigir, pois, assim que um desejo é saciado, há outro e mais outro... Para Schopenhauer, o querer nos escraviza, para o que ele apresentou sua proposta de libertação da vontade.
O filósofo observou que a própria felicidade depende da superação da vontade, e escreveu: “Em que consiste o sofrimento? É a luta para vencer o obstáculo que fica entre a vontade e a meta. O que é felicidade? É atingir a meta”. Assim, ele estabeleceu para si próprio como meta de vida desejar o menos possível, saber o mais possível. No fundo, é a conhecida proposta de buscar a felicidade no ser e não no ter.
Schopenhauer propõe que usemos a razão para superar a vontade, mas alerta que a tarefa não é fácil, pois a vontade é biológica (somos escravos em nossa própria morada, disse ele) e a razão é construída. O ser humano trava uma batalha interior diária entre a razão e a vontade. Voltarei ao tema em outro artigo.
A envelhecida indústria - CELSO MING
O ESTADÃO - 08/08
Já é uma boa coisa admitir problemas, como ontem admitiu o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Mas é preciso ir além. Em primeiro lugar, é preciso ir às causas e, em seguida, apontar soluções
Já é uma boa coisa admitir problemas, como ontem admitiu o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Mas é preciso ir além. Em primeiro lugar, é preciso ir às causas e, em seguida, apontar soluções.
O ministro Borges reconheceu ontem no Encontro Nacional de Comércio Exterior, no Rio, que a indústria brasileira está envelhecida: “O baixo estoque de capital fixo do parque fabril tem, em média, 17 anos de uso”. A título de comparação ele apontou que os países mais diretamente concorrentes do Brasil contam com indústrias de 7 a 8 anos, na média.
E, a título de referência, não é preciso puxar pelo desempenho da indústria asiática, que vende produtos de alta qualidade a uma fração do preço da indústria do Brasil, graças não só a maior eficiência do seu equipamento, mas, também, ao baixo custo da mão de obra. Borges comparou as condições de produção industrial brasileira com as dos Estados Unidos, que vêm de uma forte crise e não conseguem esconder paisagens desoladoras, como as de Detroit: “A produtividade da indústria do Brasil é apenas 20% da produtividade da indústria dos Estados Unidos”.
Quem está dizendo isso não é nenhum desses analistas profissionais do pessimismo, que disseminam o desalento no sistema produtivo nacional, de que tanto se queixa a presidente Dilma. É o ministro do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior.
Essas coisas não ficaram assim porque o empresário brasileiro desistiu do seu ferrão e do seu espírito animal. Nem apenas porque o custo Brasil é insuportável ou porque a infraestrutura é esse miserê que todos sabemos. São o resultado do descaso com que todo o setor produtivo, e não só a indústria, vem sendo tratado.
O governo Dilma, por exemplo, entendeu que bastaria turbinar o consumo popular, com a derrubada artificial dos juros e a disparada da gastança, para que o trabalhador chegasse ao paraíso e a indústria, aos tempos de pujança histórica. Mas o resultado é esse aí. A economia brasileira ficou desarrumada, a produção mergulhou, a inflação disparou e o desânimo tomou conta do sistema produtivo.
Mas é necessário ir mais fundo. O definhamento da indústria tem muito a ver, também, com a falta de coragem para formular e responder as perguntas certas. Valerá mesmo a pena produzir todas as linhas de industrializados no Brasil, desde panelas até satélites?
Bastará que uma atividade se caracterize pela manufatura para que seja automaticamente desejável? Será que é do interesse nacional seguir cortando ferro, entortando ferro e rebitando ferro, tarefas que qualquer xing-ling é capaz de executar, a custos irrelevantes, apenas para exibir depois estatísticas de produção industrial?
Ou não seria melhor replanejar a atividade industrial, ficar com o que interessa, sucatear o que não tem mais jeito e concentrar a atividade fabril em segmentos de maior agregação de valor, com maior incorporação de tecnologia, design, engenharia e software?
Tudo isso é bem mais do que tentar salvar a indústria brasileira com os emplastros de sempre, com mais subsídios, mais renúncias fiscais (sempre temporárias e só para os amigos), mais reservas de mercado, mais proteção cambial, mais defesa tarifária e, é claro, as lamentações de sempre
CONFIRA:
A última projeção da Conab aponta para uma safra de grãos de 193,5 milhões de toneladas, 2,6% acima da safra anterior. É um resultado recorde, apesar da temporada de seca que castigou o Sudeste.
Ganhar tempo
A Argentina decidiu ontem recorrer ao Tribunal Internacional de Haia contra a Justiça de Nova York, que exigiu pagamento integral dos títulos de dívida em poder dos credores que não aceitaram a reestruturação da dívida argentina. O objetivo aparente é ganhar tempo para que os demais credores não exijam os mesmos benefícios.
Já é uma boa coisa admitir problemas, como ontem admitiu o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Mas é preciso ir além. Em primeiro lugar, é preciso ir às causas e, em seguida, apontar soluções
Já é uma boa coisa admitir problemas, como ontem admitiu o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Mas é preciso ir além. Em primeiro lugar, é preciso ir às causas e, em seguida, apontar soluções.
O ministro Borges reconheceu ontem no Encontro Nacional de Comércio Exterior, no Rio, que a indústria brasileira está envelhecida: “O baixo estoque de capital fixo do parque fabril tem, em média, 17 anos de uso”. A título de comparação ele apontou que os países mais diretamente concorrentes do Brasil contam com indústrias de 7 a 8 anos, na média.
E, a título de referência, não é preciso puxar pelo desempenho da indústria asiática, que vende produtos de alta qualidade a uma fração do preço da indústria do Brasil, graças não só a maior eficiência do seu equipamento, mas, também, ao baixo custo da mão de obra. Borges comparou as condições de produção industrial brasileira com as dos Estados Unidos, que vêm de uma forte crise e não conseguem esconder paisagens desoladoras, como as de Detroit: “A produtividade da indústria do Brasil é apenas 20% da produtividade da indústria dos Estados Unidos”.
Quem está dizendo isso não é nenhum desses analistas profissionais do pessimismo, que disseminam o desalento no sistema produtivo nacional, de que tanto se queixa a presidente Dilma. É o ministro do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior.
Essas coisas não ficaram assim porque o empresário brasileiro desistiu do seu ferrão e do seu espírito animal. Nem apenas porque o custo Brasil é insuportável ou porque a infraestrutura é esse miserê que todos sabemos. São o resultado do descaso com que todo o setor produtivo, e não só a indústria, vem sendo tratado.
O governo Dilma, por exemplo, entendeu que bastaria turbinar o consumo popular, com a derrubada artificial dos juros e a disparada da gastança, para que o trabalhador chegasse ao paraíso e a indústria, aos tempos de pujança histórica. Mas o resultado é esse aí. A economia brasileira ficou desarrumada, a produção mergulhou, a inflação disparou e o desânimo tomou conta do sistema produtivo.
Mas é necessário ir mais fundo. O definhamento da indústria tem muito a ver, também, com a falta de coragem para formular e responder as perguntas certas. Valerá mesmo a pena produzir todas as linhas de industrializados no Brasil, desde panelas até satélites?
Bastará que uma atividade se caracterize pela manufatura para que seja automaticamente desejável? Será que é do interesse nacional seguir cortando ferro, entortando ferro e rebitando ferro, tarefas que qualquer xing-ling é capaz de executar, a custos irrelevantes, apenas para exibir depois estatísticas de produção industrial?
Ou não seria melhor replanejar a atividade industrial, ficar com o que interessa, sucatear o que não tem mais jeito e concentrar a atividade fabril em segmentos de maior agregação de valor, com maior incorporação de tecnologia, design, engenharia e software?
Tudo isso é bem mais do que tentar salvar a indústria brasileira com os emplastros de sempre, com mais subsídios, mais renúncias fiscais (sempre temporárias e só para os amigos), mais reservas de mercado, mais proteção cambial, mais defesa tarifária e, é claro, as lamentações de sempre
CONFIRA:
A última projeção da Conab aponta para uma safra de grãos de 193,5 milhões de toneladas, 2,6% acima da safra anterior. É um resultado recorde, apesar da temporada de seca que castigou o Sudeste.
Ganhar tempo
A Argentina decidiu ontem recorrer ao Tribunal Internacional de Haia contra a Justiça de Nova York, que exigiu pagamento integral dos títulos de dívida em poder dos credores que não aceitaram a reestruturação da dívida argentina. O objetivo aparente é ganhar tempo para que os demais credores não exijam os mesmos benefícios.
As razões do engasgo do consumo - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SP - 08/08
A indústria automobilística é a prova mais contundente de que vivemos o início de uma grande ressaca
Volto hoje à questão da queda do consumo, que tem afetado de forma importante a economia brasileira neste ano de 2014.
O motivo para tal é o clima de quase pânico que tomou conta do setor automobilístico nas últimas semanas. Uma das áreas mais dinâmicas da indústria brasileira, ele representa o maior símbolo do crescimento do consumo que marcou o período Lula. Hoje ele é a prova mais contundente de que vivemos --desde 2011-- o início de uma grande ressaca.
Embora vários analistas tenham advertido sobre o fim do ciclo do consumo, o governo manteve inalterada sua política econômica. Quando os sinais de queda ficaram mais claros, no início do mandato da presidenta Dilma, a resposta do Palácio do Planalto foi forçar a expansão do crédito dos bancos públicos e reduzir o superavit primário operacional do Tesouro via gastos adicionais.
Como a economia reage sempre com um intervalo de tempo, entre o início de um ciclo econômico e seu ocaso, somente agora é que essa dura realidade se mostra aos olhos de grande parte da sociedade.
E a queda nas venda de automóveis dos últimos meses --seguida da redução sob várias formas do emprego-- é uma realidade que ninguém pode mais esconder. Como a indústria não se preparou para este momento da verdade, mantendo a produção próxima da capacidade máxima, o ajuste será doloroso.
Mas é preciso separar o ajuste cíclico que vamos viver nos próximos meses da dinâmica de longo prazo do setor automobilístico. As vendas de automóveis cresceram entre 2005 e 2013 de uma forma impressionante, passando de 1,66 milhão de unidades anuais para mais de 3,6 milhões, com uma expansão média anual de 10,6% em oito anos.
Entre julho de 2007 e fins de 2013, por vários meses as vendas ficaram no intervalo entre 3,5 milhões e 4 milhões de unidades por ano. O quarto maior mercado consumidor do mundo. Se considerarmos três anos, entre outubro de 2005 e outubro de 2008, as vendas cresceram 50%, ou seja, a uma taxa anual de 15% anuais. IMPRESSIONANTE.
As principais forças por trás desse crescimento de vendas tiveram duas naturezas distintas: entre 2005 e fins de 2008, as forças tinham natureza estrutural, de longo prazo, em razão principalmente do aumento simultâneo da renda, do emprego e do crédito ao consumo.
A partir do início de 2010, com o enfraquecimento das forças expansionistas citadas acima, inicia-se, de forma natural, um período de ajuste nas taxas de crescimento das vendas de automóveis. Dessa forma, chegamos ao início de 2012 com um crescimento zero nas vendas e, nos meses seguintes, a uma taxa de expansão negativa.
O governo reagiu a essa situação elevando a oferta de crédito dos bancos públicos para sustentar a venda de veículos. A resposta do consumidor foi positiva, mas de curta duração, como todo movimento associado a estímulos fora de hora e sem respeito à dinâmica do mercado.
A taxa de crescimento das vendas voltou a atingir 10% ao ano, entre junho de 2012 e junho de 2013, para rapidamente voltar a zero nos três meses seguintes e entrar definitivamente no terreno negativo a partir daí.
Chama-se a esse fenômeno, no jargão do mercado financeiro, de suspiro do morto, ou seja, o fracasso de tentativas artificiais do governo para tentar alterar movimentos estruturais de ajuste do mercado. No caso específico das vendas de automóveis, tentar reconstruir uma dinâmica de consumo que havia se esgotado por razões estruturais.
De agora em diante vamos viver duas fases distintas no mercado de automóveis no Brasil.
Na primeira, teremos um ajuste nos estoques acumulados pela indústria em razão da queda expressiva das vendas nos últimos meses.
Na segunda, as empresas vão ter que fazer um ajuste estrutural na sua capacidade produtiva, para se adaptar a um mercado que deve passar a crescer a taxas não superiores ao aumento da renda dos brasileiros.
Quanto mais demorarem os ajustes de estoque, maiores serão os prejuízos na fase de ajuste nos níveis de produção da indústria.
A pergunta que fica no ar é: como uma indústria tão sofisticada não percebeu a impossibilidade de manter as taxas de crescimento do passado e não se preparou melhor para a fase que vamos viver nesse mercado daqui para a frente?
A indústria automobilística é a prova mais contundente de que vivemos o início de uma grande ressaca
Volto hoje à questão da queda do consumo, que tem afetado de forma importante a economia brasileira neste ano de 2014.
O motivo para tal é o clima de quase pânico que tomou conta do setor automobilístico nas últimas semanas. Uma das áreas mais dinâmicas da indústria brasileira, ele representa o maior símbolo do crescimento do consumo que marcou o período Lula. Hoje ele é a prova mais contundente de que vivemos --desde 2011-- o início de uma grande ressaca.
Embora vários analistas tenham advertido sobre o fim do ciclo do consumo, o governo manteve inalterada sua política econômica. Quando os sinais de queda ficaram mais claros, no início do mandato da presidenta Dilma, a resposta do Palácio do Planalto foi forçar a expansão do crédito dos bancos públicos e reduzir o superavit primário operacional do Tesouro via gastos adicionais.
Como a economia reage sempre com um intervalo de tempo, entre o início de um ciclo econômico e seu ocaso, somente agora é que essa dura realidade se mostra aos olhos de grande parte da sociedade.
E a queda nas venda de automóveis dos últimos meses --seguida da redução sob várias formas do emprego-- é uma realidade que ninguém pode mais esconder. Como a indústria não se preparou para este momento da verdade, mantendo a produção próxima da capacidade máxima, o ajuste será doloroso.
Mas é preciso separar o ajuste cíclico que vamos viver nos próximos meses da dinâmica de longo prazo do setor automobilístico. As vendas de automóveis cresceram entre 2005 e 2013 de uma forma impressionante, passando de 1,66 milhão de unidades anuais para mais de 3,6 milhões, com uma expansão média anual de 10,6% em oito anos.
Entre julho de 2007 e fins de 2013, por vários meses as vendas ficaram no intervalo entre 3,5 milhões e 4 milhões de unidades por ano. O quarto maior mercado consumidor do mundo. Se considerarmos três anos, entre outubro de 2005 e outubro de 2008, as vendas cresceram 50%, ou seja, a uma taxa anual de 15% anuais. IMPRESSIONANTE.
As principais forças por trás desse crescimento de vendas tiveram duas naturezas distintas: entre 2005 e fins de 2008, as forças tinham natureza estrutural, de longo prazo, em razão principalmente do aumento simultâneo da renda, do emprego e do crédito ao consumo.
A partir do início de 2010, com o enfraquecimento das forças expansionistas citadas acima, inicia-se, de forma natural, um período de ajuste nas taxas de crescimento das vendas de automóveis. Dessa forma, chegamos ao início de 2012 com um crescimento zero nas vendas e, nos meses seguintes, a uma taxa de expansão negativa.
O governo reagiu a essa situação elevando a oferta de crédito dos bancos públicos para sustentar a venda de veículos. A resposta do consumidor foi positiva, mas de curta duração, como todo movimento associado a estímulos fora de hora e sem respeito à dinâmica do mercado.
A taxa de crescimento das vendas voltou a atingir 10% ao ano, entre junho de 2012 e junho de 2013, para rapidamente voltar a zero nos três meses seguintes e entrar definitivamente no terreno negativo a partir daí.
Chama-se a esse fenômeno, no jargão do mercado financeiro, de suspiro do morto, ou seja, o fracasso de tentativas artificiais do governo para tentar alterar movimentos estruturais de ajuste do mercado. No caso específico das vendas de automóveis, tentar reconstruir uma dinâmica de consumo que havia se esgotado por razões estruturais.
De agora em diante vamos viver duas fases distintas no mercado de automóveis no Brasil.
Na primeira, teremos um ajuste nos estoques acumulados pela indústria em razão da queda expressiva das vendas nos últimos meses.
Na segunda, as empresas vão ter que fazer um ajuste estrutural na sua capacidade produtiva, para se adaptar a um mercado que deve passar a crescer a taxas não superiores ao aumento da renda dos brasileiros.
Quanto mais demorarem os ajustes de estoque, maiores serão os prejuízos na fase de ajuste nos níveis de produção da indústria.
A pergunta que fica no ar é: como uma indústria tão sofisticada não percebeu a impossibilidade de manter as taxas de crescimento do passado e não se preparou melhor para a fase que vamos viver nesse mercado daqui para a frente?
O tempo do emprego - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 08/08
Por quanto tempo as empresas vão evitar demissões, com o nível de atividade perto de zero? O dado do emprego é o melhor da economia, por isso o temor de que ele seja afetado pelo ambiente geral. No setor industrial, já piorou. A indústria automobilística demitiu 6,6 mil e está adotando a suspensão temporária do contrato de trabalho, o chamado Layoff , à espera de um segundo semestre melhor.
A taxa de desemprego de 4,9% é um oásis no meio dos números negativos. A indústria está encolhendo há quatro meses, a balança comercial têm déficit no ano, a inflação está acima do teto da meta, a conta-corrente está deficitária em quase 4% do PIB. O superávit primário tem caído e o déficit nominal subiu. Esses dados ruins se espalham pelo país. O IBGE divulgou esta semana o detalhamento da produção industrial de junho. Em apenas dois estados, Rio de Janeiro e Espírito Santo, o indicador não ficou negativo; e comparado com o mês de junho do ano passado só ficaram positivos os dados do Pará, Espírito Santo e Goiás.
A Anfavea, associação que representa as montadores de veículos, chegou ao mês de julho com uma queda na produção de 20,5%, na comparação com os sete primeiros meses de 2013. Mesmo com a expectativa de um segundo semestre mais forte, a entidade calcula encerrar 2014 com uma redução de 10%. Com isso, as notícias de férias coletivas, programas de demissão voluntária e suspensão temporária dos contratos ( Layoff ) estão cada vez mais frequentes. Mas a questão é: até quando as empresas vão segurar as vagas, em um cenário de queda nas vendas e na produção?
Segundo o presidente da Anfavea, Luiz Moan, a tática adotada pelas montadoras é ganhar tempo, na esperança de que o cenário à frente melhore. Ele explica que o trabalhador da indústria automobilística é altamente qualificado e recebeu bastante treinamento. Demitir esta mão de obra é dar baixa em um forte investimento em recursos humanos. Ainda assim, 6,6 mil vagas foram fechadas em 12 meses até julho, uma queda de 4,2% no nível do emprego.
- Todos as medidas possíveis para se evitar o desligamento estão sendo feitas, como férias remuneradas, banco de horas, lay-offs, programas de demissão voluntária. É muito importante que a expectativa de crescimento futuro se mantenha, para que os empregos sejam mantidos - disse Moan.
Ao mesmo tempo em que as empresas desejam um segundo semestre mais forte, o cenário projetado para 2015 é de enorme incerteza. A Anfavea, por exemplo, ainda não consegue estimar qual será o seu crescimento no ano que vem. Há dúvidas sobre a Argentina, que é grande compradora de carros brasileiros, e há incerteza sobre alguns preços, entre eles o da energia.
- Estamos vivendo um dia de cada vez, em 2014. O ano não pode acabar ainda porque tenho que vender muito carro para recuperar o que caiu no primeiro semestre. Ainda não fizemos projeções para 2015 - afirmou Luiz Moan.
O setor automotivo representa 25% da indústria de transformação e está em uma encruzilhada. Muito carro já foi vendido, as famílias se endividaram, o crédito está mais caro e seletivo, a inflação corroeu um pedaço da renda. Externamente, a crise na Argentina afeta as exportações, que estão com uma queda acumulada de 35% até julho. A previsão é que o problema cambial no país vizinho se agrave com a nova moratória decretada este mês. Somente em vendas para o exterior, de acordo com as projeções da Anfavea, o setor automobilístico deve faturar US$ 1,6 bi a menos este ano, na comparação com o que vendeu ao exterior no ano passado: US$ 14 bilhões, em 2014, contra US$ 15,6 bi, de 2013.
A produção e as vendas de carros cresceram muito em dez anos e este é um ano de queda. Por isso, apesar de as demissões já terem começado, as empresas preferem manter seus recursos humanos na expectativa de melhoras no futuro.
Por enquanto, outros setores da economia, como o de serviços, têm conseguido manter e criar vagas, ainda que a um ritmo cada vez menor. A questão chave é a expectativa. Se os empresários perderam a esperança de uma recuperação a curto prazo vão preferir demitir a manter o custo de reter o funcionário, mesmo sendo qualificado. É preciso que o mais rapidamente possível os investidores melhorem a percepção sobre o desempenho futuro da economia brasileira.
Ladrões de instituições - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 08/08
Um ladrão de dinheiro público é um caso de polícia; um ladrão de instituições é um caso de política
Para lembrar uma imagem empregada certa feita por Diogo Mainardi --que tem sofrido tentativas descaradas e infrutíferas de clonagem na crônica tupinambá--, parte da imprensa está se comportando, no caso da fraude da CPI da Petrobras, como a Fada Sininho do PT, batendo as asinhas para ver se a bomba dos piratas estoura longe do Palácio do Planalto. É uma missão suicida, mas vale sacrificar a honra em nome de mais quatro anos na Terra do Nunca! Há um esforço danado para provar que os petistas, os assessores palacianos e o comando da estatal não fizeram nada demais ao transformar uma CPI numa pantomima ridícula.
Não que se esperasse, dadas as personagens, grande coisa dessa comissão. Mas, vá lá, admita-se que a folgada maioria que detêm os governistas em sua composição é regimental: deriva do desequilíbrio de forças no Senado, que traduz, no entanto, a vontade do eleitor. Nada a fazer a respeito. É legítimo, sim, lastimar certos aspectos da democracia. Só não é permitido solapá-la.
Os que se organizaram numa verdadeira gangue não atentaram apenas contra as prerrogativas da comissão em si. Agrediram também a Constituição, o Poder Legislativo, o Estado de Direito e, por óbvio, o regime democrático. Já está evidente que o comando na operação ficou com o Palácio do Planalto, mais exatamente com a Secretaria de Relações Institucionais, cujo titular é Ricardo Berzoini, de tantos serviços prestados ao escândalo dos aloprados. Eu invoco com o nome dessa pasta desde que ela foi criada, no governo Lula. Quem inventa uma estrovenga chamada "Relações Institucionais" está confessando que opera com "relações não institucionais". Bingo!
Os que me acompanham nesta Folha, no blog que mantenho na Veja.com ou na rádio Jovem Pan sabem que atribuo à roubalheira o peso que a coisa tem: comprovadas as culpas, cana para os larápios! Mas eu me ocupo mais dos ladrões de instituições do que dos ladrões de dinheiro público. Eu não poderia integrar, por exemplo, uma associação de jornalistas investigativos, ainda que eles me quisessem como sócio. Investigo escolhas políticas, não contas correntes ou declarações de Imposto de Renda. Não estou a tratar com menoscabo o trabalho de ninguém, muito pelo contrário: eu o aplaudo. Mas estou mais preparado para denunciar uma ideia fraudulenta do que um crime caracterizado no Código Penal. O mal que os ladrões de instituições fazem ao Brasil é muito superior ao que praticam aqueles outros.
Um ladrão de dinheiro público é um caso de polícia; um ladrão de instituições é um caso de política. Um ladrão de dinheiro público faz um rombo no caixa; um ladrão de instituições faz um rombo numa cultura; um ladrão de dinheiro público morrerá um dia; um ladrão de instituições procria. Um ladrão de dinheiro público inviabiliza um projeto; um ladrão de instituições inviabiliza um país. Apelando agora a Padre Vieira: um ladrão de dinheiro público pode até ser enforcado; um ladrão de instituições manda enforcar.
O jornalismo político no Brasil está, sim, preparado --às vezes, atropelando garantias legais que deveriam ser preservadas-- para denunciar o larápio que avança contra o caixa, mas, infelizmente, anda muito pouco atento às manobras solertes dos ladrões de instituições. Quando um ministro de Estado, como Gilberto Carvalho, faz uma peregrinação ao Congresso em defesa do decreto 8.243 --aquele dos conselhos populares--, ele não está avançando no erário. Não há como chamar a polícia. Ele quer é assaltar os fundamentos da democracia representativa. Carvalho, nessa ação, não tenta roubar o nosso dinheiro; ele tenta é roubar o nosso futuro. Com aquele seu ar sereno de santarrão de sacristia, mas com alma de Savonarola.
Eu nunca considerei que o aspecto mais deletério do mensalão fosse a roubalheira em si --que também aconteceu. Mais grave foi a tentativa de criar um Congresso paralelo. Lambanças como as ocorridas na Petrobras, que a CPI deveria estar investigando, podem ter cura se o Brasil e a estatal tiverem governanças decentes. Mas não há esperança quando condescendemos com ladrões de instituições. Até porque eles é que escrevem os evangelhos seguidos pelos outros ladrões.
Um ladrão de dinheiro público é um caso de polícia; um ladrão de instituições é um caso de política
Para lembrar uma imagem empregada certa feita por Diogo Mainardi --que tem sofrido tentativas descaradas e infrutíferas de clonagem na crônica tupinambá--, parte da imprensa está se comportando, no caso da fraude da CPI da Petrobras, como a Fada Sininho do PT, batendo as asinhas para ver se a bomba dos piratas estoura longe do Palácio do Planalto. É uma missão suicida, mas vale sacrificar a honra em nome de mais quatro anos na Terra do Nunca! Há um esforço danado para provar que os petistas, os assessores palacianos e o comando da estatal não fizeram nada demais ao transformar uma CPI numa pantomima ridícula.
Não que se esperasse, dadas as personagens, grande coisa dessa comissão. Mas, vá lá, admita-se que a folgada maioria que detêm os governistas em sua composição é regimental: deriva do desequilíbrio de forças no Senado, que traduz, no entanto, a vontade do eleitor. Nada a fazer a respeito. É legítimo, sim, lastimar certos aspectos da democracia. Só não é permitido solapá-la.
Os que se organizaram numa verdadeira gangue não atentaram apenas contra as prerrogativas da comissão em si. Agrediram também a Constituição, o Poder Legislativo, o Estado de Direito e, por óbvio, o regime democrático. Já está evidente que o comando na operação ficou com o Palácio do Planalto, mais exatamente com a Secretaria de Relações Institucionais, cujo titular é Ricardo Berzoini, de tantos serviços prestados ao escândalo dos aloprados. Eu invoco com o nome dessa pasta desde que ela foi criada, no governo Lula. Quem inventa uma estrovenga chamada "Relações Institucionais" está confessando que opera com "relações não institucionais". Bingo!
Os que me acompanham nesta Folha, no blog que mantenho na Veja.com ou na rádio Jovem Pan sabem que atribuo à roubalheira o peso que a coisa tem: comprovadas as culpas, cana para os larápios! Mas eu me ocupo mais dos ladrões de instituições do que dos ladrões de dinheiro público. Eu não poderia integrar, por exemplo, uma associação de jornalistas investigativos, ainda que eles me quisessem como sócio. Investigo escolhas políticas, não contas correntes ou declarações de Imposto de Renda. Não estou a tratar com menoscabo o trabalho de ninguém, muito pelo contrário: eu o aplaudo. Mas estou mais preparado para denunciar uma ideia fraudulenta do que um crime caracterizado no Código Penal. O mal que os ladrões de instituições fazem ao Brasil é muito superior ao que praticam aqueles outros.
Um ladrão de dinheiro público é um caso de polícia; um ladrão de instituições é um caso de política. Um ladrão de dinheiro público faz um rombo no caixa; um ladrão de instituições faz um rombo numa cultura; um ladrão de dinheiro público morrerá um dia; um ladrão de instituições procria. Um ladrão de dinheiro público inviabiliza um projeto; um ladrão de instituições inviabiliza um país. Apelando agora a Padre Vieira: um ladrão de dinheiro público pode até ser enforcado; um ladrão de instituições manda enforcar.
O jornalismo político no Brasil está, sim, preparado --às vezes, atropelando garantias legais que deveriam ser preservadas-- para denunciar o larápio que avança contra o caixa, mas, infelizmente, anda muito pouco atento às manobras solertes dos ladrões de instituições. Quando um ministro de Estado, como Gilberto Carvalho, faz uma peregrinação ao Congresso em defesa do decreto 8.243 --aquele dos conselhos populares--, ele não está avançando no erário. Não há como chamar a polícia. Ele quer é assaltar os fundamentos da democracia representativa. Carvalho, nessa ação, não tenta roubar o nosso dinheiro; ele tenta é roubar o nosso futuro. Com aquele seu ar sereno de santarrão de sacristia, mas com alma de Savonarola.
Eu nunca considerei que o aspecto mais deletério do mensalão fosse a roubalheira em si --que também aconteceu. Mais grave foi a tentativa de criar um Congresso paralelo. Lambanças como as ocorridas na Petrobras, que a CPI deveria estar investigando, podem ter cura se o Brasil e a estatal tiverem governanças decentes. Mas não há esperança quando condescendemos com ladrões de instituições. Até porque eles é que escrevem os evangelhos seguidos pelos outros ladrões.
Voto útil - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 08/08
Pesquisa a pesquisa, vai sendo reduzida a diferença num cada vez mais provável segundo turno entre a presidente Dilma Rousseff e os dois principais candidatos oposicionistas. Nesta rodada da consulta Ibope Inteligência/TV Globo, a soma de votos nos adversários já empata com a da presidente no primeiro turno, 38% a 38%. Num segundo turno, reduz-se a distância que a separa tanto de Aécio Neves (PSDB), quanto de Eduardo Campos (PSB).
Na disputa com Aécio Neves, a candidata-incumbente venceria hoje por uma diferença de seis pontos percentuais: 42% das intenções de voto, contra 36% do candidato tucano. Essa distância entre os dois era de nove pontos percentuais na pesquisa anterior. Na disputa simulada pelo Ibope entre Dilma e Eduardo Campos, a petista continua na frente, mantendo uma diferença de 12 pontos - 44% a 32%.
Isso quer dizer que o candidato do PSDB, Aécio Neves, agrega 13 pontos percentuais num hipotético segundo turno, enquanto Dilma acresce à sua votação apenas mais quatro pontos. Já o candidato do PSB, Eduardo Campos, cresce nada menos que 23 pontos, enquanto Dilma apenas seis.
À dificuldade que os dois estão tendo, especialmente Campos, de subir no primeiro turno, opõe-se todo potencial de crescimento na eventualidade de um segundo turno, quando o eleitor terá diante de si um duelo de vida ou morte entre a presidente candidata à reeleição e um oposicionista. Nesse caso, entra em ação o voto útil.
O resultado da nova pesquisa Ibope/TV Globo mostra que a campanha petista sobre o aeroporto de Cláudio, em Minas, não afetou a competitividade de Aécio Neves, que cresce lentamente na margem de erro. Já a resiliência da candidatura de Dilma fica mais uma vez demonstrada, reforçada pela sensação generalizada de que, ao final, ela será a vencedora.
Como a avaliação do governo não mudou, e sua rejeição continua alta, o fato de a expectativa de vitória continuar sendo a seu favor pode indicar certo desânimo do eleitorado, que ainda não enxerga nos candidatos de oposição uma alternativa real à sua ânsia de mudança, que não se alterou: 69% querem que o próximo presidente mude tudo ou quase tudo no governo.
Foi perguntado aos eleitores quem acreditam será o presidente eleito em outubro, independentemente de suas intenções de voto, e o resultado continua o mesmo: 55% acreditam que a presidente Dilma será reeleita ao fim. Outra marca que também não sofreu alteração foi a rejeição, com a presidente continuando com o maior índice, citada por 36% dos eleitores brasileiros.
A presidente também não consegue sair do inferno astral da baixa avaliação de seu governo: 35% o consideram regular, enquanto 32% o avaliam como ótimo ou bom, e 31% como ruim ou péssimo. Esse nível de aprovação coloca o governo Dilma na parte inferior de uma escala de valores que permite prever uma reeleição quando o candidato tem acima de 35% de ótimo e bom na avaliação de seu governo. Abaixo disso, como se encontra a presidente há alguns meses, a reeleição fica praticamente inviabilizada.
Como ela terá uma grande exposição na propaganda eleitoral, pode ser que consiga reverter essa impressão do eleitorado. Mas a maneira com que a presidente Dilma está governando o país é desaprovada por cerca de metade (49%) dos eleitores brasileiros, contra 47% que a aprovam. O Ibope Inteligência aponta alterações significativas entre alguns segmentos analisados. A intenção de votar em Aécio cresce três pontos percentuais entre eleitores de 35 a 44 anos, ao passo que as menções a Dilma nesse segmento decrescem dez pontos.
O segmento em que o candidato tucano tem maior percentual de intenções de voto é no ensino superior, em que cresceu de 33% para 35%, contra uma queda de cinco pontos percentuais de Dilma, que foi a 22% no segmento. A presidente Dilma cresceu de 45% para 50% entre eleitores menos escolarizados, e de 34% para 45% entre os do Norte e Centro Oeste.
O Nordeste permanece o maior reduto eleitoral governista, com Dilma sendo escolhida por 51% dos eleitores, contra 11% de Aécio e 12% de Campos. Até o momento, portanto, os adversários de Dilma não conseguiram reduzir a vantagem que ela tem no Norte e no Nordeste, onde tirou 11 milhões de votos à frente na eleição de 2010 recebendo 55% dos votos no Nordeste.
Na disputa com Aécio Neves, a candidata-incumbente venceria hoje por uma diferença de seis pontos percentuais: 42% das intenções de voto, contra 36% do candidato tucano. Essa distância entre os dois era de nove pontos percentuais na pesquisa anterior. Na disputa simulada pelo Ibope entre Dilma e Eduardo Campos, a petista continua na frente, mantendo uma diferença de 12 pontos - 44% a 32%.
Isso quer dizer que o candidato do PSDB, Aécio Neves, agrega 13 pontos percentuais num hipotético segundo turno, enquanto Dilma acresce à sua votação apenas mais quatro pontos. Já o candidato do PSB, Eduardo Campos, cresce nada menos que 23 pontos, enquanto Dilma apenas seis.
À dificuldade que os dois estão tendo, especialmente Campos, de subir no primeiro turno, opõe-se todo potencial de crescimento na eventualidade de um segundo turno, quando o eleitor terá diante de si um duelo de vida ou morte entre a presidente candidata à reeleição e um oposicionista. Nesse caso, entra em ação o voto útil.
O resultado da nova pesquisa Ibope/TV Globo mostra que a campanha petista sobre o aeroporto de Cláudio, em Minas, não afetou a competitividade de Aécio Neves, que cresce lentamente na margem de erro. Já a resiliência da candidatura de Dilma fica mais uma vez demonstrada, reforçada pela sensação generalizada de que, ao final, ela será a vencedora.
Como a avaliação do governo não mudou, e sua rejeição continua alta, o fato de a expectativa de vitória continuar sendo a seu favor pode indicar certo desânimo do eleitorado, que ainda não enxerga nos candidatos de oposição uma alternativa real à sua ânsia de mudança, que não se alterou: 69% querem que o próximo presidente mude tudo ou quase tudo no governo.
Foi perguntado aos eleitores quem acreditam será o presidente eleito em outubro, independentemente de suas intenções de voto, e o resultado continua o mesmo: 55% acreditam que a presidente Dilma será reeleita ao fim. Outra marca que também não sofreu alteração foi a rejeição, com a presidente continuando com o maior índice, citada por 36% dos eleitores brasileiros.
A presidente também não consegue sair do inferno astral da baixa avaliação de seu governo: 35% o consideram regular, enquanto 32% o avaliam como ótimo ou bom, e 31% como ruim ou péssimo. Esse nível de aprovação coloca o governo Dilma na parte inferior de uma escala de valores que permite prever uma reeleição quando o candidato tem acima de 35% de ótimo e bom na avaliação de seu governo. Abaixo disso, como se encontra a presidente há alguns meses, a reeleição fica praticamente inviabilizada.
Como ela terá uma grande exposição na propaganda eleitoral, pode ser que consiga reverter essa impressão do eleitorado. Mas a maneira com que a presidente Dilma está governando o país é desaprovada por cerca de metade (49%) dos eleitores brasileiros, contra 47% que a aprovam. O Ibope Inteligência aponta alterações significativas entre alguns segmentos analisados. A intenção de votar em Aécio cresce três pontos percentuais entre eleitores de 35 a 44 anos, ao passo que as menções a Dilma nesse segmento decrescem dez pontos.
O segmento em que o candidato tucano tem maior percentual de intenções de voto é no ensino superior, em que cresceu de 33% para 35%, contra uma queda de cinco pontos percentuais de Dilma, que foi a 22% no segmento. A presidente Dilma cresceu de 45% para 50% entre eleitores menos escolarizados, e de 34% para 45% entre os do Norte e Centro Oeste.
O Nordeste permanece o maior reduto eleitoral governista, com Dilma sendo escolhida por 51% dos eleitores, contra 11% de Aécio e 12% de Campos. Até o momento, portanto, os adversários de Dilma não conseguiram reduzir a vantagem que ela tem no Norte e no Nordeste, onde tirou 11 milhões de votos à frente na eleição de 2010 recebendo 55% dos votos no Nordeste.
Treino é treino - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 08/08
Estão querendo confundir as coisas a fim de conferir naturalidade ao que de forma alguma é usual. Muito menos legal.
Simular perguntas para preparar pessoas que serão submetidas a questionamentos é algo que se faz em diversas áreas e não só em comissões parlamentares de inquérito.
Candidatos são treinados para debates, advogados preparam seus clientes simulando questões que possivelmente lhes serão feitas, assim como convocados para depor em CPIs ensaiam com os respectivos grupos políticos as respostas mais adequadas aos seus interesses.
Isso não quer dizer que os candidatos se apresentem para um debate sabendo previamente do conteúdo das questões. Não significa que o advogado antes do depoimento tenha tido acesso às perguntas do juiz, do promotor ou do delegado, o que, no caso, seria uma conduta criminosa.
Da mesma forma o costume do treino não pode ser equiparado à entrega prévia do questionário ao depoente de uma CPI.
Ao que indicam os fatos até agora publicados em relação à CPI da Petrobrás no Senado, é desse tipo de escambo doloso que se tratou ali. Um funcionário da companhia recebia as questões no gabinete da liderança do PT e as levava ao conhecimento da empresa que, com isso, adequava as respostas dos depoentes às perguntas que seriam feitas.
Não foi um mero treino. Nem uma "conversa de políticos" como quis fazer crer o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em entrevista à Folha de S.Paulo. Quando instala uma comissão parlamentar de inquérito, o nome já diz, o Congresso está travestido da função investigativa inerente aos inquéritos.
Poder e, sobretudo, dever de apurar formalmente a autoria e a materialidade de um fato criminal ou administrativo no âmbito parlamentar. Não há a ligeireza que o ministro busca imprimir à ação. O presidente da CPI é o chefe da investigação. Tem função de zelar pela lisura do processo, cuja conclusão será enviada ao Ministério Público e à Polícia Federal para as providências cabíveis.
Não se trata de uma conversa de compadres. CPI não é um fórum de debate meramente político. É o Poder Legislativo investido do poder investigativo com todos os deveres e circunstâncias daí decorrentes.
Imaginemos, só para argumentar, que a CPI dos Correios tivesse seguido esse critério da combinação de perguntas e respostas. Não teria havido o processo do mensalão. Prova de que não é sempre assim.
Evidência mesmo de que é preciso ter discernimento para distinguir as coisas e não confundi-las propositadamente em nome da proteção de eventual delito.
Prestar contas. A primeira prestação parcial de contas à Justiça Eleitoral dos candidatos às eleições de 2014 traz uma novidade e uma antiguidade.
A notícia recente: pela primeira vez um candidato da oposição supera em arrecadação a pretendente à reeleição. O tucano Aécio Neves está em primeiro (R$ 11 milhões), a petista Dilma em segundo (R$ 10 milhões) e o candidato do PSB, Eduardo Campos, em terceiro (R$ 8 milhões).
O que já se sabia: o grosso do financiamento vem das pessoas jurídicas, 91%. Falta resolver o que fazer a partir das próximas eleições quando o Supremo Tribunal Federal deverá proibir doações em empresas.
Considerando que a participação de pessoas físicas foi de apenas 3% e que o financiamento público via fundos partidários não ultrapassou 6%, haverá a partir de 2016 uma mudança compulsória nos meios e modos das campanhas.
Para compensar a arrecadação menor, a presidente Dilma foi quem menos gastou até agora: pouco mais de R$ 80 mil. A explicação é que enquanto os adversários precisam investir em publicidade, ela tem espaço garantido nos meios de comunicação pelo cargo que ocupa.
Razão pela qual os oponentes se dizem contrários ao instituto da reeleição. A conferir se, eleitos, manteriam a posição.
Estão querendo confundir as coisas a fim de conferir naturalidade ao que de forma alguma é usual. Muito menos legal.
Simular perguntas para preparar pessoas que serão submetidas a questionamentos é algo que se faz em diversas áreas e não só em comissões parlamentares de inquérito.
Candidatos são treinados para debates, advogados preparam seus clientes simulando questões que possivelmente lhes serão feitas, assim como convocados para depor em CPIs ensaiam com os respectivos grupos políticos as respostas mais adequadas aos seus interesses.
Isso não quer dizer que os candidatos se apresentem para um debate sabendo previamente do conteúdo das questões. Não significa que o advogado antes do depoimento tenha tido acesso às perguntas do juiz, do promotor ou do delegado, o que, no caso, seria uma conduta criminosa.
Da mesma forma o costume do treino não pode ser equiparado à entrega prévia do questionário ao depoente de uma CPI.
Ao que indicam os fatos até agora publicados em relação à CPI da Petrobrás no Senado, é desse tipo de escambo doloso que se tratou ali. Um funcionário da companhia recebia as questões no gabinete da liderança do PT e as levava ao conhecimento da empresa que, com isso, adequava as respostas dos depoentes às perguntas que seriam feitas.
Não foi um mero treino. Nem uma "conversa de políticos" como quis fazer crer o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em entrevista à Folha de S.Paulo. Quando instala uma comissão parlamentar de inquérito, o nome já diz, o Congresso está travestido da função investigativa inerente aos inquéritos.
Poder e, sobretudo, dever de apurar formalmente a autoria e a materialidade de um fato criminal ou administrativo no âmbito parlamentar. Não há a ligeireza que o ministro busca imprimir à ação. O presidente da CPI é o chefe da investigação. Tem função de zelar pela lisura do processo, cuja conclusão será enviada ao Ministério Público e à Polícia Federal para as providências cabíveis.
Não se trata de uma conversa de compadres. CPI não é um fórum de debate meramente político. É o Poder Legislativo investido do poder investigativo com todos os deveres e circunstâncias daí decorrentes.
Imaginemos, só para argumentar, que a CPI dos Correios tivesse seguido esse critério da combinação de perguntas e respostas. Não teria havido o processo do mensalão. Prova de que não é sempre assim.
Evidência mesmo de que é preciso ter discernimento para distinguir as coisas e não confundi-las propositadamente em nome da proteção de eventual delito.
Prestar contas. A primeira prestação parcial de contas à Justiça Eleitoral dos candidatos às eleições de 2014 traz uma novidade e uma antiguidade.
A notícia recente: pela primeira vez um candidato da oposição supera em arrecadação a pretendente à reeleição. O tucano Aécio Neves está em primeiro (R$ 11 milhões), a petista Dilma em segundo (R$ 10 milhões) e o candidato do PSB, Eduardo Campos, em terceiro (R$ 8 milhões).
O que já se sabia: o grosso do financiamento vem das pessoas jurídicas, 91%. Falta resolver o que fazer a partir das próximas eleições quando o Supremo Tribunal Federal deverá proibir doações em empresas.
Considerando que a participação de pessoas físicas foi de apenas 3% e que o financiamento público via fundos partidários não ultrapassou 6%, haverá a partir de 2016 uma mudança compulsória nos meios e modos das campanhas.
Para compensar a arrecadação menor, a presidente Dilma foi quem menos gastou até agora: pouco mais de R$ 80 mil. A explicação é que enquanto os adversários precisam investir em publicidade, ela tem espaço garantido nos meios de comunicação pelo cargo que ocupa.
Razão pela qual os oponentes se dizem contrários ao instituto da reeleição. A conferir se, eleitos, manteriam a posição.
Comédia e tragédia - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 08/08
BRASÍLIA - O ministro Paulo Bernardo tem razão ao dizer que governos combinam depoimentos com aliados em CPIs "desde Pedro Álvares Cabral", mas não leva em conta o "x da questão" no envolvimento do Planalto e das lideranças do PT e do governo na CPI da Petrobras.
Foi Dilma quem acusou o parecer de Néstor Cerveró de falho e incompleto e a compra de Pasadena de ser um erro; e é Dilma quem agora mexe mundos e fundos para defender o parecer, Cerveró e a operação.
Se o parecer induziu a presidência da Petrobras, a diretoria, o conselho de administração e a própria Dilma a comprar a refinaria por valores bem superiores ao que valia e com cláusulas danosas... Dilma teve razão ao apontar o erro e deveria agora querer investigar Cerveró. Houve erro? Foi técnico ou por má-fé?
E, se a operação foi supimpa e o Planalto e lideranças do PT e do governo dão uma mãozinha a Cerveró e para que ele se saia bem, Dilma não teve razão ao apontar o erro e deveria pedir desculpas publicamente a Cerveró, à Petrobras e à sociedade pela nota escrita e assinada por ela sobre a compra de Pasadena.
Ou Dilma errou antes, quando acusou, ou erra agora, quando defende. Sem contar que as histórias mal contadas da Petrobras vão muito além de Pasadena. E Abreu e Lima? E o ex-diretor Paulo Roberto Costa, que foi preso e depositou na Suíça uma fortuna de ditador africano?
Quanto ao TCU, há um impasse geral. Os ministros dizem que não incluíram Graça Foster no bloqueio de bens por erro técnico, pois a atual presidente era diretora na fase final do acerto de Pasadena.
O governo alega que joga seu peso para manter Foster fora dessa para evitar prejuízos à Petrobras (não por ela ser amigona de Dilma).
E a oposição acha que a gestão petista na Petrobras é um manancial para a campanha, mas está tonta diante da inclusão de Foster. Na opinião pública, ela é vista como mulher séria que tenta consertar a casa.
BRASÍLIA - O ministro Paulo Bernardo tem razão ao dizer que governos combinam depoimentos com aliados em CPIs "desde Pedro Álvares Cabral", mas não leva em conta o "x da questão" no envolvimento do Planalto e das lideranças do PT e do governo na CPI da Petrobras.
Foi Dilma quem acusou o parecer de Néstor Cerveró de falho e incompleto e a compra de Pasadena de ser um erro; e é Dilma quem agora mexe mundos e fundos para defender o parecer, Cerveró e a operação.
Se o parecer induziu a presidência da Petrobras, a diretoria, o conselho de administração e a própria Dilma a comprar a refinaria por valores bem superiores ao que valia e com cláusulas danosas... Dilma teve razão ao apontar o erro e deveria agora querer investigar Cerveró. Houve erro? Foi técnico ou por má-fé?
E, se a operação foi supimpa e o Planalto e lideranças do PT e do governo dão uma mãozinha a Cerveró e para que ele se saia bem, Dilma não teve razão ao apontar o erro e deveria pedir desculpas publicamente a Cerveró, à Petrobras e à sociedade pela nota escrita e assinada por ela sobre a compra de Pasadena.
Ou Dilma errou antes, quando acusou, ou erra agora, quando defende. Sem contar que as histórias mal contadas da Petrobras vão muito além de Pasadena. E Abreu e Lima? E o ex-diretor Paulo Roberto Costa, que foi preso e depositou na Suíça uma fortuna de ditador africano?
Quanto ao TCU, há um impasse geral. Os ministros dizem que não incluíram Graça Foster no bloqueio de bens por erro técnico, pois a atual presidente era diretora na fase final do acerto de Pasadena.
O governo alega que joga seu peso para manter Foster fora dessa para evitar prejuízos à Petrobras (não por ela ser amigona de Dilma).
E a oposição acha que a gestão petista na Petrobras é um manancial para a campanha, mas está tonta diante da inclusão de Foster. Na opinião pública, ela é vista como mulher séria que tenta consertar a casa.
CPI em cima de CPI - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 08/08
Pessimistas acreditam que democracias são formas de governo admiráveis nas intenções, mas fraquinhas na execução
Comissões parlamentares de inquérito fazem parte da coleção de instrumentos e recursos à disposição das Casas do Legislativo para que melhor possam produzir legislação que, em tese e em princípio, mantenham saudável e longevo o sistema democrático de que tanto nos orgulhamos. Bem, talvez seja mais adequado dizer de que tanto desejamos nos orgulhar. Pode ser um tanto mais realista.
Obviamente, todos os recursos à disposição dos guardiões do mencionado sistema precisam e merecem ser aperfeiçoados de vez em quando. Pessimistas acreditam que democracias são formas de governo admiráveis nas intenções, mas fraquinhas na execução. Já cidadãos com um pouco mais de confiança nas instituições e nos princípios que nós mesmos criamos discordam dessa visão escura. Provavelmente, todos têm um pedaço de razão. Escolha o seu, prezado leitor.
Enfim, temos no momento um exemplo inédito no Congresso. Existe no Senado uma CPI dedicada a investigar a Petrobras. E, pela primeira vez na história do Congresso, os senadores se preparam para investigar as investigações dessa comissão. Há a denúncia (baseada num vídeo divulgado pela revista “Veja”) de que dirigentes da estatal combinaram com assessores da liderança do PT o que diriam e, talvez principalmente, o que não diriam em seus depoimentos na CPI.
A coisa pode ficar bem feia: o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, criou uma comissão para investigar as acusações das ditas combinações. E o presidente da CPI, Vital do Rêgo (do PMDB da Paraíba), foi mais longe: pediu à Polícia Federal que investigasse a denúncia. Mas garantiu que nada prejudicará o trabalho da comissão. Pode ser mais uma esperança do que uma certeza.
Não há precedente disso na história do Senado. Nem do Congresso, onde até hoje nunca se viu uma CPI investigando outra CPI. E a PF foi cautelosa: anunciou que, antes de se meter nessa história recheada de armadilhas, vai analisar os possíveis crimes cometidos. Principalmente, deverá — caso não consiga tirar o corpo fora — tentar ganhar o tempo que puder. Dá para compreender.
Pessimistas acreditam que democracias são formas de governo admiráveis nas intenções, mas fraquinhas na execução
Comissões parlamentares de inquérito fazem parte da coleção de instrumentos e recursos à disposição das Casas do Legislativo para que melhor possam produzir legislação que, em tese e em princípio, mantenham saudável e longevo o sistema democrático de que tanto nos orgulhamos. Bem, talvez seja mais adequado dizer de que tanto desejamos nos orgulhar. Pode ser um tanto mais realista.
Obviamente, todos os recursos à disposição dos guardiões do mencionado sistema precisam e merecem ser aperfeiçoados de vez em quando. Pessimistas acreditam que democracias são formas de governo admiráveis nas intenções, mas fraquinhas na execução. Já cidadãos com um pouco mais de confiança nas instituições e nos princípios que nós mesmos criamos discordam dessa visão escura. Provavelmente, todos têm um pedaço de razão. Escolha o seu, prezado leitor.
Enfim, temos no momento um exemplo inédito no Congresso. Existe no Senado uma CPI dedicada a investigar a Petrobras. E, pela primeira vez na história do Congresso, os senadores se preparam para investigar as investigações dessa comissão. Há a denúncia (baseada num vídeo divulgado pela revista “Veja”) de que dirigentes da estatal combinaram com assessores da liderança do PT o que diriam e, talvez principalmente, o que não diriam em seus depoimentos na CPI.
A coisa pode ficar bem feia: o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, criou uma comissão para investigar as acusações das ditas combinações. E o presidente da CPI, Vital do Rêgo (do PMDB da Paraíba), foi mais longe: pediu à Polícia Federal que investigasse a denúncia. Mas garantiu que nada prejudicará o trabalho da comissão. Pode ser mais uma esperança do que uma certeza.
Não há precedente disso na história do Senado. Nem do Congresso, onde até hoje nunca se viu uma CPI investigando outra CPI. E a PF foi cautelosa: anunciou que, antes de se meter nessa história recheada de armadilhas, vai analisar os possíveis crimes cometidos. Principalmente, deverá — caso não consiga tirar o corpo fora — tentar ganhar o tempo que puder. Dá para compreender.
Novos municípios - EDUARDO GIANNETTI
FOLHA DE SP - 08/08
Tudo se desmente neste mundo. Estão de parabéns os nossos senadores. Quando menos se esperava, e como que para confundir os céticos, eis que uma ótima notícia vem render o desencanto e reavivar a esperança. No apagar das luzes da legislatura, nossos representantes interromperam suas campanhas, foram a plenário e aprovaram as regras que autorizam a criação de novos municípios no Brasil.
Registre-se, de início, o largo placar (52 a 4) e o sentido de urgência. Situação e oposição votaram em uníssono, sem se prender a ideologias ou regionalismos. "Vitória que deve ser muito comemorada", disse um deputado paraense. "A matéria estava certa de ser votada só em novembro e nunca imaginávamos que conseguiríamos votá-la já nesse esforço concentrado de agosto."
Venceu o empenho. Frustrados na primeira tentativa, abatida por veto presidencial, os senadores não esmoreceram. Assimilaram o golpe e voltaram à carga, desta vez com o beneplácito aberto do executivo federal. O que mudou?
Em vez dos 363 novos municípios da proposta original (segundo o Ipea), serão cerca de 200, conforme estimativa do relator do projeto. Pelos critérios aprovados, os municípios serão criados preferencialmente nas regiões com menor densidade demográfica. O número mínimo de moradores varia de 20 mil, no Sul e Sudeste, a 6.000 no Norte e Centro-Oeste. A exigência de território mínimo foi retirada, e a de número de imóveis, atenuada.
O principal, contudo, é o impacto econômico e social da medida. O município desmembrado faz brotar, como por mágica, recursos e empregos que de outro modo jamais chegariam até ele. Dado que 90% dos municípios têm menos de 50 mil habitantes e pouco (ou nada) arrecadam, mais de 85% das suas despesas são bancadas por mesada intragovernamental. Se não chega a ser o milagre da multiplicação dos pães, é parente próximo.
Mas o melhor exemplo vem das nossas 5.570 Câmaras Municipais, sem dúvida as de maior transparência, menor corruptibilidade e que melhor prestam contas aos eleitores entre todos os poderes da federação. A um custo (declarado) de R$ 15 bilhões anuais, 58 mil vereadores têm contribuído valorosamente à melhoria de serviços de saúde, educação, segurança e coleta de lixo. Como custo-benefício para o contribuinte seria difícil exigir mais.
Quem viaja pelo Brasil sabe que a criação de 1079 municípios desde a Carta de 1988 --cada um dotado de prefeitura, secretarias, assessores e Câmara de Vereadores, além, é claro, dos aposentados de hoje e do porvir-- foi obra civilizatória de raro descortino. Voltamos à trilha. O zelo dos senadores e a excelência da iniciativa honram o decreto imperial que concedeu aos membros da nossa Câmara Alta o tratamento de Excelência.
Tudo se desmente neste mundo. Estão de parabéns os nossos senadores. Quando menos se esperava, e como que para confundir os céticos, eis que uma ótima notícia vem render o desencanto e reavivar a esperança. No apagar das luzes da legislatura, nossos representantes interromperam suas campanhas, foram a plenário e aprovaram as regras que autorizam a criação de novos municípios no Brasil.
Registre-se, de início, o largo placar (52 a 4) e o sentido de urgência. Situação e oposição votaram em uníssono, sem se prender a ideologias ou regionalismos. "Vitória que deve ser muito comemorada", disse um deputado paraense. "A matéria estava certa de ser votada só em novembro e nunca imaginávamos que conseguiríamos votá-la já nesse esforço concentrado de agosto."
Venceu o empenho. Frustrados na primeira tentativa, abatida por veto presidencial, os senadores não esmoreceram. Assimilaram o golpe e voltaram à carga, desta vez com o beneplácito aberto do executivo federal. O que mudou?
Em vez dos 363 novos municípios da proposta original (segundo o Ipea), serão cerca de 200, conforme estimativa do relator do projeto. Pelos critérios aprovados, os municípios serão criados preferencialmente nas regiões com menor densidade demográfica. O número mínimo de moradores varia de 20 mil, no Sul e Sudeste, a 6.000 no Norte e Centro-Oeste. A exigência de território mínimo foi retirada, e a de número de imóveis, atenuada.
O principal, contudo, é o impacto econômico e social da medida. O município desmembrado faz brotar, como por mágica, recursos e empregos que de outro modo jamais chegariam até ele. Dado que 90% dos municípios têm menos de 50 mil habitantes e pouco (ou nada) arrecadam, mais de 85% das suas despesas são bancadas por mesada intragovernamental. Se não chega a ser o milagre da multiplicação dos pães, é parente próximo.
Mas o melhor exemplo vem das nossas 5.570 Câmaras Municipais, sem dúvida as de maior transparência, menor corruptibilidade e que melhor prestam contas aos eleitores entre todos os poderes da federação. A um custo (declarado) de R$ 15 bilhões anuais, 58 mil vereadores têm contribuído valorosamente à melhoria de serviços de saúde, educação, segurança e coleta de lixo. Como custo-benefício para o contribuinte seria difícil exigir mais.
Quem viaja pelo Brasil sabe que a criação de 1079 municípios desde a Carta de 1988 --cada um dotado de prefeitura, secretarias, assessores e Câmara de Vereadores, além, é claro, dos aposentados de hoje e do porvir-- foi obra civilizatória de raro descortino. Voltamos à trilha. O zelo dos senadores e a excelência da iniciativa honram o decreto imperial que concedeu aos membros da nossa Câmara Alta o tratamento de Excelência.
Anatomia do descontentamento - MARCUS ANDRÉ MELO
VALOR ECONÔMICO - 08/08
Coalizões oportunistas geram cinismo cívico
Quando se aventurou em uma de suas últimas obras sobre relações entre o que chamou Kultur (civilização, na tradução brasileira) e o indivíduo, Freud enveredou em uma trilha repleta de armadilhas. Em O Mal Estar na Civilização, identificou uma tensão entre pulsões individuais (libidinais) e os constrangimentos impostos pelo contexto social. Essa tensão é para Freud a fonte permanente de frustração e descontentamento. Fazer a ponte entre o nível individual da análise e o nível macro é tarefa complexa. A imaginação política brasileira tem se debruçado sobre algo similar: as razões do mal estar na democracia brasileira. Aqui também há várias armadilhas para o analista porque são diversas as causas do descontentamento. Algumas decorrem da conjuntura - o pífio desempenho da economia, por exemplo. Outras tem natureza claramente institucional.
O suspeito usual pelo mal estar da democracia brasileira é o presidencialismo de coalizão. Segundo os críticos, embora garanta governabilidade esse modelo está ancorado em um jogo corrupto envolvendo a formação de alianças que garantem a aprovação da aliança presidencial. Esse diagnóstico confunde o modelo de governos de coalizão com traços singulares de sua evolução no país. O primeiro aspecto a destacar como fonte do mal estar é o tamanho das coalizões.
Durante o Governo Collor o número de partidos na coalizão de governo passa de dois para quatro, elevando-se para quatro no primeiro governo Itamar Franco. Nos dois mandatos de FHC, formaram-se três coalizões de governo com quatro, cinco e três partidos (redução decorrente da saída do PFL do governo em 2001), respectivamente. Nos dois governos Lula, o tamanho da coalizão se eleva significativamente, oscilando entre oito, seis e oito. Finalmente, sob Dilma, a coalizão atinge uma dimensão inédita no plano internacional: dez partidos.
O número efetivo de partidos políticos no país (NEPP) - uma medida que calcula a dispersão do voto entre os partidos e não apenas o seu número - se elevou de 7.14, em 1998, para 10.36, em 2010. A interpretação do STF, em julgamento sobre o recém criado PDS, em 2001, e que permitiu a migração de um partido existente para um partido antigo levou à criação de mais duas legendas PROS (2013) e Solidariedade (2013). Dessa forma, a fragmentação partidária, mensurada pelo NEPP (que atingiu o seu valor mais elevado na base de dados de abrangência mundial do IDEA/Gallaher -Trinity College), se intensifica.
O tamanho da coalizão de governo atualmente no país é um dos mais elevados do mundo, e possivelmente da história, só superado por países cujas regras permitem partidos provinciais (Índia, Argentina). A coalizão que governou a Índia de 1998 a 2004, a National Democratic Alliance - a mais ampla registrada na literatura -, consistia de 24 partidos, dos quais 20 eram partidos estaduais (e 17 existiam apenas em um estado). Mas no Brasil, dez partidos nacionais integram o governo. E têm caráter nacional, já que desde a Constituição de 1946 há um princípio constitucional que proíbe o registro de agremiações estaduais.
O sistema de representação proporcional adotado no país há sete décadas leva necessariamente à fragmentação partidária. Daí decorrem muitas consequências positivas como ganhos de representatividade e maior capacidade efetiva de controle do poder executivo e menor potencial de abuso de poder presidencial. No entanto, os ganhos marginais decorrente da formação de coalizões é decrescente a partir de um certo limiar e, no limite, tornam-se negativos. Isto ocorre por duas razões. Em primeiro lugar, pelo aumento dos custos de transação que podem minar os ganhos de troca no sistema político.
Em segundo, pelo aumento da heterogeneidade ideológica da coalizão de governo. A estimativa da heterogeneidade ideológica é tarefa tecnicamente complexa. Felizmente, cientistas políticos brasileiros utilizando técnicas sofisticadas (W-Nominate) já mediram a distância ideológica entre partidos. Essa medida permite que observemos a evolução da heterogeneidade média (HM) das coalizões de governo desde 1990. No Governo Collor, o escore da HM oscila entre 0,03 e 0,39. Durante os governos FHC o HM ascende para 0.77 no primeiro mandato, declinando para 0,3 em 2002. No primeiro governo Lula, ela ascende a 1.32, em 2002, quase duplicando esse escore para 2,42 no final do primeiro governo Lula. Finalmente, ela atinge 4,94 no final do governo Lula. Embora o escore não esteja disponível para o governo Dilma, a heterogeneidade ideológica média continua sua vertiginosa ascensão desde 1994. Como no peronismo, as coalizões atravessam o continuum ideológico: da extrema direita à extrema esquerda.
A crescente heterogeneidade ideológica das coalizões de governo tem várias causas mas ela é também fundamentalmente uma variável de escolha dos governantes, em particular do presidente que é o formateur da coalizão.
A heterogeneidade das coalizões é causa fundamental do descontentamento porque exacerba o cinismo cívico dos cidadãos. Ela fortalece a convicção que a política é jogo sujo marcado por interesses corruptos. Esse sentimento viceja quando o governo não tem agenda clara e o estilo de governo se abastarda no atendimento a demandas setoriais. Assim, se a fonte da insatisfação são setores empresariais a resposta é redução de tarifas aqui, desoneração de impostos acolá. Se não há agenda programática clara e o pragmatismo político não encontra limites, a inteligibilidade da política fenece. A representação política inverte sua lógica e converte-se em responsividade oportunista.
O cidadão têm demandas - os freudianos diriam que tem pulsões libidinais - e a estrutura institucional importa. Ela é um dos fatores que produzem descontentamento. No entanto, mais importante que os constrangimentos institucionais são as escolhas que governantes distintos podem fazer no mesmo marco institucional.
O suspeito usual pelo mal estar da democracia brasileira é o presidencialismo de coalizão. Segundo os críticos, embora garanta governabilidade esse modelo está ancorado em um jogo corrupto envolvendo a formação de alianças que garantem a aprovação da aliança presidencial. Esse diagnóstico confunde o modelo de governos de coalizão com traços singulares de sua evolução no país. O primeiro aspecto a destacar como fonte do mal estar é o tamanho das coalizões.
Durante o Governo Collor o número de partidos na coalizão de governo passa de dois para quatro, elevando-se para quatro no primeiro governo Itamar Franco. Nos dois mandatos de FHC, formaram-se três coalizões de governo com quatro, cinco e três partidos (redução decorrente da saída do PFL do governo em 2001), respectivamente. Nos dois governos Lula, o tamanho da coalizão se eleva significativamente, oscilando entre oito, seis e oito. Finalmente, sob Dilma, a coalizão atinge uma dimensão inédita no plano internacional: dez partidos.
O número efetivo de partidos políticos no país (NEPP) - uma medida que calcula a dispersão do voto entre os partidos e não apenas o seu número - se elevou de 7.14, em 1998, para 10.36, em 2010. A interpretação do STF, em julgamento sobre o recém criado PDS, em 2001, e que permitiu a migração de um partido existente para um partido antigo levou à criação de mais duas legendas PROS (2013) e Solidariedade (2013). Dessa forma, a fragmentação partidária, mensurada pelo NEPP (que atingiu o seu valor mais elevado na base de dados de abrangência mundial do IDEA/Gallaher -Trinity College), se intensifica.
O tamanho da coalizão de governo atualmente no país é um dos mais elevados do mundo, e possivelmente da história, só superado por países cujas regras permitem partidos provinciais (Índia, Argentina). A coalizão que governou a Índia de 1998 a 2004, a National Democratic Alliance - a mais ampla registrada na literatura -, consistia de 24 partidos, dos quais 20 eram partidos estaduais (e 17 existiam apenas em um estado). Mas no Brasil, dez partidos nacionais integram o governo. E têm caráter nacional, já que desde a Constituição de 1946 há um princípio constitucional que proíbe o registro de agremiações estaduais.
O sistema de representação proporcional adotado no país há sete décadas leva necessariamente à fragmentação partidária. Daí decorrem muitas consequências positivas como ganhos de representatividade e maior capacidade efetiva de controle do poder executivo e menor potencial de abuso de poder presidencial. No entanto, os ganhos marginais decorrente da formação de coalizões é decrescente a partir de um certo limiar e, no limite, tornam-se negativos. Isto ocorre por duas razões. Em primeiro lugar, pelo aumento dos custos de transação que podem minar os ganhos de troca no sistema político.
Em segundo, pelo aumento da heterogeneidade ideológica da coalizão de governo. A estimativa da heterogeneidade ideológica é tarefa tecnicamente complexa. Felizmente, cientistas políticos brasileiros utilizando técnicas sofisticadas (W-Nominate) já mediram a distância ideológica entre partidos. Essa medida permite que observemos a evolução da heterogeneidade média (HM) das coalizões de governo desde 1990. No Governo Collor, o escore da HM oscila entre 0,03 e 0,39. Durante os governos FHC o HM ascende para 0.77 no primeiro mandato, declinando para 0,3 em 2002. No primeiro governo Lula, ela ascende a 1.32, em 2002, quase duplicando esse escore para 2,42 no final do primeiro governo Lula. Finalmente, ela atinge 4,94 no final do governo Lula. Embora o escore não esteja disponível para o governo Dilma, a heterogeneidade ideológica média continua sua vertiginosa ascensão desde 1994. Como no peronismo, as coalizões atravessam o continuum ideológico: da extrema direita à extrema esquerda.
A crescente heterogeneidade ideológica das coalizões de governo tem várias causas mas ela é também fundamentalmente uma variável de escolha dos governantes, em particular do presidente que é o formateur da coalizão.
A heterogeneidade das coalizões é causa fundamental do descontentamento porque exacerba o cinismo cívico dos cidadãos. Ela fortalece a convicção que a política é jogo sujo marcado por interesses corruptos. Esse sentimento viceja quando o governo não tem agenda clara e o estilo de governo se abastarda no atendimento a demandas setoriais. Assim, se a fonte da insatisfação são setores empresariais a resposta é redução de tarifas aqui, desoneração de impostos acolá. Se não há agenda programática clara e o pragmatismo político não encontra limites, a inteligibilidade da política fenece. A representação política inverte sua lógica e converte-se em responsividade oportunista.
O cidadão têm demandas - os freudianos diriam que tem pulsões libidinais - e a estrutura institucional importa. Ela é um dos fatores que produzem descontentamento. No entanto, mais importante que os constrangimentos institucionais são as escolhas que governantes distintos podem fazer no mesmo marco institucional.
Paranoia dogmática - JOSÉ RENATO NALINI
O ESTADÃO - 08/08
O universo jurídico é pródigo em labirínticas elucubrações. Mesmo assoberbada com o excesso de demandas, já que no Brasil tudo se judicializou, a Justiça tem enorme dificuldade em adotar a singeleza como parâmetro e a concisão como princípio. Ao contrário, prodigaliza interpretações que tornam praticamente impossível a realização do justo concreto, eis que insuperáveis as barreiras postas a uma compreensão sensata dos problemas.
Convive-se com uma realidade em que o discurso é mais importante do que o fenômeno; a observância dos cânones, mais relevante do que solucionar o problema. A fidelidade às velhas trilhas, quantas já superadas, é mais confortável à ousadia do enfrentamento do novo.
Alguns exemplos podem ser mais eloquentes. Alguém consegue demonstrar qual a porcentagem de respostas meramente processuais para as ações em curso, ou seja, aquelas decisões técnicas que deixam intocado - mas quase sempre agravado - o conflito real que deu origem à causa? Já se fez uma estatística do tempo e dos recursos financeiros despendidos em discussões envolvendo competência? A competência é uma regra processual destinada a propiciar uma distribuição equânime das ações. Como norma de procedimento, não se pode transformar em regra de hierarquia superior à do direito substancial. Todavia é grande o número de causas em que a questão prévia sobre a competência demanda largo tempo, em desprestígio do sistema de Justiça e para desespero da parte que espera se decida sobre quem vai decidir.
O que justifica a pulverização de ações judiciais sobre a mesma questão, a merecer solução díspar e muita vez antagônica, no mesmo tribunal? Quando se constata a profusão de lides de idêntico objeto, o sensato seria concentrar o julgamento para o mesmo órgão, e não permitir que outros se encarreguem de solucionar aquilo que já mereceu uma resposta. As lides repetitivas até mereceram tratamento legislativo consentâneo. Não existe, contudo, coragem para a reunião de todos os processos em curso, que ficaram sujeitos a uma única decisão. O óbice de pronto oferecido é o princípio do "juiz natural". É compreensível que exista o cuidado para que a distribuição não sirva a propósitos ilícitos ou desonestos. Para a parte, porém, o que interessa é que um juiz em atividade solucione, com rapidez e fundamentadamente, a causa que foi obrigada a mover perante o Estado-juiz.
Como explicar à sociedade, que remunera o equipamento judicial, que o mesmo direito lesado receba múltiplas respostas, a depender de um conjunto imenso de circunstâncias? É racional que um detentor de direito veja reconhecida a sua parcela e outro, em igualdade de condições, mereça indeferimento?
Pois é o que acontece com frequência em todas as instâncias. Tudo em nome de argumentos ponderáveis, mas que não subsistem a um teste de racionalidade e de eficiência. Não é eficiente uma Justiça que aceite reiterar julgamentos idênticos após a consolidação de um entendimento razoável sobre a matéria. Mecanismos que detectassem a produção de uma orientação jurisprudencial majoritária deveriam ser acionados para que a possibilidade de discussão sobre o mesmo tema cedesse perante a tese consolidada. Aliás, para isso se concebeu a criação de uma verdadeira Corte de Cassação, que viesse a interromper a multiplicação de leituras e uniformizasse a jurisprudência. Aspiração que ainda não surtiu efeitos na República Federativa do Brasil.
No âmbito da atividade-meio, o efeito perverso de enunciados teóricos não é menos nefasto. A contemporaneidade reclama servidores polivalentes, aptos a um desempenho repleto de desafios. A revolução eletrônica exige habilidades inusitadas, criatividade e pioneirismo. Alguns abnegados, por iniciativa própria, investem no contínuo aprimoramento e adquirem aptidões adequadas às urgências da Justiça. Mas não podem ser aproveitados senão em estruturas anacrônicas e preencher cargos de superada denominação, tudo em nome do chamado "desvio de função".
Assim como o Direito Processual está em déficit para com a eficiência que se exige da Justiça, deixando de oferecer respostas que obviem o mau uso de princípios salutares e também de distinguir entre processo e procedimento, o Direito Administrativo precisa ajustar-se ao contemporâneo. Não faz sentido o prolongamento de estéreis discussões sobre competência, quando se cuida de um único órgão judicial. Nem se admite que o mesmo texto legal venha a gerar tantas possibilidades de respostas jurisdicionais, entre si conflitantes. Menos ainda permitir que o funcionalismo desenvolva as suas potencialidades e se encarregue de atribuições novas, impostas pelo contínuo progresso das tecnologias da informação e da comunicação, mas reste encarcerado na blindagem do "desvio de função".
Um choque de racionalidade no universo jurídico se faz imprescindível. O Direito existe para solucionar problemas, não para institucionalizá-los. O direito posto em juízo não se pode transformar numa caótica barafunda de opiniões, todas fundamentadas, mas que tenham como resultado não a pacificação, e sim a perplexidade. E a sociedade brasileira assiste, atônita, ao campeonato de incontáveis interpretações, todas aceitáveis, mas que acentuam o relativismo da certeza jurídica.
Os dogmas são essenciais, porém levados ao paroxismo podem produzir efeito perverso e até paranoia. O Brasil, em inúmeros exemplos extraíveis da disfunção constatada no universo da Justiça, vive uma verdadeira paranoia dogmática ou um paranoico estágio em que as teorias colidem com a realidade e esta se rebela, com inteira razão.
Alguém se arriscaria a prever melhores dias, com a atual estrutura do sistema e a vontade de mudança que deveria motivar o Parlamento?
O universo jurídico é pródigo em labirínticas elucubrações. Mesmo assoberbada com o excesso de demandas, já que no Brasil tudo se judicializou, a Justiça tem enorme dificuldade em adotar a singeleza como parâmetro e a concisão como princípio. Ao contrário, prodigaliza interpretações que tornam praticamente impossível a realização do justo concreto, eis que insuperáveis as barreiras postas a uma compreensão sensata dos problemas.
Convive-se com uma realidade em que o discurso é mais importante do que o fenômeno; a observância dos cânones, mais relevante do que solucionar o problema. A fidelidade às velhas trilhas, quantas já superadas, é mais confortável à ousadia do enfrentamento do novo.
Alguns exemplos podem ser mais eloquentes. Alguém consegue demonstrar qual a porcentagem de respostas meramente processuais para as ações em curso, ou seja, aquelas decisões técnicas que deixam intocado - mas quase sempre agravado - o conflito real que deu origem à causa? Já se fez uma estatística do tempo e dos recursos financeiros despendidos em discussões envolvendo competência? A competência é uma regra processual destinada a propiciar uma distribuição equânime das ações. Como norma de procedimento, não se pode transformar em regra de hierarquia superior à do direito substancial. Todavia é grande o número de causas em que a questão prévia sobre a competência demanda largo tempo, em desprestígio do sistema de Justiça e para desespero da parte que espera se decida sobre quem vai decidir.
O que justifica a pulverização de ações judiciais sobre a mesma questão, a merecer solução díspar e muita vez antagônica, no mesmo tribunal? Quando se constata a profusão de lides de idêntico objeto, o sensato seria concentrar o julgamento para o mesmo órgão, e não permitir que outros se encarreguem de solucionar aquilo que já mereceu uma resposta. As lides repetitivas até mereceram tratamento legislativo consentâneo. Não existe, contudo, coragem para a reunião de todos os processos em curso, que ficaram sujeitos a uma única decisão. O óbice de pronto oferecido é o princípio do "juiz natural". É compreensível que exista o cuidado para que a distribuição não sirva a propósitos ilícitos ou desonestos. Para a parte, porém, o que interessa é que um juiz em atividade solucione, com rapidez e fundamentadamente, a causa que foi obrigada a mover perante o Estado-juiz.
Como explicar à sociedade, que remunera o equipamento judicial, que o mesmo direito lesado receba múltiplas respostas, a depender de um conjunto imenso de circunstâncias? É racional que um detentor de direito veja reconhecida a sua parcela e outro, em igualdade de condições, mereça indeferimento?
Pois é o que acontece com frequência em todas as instâncias. Tudo em nome de argumentos ponderáveis, mas que não subsistem a um teste de racionalidade e de eficiência. Não é eficiente uma Justiça que aceite reiterar julgamentos idênticos após a consolidação de um entendimento razoável sobre a matéria. Mecanismos que detectassem a produção de uma orientação jurisprudencial majoritária deveriam ser acionados para que a possibilidade de discussão sobre o mesmo tema cedesse perante a tese consolidada. Aliás, para isso se concebeu a criação de uma verdadeira Corte de Cassação, que viesse a interromper a multiplicação de leituras e uniformizasse a jurisprudência. Aspiração que ainda não surtiu efeitos na República Federativa do Brasil.
No âmbito da atividade-meio, o efeito perverso de enunciados teóricos não é menos nefasto. A contemporaneidade reclama servidores polivalentes, aptos a um desempenho repleto de desafios. A revolução eletrônica exige habilidades inusitadas, criatividade e pioneirismo. Alguns abnegados, por iniciativa própria, investem no contínuo aprimoramento e adquirem aptidões adequadas às urgências da Justiça. Mas não podem ser aproveitados senão em estruturas anacrônicas e preencher cargos de superada denominação, tudo em nome do chamado "desvio de função".
Assim como o Direito Processual está em déficit para com a eficiência que se exige da Justiça, deixando de oferecer respostas que obviem o mau uso de princípios salutares e também de distinguir entre processo e procedimento, o Direito Administrativo precisa ajustar-se ao contemporâneo. Não faz sentido o prolongamento de estéreis discussões sobre competência, quando se cuida de um único órgão judicial. Nem se admite que o mesmo texto legal venha a gerar tantas possibilidades de respostas jurisdicionais, entre si conflitantes. Menos ainda permitir que o funcionalismo desenvolva as suas potencialidades e se encarregue de atribuições novas, impostas pelo contínuo progresso das tecnologias da informação e da comunicação, mas reste encarcerado na blindagem do "desvio de função".
Um choque de racionalidade no universo jurídico se faz imprescindível. O Direito existe para solucionar problemas, não para institucionalizá-los. O direito posto em juízo não se pode transformar numa caótica barafunda de opiniões, todas fundamentadas, mas que tenham como resultado não a pacificação, e sim a perplexidade. E a sociedade brasileira assiste, atônita, ao campeonato de incontáveis interpretações, todas aceitáveis, mas que acentuam o relativismo da certeza jurídica.
Os dogmas são essenciais, porém levados ao paroxismo podem produzir efeito perverso e até paranoia. O Brasil, em inúmeros exemplos extraíveis da disfunção constatada no universo da Justiça, vive uma verdadeira paranoia dogmática ou um paranoico estágio em que as teorias colidem com a realidade e esta se rebela, com inteira razão.
Alguém se arriscaria a prever melhores dias, com a atual estrutura do sistema e a vontade de mudança que deveria motivar o Parlamento?
Sequestro de voto - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 08/08
SÃO PAULO - Como bem lembrou meu amigo Fernando Rodrigues alguns dias atrás, votar nulo no Brasil significa, na prática, favorecer o candidato que está mais próximo de liquidar a fatura no primeiro turno.
É que, contrariando o beabá da contabilidade democrática, o nulo no Brasil é considerado um voto inválido, sendo, portanto, subtraído do montante mínimo de 50% mais um dos sufrágios que o candidato majoritário precisa alcançar para vencer em primeiro escrutínio.
O resultado dessa maneira de contar os votos é duplamente perverso: o cidadão que opta pelo nulo para manifestar sua discordância com o processo eleitoral ou insatisfação com os candidatos acaba não apenas não sendo devidamente ouvido como sua voz é sequestrada pelo político mais bem posicionado.
Esse é, se quisermos, mais um bom argumento para limarmos a obrigatoriedade do voto de nosso ordenamento jurídico. É verdade que existem dois ou três raciocínios sociológicos que recomendariam a manutenção desse instituto. O mais forte deles é que, sem a necessidade legal de visitar a urna a cada eleição, seriam os mais pobres que mais deixariam de comparecer, introduzindo assim um viés elitista no pleito.
Penso, entretanto, que a filosofia é mais importante que a sociologia. E, se há algo de que o voto compulsório carece, é consistência lógica. Ora, um pré-requisito necessário da ideia básica da democracia de que o cidadão deve escolher livremente o candidato de sua preferência é que ele deve ser livre para decidir se quer ou não participar do processo. A ausência da segunda liberdade solapa a primeira, comprometendo a própria noção de livre escolha.
E esse comprometimento se torna ainda mais dramático quando se considera que uma das poucas alternativas à disposição de quem não está satisfeito com a eleição, que é anular o voto, significa, na prática, chancelar o candidato "mainstream".
SÃO PAULO - Como bem lembrou meu amigo Fernando Rodrigues alguns dias atrás, votar nulo no Brasil significa, na prática, favorecer o candidato que está mais próximo de liquidar a fatura no primeiro turno.
É que, contrariando o beabá da contabilidade democrática, o nulo no Brasil é considerado um voto inválido, sendo, portanto, subtraído do montante mínimo de 50% mais um dos sufrágios que o candidato majoritário precisa alcançar para vencer em primeiro escrutínio.
O resultado dessa maneira de contar os votos é duplamente perverso: o cidadão que opta pelo nulo para manifestar sua discordância com o processo eleitoral ou insatisfação com os candidatos acaba não apenas não sendo devidamente ouvido como sua voz é sequestrada pelo político mais bem posicionado.
Esse é, se quisermos, mais um bom argumento para limarmos a obrigatoriedade do voto de nosso ordenamento jurídico. É verdade que existem dois ou três raciocínios sociológicos que recomendariam a manutenção desse instituto. O mais forte deles é que, sem a necessidade legal de visitar a urna a cada eleição, seriam os mais pobres que mais deixariam de comparecer, introduzindo assim um viés elitista no pleito.
Penso, entretanto, que a filosofia é mais importante que a sociologia. E, se há algo de que o voto compulsório carece, é consistência lógica. Ora, um pré-requisito necessário da ideia básica da democracia de que o cidadão deve escolher livremente o candidato de sua preferência é que ele deve ser livre para decidir se quer ou não participar do processo. A ausência da segunda liberdade solapa a primeira, comprometendo a própria noção de livre escolha.
E esse comprometimento se torna ainda mais dramático quando se considera que uma das poucas alternativas à disposição de quem não está satisfeito com a eleição, que é anular o voto, significa, na prática, chancelar o candidato "mainstream".
Doze anos sem rumo - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 08/08
Com a indústria incapaz de competir, batida em todos os mercados e sem perspectiva de melhor desempenho a curto prazo, a Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) iniciou, nesta quinta-feira, mais um encontro nacional de exportadores, com o problema dos custos como tema central. "O Brasil não é um país caro, mas está um país caro", disse o presidente da associação, José Augusto de Castro. Os grandes entraves, segundo ele, são a carga tributária, a burocracia excessiva e a infraestrutura deficiente e sem integração.
De modo mais amplo, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, apontou o aumento da produtividade como o principal desafio. O Brasil é prejudicado, segundo ele, por dois "grandes déficits estruturais", o de capital físico e o de capital humano. Para enfrentar os dois problemas, faltou dizer, será preciso abandonar e inverter os critérios da política econômica mantida há mais de uma década pelo grupo instalado no poder.
O ministro, obviamente, evitou essa conclusão. Como a presidente Dilma Rousseff, ele parece esquecer de um interessante detalhe histórico: os petistas chegaram ao governo federal em janeiro de 2003. Estão completando, portanto, 12 anos de gestão. Mas ele prefere falar de períodos muito mais longos e confrontar os padrões atuais de planejamento com os dos anos 70, quando os militares governavam. "Perdemos a capacidade de planejar o País, de fazer projetos de qualidade, projetos macro de infraestrutura." É verdade, e a baixa qualidade dos projetos tem sido denunciada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Mas outros membros do governo costumam falar como se o seu partido houvesse restaurado os padrões de planejamento.
O ministro mencionou também o envelhecimento do parque fabril: em média, o equipamento tem 17 anos de uso. No caso dos competidores, essa média, acrescentou, fica entre 7 e 8 anos. Mas a idade do equipamento e as deficiências da infraestrutura denunciam um problema contornado sem maior discussão pelo ministro: o baixo nível de investimento público e privado. Empresários e governo terão sempre investido tão pouco nos últimos 4o anos?
Os números oficiais são desconfortáveis para o governo. No primeiro trimestre de 2000, o investimento em capital fixo equivaleu a 19% do Produto Interno Bruto (PIB). A relação caiu para 18,2% e 16,7% nos dois anos seguintes. Estava em 16,1% no começo de 2004, quando o PT completava um ano de governo. Subiu nos anos seguintes, com algumas oscilações, e só chegou a 19,2% - pouco acima, portanto, do nível do começo do ano 2000 - no trimestre inicial de 2010. Estava em 19,5% quando a presidente Dilma Rousseff iniciou seu mandato. A partir daí, despencou até 17,7% nos primeiros três meses deste ano.
Os governos petistas foram, portanto, incapazes, durante a maior parte do tempo, de manter a taxa de investimento registrada no fim do século passado. Ultrapassaram esse nível por um período brevíssimo e continuam muito longe da meta anunciada várias vezes pelo ministro da Fazenda, de 24% do PIB.
Mesmo esse pífio investimento tem dependido de capital estrangeiro. A taxa de poupança bruta despencou de 17% do PIB no começo da gestão da presidente Dilma Rousseff para 12,7% entre janeiro e março deste ano. Isso se explica, principalmente, pelo uso irresponsável de recursos públicos. O desempenho também ruim da indústria de máquinas e equipamentos combina perfeitamente com o baixo nível da formação geral de capital fixo.
O poder de competição da indústria acompanhou a deterioração do ambiente de negócios. Com muita improvisação e nenhuma estratégia digna efetiva, o governo abusou do protecionismo e da distribuição de benefícios a setores selecionados, sem realmente cuidar do potencial de crescimento do País. Em 2000, as vendas de manufaturados representaram 59,07% da exportação total. Corresponderam a 54,71% em 2002. No ano passado, ficaram em 38,44%. No primeiro semestre deste ano, em 34,45%.
Serão números estranhos para o ministro?
Com a indústria incapaz de competir, batida em todos os mercados e sem perspectiva de melhor desempenho a curto prazo, a Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) iniciou, nesta quinta-feira, mais um encontro nacional de exportadores, com o problema dos custos como tema central. "O Brasil não é um país caro, mas está um país caro", disse o presidente da associação, José Augusto de Castro. Os grandes entraves, segundo ele, são a carga tributária, a burocracia excessiva e a infraestrutura deficiente e sem integração.
De modo mais amplo, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, apontou o aumento da produtividade como o principal desafio. O Brasil é prejudicado, segundo ele, por dois "grandes déficits estruturais", o de capital físico e o de capital humano. Para enfrentar os dois problemas, faltou dizer, será preciso abandonar e inverter os critérios da política econômica mantida há mais de uma década pelo grupo instalado no poder.
O ministro, obviamente, evitou essa conclusão. Como a presidente Dilma Rousseff, ele parece esquecer de um interessante detalhe histórico: os petistas chegaram ao governo federal em janeiro de 2003. Estão completando, portanto, 12 anos de gestão. Mas ele prefere falar de períodos muito mais longos e confrontar os padrões atuais de planejamento com os dos anos 70, quando os militares governavam. "Perdemos a capacidade de planejar o País, de fazer projetos de qualidade, projetos macro de infraestrutura." É verdade, e a baixa qualidade dos projetos tem sido denunciada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Mas outros membros do governo costumam falar como se o seu partido houvesse restaurado os padrões de planejamento.
O ministro mencionou também o envelhecimento do parque fabril: em média, o equipamento tem 17 anos de uso. No caso dos competidores, essa média, acrescentou, fica entre 7 e 8 anos. Mas a idade do equipamento e as deficiências da infraestrutura denunciam um problema contornado sem maior discussão pelo ministro: o baixo nível de investimento público e privado. Empresários e governo terão sempre investido tão pouco nos últimos 4o anos?
Os números oficiais são desconfortáveis para o governo. No primeiro trimestre de 2000, o investimento em capital fixo equivaleu a 19% do Produto Interno Bruto (PIB). A relação caiu para 18,2% e 16,7% nos dois anos seguintes. Estava em 16,1% no começo de 2004, quando o PT completava um ano de governo. Subiu nos anos seguintes, com algumas oscilações, e só chegou a 19,2% - pouco acima, portanto, do nível do começo do ano 2000 - no trimestre inicial de 2010. Estava em 19,5% quando a presidente Dilma Rousseff iniciou seu mandato. A partir daí, despencou até 17,7% nos primeiros três meses deste ano.
Os governos petistas foram, portanto, incapazes, durante a maior parte do tempo, de manter a taxa de investimento registrada no fim do século passado. Ultrapassaram esse nível por um período brevíssimo e continuam muito longe da meta anunciada várias vezes pelo ministro da Fazenda, de 24% do PIB.
Mesmo esse pífio investimento tem dependido de capital estrangeiro. A taxa de poupança bruta despencou de 17% do PIB no começo da gestão da presidente Dilma Rousseff para 12,7% entre janeiro e março deste ano. Isso se explica, principalmente, pelo uso irresponsável de recursos públicos. O desempenho também ruim da indústria de máquinas e equipamentos combina perfeitamente com o baixo nível da formação geral de capital fixo.
O poder de competição da indústria acompanhou a deterioração do ambiente de negócios. Com muita improvisação e nenhuma estratégia digna efetiva, o governo abusou do protecionismo e da distribuição de benefícios a setores selecionados, sem realmente cuidar do potencial de crescimento do País. Em 2000, as vendas de manufaturados representaram 59,07% da exportação total. Corresponderam a 54,71% em 2002. No ano passado, ficaram em 38,44%. No primeiro semestre deste ano, em 34,45%.
Serão números estranhos para o ministro?
Política comercial agrava crise da indústria - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 08/08
Começam a ficar nítidos os prejuízos de uma política externa de alianças com latino-americanos populistas e terceiro-mundistas, ideologias vindas do lixo da História
As montadoras são afetadas de forma direta por duas das causas da retração do setor industrial: o desaquecimento do consumo e dificuldades para encontrar alternativas de mercado no exterior. Em junho, a produção da indústria como um todo retrocedeu pelo quarto mês consecutivo — 6,9%, em comparação com o mesmo mês de 2013, tombo, nos últimos anos, só superado pelo de 7,4% em setembro de 2009.
O retrocesso se dissemina: dos 26 segmentos industriais pesquisados pelo IBGE, 21 apresentaram queda. E o impacto nas montadoras de veículos é expressivo, com um retrocesso na produção, em julho, de espantosos 20,6% sobre julho de 2013, embora, com relação a junho, tenha havido recuperação de 17%. Mesmo deduzidos os efeitos da Copa do Mundo, são dados bastante negativos.
No caso da indústria automobilística, além do endividamento das famílias , há a crise, em fase de agravamento, da Argentina, maior importador de veículos brasileiros, bem como de produtos manufaturados em geral. A dependência crônica ao Mercosul, por opção ideológica, começa a cobrar seu preço. Bem como o erro de ressuscitar o protecionismo das décadas de 70 e 80.
O resultado tem sido manter o Brasil fora de cadeias globais de produção. Com isso, mesmo que se queira agredir outros mercados, não se tem produtos de última tecnologia, capazes de atender às exigências desses mercados. Acertos feitos para trazer montadoras, sem dar-lhes maior liberdade no uso de componentes importados, estreitam a margem de manobra da política de exportações, neste momento de retração interna e crise no maior parceiro do Mercosul.
Também começa a cobrar seu preço a falta de acordos comerciais bilaterais, em grande parte devido à subordinação, contrária aos efetivos interesses nacionais, da política externa ao viés protecionista de um Mercosul cada vez mais bolivariano. Note-se que os dez anos de negociação ainda não foram suficientes para o Mercosul e a União Europeia assinarem um acordo comercial. Que não deve mesmo ser fechado, agora que a Bolívia de Evo Morales passa a fazer parte do bloco comercial. Junta-se à Venezuela de Maduro, etc.
Torna ainda mais turvo o futuro do comércio exterior brasileiro — em queda, nas exportações e importações — o fracasso, nesta semana, do acordo que Roberto Azevêdo, o brasileiro da Organização Mundial do Comércio, conseguira costurar em Bali para ampliar o comércio internacional. A Índia, aliada estratégica do Brasil no Brics, o bombardeou.
Assim, a Rodada de Doha deve ser sepultada de vez, e o mundo, empurrado mais ainda para acordos bilaterais, em que o Brasil acumula enorme atraso. Para não se dizer que o Mercosul não assinou acordos, há dois: com Israel e Egito. Risível. Começam a ficar mais nítidos os prejuízos decorrentes da diplomacia de aliança cega com latino-americanos populistas e terceiro-mundistas, algo que há tempos faz parte do lixo da História.
Sacas de promessas - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 08/08
Em busca de aprovação, candidatos à Presidência preferem a vagueza, mas ensaiam objetividade em evento do setor agropecuário
No ritual de tentar agradar os pesos pesados da economia nacional, os três principais candidatos a presidente têm se equilibrado entre a necessidade de apresentar propostas concretas, de um lado, e a de manter certo grau de abstração, evitando o compromisso com medidas impopulares, de outro.
No encontro organizado nesta semana pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o roteiro se repetiu, ainda que com pequenas variações.
Procurando responder aos anseios do setor, a presidente Dilma Rousseff (PT), o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) ensaiaram alguma objetividade, mas não abandonaram a vagueza em suas declarações.
A CNA divulgou um documento de reivindicações como preparação para a sabatina. Além das tradicionais demandas na área de crédito, logística e armazenagem de safra, as maiores preocupações dizem respeito ao ambiente de negócios.
São três frentes, na visão dos produtores. A insegurança jurídica, que seria ocasionada pelas invasões de propriedades e pela falta de clareza nas demarcações de terras indígenas, as relações de trabalho, sobretudo quanto à possibilidade de contratar mão de obra terceirizada para atividades como colheita, e a legislação ambiental.
Dilma manteve-se protocolar. Prometeu mais do mesmo no apoio à produção e melhores critérios em relação às reservas. Na questão trabalhista, afirmou apenas que terceirizar não significa necessariamente precarizar. Se teve um mérito, foi o de defender o fortalecimento de uma classe média rural, fugindo à simplificação dicotômica grandes x pequenos produtores.
Dos três candidatos, apenas Aécio teve o cuidado de dedicar-se a cada um dos pontos apresentados pela CNA. Nem por isso deixou de ser vago; prometeu, por exemplo, um genérico "superministério da Agricultura", que englobaria a pasta da Pesca e teria autonomia em relação à Fazenda para elaborar políticas financeiras para o setor.
Disse ainda que expandiria a cobertura do seguro agrícola e a capacidade de armazenagem da safra. Alinhou-se, ademais, à pauta da CNA ao afirmar que a demarcação de terras indígenas deixará de ser atribuição exclusiva da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Assim como o tucano, Campos foi bem recebido --apesar das conhecidas objeções do setor às posições de Marina Silva, vice na chapa do pernambucano. O ex-governador fez as referências de praxe à necessidade de a produção agrícola ser ambientalmente sustentável.
Em meio às platitudes, porém, surgem, nesse tipo de evento, aspectos que permitem distinguir uma candidatura de outra. Melhor, desse ponto de vista, que a campanha seja bastante acirrada. Se nenhum candidato estiver confortável num patamar muito mais alto de intenções de voto, o eleitor terá a oportunidade de fundamentar melhor sua escolha.
Em busca de aprovação, candidatos à Presidência preferem a vagueza, mas ensaiam objetividade em evento do setor agropecuário
No ritual de tentar agradar os pesos pesados da economia nacional, os três principais candidatos a presidente têm se equilibrado entre a necessidade de apresentar propostas concretas, de um lado, e a de manter certo grau de abstração, evitando o compromisso com medidas impopulares, de outro.
No encontro organizado nesta semana pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o roteiro se repetiu, ainda que com pequenas variações.
Procurando responder aos anseios do setor, a presidente Dilma Rousseff (PT), o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) ensaiaram alguma objetividade, mas não abandonaram a vagueza em suas declarações.
A CNA divulgou um documento de reivindicações como preparação para a sabatina. Além das tradicionais demandas na área de crédito, logística e armazenagem de safra, as maiores preocupações dizem respeito ao ambiente de negócios.
São três frentes, na visão dos produtores. A insegurança jurídica, que seria ocasionada pelas invasões de propriedades e pela falta de clareza nas demarcações de terras indígenas, as relações de trabalho, sobretudo quanto à possibilidade de contratar mão de obra terceirizada para atividades como colheita, e a legislação ambiental.
Dilma manteve-se protocolar. Prometeu mais do mesmo no apoio à produção e melhores critérios em relação às reservas. Na questão trabalhista, afirmou apenas que terceirizar não significa necessariamente precarizar. Se teve um mérito, foi o de defender o fortalecimento de uma classe média rural, fugindo à simplificação dicotômica grandes x pequenos produtores.
Dos três candidatos, apenas Aécio teve o cuidado de dedicar-se a cada um dos pontos apresentados pela CNA. Nem por isso deixou de ser vago; prometeu, por exemplo, um genérico "superministério da Agricultura", que englobaria a pasta da Pesca e teria autonomia em relação à Fazenda para elaborar políticas financeiras para o setor.
Disse ainda que expandiria a cobertura do seguro agrícola e a capacidade de armazenagem da safra. Alinhou-se, ademais, à pauta da CNA ao afirmar que a demarcação de terras indígenas deixará de ser atribuição exclusiva da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Assim como o tucano, Campos foi bem recebido --apesar das conhecidas objeções do setor às posições de Marina Silva, vice na chapa do pernambucano. O ex-governador fez as referências de praxe à necessidade de a produção agrícola ser ambientalmente sustentável.
Em meio às platitudes, porém, surgem, nesse tipo de evento, aspectos que permitem distinguir uma candidatura de outra. Melhor, desse ponto de vista, que a campanha seja bastante acirrada. Se nenhum candidato estiver confortável num patamar muito mais alto de intenções de voto, o eleitor terá a oportunidade de fundamentar melhor sua escolha.
Tragédia humanitária - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 08/08
A comunidade internacional demorou para se manifestar em relação à perseguição que o Estado Islâmico move contra cristãos e outras minorias religiosas
Uma crise humanitária de grandes proporções está atingindo o norte do Iraque, sem que a comunidade internacional dê a ela a devida atenção. Desde que o grupo Estado Islâmico (EI) proclamou um califado na área que está sob seu controle, e que cobre não apenas partes do Iraque, mas também o leste da Síria, os sunitas que integram o EI vêm sistematicamente perseguindo e eliminando membros de outras minorias religiosas – inclusive outros muçulmanos, como os xiitas. Os cristãos têm sido a comunidade mais atingida.
Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, registrava a presença de cristãos desde o século 1.º d.C. e foi tomada pelo Estado Islâmico em 10 de junho. Logo após a invasão dos militantes islâmicos, os cristãos receberam comunicados informando que eles deviam se converter ao Islamismo ou pagar a jizya, uma espécie de “imposto de infiéis” que supostamente garantiria sua proteção. A outra opção seria a “morte pela espada”. As casas dos cristãos foram marcadas com a letra árabe “nun”, o equivalente ao “n” latino – e inicial da palavra “nazarenos”. Depois disso, não apenas dezenas de milhares de cristãos, mas também muitos muçulmanos xiitas, deixaram a cidade, e ainda assim os bens que conseguiam carregar eram roubados pelo EI durante a fuga. Um professor muçulmano da Universidade de Mossul, que se manifestou contrário à perseguição religiosa, foi morto pelos extremistas. Mosteiros e igrejas que datavam dos primeiros séculos da era cristã foram destruídos.
O destino dos fugitivos vem sendo o Curdistão ou aldeias na região da antiga Assíria, mas a resistência curda não tem sido suficiente para deter o avanço do Estado Islâmico. Na quarta-feira, Qaraqosh (a maior cidade cristã do Iraque), Qaramless, Bartala, Tell Keff e Ba’ashika foram tomadas pelo EI, provocando outra fuga em massa de cristãos e demais minorias religiosas, desta vez na direção de Erbil – cidade que já registra batalhas entre jihadistas e a defesa curda. Outros fugitivos estão cercados, sem água nem mantimentos. Segundo relatos, os extremistas executaram 1,5 mil homens diante das famílias, violentaram e sequestraram mulheres e garotas – o desrespeito às mulheres também é característico dos jihadistas; a mutilação genital é regra nas áreas governadas pelo Estado Islâmico – e estariam inclusive decapitando crianças, segundo um líder cristão local.
Por mais que essa crise humanitária esteja se desenrolando desde junho, apenas nos últimos dias a imprensa e a comunidade internacional passaram a dar mais atenção ao sofrimento das minorias religiosas sob a dominação do Estado Islâmico. A ajuda humanitária internacional é praticamente inexistente; apenas organizações religiosas e líderes do Curdistão têm efetivamente feito algo. Os Estados Unidos ainda estão apenas considerando a possibilidade de trazer mantimentos usando aviões. O Conselho de Segurança da ONU, que tinha emitido uma nota em 22 de julho, apenas ontem promoveu uma reunião especial para debater a questão, a pedido da França.
Por décadas, o Iraque foi um dos raros países de maioria islâmica que garantia aos cristãos a mesma liberdade religiosa de que gozam os muçulmanos em nações de tradição cristã. O caos que se seguiu à ocupação norte-americana permitiu o fortalecimento de vertentes islâmicas fundamentalistas – o Estado Islâmico é considerado violento demais até mesmo pelos terroristas da Al-Qaeda – que não estão hesitando em varrer do Iraque e do leste da Síria quaisquer vestígios de manifestações religiosas que não sejam o jihadismo sunita que professam. É uma tragédia para a qual o mundo demorou a acordar. Para muitos cristãos e membros de outras minorias religiosas que foram mortos ou perderam suas famílias, já é tarde demais. Os sobreviventes não podem se tornar vítimas da combinação entre extremismo e omissão.
A comunidade internacional demorou para se manifestar em relação à perseguição que o Estado Islâmico move contra cristãos e outras minorias religiosas
Uma crise humanitária de grandes proporções está atingindo o norte do Iraque, sem que a comunidade internacional dê a ela a devida atenção. Desde que o grupo Estado Islâmico (EI) proclamou um califado na área que está sob seu controle, e que cobre não apenas partes do Iraque, mas também o leste da Síria, os sunitas que integram o EI vêm sistematicamente perseguindo e eliminando membros de outras minorias religiosas – inclusive outros muçulmanos, como os xiitas. Os cristãos têm sido a comunidade mais atingida.
Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, registrava a presença de cristãos desde o século 1.º d.C. e foi tomada pelo Estado Islâmico em 10 de junho. Logo após a invasão dos militantes islâmicos, os cristãos receberam comunicados informando que eles deviam se converter ao Islamismo ou pagar a jizya, uma espécie de “imposto de infiéis” que supostamente garantiria sua proteção. A outra opção seria a “morte pela espada”. As casas dos cristãos foram marcadas com a letra árabe “nun”, o equivalente ao “n” latino – e inicial da palavra “nazarenos”. Depois disso, não apenas dezenas de milhares de cristãos, mas também muitos muçulmanos xiitas, deixaram a cidade, e ainda assim os bens que conseguiam carregar eram roubados pelo EI durante a fuga. Um professor muçulmano da Universidade de Mossul, que se manifestou contrário à perseguição religiosa, foi morto pelos extremistas. Mosteiros e igrejas que datavam dos primeiros séculos da era cristã foram destruídos.
O destino dos fugitivos vem sendo o Curdistão ou aldeias na região da antiga Assíria, mas a resistência curda não tem sido suficiente para deter o avanço do Estado Islâmico. Na quarta-feira, Qaraqosh (a maior cidade cristã do Iraque), Qaramless, Bartala, Tell Keff e Ba’ashika foram tomadas pelo EI, provocando outra fuga em massa de cristãos e demais minorias religiosas, desta vez na direção de Erbil – cidade que já registra batalhas entre jihadistas e a defesa curda. Outros fugitivos estão cercados, sem água nem mantimentos. Segundo relatos, os extremistas executaram 1,5 mil homens diante das famílias, violentaram e sequestraram mulheres e garotas – o desrespeito às mulheres também é característico dos jihadistas; a mutilação genital é regra nas áreas governadas pelo Estado Islâmico – e estariam inclusive decapitando crianças, segundo um líder cristão local.
Por mais que essa crise humanitária esteja se desenrolando desde junho, apenas nos últimos dias a imprensa e a comunidade internacional passaram a dar mais atenção ao sofrimento das minorias religiosas sob a dominação do Estado Islâmico. A ajuda humanitária internacional é praticamente inexistente; apenas organizações religiosas e líderes do Curdistão têm efetivamente feito algo. Os Estados Unidos ainda estão apenas considerando a possibilidade de trazer mantimentos usando aviões. O Conselho de Segurança da ONU, que tinha emitido uma nota em 22 de julho, apenas ontem promoveu uma reunião especial para debater a questão, a pedido da França.
Por décadas, o Iraque foi um dos raros países de maioria islâmica que garantia aos cristãos a mesma liberdade religiosa de que gozam os muçulmanos em nações de tradição cristã. O caos que se seguiu à ocupação norte-americana permitiu o fortalecimento de vertentes islâmicas fundamentalistas – o Estado Islâmico é considerado violento demais até mesmo pelos terroristas da Al-Qaeda – que não estão hesitando em varrer do Iraque e do leste da Síria quaisquer vestígios de manifestações religiosas que não sejam o jihadismo sunita que professam. É uma tragédia para a qual o mundo demorou a acordar. Para muitos cristãos e membros de outras minorias religiosas que foram mortos ou perderam suas famílias, já é tarde demais. Os sobreviventes não podem se tornar vítimas da combinação entre extremismo e omissão.
Avanço chinês na Argentina - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 08/08
Costuma-se atribuir à crise econômica da Argentina a significativa queda das exportações do Brasil àquele país verificada nos últimos tempos. Embora seja uma boa explicação, trata-se apenas de uma parte do problema, não só porque a crise parece atingir majoritariamente a importação de produtos brasileiros, como porque a China está tomando cada vez mais o espaço comercial antes ocupado pelo Brasil no mercado vizinho.
O valor dos embarques da China para a Argentina dobrou em seis anos, segundo o jornal Valor, que usou estatísticas oficiais argentinas. A China já é o segundo maior exportador para a Argentina, com 15% do total, atrás do Brasil, com 26%.
Por conta da crise, a Argentina reduziu suas importações globais em 8% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo intervalo de 2013, mas a compra de produtos chineses cresceu 2% naquele período. Mesmo as vendas do Nafta, bloco integrado por Estados Unidos, Canadá e México, cresceram 9%. Já as importações argentinas de produtos do Mercosul caíram 18%. A queda das vendas de produtos brasileiros foi ainda maior, atingindo 20,4%. Somente em julho passado, o recuo foi de 33,5%.
É ao Brasil, portanto, que cabe a maior parte da conta do ajuste argentino, pois o vizinho é um dos principais mercados consumidores dos produtos brasileiros, especialmente veículos e autopeças - cujas vendas para a Argentina caíram espantosos 57,6% no mês passado, apesar da renovação do acordo automotivo muito vantajoso para os argentinos.
A China entra no mercado argentino basicamente com bens de capital (máquinas e equipamentos) e bens intermediários (manufaturados ou matérias-primas usados na produção de outros bens). A Argentina ampliou em cerca de 10% a importação desses produtos chineses, enquanto reduziu as importações do Mercosul em 21% no primeiro caso e em 7% no segundo.
Essa realidade diz respeito tanto à situação precária da Argentina e à agressividade chinesa quanto à falta de competitividade brasileira e à teimosia do governo petista - que se mantém apegado a compromissos políticos e ideológicos com um vizinho que não se constrange em afrontar as regras do Mercosul quando elas não atendem a seus interesses.
Ao mesmo tempo que impõe diversos empecilhos para os negócios com os brasileiros e para que o Mercosul deslanche, a Argentina, no mês passado, transformou a China em "aliado integral", categoria que até então era reservada apenas ao Brasil.
Na recente visita que fez a Buenos Aires, o presidente chinês, Xi Jinping, firmou um acordo para financiar a reforma do sistema de transportes da Argentina - que receberá trens chineses - e para construir duas hidrelétricas, tudo a um custo de US$ 75 bilhões. Além disso, ofereceu uma linha de crédito para importar produtos agrícolas argentinos, no valor de US$ 11 bilhões.
São esses investimentos e essa capacidade de financiamento, com os quais o Brasil não pode competir, que garantem à China condições privilegiadas quando negocia a venda de seus produtos à Argentina. Em alguns casos, os contratos de investimento chineses embutem a contrapartida da compra de seus produtos. Dispondo de mais de US$ 3 trilhões em reservas, a China está confortável para oferecer financiamento aos argentinos, que enfrentam crescente escassez de dólares para fazer seus negócios.
Mas não é apenas o poder financeiro chinês que está fazendo a diferença. Some-se a ele a incapacidade do governo petista de tratar a relação com a Argentina de forma pragmática. Os erros da atual administração resultaram na excessiva dependência do mercado argentino, especialmente para a venda de veículos e autopeças. Sem observar os reais interesses nacionais, o governo petista vem cedendo a todas as chantagens argentinas nas negociações comerciais, pois acredita que, como "líder regional", deve ser benevolente com seus parceiros de Mercosul. Enquanto isso, os chineses estão cada vez mais à vontade na Argentina.
Costuma-se atribuir à crise econômica da Argentina a significativa queda das exportações do Brasil àquele país verificada nos últimos tempos. Embora seja uma boa explicação, trata-se apenas de uma parte do problema, não só porque a crise parece atingir majoritariamente a importação de produtos brasileiros, como porque a China está tomando cada vez mais o espaço comercial antes ocupado pelo Brasil no mercado vizinho.
O valor dos embarques da China para a Argentina dobrou em seis anos, segundo o jornal Valor, que usou estatísticas oficiais argentinas. A China já é o segundo maior exportador para a Argentina, com 15% do total, atrás do Brasil, com 26%.
Por conta da crise, a Argentina reduziu suas importações globais em 8% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo intervalo de 2013, mas a compra de produtos chineses cresceu 2% naquele período. Mesmo as vendas do Nafta, bloco integrado por Estados Unidos, Canadá e México, cresceram 9%. Já as importações argentinas de produtos do Mercosul caíram 18%. A queda das vendas de produtos brasileiros foi ainda maior, atingindo 20,4%. Somente em julho passado, o recuo foi de 33,5%.
É ao Brasil, portanto, que cabe a maior parte da conta do ajuste argentino, pois o vizinho é um dos principais mercados consumidores dos produtos brasileiros, especialmente veículos e autopeças - cujas vendas para a Argentina caíram espantosos 57,6% no mês passado, apesar da renovação do acordo automotivo muito vantajoso para os argentinos.
A China entra no mercado argentino basicamente com bens de capital (máquinas e equipamentos) e bens intermediários (manufaturados ou matérias-primas usados na produção de outros bens). A Argentina ampliou em cerca de 10% a importação desses produtos chineses, enquanto reduziu as importações do Mercosul em 21% no primeiro caso e em 7% no segundo.
Essa realidade diz respeito tanto à situação precária da Argentina e à agressividade chinesa quanto à falta de competitividade brasileira e à teimosia do governo petista - que se mantém apegado a compromissos políticos e ideológicos com um vizinho que não se constrange em afrontar as regras do Mercosul quando elas não atendem a seus interesses.
Ao mesmo tempo que impõe diversos empecilhos para os negócios com os brasileiros e para que o Mercosul deslanche, a Argentina, no mês passado, transformou a China em "aliado integral", categoria que até então era reservada apenas ao Brasil.
Na recente visita que fez a Buenos Aires, o presidente chinês, Xi Jinping, firmou um acordo para financiar a reforma do sistema de transportes da Argentina - que receberá trens chineses - e para construir duas hidrelétricas, tudo a um custo de US$ 75 bilhões. Além disso, ofereceu uma linha de crédito para importar produtos agrícolas argentinos, no valor de US$ 11 bilhões.
São esses investimentos e essa capacidade de financiamento, com os quais o Brasil não pode competir, que garantem à China condições privilegiadas quando negocia a venda de seus produtos à Argentina. Em alguns casos, os contratos de investimento chineses embutem a contrapartida da compra de seus produtos. Dispondo de mais de US$ 3 trilhões em reservas, a China está confortável para oferecer financiamento aos argentinos, que enfrentam crescente escassez de dólares para fazer seus negócios.
Mas não é apenas o poder financeiro chinês que está fazendo a diferença. Some-se a ele a incapacidade do governo petista de tratar a relação com a Argentina de forma pragmática. Os erros da atual administração resultaram na excessiva dependência do mercado argentino, especialmente para a venda de veículos e autopeças. Sem observar os reais interesses nacionais, o governo petista vem cedendo a todas as chantagens argentinas nas negociações comerciais, pois acredita que, como "líder regional", deve ser benevolente com seus parceiros de Mercosul. Enquanto isso, os chineses estão cada vez mais à vontade na Argentina.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Está na hora de deixar para quem sabe”
Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas e candidato a presidente da República
CÂMARA: TRABALHO MESMO, QUANDO OUTUBRO VIER
O fracasso subiu à cabeça dos comandantes do Congresso. Apesar do resultado pífio do “esforço concentrado” desta semana, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB) anunciou ontem que vai “tentar convencer” os líderes partidários a não desistirem do esforço concentrado de setembro, último mês antes das eleições deste ano. Mas, a rigor, disse que só acredita em trabalho “pra valer” em outubro.
CONSENSO DA FOLGA
O presidente da Câmara não garante que fará deputados trabalharem em setembro: “É preciso haver consenso”. Sei.
SE PINTAR CLIMA...
Henrique Alves vai aguardar para saber “se haverá clima” e quórum para votar a MP que flexibiliza a transmissão da Voz do Brasil.
CONSELHOS ESQUECIDOS
Outro caso que os políticos empurram com a barriga é o decreto legislativo derrubando ato de Dilma que cria os conselhos populares.
GANHAM SEM TRABALHAR
Apesar da vadiagem generalizada dos parlamentares, iniciada antes da Copa do Mundo, eles receberão seus altos salários integralmente.
FRIBOI FINANCIA CANDIDATOS DE OLHO NO BNDES
Beneficiado com financiamentos bilionários do BNDES, que até virou sócio da empresa, e sempre tratado com generosidade pelo governo Lula, o Grupo JBS Friboi transformou-se agora em um doador “mão aberta”, na disputa presidencial. Entregou R$ 5 milhões à campanha de Dilma Rousseff (PT) e outros R$ 5 milhões ao comitê eleitoral de Aécio Neves (PSDB). Para Eduardo Campos (PSB), um “troco”: R$ 1 milhão.
BNDES, UMA MÃE
Em 2010, Dilma já pré-candidata, a BNDESPar comprou 99,9% dos R$ 3,4 bilhões das debêntures colocadas à venda pelo JBS Friboi.
LULISTA ORGÂNICO
Só o Grupo JBS Friboi embolsou R$ 7,5 bilhões do BNDES até 2007. Seu presidente, Joesley Batista, virou “lulista” de carteirinha, claro.
GENTE GENEROSA...
Além de Dilma, o PT prestou contas de R$ 6,3 milhões recebidos de empresas, na campanha atual. Todas desinteressadas, naturalmente.
PROIBIDO CRITICAR
O Santander demitiu 4 assessores, que, com desassombro, advertiram os clientes vips que a reeleição de Dilma ameaçaria a economia. Daqui para frente, vai ficar difícil dar credibilidade aos informes desse banco.
ELA, A REJEIÇÃO
Diante da crescente rejeição ao PT em São Paulo, o candidato do PMDB ao governo, Paulo Skaf, prefere fingir que não é aliado de Dilma. Para muitos paulistas, a companhia do satanás é mais aceitável.
DIFERENÇA SUTIL
O ministro e ex-deputado Paulo Bernardo (Comunicações), de atuação pífia, em política continua afiado. Disse a verdade: “combinar perguntas em CPIs sempre ocorreu”. A diferença é que eles agora foram pegos.
PAROU TUDO
Após várias recusas de votar projetos na Câmara, Givaldo Carimbão (PROS-AL) fez a Ricardo Berzoini a pergunta que não quer calar: “Afinal, ministro, tem votação importante para o governo?”. E ouviu: “Não”.
BRASIL NAS FEIRAS DE TURISMO
O presidente da Embratur, Vicente Neto, diz que o Brasil está garantido em três grandes feiras de turismo na Europa, América do Sul e Ásia, até setembro: Top Resa, na França; Fit, na Argentina; e Jata, no Japão. Participam 74 representantes da cadeia produtiva do turismo nacional.
ESTRATÉGIA DO AVESTRUZ
A Presidência da República não quis se pronunciar sobre o calote de R$ 380 milhões, que o Brasil aplica na Organização das Nações Unidas (ONU), desde 2013, revelado ontem nesta coluna.
AMBIENTE DE TRABALHO
O único pagamento do Brasil à ONU, nos últimos tempos, foi uma contribuição para a reforma da entidade, em Nova York, onde trabalha o ex-chanceler Antonio Patriota, que também não fala sobre o calote.
TRANSPARÊNCIA OPACA
O portal Transparência Brasil parece ter entrado no ritmo do Congresso: desde junho, os dados de gastos do governo não são atualizados. Pararam de fazer conta de somar em maio.
PENSANDO BEM...
...o único jeito de o governo explicar a sessão mentirinha da CPI Petrobras é alegar que as respostas foram sopradas por Chico Xavier.
PODER SEM PUDOR
NÃO É MAMÃE
Na Câmara dos Deputados, Carlos Lacerda fazia outro demolidor discurso contra o "mar de lama" do governo Getúlio Vargas. A deputada Ivete Vargas, sobrinha do presidente, pedia aparte em vão. Cansada da insistência e muito irritada, Ivete perdeu a paciência:
- F.D.P.! - gritou ao microfone.
- Vossa Excelência é muito nova para ser minha mãe! - respondeu Lacerda, na bucha, arrancando gargalhadas do plenário.
Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas e candidato a presidente da República
CÂMARA: TRABALHO MESMO, QUANDO OUTUBRO VIER
O fracasso subiu à cabeça dos comandantes do Congresso. Apesar do resultado pífio do “esforço concentrado” desta semana, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB) anunciou ontem que vai “tentar convencer” os líderes partidários a não desistirem do esforço concentrado de setembro, último mês antes das eleições deste ano. Mas, a rigor, disse que só acredita em trabalho “pra valer” em outubro.
CONSENSO DA FOLGA
O presidente da Câmara não garante que fará deputados trabalharem em setembro: “É preciso haver consenso”. Sei.
SE PINTAR CLIMA...
Henrique Alves vai aguardar para saber “se haverá clima” e quórum para votar a MP que flexibiliza a transmissão da Voz do Brasil.
CONSELHOS ESQUECIDOS
Outro caso que os políticos empurram com a barriga é o decreto legislativo derrubando ato de Dilma que cria os conselhos populares.
GANHAM SEM TRABALHAR
Apesar da vadiagem generalizada dos parlamentares, iniciada antes da Copa do Mundo, eles receberão seus altos salários integralmente.
FRIBOI FINANCIA CANDIDATOS DE OLHO NO BNDES
Beneficiado com financiamentos bilionários do BNDES, que até virou sócio da empresa, e sempre tratado com generosidade pelo governo Lula, o Grupo JBS Friboi transformou-se agora em um doador “mão aberta”, na disputa presidencial. Entregou R$ 5 milhões à campanha de Dilma Rousseff (PT) e outros R$ 5 milhões ao comitê eleitoral de Aécio Neves (PSDB). Para Eduardo Campos (PSB), um “troco”: R$ 1 milhão.
BNDES, UMA MÃE
Em 2010, Dilma já pré-candidata, a BNDESPar comprou 99,9% dos R$ 3,4 bilhões das debêntures colocadas à venda pelo JBS Friboi.
LULISTA ORGÂNICO
Só o Grupo JBS Friboi embolsou R$ 7,5 bilhões do BNDES até 2007. Seu presidente, Joesley Batista, virou “lulista” de carteirinha, claro.
GENTE GENEROSA...
Além de Dilma, o PT prestou contas de R$ 6,3 milhões recebidos de empresas, na campanha atual. Todas desinteressadas, naturalmente.
PROIBIDO CRITICAR
O Santander demitiu 4 assessores, que, com desassombro, advertiram os clientes vips que a reeleição de Dilma ameaçaria a economia. Daqui para frente, vai ficar difícil dar credibilidade aos informes desse banco.
ELA, A REJEIÇÃO
Diante da crescente rejeição ao PT em São Paulo, o candidato do PMDB ao governo, Paulo Skaf, prefere fingir que não é aliado de Dilma. Para muitos paulistas, a companhia do satanás é mais aceitável.
DIFERENÇA SUTIL
O ministro e ex-deputado Paulo Bernardo (Comunicações), de atuação pífia, em política continua afiado. Disse a verdade: “combinar perguntas em CPIs sempre ocorreu”. A diferença é que eles agora foram pegos.
PAROU TUDO
Após várias recusas de votar projetos na Câmara, Givaldo Carimbão (PROS-AL) fez a Ricardo Berzoini a pergunta que não quer calar: “Afinal, ministro, tem votação importante para o governo?”. E ouviu: “Não”.
BRASIL NAS FEIRAS DE TURISMO
O presidente da Embratur, Vicente Neto, diz que o Brasil está garantido em três grandes feiras de turismo na Europa, América do Sul e Ásia, até setembro: Top Resa, na França; Fit, na Argentina; e Jata, no Japão. Participam 74 representantes da cadeia produtiva do turismo nacional.
ESTRATÉGIA DO AVESTRUZ
A Presidência da República não quis se pronunciar sobre o calote de R$ 380 milhões, que o Brasil aplica na Organização das Nações Unidas (ONU), desde 2013, revelado ontem nesta coluna.
AMBIENTE DE TRABALHO
O único pagamento do Brasil à ONU, nos últimos tempos, foi uma contribuição para a reforma da entidade, em Nova York, onde trabalha o ex-chanceler Antonio Patriota, que também não fala sobre o calote.
TRANSPARÊNCIA OPACA
O portal Transparência Brasil parece ter entrado no ritmo do Congresso: desde junho, os dados de gastos do governo não são atualizados. Pararam de fazer conta de somar em maio.
PENSANDO BEM...
...o único jeito de o governo explicar a sessão mentirinha da CPI Petrobras é alegar que as respostas foram sopradas por Chico Xavier.
PODER SEM PUDOR
NÃO É MAMÃE
Na Câmara dos Deputados, Carlos Lacerda fazia outro demolidor discurso contra o "mar de lama" do governo Getúlio Vargas. A deputada Ivete Vargas, sobrinha do presidente, pedia aparte em vão. Cansada da insistência e muito irritada, Ivete perdeu a paciência:
- F.D.P.! - gritou ao microfone.
- Vossa Excelência é muito nova para ser minha mãe! - respondeu Lacerda, na bucha, arrancando gargalhadas do plenário.