O GLOBO - 10/06
Ele me dá bons conselhos lá do céu de papelão
Quando fico angustiado com as notícias brasileiras, ligo para o Nelson Rodrigues. Ele me dá bons conselhos lá do céu de papelão, entre nuvens de algodão e estrelas de papel prateado — seu paraíso é um cenário de teatro de revistas. O telefone toca como uma trombeta suave.
Ele já sabe quem é:
— Você, hein? Só me liga quando está encalacrado.
— Estou mesmo, Nelson, mas não sei se sou eu ou o Brasil.
— Deixa de frases, rapaz, você e o Brasil são a mesma coisa. O Brasil não é feito de florestas e cachoeiras. O Brasil é uma região dentro de nossas cabeças. Você é o Brasil. Levaram séculos para aperfeiçoar nosso atraso e você me vem com essa. Subdesenvolvimento não se improvisa. É uma obra de séculos.
— Ninguém entende mais nada... Eu nunca vi o Brasil assim...
— Eu sempre vi assim. O Brasil não mudou nada. O problema é que você quer “entender” e o país é muito maior que seu entendimento. Não mudou nada; só está vindo a furo, como um bom furúnculo. Você está nervoso porque sempre achou que havia salvação. Não existe isso. Nunca vamos chegar a lugar nenhum, porque não há ponto final... a não ser aqui em cima, claro. O que muda mesmo não são os fatos, como querem os idiotas da objetividade. O que nos muda não são as famosas “relações de produção” não; são bobagens nas brechas dos fatos. Quais foram as grande mudanças do país, nos últimos 50 anos? Getúlio se matou, o Jânio tomou um porre e se foi, o Tancredo morreu de nó na tripa, o Collor caiu porque não respeitava nem as cunhadas (como o meu Palhares), o Lula foi eleito por um publicitário, como uma boa margarina. É isso. O Brasil não é épico; nunca tivemos um Stalingrado, um Waterloo... Nem a Batalha de Itararé.
— Mas por que esta estagnação, esta zona geral?
— O Brasil não vai para a frente com planos messiânicos ou “epopeias de Cecil B. de Mille”, sejam elas epopeias “socialistas” ou liberais. O “óbvio ululante” é que os brasileiros odeiam justamente o óbvio. Bastava fazer umas reformas, não jogar dinheiro fora, amarrar os corruptos no pé da mesa, diminuir impostos, chupar a carótida dos chefes das Estatais como tangerinas. Mas, não; só querem apoteoses ou dilúvios de quinto ato do “Rigolleto”.
— Mas o cinismo dos políticos está cada vez maior!
— Não veja os políticos como gênios do bem ou do mal, Stalins ou Josés Bonifácios. São apenas uns sujeitinhos de cabelo pintado de preto ou acaju. Uns fingem de socialistas, outros de conservadores. Mas todos querem é o poder, as mãos dentro das cumbucas do Estado. Esses que estão aí querem criar “sovietes”, grupos corporativos como na Rússia. Já pensaram em Dirceu e Genoino dirigindo o país? Na época da ditadura ainda dava. Todos nós babávamos na gravata, imbecilizados, sem informação. O que nos salva é que eles são muito ignorantes. Antigamente, os cretinos se escondiam pelos cantos, babando pelos inteligentes de carteirinha. Agora estão aí, achando que vão mudar o país. Para eles, o capitalismo ainda é tratado como uma pessoa. “Hoje o capitalismo acordou de mau humor” ou “o capitalismo é muito egoísta, só pensa em lucro.” Nunca ninguém leu nada. Eu os chamava de marxistas de galinheiro. Eles me odiavam. Eu era chamado de pornográfico e depois virei o reacionário fundamental. Mas perdem sempre, pois a burrice é uma força da natureza. A burrice é a Pedra da Gávea.
— Querem controlar a imprensa...
— Querem controlar os brasileiros, fazê-los obedientes... Mas esquecem que os brasileiros têm a alma de feriado. Somos incontroláveis. Tem um Brasil sob as calçadas, nas sarjetas, nos bueiros que renasce e reage. E o pior dessa turma é que eles têm certezas profundas e isso os destruirá em breve. A dúvida sempre me pareceu mais sábia, mais clarividente.
— Deus queira.
— Eu nunca vejo Deus por aqui. Parece que anda deprimido por ter inventado o “livre arbítrio” dos homens, que está gerando essa esculhambação aí embaixo. Mas, se Deus me perguntasse o que eu fiz de bom na vida, eu responderia: “Senhor, eu descobri o óbvio!”. Sempre vi o que ia acontecer. Essa gente é muito óbvia. Você veja o Zé Dirceu, por exemplo, bom rapaz, era o Marlon Brando das comunistas, mas ele só amava os postes. Via um poste, subia nele e começava a falar da Utopia. Os passantes ouviam e perguntavam: “Quem é essa tal de d. Utopia? É mulher dele?”. A Dilma, coitada, é uma boa senhora que amava o Brizola, amava o Lula. Ela queria ser uma dona de casa, uma mãe de família “revolucionária”. Foi corajosa na juventude e hoje está aí... É uma Dilma que não existe, é um clone de si mesma. Mas estou te achando muito pessimista, rapaz...
— Nada. Sou um otimista bem informado...
— Não faz frase, rapaz... Não adianta se atolar em euforias brutais nem viver com complexo de vira-latas. Um retrato bom do país é o PMDB, feliz em sua mediocridade. O Brasil é o PMDB. O Brasil não é épico; é coloquial.
— E a Copa?
— Talvez ganhemos porque estamos com medo até das manifestações. Sem medo não há vitórias. Em 1950, perdemos porque estávamos mascarados.... Máscara é fogo... rapaz...
— Mas está morrendo mais gente aqui do que na Síria, Nelson...
— Vocês achavam que iam escapar? Ninguém escapa. O Brasil se achava uma ilha protegida, mas o mundo invade tudo. O Oriente, a África, o mundo quase em guerra e o Brasil numa boa? Impossível. Não há piedade na História... O Hegel e o Nietzsche vivem brigando aqui dentro. Ontem o Nietzsche disse isso: “A História não tem hora; é intempestiva! Cai feito um raio!”. O Hegel não gostou nada e anda deprimido pelos cantos. Agora a história do mundo atual está nos contaminando. Mas isso é bom. Sabe por quê? Porque teremos de assumir nossa miséria, assumir a nossa lepra, que o mundo agora vai ver. Não sabemos o que fazer com o Brasil, mas ao menos estamos conhecendo nossa cara...
— É isso aí, Nelson.
— Não se preocupe. Daqui a alguns anos, vão lembrar desta época como um “fascismo de galinheiro” disfarçado de “marxismo de galinheiro”. Fascismo é a burrice no poder, rapaz...
E desligou.
terça-feira, junho 10, 2014
Violências conjugais - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 10/06
Estudo recente traz avisos para a Copa: quando a Inglaterra joga, aumenta a violência doméstica
1. Confesse, leitor: sempre que a seleção joga, você sente a adrenalina a correr mais forte. O álcool é bebido com outra intensidade. E quando o jogo termina, surge a velha e shakespeariana pergunta: bater ou não bater, eis a questão.
Resumindo, aqui está um estudo recente do Reino Unido, divulgado pelo "Guardian", que traz avisos sérios para a Copa do Mundo: sempre que a Inglaterra joga, a violência doméstica aumenta. E aumenta em qualquer dos cenários: se a Inglaterra perde, alguém apanha; se a Inglaterra ganha, alguém apanha também.
Claro que existem diferenças: nas derrotas, há um crescimento de 38% na violência entre o casal; em caso de vitória, o crescimento é de 26%. Mas a conclusão é unívoca: futebol traz violência dentro de casa. E nem sequer discrimina sexualmente: eles batem nelas, sim; mas elas também batem neles.
E, para que as minorias não sejam esquecidas, a orientação sexual não altera o pugilato: eles batem neles; elas batem nelas.
Por isso as autoridade nativas estão atentas: o primeiro jogo da Inglaterra na Copa será contra a Itália. O que significa que as autoridades policiais já identificaram várias famílias nas quais esse tipo de violência tem histórico e pode irromper de forma selvática.
Não sei, honestamente, que tipo de intervenção está prevista para o dia da partida. Boicotar a transmissão do jogo --via rádio ou TV-- para residências problemáticas? Separar preventivamente o casal em jaulas eletrificadas? Arrombar a porta ao mínimo sinal de discussão e louça quebrada?
Esperemos para ver. Mas o futuro promete: se o estudo ganha dimensão internacional, não será de excluir que apareça algures um comitê politicamente correto, de preferência sob o alto patrocínio das Nações Unidas, propondo seriamente a criminalização do futebol por suas influências nocivas na harmonia do lar.
Depois da Lei da Palmada infantil, só falta uma Lei da Porrada conjugal.
2. Provocou comoção a atitude do papa Francisco de rezar pela paz com os presidentes israelense e palestino. Pena que, no encontro histórico do Vaticano, não tenha havido a mais vaga menção aos obstáculos reais (e tradicionais) que definem o conflito. E que, hoje, em 2014, ainda não têm qualquer solução à vista.
Ninguém sabe o que fazer com Jerusalém, cidade reivindicada pelos dois povos para futura capital dos dois Estados.
Ninguém sabe o que fazer com os 4 milhões de refugiados palestinos (estimativa conservadora) que a Autoridade Palestina exige que regressem a Israel (e que Israel, logicamente, recusa, por ver nesse regresso o seu suicídio demográfico como "Estado judaico").
Ninguém sabe como convencer Israel a retirar da Cisjordânia depois da experiência traumática da Faixa de Gaza, quando Ariel Sharon retirou do território e o Hamas passou a usá-lo como rampa de lançamento de foguetes para o interior de Israel.
E, por falar em Hamas, ainda ninguém sabe se, no novo governo de unidade palestino, o Hamas está disposto a renunciar totalmente ao terrorismo e a reconhecer, pela primeira vez na sua história, a existência da "entidade sionista" com a qual terá de dividir o território.
Uma oração pela paz talvez seja uma forma de pedir um milagre para o conflito israelense-palestino. O papa Francisco, com a sua habitual sabedoria, sabe bem que só um milagre pode ressuscitar um "processo de paz" sepultado.
3. Leitores vários não gostaram das comparações abusivas que fiz nesta Folha entre as campanhas antifumo de hoje e as utopias sanitárias do fascismo e do nacional-socialismo ("Fascismo light", 3/6/2014).
Entendo o desconforto: também eu abomino a ligeireza das analogias históricas, sobretudo quando abusivas e ofensivas.
Acontece que, desta vez, não há ligeireza alguma. E aos leitores indignados só posso aconselhar, pela milésima vez, a leitura de "The Nazi War on Cancer" (a guerra nazista contra o câncer), o estudo magistral de Robert N. Proctor sobre a primazia do Terceiro Reich na luta contra o fumo.
A propaganda que hoje domina essa luta, no estilo e no tom (o fumante como ser infecto; o culto do físico perfeito; etc.) foi uma moda iniciada pela Alemanha nazista, 80 anos atrás.
Estudo recente traz avisos para a Copa: quando a Inglaterra joga, aumenta a violência doméstica
1. Confesse, leitor: sempre que a seleção joga, você sente a adrenalina a correr mais forte. O álcool é bebido com outra intensidade. E quando o jogo termina, surge a velha e shakespeariana pergunta: bater ou não bater, eis a questão.
Resumindo, aqui está um estudo recente do Reino Unido, divulgado pelo "Guardian", que traz avisos sérios para a Copa do Mundo: sempre que a Inglaterra joga, a violência doméstica aumenta. E aumenta em qualquer dos cenários: se a Inglaterra perde, alguém apanha; se a Inglaterra ganha, alguém apanha também.
Claro que existem diferenças: nas derrotas, há um crescimento de 38% na violência entre o casal; em caso de vitória, o crescimento é de 26%. Mas a conclusão é unívoca: futebol traz violência dentro de casa. E nem sequer discrimina sexualmente: eles batem nelas, sim; mas elas também batem neles.
E, para que as minorias não sejam esquecidas, a orientação sexual não altera o pugilato: eles batem neles; elas batem nelas.
Por isso as autoridade nativas estão atentas: o primeiro jogo da Inglaterra na Copa será contra a Itália. O que significa que as autoridades policiais já identificaram várias famílias nas quais esse tipo de violência tem histórico e pode irromper de forma selvática.
Não sei, honestamente, que tipo de intervenção está prevista para o dia da partida. Boicotar a transmissão do jogo --via rádio ou TV-- para residências problemáticas? Separar preventivamente o casal em jaulas eletrificadas? Arrombar a porta ao mínimo sinal de discussão e louça quebrada?
Esperemos para ver. Mas o futuro promete: se o estudo ganha dimensão internacional, não será de excluir que apareça algures um comitê politicamente correto, de preferência sob o alto patrocínio das Nações Unidas, propondo seriamente a criminalização do futebol por suas influências nocivas na harmonia do lar.
Depois da Lei da Palmada infantil, só falta uma Lei da Porrada conjugal.
2. Provocou comoção a atitude do papa Francisco de rezar pela paz com os presidentes israelense e palestino. Pena que, no encontro histórico do Vaticano, não tenha havido a mais vaga menção aos obstáculos reais (e tradicionais) que definem o conflito. E que, hoje, em 2014, ainda não têm qualquer solução à vista.
Ninguém sabe o que fazer com Jerusalém, cidade reivindicada pelos dois povos para futura capital dos dois Estados.
Ninguém sabe o que fazer com os 4 milhões de refugiados palestinos (estimativa conservadora) que a Autoridade Palestina exige que regressem a Israel (e que Israel, logicamente, recusa, por ver nesse regresso o seu suicídio demográfico como "Estado judaico").
Ninguém sabe como convencer Israel a retirar da Cisjordânia depois da experiência traumática da Faixa de Gaza, quando Ariel Sharon retirou do território e o Hamas passou a usá-lo como rampa de lançamento de foguetes para o interior de Israel.
E, por falar em Hamas, ainda ninguém sabe se, no novo governo de unidade palestino, o Hamas está disposto a renunciar totalmente ao terrorismo e a reconhecer, pela primeira vez na sua história, a existência da "entidade sionista" com a qual terá de dividir o território.
Uma oração pela paz talvez seja uma forma de pedir um milagre para o conflito israelense-palestino. O papa Francisco, com a sua habitual sabedoria, sabe bem que só um milagre pode ressuscitar um "processo de paz" sepultado.
3. Leitores vários não gostaram das comparações abusivas que fiz nesta Folha entre as campanhas antifumo de hoje e as utopias sanitárias do fascismo e do nacional-socialismo ("Fascismo light", 3/6/2014).
Entendo o desconforto: também eu abomino a ligeireza das analogias históricas, sobretudo quando abusivas e ofensivas.
Acontece que, desta vez, não há ligeireza alguma. E aos leitores indignados só posso aconselhar, pela milésima vez, a leitura de "The Nazi War on Cancer" (a guerra nazista contra o câncer), o estudo magistral de Robert N. Proctor sobre a primazia do Terceiro Reich na luta contra o fumo.
A propaganda que hoje domina essa luta, no estilo e no tom (o fumante como ser infecto; o culto do físico perfeito; etc.) foi uma moda iniciada pela Alemanha nazista, 80 anos atrás.
Oportunidades perdidas ANTÔNIO MÁRCIO BUAINAIN
O ESTADO DE S.PAULO - 10/06
Esta semana recebi mensagem de uma pessoa que participou de uma palestra sobre as perspectivas da economia brasileira para o período pós-Lula, por mim proferida em setembro de 2010, na Escola Nacional de Seguros-RJ. Diz ela: "Professor, infelizmente o sr. não acertou quase nada (e o quase é porque não quero parecer agressivo!) e seu otimismo revelou-se ingênuo". O momento era de euforia e já estava claro que 2010 fecharia com forte crescimento do PIB. Também estavam claros os desajustes imediatos que precisariam ser corrigidos: ameaça inflacionária, sobrevalorização do câmbio, baixa taxa de investimentos e pressão sobre os gastos públicos. Ingênuo, considerei que estes problemas poderiam ser enfrentados com custos políticos baixos e aceitáveis, uma vez que não há melhor bálsamo que o crescimento que não precisaria ser interrompido para arrumar a casa. Otimista, projetei um período de crescimento robusto e errei feio.
E qual era a fonte do otimismo? O enfrentamento dos problemas da economia e da sociedade, quase todos relacionados aos déficits de infraestrutura das políticas públicas, formatava uma agenda virtuosa e viável para guiar a política econômica e social nos anos seguintes. O crescimento havia sido acionado pelo consumo público (gasto dos governos) e privado (crédito e crescimento da renda descolado da evolução da produtividade), e o desafio era elevar o investimento sem o que nenhum crescimento se sustenta. Em um mundo em crise, o Brasil aparecia como uma fronteira de oportunidades para capitais ociosos em busca de bons negócios. Democracia estável, com instituições cuja respeitabilidade havia sido restaurada com o Plano Real e com as conquistas sociais consolidadas na gestão do presidente Lula, tinha quase tudo por construir: novos aeroportos e portos, rodovias, ferrovias e hidrovias, usinas hidrelétricas, armazéns, presídios, hospitais e até escolas. O potencial na área de energia renovável aparecia como quase "infinito", e o pré-sal afigurava-se muito promissor. E, claro, acreditei nas promessas relacionadas à Copa e Olimpíada.
Não se tratava de entregar o País e suas riquezas à sanha do "capital imperialista internacional", mas de confirmar e estabelecer marcos regulatórios pautados em duas premissas simples e conciliáveis, como demonstra a história dos países desenvolvidos: o capital busca o lucro e a sociedade quer bem-estar. A resolução desta equação simples teria inundado o País de investimentos, já em 2011, assegurando a continuidade sustentável do crescimento quase chinês de 2010, com redistribuição e inclusão social. E uma economia movida a investimentos privados era, sem dúvida, a melhor solução para o governo concentrar seus recursos e atenção na melhoria das políticas públicas e da qualidade de vida da população, aproximando a realidade da propaganda oficial.
O governo eleito fez o contrário: paralisou os marcos regulatórios que funcionavam, não definiu os que faltavam e, quando o fez, errou ao considerar que o Brasil era tão importante a ponto de impor aos capitais um novo paradigma: investir sem lucro! Deixou passar a oportunidade: quando iniciou o programa de concessões "envergonhadas", já havia perdido o sincronismo dos investimentos com o ciclo ascendente da economia e a euforia já se transformara em pessimismo e desconfiança com tanta capacidade de errar.
Quando no futuro o mandato da Presidente Dilma for avaliado, provavelmente não será condenada por ter produzido pibinhos, mas sim pelas oportunidades "irrepetíveis" perdidas. E o pior é que recolocar o País em marcha implicará custos que já começam a se manifestar no iminente desemprego de trabalhadores de vários setores e na revolta da população com a situação dos serviços públicos. Resta saber se será possível, neste novo contexto de crescente irracionalidade alimentada por ferrenha militância, fazer um ajuste racional e consistente, ou se teremos que amargar mais um ciclo longo de deterioração e crise para criar condições para um novo Plano Real.
Esta semana recebi mensagem de uma pessoa que participou de uma palestra sobre as perspectivas da economia brasileira para o período pós-Lula, por mim proferida em setembro de 2010, na Escola Nacional de Seguros-RJ. Diz ela: "Professor, infelizmente o sr. não acertou quase nada (e o quase é porque não quero parecer agressivo!) e seu otimismo revelou-se ingênuo". O momento era de euforia e já estava claro que 2010 fecharia com forte crescimento do PIB. Também estavam claros os desajustes imediatos que precisariam ser corrigidos: ameaça inflacionária, sobrevalorização do câmbio, baixa taxa de investimentos e pressão sobre os gastos públicos. Ingênuo, considerei que estes problemas poderiam ser enfrentados com custos políticos baixos e aceitáveis, uma vez que não há melhor bálsamo que o crescimento que não precisaria ser interrompido para arrumar a casa. Otimista, projetei um período de crescimento robusto e errei feio.
E qual era a fonte do otimismo? O enfrentamento dos problemas da economia e da sociedade, quase todos relacionados aos déficits de infraestrutura das políticas públicas, formatava uma agenda virtuosa e viável para guiar a política econômica e social nos anos seguintes. O crescimento havia sido acionado pelo consumo público (gasto dos governos) e privado (crédito e crescimento da renda descolado da evolução da produtividade), e o desafio era elevar o investimento sem o que nenhum crescimento se sustenta. Em um mundo em crise, o Brasil aparecia como uma fronteira de oportunidades para capitais ociosos em busca de bons negócios. Democracia estável, com instituições cuja respeitabilidade havia sido restaurada com o Plano Real e com as conquistas sociais consolidadas na gestão do presidente Lula, tinha quase tudo por construir: novos aeroportos e portos, rodovias, ferrovias e hidrovias, usinas hidrelétricas, armazéns, presídios, hospitais e até escolas. O potencial na área de energia renovável aparecia como quase "infinito", e o pré-sal afigurava-se muito promissor. E, claro, acreditei nas promessas relacionadas à Copa e Olimpíada.
Não se tratava de entregar o País e suas riquezas à sanha do "capital imperialista internacional", mas de confirmar e estabelecer marcos regulatórios pautados em duas premissas simples e conciliáveis, como demonstra a história dos países desenvolvidos: o capital busca o lucro e a sociedade quer bem-estar. A resolução desta equação simples teria inundado o País de investimentos, já em 2011, assegurando a continuidade sustentável do crescimento quase chinês de 2010, com redistribuição e inclusão social. E uma economia movida a investimentos privados era, sem dúvida, a melhor solução para o governo concentrar seus recursos e atenção na melhoria das políticas públicas e da qualidade de vida da população, aproximando a realidade da propaganda oficial.
O governo eleito fez o contrário: paralisou os marcos regulatórios que funcionavam, não definiu os que faltavam e, quando o fez, errou ao considerar que o Brasil era tão importante a ponto de impor aos capitais um novo paradigma: investir sem lucro! Deixou passar a oportunidade: quando iniciou o programa de concessões "envergonhadas", já havia perdido o sincronismo dos investimentos com o ciclo ascendente da economia e a euforia já se transformara em pessimismo e desconfiança com tanta capacidade de errar.
Quando no futuro o mandato da Presidente Dilma for avaliado, provavelmente não será condenada por ter produzido pibinhos, mas sim pelas oportunidades "irrepetíveis" perdidas. E o pior é que recolocar o País em marcha implicará custos que já começam a se manifestar no iminente desemprego de trabalhadores de vários setores e na revolta da população com a situação dos serviços públicos. Resta saber se será possível, neste novo contexto de crescente irracionalidade alimentada por ferrenha militância, fazer um ajuste racional e consistente, ou se teremos que amargar mais um ciclo longo de deterioração e crise para criar condições para um novo Plano Real.
O Brasil e os "partidos da Copa" - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 10/06
País começou a falar sobre si, de modo extenso e dividido, por meio de opiniões sobre a Copa
NESTA COPA ou temporada pré-Copa viemos nos contando histórias interessantes sobre nós mesmos.
Como deve estar óbvio para quase todo mundo, tantos de nós passamos a exprimir opiniões sobre políticas públicas, problemas sociais e mesmo política, ponto, segundo a perspectiva que temos do torneio mundial de futebol e de suas implicações. Nossas divisões sobre a Copa se sobrepõem mesmo a divisões político-ideológicas ou partidárias.
Não é novidade, claro, que faz tempo falamos de nós mesmos por meio do futebol, em análises e mitos a respeito de detalhes das técnicas do jogo ao significado político e social de vitórias e derrotas. Mas, pelo menos agora, no calor da hora, parece que nunca falamos tão extensa e detalhadamente, para não dizer de modo tão dividido e politizado, sobre o significado da Copa, que decerto desta vez tem sua diferença, pois a organizamos.
A Copa deveria ser aqui? O "legado" será bom ou mau? Qual será? O que esse "legado" diz sobre o governo, a sociedade e mesmo sobre o "caráter nacional brasileiro" (vide as comparações com organização e tumultos em outros países, frases sobre "complexo de vira-latas", sobre nossa indisciplina essencial etc.).
Por causa da Copa, assistimos a acusações mais ou menos veladas de falta de patriotismo, de incapacidade de analisar benefícios econômicos das obras para o torneio, opinamos sobre preferências por "Estado" ou "iniciativa privada", sobre manipulações ideológicas do governo ou da "grande mídia" etc.
Muitos de nós fizemos questão de nos dividirmos em "partidos", #nãovaitercopa e #vaitercopa, cada um ainda com suas facções centristas e extremistas (por exemplo alguém pode ser #nãovaitercopa e torcer pelo time ou, então, por uma derrota apocalíptica nas oitavas de final ou numa final com a Argentina).
No mínimo, a maioria silenciosa manifestou-se por meio do seu desinteresse por isso que costumava ser um festival popular do país e um raro momento de celebração de ritos nacionalistas. Não ligamos muito para decorar ruas, casas e lojas; são mais escassas as conversas sobre reuniões e festas, públicas ou privadas, para vermos os jogos.
Correta ou não, a má impressão generalizada a respeito de vexames e desperdícios da organização influenciou a difusão do mau humor a partir de meados do ano passado. Talvez, em parte grande, o desencanto de outra ordem e origem tivesse contaminado o "clima de Copa" de qualquer maneira.
Pode ser mesmo que o fato de o time ser demasiadamente "estrangeiro" tenha influenciado no estranhamento. Para quem não acompanha muito estritamente futebol, o time começou a ser apresentado ao país na Copa das Confederações. O fato de a política e o negócio do futebol serem tão degradados por aqui tem levado nossos jogadores para fora, cada vez mais cedo. De resto, pelo menos para pessoas mais velhas, como este colunista, o time parece uma seleção da Alemanha com a diferença do Neymar.
Pode ser que tudo isso vire de cabeça para baixo depois de amanhã. No entanto, de interessante ficou que preferimos aderir aos #partidosdacopa a fim de falarmos de modo político sobre o país, ou pelo menos tais "partidos" causam mais entusiasmo do que os partidos realmente existentes.
País começou a falar sobre si, de modo extenso e dividido, por meio de opiniões sobre a Copa
NESTA COPA ou temporada pré-Copa viemos nos contando histórias interessantes sobre nós mesmos.
Como deve estar óbvio para quase todo mundo, tantos de nós passamos a exprimir opiniões sobre políticas públicas, problemas sociais e mesmo política, ponto, segundo a perspectiva que temos do torneio mundial de futebol e de suas implicações. Nossas divisões sobre a Copa se sobrepõem mesmo a divisões político-ideológicas ou partidárias.
Não é novidade, claro, que faz tempo falamos de nós mesmos por meio do futebol, em análises e mitos a respeito de detalhes das técnicas do jogo ao significado político e social de vitórias e derrotas. Mas, pelo menos agora, no calor da hora, parece que nunca falamos tão extensa e detalhadamente, para não dizer de modo tão dividido e politizado, sobre o significado da Copa, que decerto desta vez tem sua diferença, pois a organizamos.
A Copa deveria ser aqui? O "legado" será bom ou mau? Qual será? O que esse "legado" diz sobre o governo, a sociedade e mesmo sobre o "caráter nacional brasileiro" (vide as comparações com organização e tumultos em outros países, frases sobre "complexo de vira-latas", sobre nossa indisciplina essencial etc.).
Por causa da Copa, assistimos a acusações mais ou menos veladas de falta de patriotismo, de incapacidade de analisar benefícios econômicos das obras para o torneio, opinamos sobre preferências por "Estado" ou "iniciativa privada", sobre manipulações ideológicas do governo ou da "grande mídia" etc.
Muitos de nós fizemos questão de nos dividirmos em "partidos", #nãovaitercopa e #vaitercopa, cada um ainda com suas facções centristas e extremistas (por exemplo alguém pode ser #nãovaitercopa e torcer pelo time ou, então, por uma derrota apocalíptica nas oitavas de final ou numa final com a Argentina).
No mínimo, a maioria silenciosa manifestou-se por meio do seu desinteresse por isso que costumava ser um festival popular do país e um raro momento de celebração de ritos nacionalistas. Não ligamos muito para decorar ruas, casas e lojas; são mais escassas as conversas sobre reuniões e festas, públicas ou privadas, para vermos os jogos.
Correta ou não, a má impressão generalizada a respeito de vexames e desperdícios da organização influenciou a difusão do mau humor a partir de meados do ano passado. Talvez, em parte grande, o desencanto de outra ordem e origem tivesse contaminado o "clima de Copa" de qualquer maneira.
Pode ser mesmo que o fato de o time ser demasiadamente "estrangeiro" tenha influenciado no estranhamento. Para quem não acompanha muito estritamente futebol, o time começou a ser apresentado ao país na Copa das Confederações. O fato de a política e o negócio do futebol serem tão degradados por aqui tem levado nossos jogadores para fora, cada vez mais cedo. De resto, pelo menos para pessoas mais velhas, como este colunista, o time parece uma seleção da Alemanha com a diferença do Neymar.
Pode ser que tudo isso vire de cabeça para baixo depois de amanhã. No entanto, de interessante ficou que preferimos aderir aos #partidosdacopa a fim de falarmos de modo político sobre o país, ou pelo menos tais "partidos" causam mais entusiasmo do que os partidos realmente existentes.
Círculo vicioso - CELSO MING
O ESTADÃO - 10/06
Por que a poupança é cada vez menor no Brasil? Pesquisa feita pelo Centro de Estudos do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais, liderado por Carlos Antonio Rocca, revelou que a poupança brasileira é baixa principalmente porque a parcela das empresas vem caindo. Caiu de 10,5% do PIB em 2010 para 7,9% do PIB em 2013. Essa parcela corresponde a dois terços de toda a poupança nacional. E essa é uma das importantes conclusões.
Na entrevista publicada pelo Estadão de domingo, Rocca foi além. Adiantou que as empresas passaram a poupar menos porque os lucros caíram, o que leva a novas perguntas.
As Contas Nacionais indicam forte queda da participação da indústria no PIB, de 27,7% em 2000 para 25% em 2013. Por trás dessa queda está enorme perda de competitividade do setor produtivo. Os custos são crescentes, os bens importados chegam com mais força e não há negociação comercial que dê preferência ao produto brasileiro no exterior. Nessas condições, é claro que o retorno do investimento produtivo é mais baixo e a parcela a poupar, também.
Esse quadro tem tudo a ver com a política econômica adotada. Os economistas que defendem políticas heterodoxas (desenvolvimentistas) apontam o "câmbio fora do lugar" como principal fator de redução da competitividade das empresas brasileiras, principalmente da indústria.
O problema é que o próprio câmbio valorizado demais é consequência de desequilíbrios mais profundos. A baixa consistência das finanças públicas (despesas altas demais), por exemplo, produz inflação e até mesmo governos que adotam políticas protecionistas ao setor produtivo, como o atual, acabam se decidindo por uma valorização da moeda nacional (baixa do dólar em reais) para combater a inflação. Ou seja, mesmo quando "colocado no lugar", por intervenções do Banco Central, o câmbio não se sustenta aí. A inflação não deixa.
Neste momento de escassez de mão de obra, os custos trabalhistas avançam acima da produtividade do trabalho e também oneram as empresas e sua capacidade de gerar poupança. Chega, então, o ponto em que o baixo nível de poupança também se transforma em fator de redução de poupança, na medida em que derruba o investimento e estanca o retorno das empresas e, portanto, estanca a poupança. É um círculo vicioso.
A própria indústria contribui para a perpetuação desse estado de coisas, na medida em que seus dirigentes aplaudem políticas protecionistas ou a distribuição de isenções tributárias minimalistas que não atacam o problema.
O atual governo entende que o BNDES dá enorme contribuição para suprir a baixa capacidade de poupança e de investimento do setor produtivo brasileiro. Mas isso pode ser ilusório. Nada menos que 70% dos empréstimos do BNDES vão para empresas de grande porte que, em princípio, têm mais capacidade de levantar recursos para investimento. Além disso, a política de eleição dos futuros campeões nacionais para os quais vai um bom naco de recursos não se tem mostrado eficiente. Basta levar em conta alguns fracassos alarmantes, como o do Grupo Eike Batista e da LBR Laticínios.
Por que a poupança é cada vez menor no Brasil? Pesquisa feita pelo Centro de Estudos do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais, liderado por Carlos Antonio Rocca, revelou que a poupança brasileira é baixa principalmente porque a parcela das empresas vem caindo. Caiu de 10,5% do PIB em 2010 para 7,9% do PIB em 2013. Essa parcela corresponde a dois terços de toda a poupança nacional. E essa é uma das importantes conclusões.
Na entrevista publicada pelo Estadão de domingo, Rocca foi além. Adiantou que as empresas passaram a poupar menos porque os lucros caíram, o que leva a novas perguntas.
As Contas Nacionais indicam forte queda da participação da indústria no PIB, de 27,7% em 2000 para 25% em 2013. Por trás dessa queda está enorme perda de competitividade do setor produtivo. Os custos são crescentes, os bens importados chegam com mais força e não há negociação comercial que dê preferência ao produto brasileiro no exterior. Nessas condições, é claro que o retorno do investimento produtivo é mais baixo e a parcela a poupar, também.
Esse quadro tem tudo a ver com a política econômica adotada. Os economistas que defendem políticas heterodoxas (desenvolvimentistas) apontam o "câmbio fora do lugar" como principal fator de redução da competitividade das empresas brasileiras, principalmente da indústria.
O problema é que o próprio câmbio valorizado demais é consequência de desequilíbrios mais profundos. A baixa consistência das finanças públicas (despesas altas demais), por exemplo, produz inflação e até mesmo governos que adotam políticas protecionistas ao setor produtivo, como o atual, acabam se decidindo por uma valorização da moeda nacional (baixa do dólar em reais) para combater a inflação. Ou seja, mesmo quando "colocado no lugar", por intervenções do Banco Central, o câmbio não se sustenta aí. A inflação não deixa.
Neste momento de escassez de mão de obra, os custos trabalhistas avançam acima da produtividade do trabalho e também oneram as empresas e sua capacidade de gerar poupança. Chega, então, o ponto em que o baixo nível de poupança também se transforma em fator de redução de poupança, na medida em que derruba o investimento e estanca o retorno das empresas e, portanto, estanca a poupança. É um círculo vicioso.
A própria indústria contribui para a perpetuação desse estado de coisas, na medida em que seus dirigentes aplaudem políticas protecionistas ou a distribuição de isenções tributárias minimalistas que não atacam o problema.
O atual governo entende que o BNDES dá enorme contribuição para suprir a baixa capacidade de poupança e de investimento do setor produtivo brasileiro. Mas isso pode ser ilusório. Nada menos que 70% dos empréstimos do BNDES vão para empresas de grande porte que, em princípio, têm mais capacidade de levantar recursos para investimento. Além disso, a política de eleição dos futuros campeões nacionais para os quais vai um bom naco de recursos não se tem mostrado eficiente. Basta levar em conta alguns fracassos alarmantes, como o do Grupo Eike Batista e da LBR Laticínios.
Freio no investimento - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 10/06
Os números do setor de máquinas são o reflexo do freio dos investimentos no país. De janeiro a abril deste ano, o consumo aparente, que contabiliza a produção nacional vendida internamente mais as importações, caiu 8,2% e foi o menor dos últimos dois anos. A carteira de pedidos está mais baixa do que em 2009, no auge da crise internacional. AAbimaq projeta fechar o ano com uma retração de dois dígitos.
0presidente da Abimaq, Carlos Pastoriza, explica que a indústria de máquinas e equipamentos representa 50% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o indicador do IBGE que mede os investimentos. Nos quatro primeiros meses do ano, o faturamento interno do setor caiu 20% sobre o mesmo período de 2013. Ao mesmo tempo, as importações encolheram 5%. Os dois números juntos mostram que as empresas brasileiras compraram menos máquinas, sejam elas fabricadas aqui ou não (vejam no gráfico).
— A indústria de máquinas como um todo fechou 2012 com queda de 2,7%. No ano passado, o tombo foi maior, de 5,7%. Para este ano, projetamos uma retração que chega a dois dígitos, entre 10% e 15%. Será o terceiro ano seguido de queda. Estamos em recessão — afirmou Carlos Pastoriza.
A utilização do parque industrial de máquinas está em 75% este ano, segundo a Abimaq, abaixo do mesmo período de 2009, que era de 80%. A carteira de pedidos está em 3,2 meses, também menor que os 4,4 daquele ano. Os números são ruins e há pouca expectativa de melhora até dezembro.
— Há três semanas houve a realização da maior feira no país da indústria metal-mecânica, em São Paulo. Houve relatos de associados de que esse foi o pior evento nos últimos 20 anos, com um volume de negócios 30% menor. Não há apetite para investir — disse.
O economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, espera uma nova retração dos investimentos no PIB do segundo trimestre, depois de três quedas consecutivas. Ele lembra que a produção de bens de capital caiu 0,5% em abril, pelo dado divulgado pelo IBGE, e que as incertezas para o resto do ano continuam: preços represados, risco de racionamento, inflação alta, crédito mais caro e redução do consumo:
— Acredito que o PIB ficará estagnado no segundo trimestre, com risco de ser negativo. Para o ano, crescerá apenas 1%. Há muitas incertezas para serem resolvidas em 2015.
Países ricos vão às compras
Em meio a vários números ruins, a Abimaq comemora o forte aumento das exportações para os EUA e a Europa. As vendas de máquinas e equipamentos para os americanos, de janeiro a abril, cresceram 76%, de US$ 678 milhões para US$ 1,19 bi. Para os europeus, aumento de 36%. Segundo Carlos Pastoriza, presidente da entidade, os dados mostram que as duas regiões continuam em recuperação e puxam o setor no mundo. Já as exportações do Brasil para a Argentina, em crise, caíram 13,4% no mesmo período.
IPCA: acima do teto antes da eleição
A pesquisa Focus divulgada ontem pelo Banco Central mostrou que a previsão do mercado é de inflação de 0,36% em junho e 0,28% em julho. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses subiria para 6,47% e 6,72%, respectivamente, estourando o teto da meta (6,5%). O índice de julho será divulgado no dia 8 de agosto, a dois meses das eleições. No dia 29 do mesmo mês, sai o PIB do segundo trimestre, que será baixo. Há risco até de retração.
ENQUANTO ISSO, NO MÉXICO
A inflação brasileira passa de 6%, mas, no México, a taxa anual foi de 3,5% em maio. Na última sexta-feira, o BC mexicano surpreendeu com um corte de juros para 3%, o menor nível já
registrado. A surpresa aconteceu porque inflação de 3,5%, lá, é considerada alta pelo mercado, já que a meta é 3%, com tolerância de apenas um ponto.
Os números do setor de máquinas são o reflexo do freio dos investimentos no país. De janeiro a abril deste ano, o consumo aparente, que contabiliza a produção nacional vendida internamente mais as importações, caiu 8,2% e foi o menor dos últimos dois anos. A carteira de pedidos está mais baixa do que em 2009, no auge da crise internacional. AAbimaq projeta fechar o ano com uma retração de dois dígitos.
0presidente da Abimaq, Carlos Pastoriza, explica que a indústria de máquinas e equipamentos representa 50% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o indicador do IBGE que mede os investimentos. Nos quatro primeiros meses do ano, o faturamento interno do setor caiu 20% sobre o mesmo período de 2013. Ao mesmo tempo, as importações encolheram 5%. Os dois números juntos mostram que as empresas brasileiras compraram menos máquinas, sejam elas fabricadas aqui ou não (vejam no gráfico).
— A indústria de máquinas como um todo fechou 2012 com queda de 2,7%. No ano passado, o tombo foi maior, de 5,7%. Para este ano, projetamos uma retração que chega a dois dígitos, entre 10% e 15%. Será o terceiro ano seguido de queda. Estamos em recessão — afirmou Carlos Pastoriza.
A utilização do parque industrial de máquinas está em 75% este ano, segundo a Abimaq, abaixo do mesmo período de 2009, que era de 80%. A carteira de pedidos está em 3,2 meses, também menor que os 4,4 daquele ano. Os números são ruins e há pouca expectativa de melhora até dezembro.
— Há três semanas houve a realização da maior feira no país da indústria metal-mecânica, em São Paulo. Houve relatos de associados de que esse foi o pior evento nos últimos 20 anos, com um volume de negócios 30% menor. Não há apetite para investir — disse.
O economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, espera uma nova retração dos investimentos no PIB do segundo trimestre, depois de três quedas consecutivas. Ele lembra que a produção de bens de capital caiu 0,5% em abril, pelo dado divulgado pelo IBGE, e que as incertezas para o resto do ano continuam: preços represados, risco de racionamento, inflação alta, crédito mais caro e redução do consumo:
— Acredito que o PIB ficará estagnado no segundo trimestre, com risco de ser negativo. Para o ano, crescerá apenas 1%. Há muitas incertezas para serem resolvidas em 2015.
Países ricos vão às compras
Em meio a vários números ruins, a Abimaq comemora o forte aumento das exportações para os EUA e a Europa. As vendas de máquinas e equipamentos para os americanos, de janeiro a abril, cresceram 76%, de US$ 678 milhões para US$ 1,19 bi. Para os europeus, aumento de 36%. Segundo Carlos Pastoriza, presidente da entidade, os dados mostram que as duas regiões continuam em recuperação e puxam o setor no mundo. Já as exportações do Brasil para a Argentina, em crise, caíram 13,4% no mesmo período.
IPCA: acima do teto antes da eleição
A pesquisa Focus divulgada ontem pelo Banco Central mostrou que a previsão do mercado é de inflação de 0,36% em junho e 0,28% em julho. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses subiria para 6,47% e 6,72%, respectivamente, estourando o teto da meta (6,5%). O índice de julho será divulgado no dia 8 de agosto, a dois meses das eleições. No dia 29 do mesmo mês, sai o PIB do segundo trimestre, que será baixo. Há risco até de retração.
ENQUANTO ISSO, NO MÉXICO
A inflação brasileira passa de 6%, mas, no México, a taxa anual foi de 3,5% em maio. Na última sexta-feira, o BC mexicano surpreendeu com um corte de juros para 3%, o menor nível já
registrado. A surpresa aconteceu porque inflação de 3,5%, lá, é considerada alta pelo mercado, já que a meta é 3%, com tolerância de apenas um ponto.
Pleno emprego precário - JOSÉ PAULO KUPFER
O ESTADÃO - 10/06
Muito se tem falado sobre o mercado de trabalho brasileiro e as taxas de desemprego. Análises e mais análises são despejadas a cada divulgação pelo IBGE da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) ou da nova Pnad Contínua - como ocorreu com esta última, na semana passada, em que o desemprego reafirmou tendência já antiga de estabilidade, em níveis baixos.
Reforçada a cada momento, a expectativa de reversão da curva do desemprego rumo a uma trajetória mais negativa, condizente com os padrões "normais", em que ritmo de atividades e desemprego são inversamente relacionados, nunca chega. Cresce, nessa circunstância, a exigência de um diagnóstico mais convincente da situação aparentemente enigmática da combinação de baixo crescimento com baixo desemprego.
Como é comum nessas ocasiões, a prioridade na busca de respostas para esclarecer o "mistério" e apontar perspectivas de futuro, com suas consequências, joga elementos cruciais, escondidos nos dados agregados, para um longíquo segundo plano. É o caso do perfil e dos níveis de qualidade das ocupações que compõem a estrutura do mercado de trabalho.
É desse problema, relativamente bem detectado, mas pouco explorado em seus detalhes e consequências, que os alunos (conhecidos como "focas", o jargão das redações para os jornalistas inexperientes) do 4.º Curso Estado de Jornalismo Econômico decidiram se ocupar, em seu trabalho de conclusão de curso. O resultado, altamente recomendável como material informativo, encontra-se bem organizado num completo e ágil conjunto de reportagens, gráficos e vídeos, em versão digital e impressa (Há vagas#sóquenão; em http://migre.me/jIXzf).
A contradição do baixo crescimento combinado com baixo desemprego, em situação tida como de "pleno emprego", tem sido geralmente explicada, em resumo, pelo encolhimento do ritmo de expansão da População Economicamente Ativa (PEA), em relação ao ritmo de expansão da população ocupada (PO). Complementa o diagnóstico genérico o fato de que as empresas hesitam em demitir, em razão dos altos custos de treinamento e de demissão e admissão de empregados.
Ao garimpar estatísticas desagregadas do mercado de trabalho, os "focas" do Estadão ressaltaram números que ajudam a desfazer o enigma do baixo desemprego com baixo crescimento com base em indicações menos convencionais. Eles observaram, por exemplo, que, nos últimos dois anos, período em que o ritmo de crescimento da economia despencou, 75% das contratações foram absorvidas pelo setor de serviços, com destaque para o comércio. Esse comércio, não custa lembrar, é, por definição das estatísticas do mercado de trabalho, aquele tomado em sentido amplo, incluindo a venda em barraquinhas na rua ou até mesmo em sinais de trânsito.
Existem, claro, serviços altamente qualificados - em engenharia, finanças, tecnologia etc. -, mas, no mercado brasileiro, o grosso da ocupação no setor de serviços é caracterizado por aquele em que a qualificação exigida é mais baixa e, em consequência, produtividade e remuneração tendem a ser menores.
A precariedade no trabalho - definida pela subocupação e a sub-remuneração -, bem típica do setor que mais emprega no Brasil, atinge cerca de 25% do contingente total de trabalhadores, conforme dados da PNAD-2012, destacados no material levantado pelo "focas". No setor de serviços, a remuneração média está abaixo de dois salários mínimos e a rotatividade anual, indicador da qualidade do trabalho, assume taxas absurdas - 65% no total e 90% entre jovens de 18 a 24 anos.
A conclusão, em última análise, é a de que o trabalho precário, compatível com o baixo crescimento, ajudou a garantir, nos últimos anos, o "pleno emprego" que tanto o governo quanto seus críticos utilizam para defender e atacar a política econômica vigente.
Muito se tem falado sobre o mercado de trabalho brasileiro e as taxas de desemprego. Análises e mais análises são despejadas a cada divulgação pelo IBGE da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) ou da nova Pnad Contínua - como ocorreu com esta última, na semana passada, em que o desemprego reafirmou tendência já antiga de estabilidade, em níveis baixos.
Reforçada a cada momento, a expectativa de reversão da curva do desemprego rumo a uma trajetória mais negativa, condizente com os padrões "normais", em que ritmo de atividades e desemprego são inversamente relacionados, nunca chega. Cresce, nessa circunstância, a exigência de um diagnóstico mais convincente da situação aparentemente enigmática da combinação de baixo crescimento com baixo desemprego.
Como é comum nessas ocasiões, a prioridade na busca de respostas para esclarecer o "mistério" e apontar perspectivas de futuro, com suas consequências, joga elementos cruciais, escondidos nos dados agregados, para um longíquo segundo plano. É o caso do perfil e dos níveis de qualidade das ocupações que compõem a estrutura do mercado de trabalho.
É desse problema, relativamente bem detectado, mas pouco explorado em seus detalhes e consequências, que os alunos (conhecidos como "focas", o jargão das redações para os jornalistas inexperientes) do 4.º Curso Estado de Jornalismo Econômico decidiram se ocupar, em seu trabalho de conclusão de curso. O resultado, altamente recomendável como material informativo, encontra-se bem organizado num completo e ágil conjunto de reportagens, gráficos e vídeos, em versão digital e impressa (Há vagas#sóquenão; em http://migre.me/jIXzf).
A contradição do baixo crescimento combinado com baixo desemprego, em situação tida como de "pleno emprego", tem sido geralmente explicada, em resumo, pelo encolhimento do ritmo de expansão da População Economicamente Ativa (PEA), em relação ao ritmo de expansão da população ocupada (PO). Complementa o diagnóstico genérico o fato de que as empresas hesitam em demitir, em razão dos altos custos de treinamento e de demissão e admissão de empregados.
Ao garimpar estatísticas desagregadas do mercado de trabalho, os "focas" do Estadão ressaltaram números que ajudam a desfazer o enigma do baixo desemprego com baixo crescimento com base em indicações menos convencionais. Eles observaram, por exemplo, que, nos últimos dois anos, período em que o ritmo de crescimento da economia despencou, 75% das contratações foram absorvidas pelo setor de serviços, com destaque para o comércio. Esse comércio, não custa lembrar, é, por definição das estatísticas do mercado de trabalho, aquele tomado em sentido amplo, incluindo a venda em barraquinhas na rua ou até mesmo em sinais de trânsito.
Existem, claro, serviços altamente qualificados - em engenharia, finanças, tecnologia etc. -, mas, no mercado brasileiro, o grosso da ocupação no setor de serviços é caracterizado por aquele em que a qualificação exigida é mais baixa e, em consequência, produtividade e remuneração tendem a ser menores.
A precariedade no trabalho - definida pela subocupação e a sub-remuneração -, bem típica do setor que mais emprega no Brasil, atinge cerca de 25% do contingente total de trabalhadores, conforme dados da PNAD-2012, destacados no material levantado pelo "focas". No setor de serviços, a remuneração média está abaixo de dois salários mínimos e a rotatividade anual, indicador da qualidade do trabalho, assume taxas absurdas - 65% no total e 90% entre jovens de 18 a 24 anos.
A conclusão, em última análise, é a de que o trabalho precário, compatível com o baixo crescimento, ajudou a garantir, nos últimos anos, o "pleno emprego" que tanto o governo quanto seus críticos utilizam para defender e atacar a política econômica vigente.
Lucros na África - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 10/06
Crescem suspeitas sobre contratos de US$ 1,1 bilhão concedidos a uma empresa brasileira pela cleptocracia do Congo, que recebeu o perdão de 79% da dívida do país
Numa tarde de quarta-feira de um ano atrás, 22 de maio, Dilma Rousseff pediu e o Senado concedeu, sem debate, perdão sobre 79% da dívida que o Congo-Brazzaville mantinha pendente com o Brasil há quatro décadas.
O débito somava US$ 353 milhões. O governo brasileiro renunciou a US$ 278 milhões. Aceitou receber US$ 68,8 milhões — em até 20 parcelas trimestrais até 2019 —, do país que é o quarto maior produtor de petróleo da África.
O perdão de Dilma foi o desfecho de uma operação iniciada em 2005 no Ministério da Fazenda, sob o comando de Antonio Palocci. O objetivo era abrir caminho para empreitadas privadas brasileiras no Congo-Brazzaville.
Cravado no coração africano, tem o tamanho de Goiás. É referência no mapa de produção de petróleo e se destaca na rota dos diamantes “de sangue” — sem origem —, moeda corrente no submundo de armas e do narcotráfico.
Seus quatro milhões de habitantes sobrevivem com renda per capita (US$ 2.700) semelhante à do Paraguai. O poder local está concentrado no clã de Denis Sassou Nguesso, de 71 anos, que se tornou um dos mais longevos cleptocratas africanos. Ex-pobres, os Nguesso detêm bilionário patrimônio no qual constam 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera — segundo documentos de tribunais de Londres e Paris.
O herdeiro político, Denis Christel Nguesso, dirige os negócios do petróleo e tem peculiar apreço pela ostentação: extratos de seus cartões de crédito, anexados a processos por corrupção na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de extravagâncias na compra de roupas no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Para a Justiça britânica é óbvio que ele é financiado “pelos lucros secretos obtidos em negociações da estatal de petróleo”, como afirmou o juiz Stanley Burnton em sentença.
Os Nguesso têm intensificado seus laços com o Brasil. Com o perdão da dívida caloteada nos anos 70, o clã congolês já entregou US$ 1 bilhão em contratos ao grupo Asperbrás, controlado pelos empresários José Roberto e Francisco Carlos Jorge Colnaghi, de Penápolis (SP), cuja receita com a venda de tubos e conexões no mercado brasileiro foi de US$ 15 milhões no ano passado.
Do total contratado, US$ 400 milhões foram para perfuração de quatro mil poços artesianos. O preço médio (US$ 100 mil por furo) ficou dez vezes acima do que é pago pelos países vizinhos. Outros US$ 200 milhões foram destinados a um mapeamento geológico por fotografia, nove vezes mais caro do que o similar executado em Camarões com crédito do Banco Mundial. E houve mais US$ 500 milhões para a construção de alguns galpões industriais em área próxima da capital.
A oposição e organizações civis internacionais com atividade no país estão convencidas de que os Nguesso agregaram a Asperbrás aos seus interesses patrimoniais. Os Colnaghi têm crescido em negócios centro-africanos, às vezes apoiados pelo empresário Maxime Gandzion, predileto dos Nguesso para contratos de petróleo. No Brasil mantêm relações fluidas com Palocci, um dos mais discretos caciques do PT, ex-ministro e chefe da campanha eleitoral de Lula em 2002 e de Dilma em 2010. Costumam emprestar-lhe aviões da frota familiar, especialmente um modelo Citation (prefixo PT-XAC).
Crescem suspeitas sobre contratos de US$ 1,1 bilhão concedidos a uma empresa brasileira pela cleptocracia do Congo, que recebeu o perdão de 79% da dívida do país
Numa tarde de quarta-feira de um ano atrás, 22 de maio, Dilma Rousseff pediu e o Senado concedeu, sem debate, perdão sobre 79% da dívida que o Congo-Brazzaville mantinha pendente com o Brasil há quatro décadas.
O débito somava US$ 353 milhões. O governo brasileiro renunciou a US$ 278 milhões. Aceitou receber US$ 68,8 milhões — em até 20 parcelas trimestrais até 2019 —, do país que é o quarto maior produtor de petróleo da África.
O perdão de Dilma foi o desfecho de uma operação iniciada em 2005 no Ministério da Fazenda, sob o comando de Antonio Palocci. O objetivo era abrir caminho para empreitadas privadas brasileiras no Congo-Brazzaville.
Cravado no coração africano, tem o tamanho de Goiás. É referência no mapa de produção de petróleo e se destaca na rota dos diamantes “de sangue” — sem origem —, moeda corrente no submundo de armas e do narcotráfico.
Seus quatro milhões de habitantes sobrevivem com renda per capita (US$ 2.700) semelhante à do Paraguai. O poder local está concentrado no clã de Denis Sassou Nguesso, de 71 anos, que se tornou um dos mais longevos cleptocratas africanos. Ex-pobres, os Nguesso detêm bilionário patrimônio no qual constam 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera — segundo documentos de tribunais de Londres e Paris.
O herdeiro político, Denis Christel Nguesso, dirige os negócios do petróleo e tem peculiar apreço pela ostentação: extratos de seus cartões de crédito, anexados a processos por corrupção na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de extravagâncias na compra de roupas no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Para a Justiça britânica é óbvio que ele é financiado “pelos lucros secretos obtidos em negociações da estatal de petróleo”, como afirmou o juiz Stanley Burnton em sentença.
Os Nguesso têm intensificado seus laços com o Brasil. Com o perdão da dívida caloteada nos anos 70, o clã congolês já entregou US$ 1 bilhão em contratos ao grupo Asperbrás, controlado pelos empresários José Roberto e Francisco Carlos Jorge Colnaghi, de Penápolis (SP), cuja receita com a venda de tubos e conexões no mercado brasileiro foi de US$ 15 milhões no ano passado.
Do total contratado, US$ 400 milhões foram para perfuração de quatro mil poços artesianos. O preço médio (US$ 100 mil por furo) ficou dez vezes acima do que é pago pelos países vizinhos. Outros US$ 200 milhões foram destinados a um mapeamento geológico por fotografia, nove vezes mais caro do que o similar executado em Camarões com crédito do Banco Mundial. E houve mais US$ 500 milhões para a construção de alguns galpões industriais em área próxima da capital.
A oposição e organizações civis internacionais com atividade no país estão convencidas de que os Nguesso agregaram a Asperbrás aos seus interesses patrimoniais. Os Colnaghi têm crescido em negócios centro-africanos, às vezes apoiados pelo empresário Maxime Gandzion, predileto dos Nguesso para contratos de petróleo. No Brasil mantêm relações fluidas com Palocci, um dos mais discretos caciques do PT, ex-ministro e chefe da campanha eleitoral de Lula em 2002 e de Dilma em 2010. Costumam emprestar-lhe aviões da frota familiar, especialmente um modelo Citation (prefixo PT-XAC).
Plano inclinado RUBENS BARBOSA
O ESTADO DE S.PAULO - 10/06
Neste espaço, em artigo intitulado Sumiço do Brasil e Itamaraty marginalizado (25/3), critiquei há quase três meses proposta em estudo na Presidência da República de criação de um Conselho Nacional de Política Externa, para institucionalizar o controle dos movimentos sociais sobre a formulação e a implementação da política externa. Fui desmentido e alvo de ataques na mídia social. Agora, porém, com a edição de decreto presidencial que cria o Sistema Nacional de Participação Social, meu receio em relação ao Itamaraty não só se confirmou, como minha preocupação cresceu ainda mais, pois a medida, recém-anunciada, foi ampliada e se tornou obrigatória para toda a administração pública federal, direta ou indireta.
A Política Nacional de Participação Social (PNPS), recentemente criada, é uma das medidas mais ousadas adotadas pelo PT em todo o seu governo. A nova legislação tem como objetivo fortalecer a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil, definida como "o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações".
A medida legal determina que os ministérios, autarquias, empresas estatais e até agências reguladoras devem considerar as diretrizes da política de participação social na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas públicas. Os mecanismos de participação social criados para interagir com o governo são conselhos e comissões de políticas públicas, conferências nacionais, ouvidorias, mesas de diálogo, audiências e consultas públicas e ambiente virtual de participação social. Os conselhos de políticas públicas têm competência para "participar no processo decisório e na gestão de políticas públicas", a conferência nacional "pode interferir na formulação e na avaliação" dessas políticas" e a mesa de diálogo "poderia mediar e solucionar conflitos sociais".
A Secretaria-Geral da Presidência da República presidirá um novo órgão da administração, a mesa de monitoramento das demandas sociais, responsável pela coordenação e pelo encaminhamento de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas. Essa competência parece chocar-se com a disposição constitucional que dá atribuição exclusiva aos ministros de Estado de coordenar os demais órgãos e entidades da administração pública federal em sua área de competência.
A Constituição federal prescreve que a soberania popular se exerce pelo voto, com igual valor para todos. O controle partidário dos movimentos sociais fará com que as plataformas políticas do partido sejam necessariamente examinadas por todos os ministérios e entes públicos, já que a legislação determina sua participação no processo decisório e na formulação dessas políticas. O controle social das ações públicas trará profundas repercussões na vida diária das empresas e dos cidadãos.
O Legislativo, que, segundo a Constituição, tem a atribuição de exercer o acompanhamento e a fiscalização dos atos do Executivo, terá de competir com os movimentos sociais, visto que, na realidade, estará sendo substituído por um poder paralelo com funções mais amplas que as do Congresso Nacional.
Ninguém pode ser contra audiências e consultas públicas, como vem ocorrendo no âmbito do Congresso, com ampla participação da sociedade civil. As preocupações surgidas são legitimas, porque a política de participação social inova na medida em que passa a interferir na formulação e no processo decisório de políticas públicas. Essa é a grande novidade, que vai além de um mero órgão consultivo, como poderia ser entendido pela possibilidade de levar propostas para consideração dos órgãos públicos. Em vista da legislação vigente, para entrar em vigor a nova política deveria ser amplamente discutida e aprovada pelo Congresso, visto que interfere nas competências constitucionais do Executivo e do Legislativo. Da forma como foram criados, os mecanismos de controle social despertam preocupação sobre suas motivações e oportunidade. O uso da expressão "mesa de dialogo", inexistente em português, mas corrente nos países bolivarianos, pode dar uma pista...
A política de participação social, embora de difícil execução na prática, caso seja efetivamente aplicada, vai transformar o País num grande fórum de discussão de políticas governamentais, muitas delas confidenciais por sua própria natureza. Trata-se de assembleísmo elevado à potência máxima, que deverá tornar o País muito mais burocrático do que já é.
Como o Ministério da Fazenda ou o Banco Central vão discutir a taxa de câmbio com os movimentos sociais? A criação desses mecanismos de participação social, dependendo de como forem constituídos, completará, na política externa, o processo de esvaziamento do Itamaraty, já sem força para formular plenamente políticas que envolvem os interesses do Brasil em relação a terceiros países.
O anúncio dessa política adiciona mais um elemento da plataforma do PT nas ações de governo. Nas últimas semanas foi anunciado que, em eventual segundo mandato, o atual governo petista vai buscar aprovar medidas para efetivar o controle social da imprensa e o controle econômico dos meios de comunicação. De quando em quando se fala em recorrer a plebiscitos para aprovar certas medidas difíceis de serem aprovadas segundo a legislação vigente.
Não conheço nenhum país onde os movimentos sociais participem das decisões e da formulação de políticas no Executivo, a não ser países como a China, a Venezuela e outros onde o Executivo é submetido ao domínio do partido único, que diz atuar em nome da sociedade civil.
Esse é um dos temas mais relevantes da atualidade, pois tem tudo que ver com a democracia e a representação, segundo a Constituição.
Neste espaço, em artigo intitulado Sumiço do Brasil e Itamaraty marginalizado (25/3), critiquei há quase três meses proposta em estudo na Presidência da República de criação de um Conselho Nacional de Política Externa, para institucionalizar o controle dos movimentos sociais sobre a formulação e a implementação da política externa. Fui desmentido e alvo de ataques na mídia social. Agora, porém, com a edição de decreto presidencial que cria o Sistema Nacional de Participação Social, meu receio em relação ao Itamaraty não só se confirmou, como minha preocupação cresceu ainda mais, pois a medida, recém-anunciada, foi ampliada e se tornou obrigatória para toda a administração pública federal, direta ou indireta.
A Política Nacional de Participação Social (PNPS), recentemente criada, é uma das medidas mais ousadas adotadas pelo PT em todo o seu governo. A nova legislação tem como objetivo fortalecer a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil, definida como "o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações".
A medida legal determina que os ministérios, autarquias, empresas estatais e até agências reguladoras devem considerar as diretrizes da política de participação social na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas públicas. Os mecanismos de participação social criados para interagir com o governo são conselhos e comissões de políticas públicas, conferências nacionais, ouvidorias, mesas de diálogo, audiências e consultas públicas e ambiente virtual de participação social. Os conselhos de políticas públicas têm competência para "participar no processo decisório e na gestão de políticas públicas", a conferência nacional "pode interferir na formulação e na avaliação" dessas políticas" e a mesa de diálogo "poderia mediar e solucionar conflitos sociais".
A Secretaria-Geral da Presidência da República presidirá um novo órgão da administração, a mesa de monitoramento das demandas sociais, responsável pela coordenação e pelo encaminhamento de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas. Essa competência parece chocar-se com a disposição constitucional que dá atribuição exclusiva aos ministros de Estado de coordenar os demais órgãos e entidades da administração pública federal em sua área de competência.
A Constituição federal prescreve que a soberania popular se exerce pelo voto, com igual valor para todos. O controle partidário dos movimentos sociais fará com que as plataformas políticas do partido sejam necessariamente examinadas por todos os ministérios e entes públicos, já que a legislação determina sua participação no processo decisório e na formulação dessas políticas. O controle social das ações públicas trará profundas repercussões na vida diária das empresas e dos cidadãos.
O Legislativo, que, segundo a Constituição, tem a atribuição de exercer o acompanhamento e a fiscalização dos atos do Executivo, terá de competir com os movimentos sociais, visto que, na realidade, estará sendo substituído por um poder paralelo com funções mais amplas que as do Congresso Nacional.
Ninguém pode ser contra audiências e consultas públicas, como vem ocorrendo no âmbito do Congresso, com ampla participação da sociedade civil. As preocupações surgidas são legitimas, porque a política de participação social inova na medida em que passa a interferir na formulação e no processo decisório de políticas públicas. Essa é a grande novidade, que vai além de um mero órgão consultivo, como poderia ser entendido pela possibilidade de levar propostas para consideração dos órgãos públicos. Em vista da legislação vigente, para entrar em vigor a nova política deveria ser amplamente discutida e aprovada pelo Congresso, visto que interfere nas competências constitucionais do Executivo e do Legislativo. Da forma como foram criados, os mecanismos de controle social despertam preocupação sobre suas motivações e oportunidade. O uso da expressão "mesa de dialogo", inexistente em português, mas corrente nos países bolivarianos, pode dar uma pista...
A política de participação social, embora de difícil execução na prática, caso seja efetivamente aplicada, vai transformar o País num grande fórum de discussão de políticas governamentais, muitas delas confidenciais por sua própria natureza. Trata-se de assembleísmo elevado à potência máxima, que deverá tornar o País muito mais burocrático do que já é.
Como o Ministério da Fazenda ou o Banco Central vão discutir a taxa de câmbio com os movimentos sociais? A criação desses mecanismos de participação social, dependendo de como forem constituídos, completará, na política externa, o processo de esvaziamento do Itamaraty, já sem força para formular plenamente políticas que envolvem os interesses do Brasil em relação a terceiros países.
O anúncio dessa política adiciona mais um elemento da plataforma do PT nas ações de governo. Nas últimas semanas foi anunciado que, em eventual segundo mandato, o atual governo petista vai buscar aprovar medidas para efetivar o controle social da imprensa e o controle econômico dos meios de comunicação. De quando em quando se fala em recorrer a plebiscitos para aprovar certas medidas difíceis de serem aprovadas segundo a legislação vigente.
Não conheço nenhum país onde os movimentos sociais participem das decisões e da formulação de políticas no Executivo, a não ser países como a China, a Venezuela e outros onde o Executivo é submetido ao domínio do partido único, que diz atuar em nome da sociedade civil.
Esse é um dos temas mais relevantes da atualidade, pois tem tudo que ver com a democracia e a representação, segundo a Constituição.
Por um Congresso inexpressivo - IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FOLHA DE SP - 10//06
Serão os "amigos do rei" os beneficiados pelas indicações às comissões de consulta popular, num verdadeiro aparelhamento do Executivo
A Política Nacional de Participação Social (PNPS), tal como descrita no decreto nº 8.243/14, tende a substituir o Congresso Nacional na representação popular, para "fortalecer e articular mecanismos e instâncias democráticas de diálogo" e em "atuação conjunta com a administração pública federal" da "sociedade civil" (art. 1º), criar conselhos e comissões de políticas públicas e sociais (artigos 10 e 11) eleitos pelo povo, objetivando auxiliar a Secretaria Geral da Presidência da República (artigo 9º) a monitor e implementar as políticas sociais por eles definidas, com atuação junto às diversas instâncias governamentais.
Num curto artigo, é impossível descrever e analisar o nível de força que se pretende atribuir a instrumentos "populares", na promoção com o governo, das políticas que desejarem, sem a participação dos legítimos representantes do povo, que são os senadores e deputados.
Como os conselhos e as comissões serão eleitos pelo "povo", mas a eleição não é obrigatória e o "povo" dificilmente terá condições de dedicar-se em tempo integral, deixando trabalho ou ocupações diversas, para estar presente nessas "eleições", serão os "amigos do rei" os beneficiados pelas indicações, que lá estarão presentes, num verdadeiro aparelhamento do Executivo e redução do Congresso Nacional à sua expressão nenhuma.
Por pior que seja, o Legislativo é eleito pelo povo. Nele está contida 100% da representação popular (situação e oposição). No atual Executivo, nem 50% do povo brasileiro está representado, pois a atual presidente teve que ir ao 2º turno para ganhar as eleições.
Em outras palavras, pretende o decreto que a autêntica representação popular de 140 milhões de brasileiros seja substituída por um punhado de pessoas, que passará a DEFINIR A POLÍTICA SOCIAL DE TODOS OS MINISTÉRIOS, INDICANDO AO EXECUTIVO COMO DEVE AGIR!
A linha da proposta é tornar o Congresso Nacional uma Casa de tertúlias acadêmicas, pois os conselhos e comissões eleitos pelo "povo" serão aqueles que dirigirão o país. Por exemplo, a comissão encarregada da comunicação social poderá determinar que o ministério correspondente imponha restrição de conteúdo à imprensa, a pretexto de que é esta a "vontade do povo", que será "obrigado" a atender aos apelos populares.
As políticas públicas e sociais não mais serão definidas pelo Legislativo, mas, por este grupo limitado de cidadãos enquistados nestes organismos. Estamos perante uma autêntica ressurreição, da forma mais insidiosa e sorrateira, do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), que recebeu repúdio nacional e, por isto, não foi aplicado da maneira como pretendia o governo.
Às vezes, tenho a impressão, com todo o respeito que tenho pela figura da presidente da República, que ela tem recaídas "guerrilheiras". Talvez, a "devoção cívica" que demonstrou nutrir pelo sangrento ditador Fidel Castro --tão nítida no retrato exibido por todos os jornais, de sua recente visita a Cuba-- a tenha levado a conceber e editar essa larga estrada para um regime antidemocrático. É que o decreto suprime as funções constitucionais do Parlamento e pretende introduzir entre nós o estilo bolivariano das Constituições da Venezuela, Bolívia ou Equador. Nelas, o Executivo e o "povo" são os verdadeiros poderes, sendo --é o que está naquelas leis maiores-- o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, poderes acólitos, vicários, secundários e sem maior expressão.
Por ter densidade normativa própria, o referido decreto é diretamente inconstitucional, ferindo cláusula pétrea da Constituição, que é a autonomia e independência dos Poderes (artigos 2 e 60 § 4º, inciso III).
Espero que o Congresso Nacional repila o espúrio diploma, com base no artigo 49, inciso XI, da Carta Maior, zelando, como deve, por sua competência legislativa.
Serão os "amigos do rei" os beneficiados pelas indicações às comissões de consulta popular, num verdadeiro aparelhamento do Executivo
A Política Nacional de Participação Social (PNPS), tal como descrita no decreto nº 8.243/14, tende a substituir o Congresso Nacional na representação popular, para "fortalecer e articular mecanismos e instâncias democráticas de diálogo" e em "atuação conjunta com a administração pública federal" da "sociedade civil" (art. 1º), criar conselhos e comissões de políticas públicas e sociais (artigos 10 e 11) eleitos pelo povo, objetivando auxiliar a Secretaria Geral da Presidência da República (artigo 9º) a monitor e implementar as políticas sociais por eles definidas, com atuação junto às diversas instâncias governamentais.
Num curto artigo, é impossível descrever e analisar o nível de força que se pretende atribuir a instrumentos "populares", na promoção com o governo, das políticas que desejarem, sem a participação dos legítimos representantes do povo, que são os senadores e deputados.
Como os conselhos e as comissões serão eleitos pelo "povo", mas a eleição não é obrigatória e o "povo" dificilmente terá condições de dedicar-se em tempo integral, deixando trabalho ou ocupações diversas, para estar presente nessas "eleições", serão os "amigos do rei" os beneficiados pelas indicações, que lá estarão presentes, num verdadeiro aparelhamento do Executivo e redução do Congresso Nacional à sua expressão nenhuma.
Por pior que seja, o Legislativo é eleito pelo povo. Nele está contida 100% da representação popular (situação e oposição). No atual Executivo, nem 50% do povo brasileiro está representado, pois a atual presidente teve que ir ao 2º turno para ganhar as eleições.
Em outras palavras, pretende o decreto que a autêntica representação popular de 140 milhões de brasileiros seja substituída por um punhado de pessoas, que passará a DEFINIR A POLÍTICA SOCIAL DE TODOS OS MINISTÉRIOS, INDICANDO AO EXECUTIVO COMO DEVE AGIR!
A linha da proposta é tornar o Congresso Nacional uma Casa de tertúlias acadêmicas, pois os conselhos e comissões eleitos pelo "povo" serão aqueles que dirigirão o país. Por exemplo, a comissão encarregada da comunicação social poderá determinar que o ministério correspondente imponha restrição de conteúdo à imprensa, a pretexto de que é esta a "vontade do povo", que será "obrigado" a atender aos apelos populares.
As políticas públicas e sociais não mais serão definidas pelo Legislativo, mas, por este grupo limitado de cidadãos enquistados nestes organismos. Estamos perante uma autêntica ressurreição, da forma mais insidiosa e sorrateira, do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), que recebeu repúdio nacional e, por isto, não foi aplicado da maneira como pretendia o governo.
Às vezes, tenho a impressão, com todo o respeito que tenho pela figura da presidente da República, que ela tem recaídas "guerrilheiras". Talvez, a "devoção cívica" que demonstrou nutrir pelo sangrento ditador Fidel Castro --tão nítida no retrato exibido por todos os jornais, de sua recente visita a Cuba-- a tenha levado a conceber e editar essa larga estrada para um regime antidemocrático. É que o decreto suprime as funções constitucionais do Parlamento e pretende introduzir entre nós o estilo bolivariano das Constituições da Venezuela, Bolívia ou Equador. Nelas, o Executivo e o "povo" são os verdadeiros poderes, sendo --é o que está naquelas leis maiores-- o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, poderes acólitos, vicários, secundários e sem maior expressão.
Por ter densidade normativa própria, o referido decreto é diretamente inconstitucional, ferindo cláusula pétrea da Constituição, que é a autonomia e independência dos Poderes (artigos 2 e 60 § 4º, inciso III).
Espero que o Congresso Nacional repila o espúrio diploma, com base no artigo 49, inciso XI, da Carta Maior, zelando, como deve, por sua competência legislativa.
Esguelha ideológica - XICO GRAZIANO
O ESTADO DE S.PAULO - 10/06
O teatro separatista, mais uma vez, repetiu-se no campo. Na primeira cena, o governo anuncia o Plano Agrícola e Pecuário para a "agricultura empresarial". Passado alguns dias, divulga o Plano Safra da "agricultura familiar". Belos discursos, amoldados para cada evento, animam uma trama típica do maniqueísmo político. Um país, duas agriculturas.
O Brasil é a única nação importante do mundo que separa a sua agropecuária em dois lados: o do "agronegócio" e o "familiar". Uma política que deveria reforçar a ação pública em favor dos pequenos produtores no campo, desgraçadamente, serve ao modo de governar que distingue a sociedade entre "nós" e "eles". Ou, pior, entre os "bons" e os "maus". Dividir para reinar, ensinava Maquiavel.
Quem, em 1996, criou o programa de apoio e fortalecimento da agricultura familiar (Pronaf) foi o então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ideia inicial era, na prática, resguardar uma fatia dos recursos do crédito rural - sempre abocanhado pelos poderosos do agro -, obrigando sua alocação compulsória aos pequenos produtores rurais. Estes foram definidos como os de área máxima com até quatro módulos fiscais. Havia ainda a destinação de recursos públicos, a fundo perdido, para investimentos na infraestrutura de produção e comercialização de núcleos associativos e cooperativados. Funcionou muito bem.
Essa estratégia de desenvolvimento rural considerava que, pequenos ou grandes, todos os agricultores, independentemente das características da produção, precisam e merecem progredir na vida, incorporando as modernas tecnologias para elevar a produtividade, conquistar qualidade, conseguindo, assim, competir na economia de mercado. Sob esse prisma, qualquer política voltada para o meio rural deve ser integradora. Jamais divisionista.
Ao mudar o governo, de Fernando Henrique Cardoso para Lula, a gestão da agricultura brasileira acabou separada em dois ministérios. A partir de então, o conceito de "agricultura familiar" começou a ser totalmente deformado, passando a significar os "pobres" no campo, em oposição aos "ricos", aglutinados no "agronegócio". Jamais, em tempo algum, se produziu tamanha bobagem no pensamento agrário. Mera, e retrógrada, ideologia.
Sabem os estudiosos da economia e da administração, mesmo os iniciantes, que por "familiar" se considera a gestão de um negócio, independentemente do tamanho do empreendimento. Ao contrário das corporações, uma empresa familiar se rege pelas decisões de seus próprios donos. Na agricultura significa que os proprietários tocam com seu trabalho a fazenda, havendo apenas auxílio eventual de mão de obra assalariada. Familiar, sempre, refere-se ao comando da atividade produtiva.
Nos EUA, as estatísticas mostram que cerca de 90% dos agricultores se classificam como familiares. Graças ao avanço da mecanização, um pai com dois filhos, por exemplo, mostra-se capaz de conduzir áreas de terra cada vez maiores, submetidas à elevada tecnologia. Essa tendência da agricultura norte-americana se assemelha aqui, no Brasil, especialmente à das fronteiras do Centro-Oeste. Grandes fazendas, com soja ou milho, exploram-se espetacularmente com mão de obra familiar, não raro a mulher participando dos trabalhos de campo, sentada no banco do trator, ao lado do marido e dos filhos. Agronegócio familiar.
Inexiste contradição nos termos. Mas, por aquelas razões difíceis de explicar, talvez por causa da histórica ojeriza ao sistema latifundiário, aqui somente se considera familiar quem é pequeno produtor rural. Passou a ser o tamanho, e não a gestão, o critério fundamental. Remetido ao jogo da política, o conceito de agricultor familiar desvirtuou-se completamente, acabando associado à pobreza rural, ao atraso, à subsistência na terra. Nele se incluíram os assentamentos da reforma agrária.
A esguelha ideológica cresce quando se limita o agricultor familiar à produção de comida popular. O discurso enviesado diz assim: "O agronegócio serve à exportação, quem alimenta o povo é a agricultura familiar". Besteira pura. No Paraná, por exemplo, que é grande produtor nacional de soja, quem domina o campo são os sitiantes enquadrados no Pronaf. Seu sucesso depende do cooperativismo. Na famosa Cocamar, situada em Maringá, entre 12 mil associados, 80% cultivam até 50 hectares. Conduzem suas lavouras familiarmente, participam diretamente do agronegócio, remuneram-se pela receita da exportação dos grãos. Modestos, mas capitalistas, numa boa.
Sim, é verdade que a maioria dos alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, leite, batata) advém de pequenas propriedades. Fato estatístico. Quando, porém, se analisam as condições da produção e o fluxo de comércio, verifica-se que, majoritariamente, o abastecimento nas grandes cidades se garante pelo trabalho de agricultores que, embora pequenos, utilizam elevada tecnologia, ligados no mercado. Pequenos, e bons, empresários rurais.
Essa complexidade da economia agrária submerge no palco da encenação política. Quando a presidente Dilma Rousseff anunciou, primeiramente, um crédito de R$ 156,1 bilhões para o agronegócio e, depois, de R$ 24,1 bilhões para a agricultura familiar, cavou artificialmente um fosso que, na realidade, inexiste na roça. As cerimônias turvam a realidade agrária.
A agricultura sustentável de que o Brasil carece não se construirá apartando os agricultores entre patronais e familiares, como se existissem os de primeira e os de segunda classe. Ao contrário. Ao favorecer os mais fracos, incluindo os assentados da reforma agrária, uma política agrícola inteligente buscará integrá-los, juntos, ao ciclo do progresso tecnológico no campo.
Sem segregação.
O teatro separatista, mais uma vez, repetiu-se no campo. Na primeira cena, o governo anuncia o Plano Agrícola e Pecuário para a "agricultura empresarial". Passado alguns dias, divulga o Plano Safra da "agricultura familiar". Belos discursos, amoldados para cada evento, animam uma trama típica do maniqueísmo político. Um país, duas agriculturas.
O Brasil é a única nação importante do mundo que separa a sua agropecuária em dois lados: o do "agronegócio" e o "familiar". Uma política que deveria reforçar a ação pública em favor dos pequenos produtores no campo, desgraçadamente, serve ao modo de governar que distingue a sociedade entre "nós" e "eles". Ou, pior, entre os "bons" e os "maus". Dividir para reinar, ensinava Maquiavel.
Quem, em 1996, criou o programa de apoio e fortalecimento da agricultura familiar (Pronaf) foi o então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ideia inicial era, na prática, resguardar uma fatia dos recursos do crédito rural - sempre abocanhado pelos poderosos do agro -, obrigando sua alocação compulsória aos pequenos produtores rurais. Estes foram definidos como os de área máxima com até quatro módulos fiscais. Havia ainda a destinação de recursos públicos, a fundo perdido, para investimentos na infraestrutura de produção e comercialização de núcleos associativos e cooperativados. Funcionou muito bem.
Essa estratégia de desenvolvimento rural considerava que, pequenos ou grandes, todos os agricultores, independentemente das características da produção, precisam e merecem progredir na vida, incorporando as modernas tecnologias para elevar a produtividade, conquistar qualidade, conseguindo, assim, competir na economia de mercado. Sob esse prisma, qualquer política voltada para o meio rural deve ser integradora. Jamais divisionista.
Ao mudar o governo, de Fernando Henrique Cardoso para Lula, a gestão da agricultura brasileira acabou separada em dois ministérios. A partir de então, o conceito de "agricultura familiar" começou a ser totalmente deformado, passando a significar os "pobres" no campo, em oposição aos "ricos", aglutinados no "agronegócio". Jamais, em tempo algum, se produziu tamanha bobagem no pensamento agrário. Mera, e retrógrada, ideologia.
Sabem os estudiosos da economia e da administração, mesmo os iniciantes, que por "familiar" se considera a gestão de um negócio, independentemente do tamanho do empreendimento. Ao contrário das corporações, uma empresa familiar se rege pelas decisões de seus próprios donos. Na agricultura significa que os proprietários tocam com seu trabalho a fazenda, havendo apenas auxílio eventual de mão de obra assalariada. Familiar, sempre, refere-se ao comando da atividade produtiva.
Nos EUA, as estatísticas mostram que cerca de 90% dos agricultores se classificam como familiares. Graças ao avanço da mecanização, um pai com dois filhos, por exemplo, mostra-se capaz de conduzir áreas de terra cada vez maiores, submetidas à elevada tecnologia. Essa tendência da agricultura norte-americana se assemelha aqui, no Brasil, especialmente à das fronteiras do Centro-Oeste. Grandes fazendas, com soja ou milho, exploram-se espetacularmente com mão de obra familiar, não raro a mulher participando dos trabalhos de campo, sentada no banco do trator, ao lado do marido e dos filhos. Agronegócio familiar.
Inexiste contradição nos termos. Mas, por aquelas razões difíceis de explicar, talvez por causa da histórica ojeriza ao sistema latifundiário, aqui somente se considera familiar quem é pequeno produtor rural. Passou a ser o tamanho, e não a gestão, o critério fundamental. Remetido ao jogo da política, o conceito de agricultor familiar desvirtuou-se completamente, acabando associado à pobreza rural, ao atraso, à subsistência na terra. Nele se incluíram os assentamentos da reforma agrária.
A esguelha ideológica cresce quando se limita o agricultor familiar à produção de comida popular. O discurso enviesado diz assim: "O agronegócio serve à exportação, quem alimenta o povo é a agricultura familiar". Besteira pura. No Paraná, por exemplo, que é grande produtor nacional de soja, quem domina o campo são os sitiantes enquadrados no Pronaf. Seu sucesso depende do cooperativismo. Na famosa Cocamar, situada em Maringá, entre 12 mil associados, 80% cultivam até 50 hectares. Conduzem suas lavouras familiarmente, participam diretamente do agronegócio, remuneram-se pela receita da exportação dos grãos. Modestos, mas capitalistas, numa boa.
Sim, é verdade que a maioria dos alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, leite, batata) advém de pequenas propriedades. Fato estatístico. Quando, porém, se analisam as condições da produção e o fluxo de comércio, verifica-se que, majoritariamente, o abastecimento nas grandes cidades se garante pelo trabalho de agricultores que, embora pequenos, utilizam elevada tecnologia, ligados no mercado. Pequenos, e bons, empresários rurais.
Essa complexidade da economia agrária submerge no palco da encenação política. Quando a presidente Dilma Rousseff anunciou, primeiramente, um crédito de R$ 156,1 bilhões para o agronegócio e, depois, de R$ 24,1 bilhões para a agricultura familiar, cavou artificialmente um fosso que, na realidade, inexiste na roça. As cerimônias turvam a realidade agrária.
A agricultura sustentável de que o Brasil carece não se construirá apartando os agricultores entre patronais e familiares, como se existissem os de primeira e os de segunda classe. Ao contrário. Ao favorecer os mais fracos, incluindo os assentados da reforma agrária, uma política agrícola inteligente buscará integrá-los, juntos, ao ciclo do progresso tecnológico no campo.
Sem segregação.
Padilha, homem ao mar? - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 10/06
BRASÍLIA - São Paulo é um Estado esquisito, com uma capital mais esquisita ainda. A dias da abertura da Copa, tudo parece um caos, com os sem-teto engrossando os protestos dos metroviários, as polícias cheias de dedo para evitar imagens chocantes mundo afora e os cidadãos amargando um trânsito horroroso.
Imagina-se que, para essas "vítimas", não interessa de quem é a culpa, se é do prefeito, do governador, da presidente da República. O alvo do mau humor é generalizado, daí o recorde de 37% sem candidatos.
Pelo menos até agora, porém, a insatisfação não se reflete proporcionalmente nas intenções de voto no maior colégio eleitoral do país, com mais votos do que regiões inteiras.
Como Fernando Haddad não é candidato em outubro, vamos a Geraldo Alckmin, do PSDB, e a Dilma Rousseff, do PT, ambos candidatos à reeleição. Enquanto Alckmin tem surpreendentes 44% no Datafolha, Dilma está mal na foto paulista: 61% dizem que não votariam nela "de jeito nenhum" e ela perde, num eventual segundo turno, não só para o segundo colocado, Aécio Neves, mas até para Eduardo Campos, que caiu quatro pontos no cômputo nacional.
Esse resultado, que deve doer na alma do ex-presidente Lula, não é exclusivo de Dilma, mas do próprio PT, e atinge em cheio duas das melhores promessas do partido. A popularidade de Haddad não é nada animadora e o candidato ao Bandeirantes, Alexandre Padilha, amarga 3%, contra os 44% do líder Alckmin.
Já que hoje é a convenção nacional do PMDB para selar apoio a Dilma, vale destacar a inversão em São Paulo: não é o PMDB que vai apoiar o PT, mas provavelmente o contrário. Padilha está sendo discretamente jogado ao mar, enquanto o pemedebista Paulo Skaf nada de braçada rumo ao segundo turno --se houver segundo turno. O PDT e o Pros, que não são bobos nem nada, já mudaram oportunamente de barco.
O risco de Padilha é olhar em volta e se ver uma ilha no próprio PT.
BRASÍLIA - São Paulo é um Estado esquisito, com uma capital mais esquisita ainda. A dias da abertura da Copa, tudo parece um caos, com os sem-teto engrossando os protestos dos metroviários, as polícias cheias de dedo para evitar imagens chocantes mundo afora e os cidadãos amargando um trânsito horroroso.
Imagina-se que, para essas "vítimas", não interessa de quem é a culpa, se é do prefeito, do governador, da presidente da República. O alvo do mau humor é generalizado, daí o recorde de 37% sem candidatos.
Pelo menos até agora, porém, a insatisfação não se reflete proporcionalmente nas intenções de voto no maior colégio eleitoral do país, com mais votos do que regiões inteiras.
Como Fernando Haddad não é candidato em outubro, vamos a Geraldo Alckmin, do PSDB, e a Dilma Rousseff, do PT, ambos candidatos à reeleição. Enquanto Alckmin tem surpreendentes 44% no Datafolha, Dilma está mal na foto paulista: 61% dizem que não votariam nela "de jeito nenhum" e ela perde, num eventual segundo turno, não só para o segundo colocado, Aécio Neves, mas até para Eduardo Campos, que caiu quatro pontos no cômputo nacional.
Esse resultado, que deve doer na alma do ex-presidente Lula, não é exclusivo de Dilma, mas do próprio PT, e atinge em cheio duas das melhores promessas do partido. A popularidade de Haddad não é nada animadora e o candidato ao Bandeirantes, Alexandre Padilha, amarga 3%, contra os 44% do líder Alckmin.
Já que hoje é a convenção nacional do PMDB para selar apoio a Dilma, vale destacar a inversão em São Paulo: não é o PMDB que vai apoiar o PT, mas provavelmente o contrário. Padilha está sendo discretamente jogado ao mar, enquanto o pemedebista Paulo Skaf nada de braçada rumo ao segundo turno --se houver segundo turno. O PDT e o Pros, que não são bobos nem nada, já mudaram oportunamente de barco.
O risco de Padilha é olhar em volta e se ver uma ilha no próprio PT.
Revolucionários e reacionários - RODRIGO CONSTANTINO
O GLOBO - 10/06
Se Sarney é conservador, se defender a volta dos militares é conservadorismo, então fica realmente difícil defendê-lo. Mas o que é, afinal, o conservadorismo?
Ninguém sofre mais preconceito no Brasil do que o conservador. É o grande pária da sociedade, visto como um ser primitivo, reacionário e saudosista. Há muita confusão acerca do que significa o conceito. Se Sarney é conservador, se defender a volta dos militares é conservadorismo, então fica realmente difícil defendê-lo. Mas o que é, afinal, o conservadorismo?
Para responder a essa questão, João Pereira Coutinho escreveu o excelente livro “As ideias conservadoras”, da editora Três Estrelas. Ele resgatou em Edmund Burke, o “pai” do conservadorismo moderno, os principais valores defendidos pelo movimento político conservador. Trata-se de leitura altamente recomendável, capaz de elucidar muitas dúvidas existentes e até compreensíveis, quando se mistura conservadores “de boa estirpe” com reacionários.
Para começo de conversa, o conservadorismo é reativo, ou seja, ele nasce para combater ameaças revolucionárias provenientes de utopias paridas por pensadores que amam a abstrata Humanidade, mas não se importam muito com o próximo. Burke escreveu suas clássicas reflexões justamente para reagir à Revolução Francesa, e fez alertas antes de ela descambar para o sangrento terror de Robespierre.
Ao preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o conservador tende a ser cético com mudanças muito radicais, especialmente aquelas derivadas de utopias, com propostas para uma “solução final” para os complexos problemas da vida em sociedade.
Mas não são apenas os revolucionários que representam uma ameaça. Os reacionários são igualmente perigosos. São “revolucionários do avesso”, que desdenham da mesma forma do presente e sonham com uma utopia, só que existente no passado idealizado e romantizado.
Tanto os revolucionários como os reacionários acreditam em um mundo harmonioso, estático, “onde os homens, porque dotados de uma natureza fixa e inalterável, desejam necessariamente as mesmas coisas”. Ambos demonstram desprezo pela realidade e acabam se mostrando intolerantes, dispostos a meios condenáveis para atingir seu sonho de perfeição.
Isso não quer dizer, naturalmente, que o conservador será contrário a qualquer mudança. Ele apenas adota postura mais prudente, assume conduta mais moderada, respeitando as tradições que sobreviveram aos “testes do tempo”. Ele será favorável a reformas que possam ajudar no processo de evolução continuada da sociedade, mas sempre levando em conta nossas limitações e imperfeições. Isso exige maior cautela e humildade, assim como respeito aos aspectos circunstanciais do momento.
Os “engenheiros sociais”, que pretendem remodelar nossas almas, criar um mundo novo do zero ou regressar a um inexistente, terão no conservadorismo um obstáculo. Tendo o homem um intelecto limitado, o conservador irá alertar para as consequências não planejadas ou intencionais, reforçando sempre aquilo que nós não conhecemos. Prudência é a palavra-chave aqui.
“Um conservador entende que a realidade é sempre mais complexa, e mais diversa, que a simplificação apaziguadora das cartilhas ideológicas”, escreve Coutinho. Alguns valores básicos, ou “primários”, terão de ser sempre respeitados, se quisermos preservar a civilização. Mas, fora isso, deverá haver tolerância e respeito para com a diversidade. Os “progressistas” falam em pluralidade, mas se mostram, na prática, os mais intolerantes com divergências; os conservadores praticam a verdadeira tolerância, dentro dos limites necessários para a sobrevivência da própria civilização e da tolerância.
Respeitar tradições, o legado dos que vieram antes de nós, e também se preocupar em preservar e deixar um legado positivo para os que ainda virão, tudo isso é parte da mentalidade conservadora, que reconhece que somos parte dessa “herança coletiva”. O estadista jamais irá encarar a sociedade como uma tela em branco na qual pode pintar o que lhe aprouver. Terá responsabilidade por saber que fazemos parte de um processo interminável, e que devemos respeito aos mortos e aos que estão para nascer.
Por fim, nem todos os conservadores admiram a “sociedade comercial”, juntando-se aos esquerdistas nos ataques ao capitalismo. Coutinho busca em Thatcher, e no próprio Burke, uma visão alternativa, que reconcilia o conservadorismo com o livre mercado, uma “ordem espontânea” que preserva as liberdades individuais. A defesa conservadora do capitalismo é mais ética do que utilitarista: precisamos respeitar as escolhas dos indivíduos, possíveis apenas em um ambiente de trocas voluntárias.
Se Sarney é conservador, se defender a volta dos militares é conservadorismo, então fica realmente difícil defendê-lo. Mas o que é, afinal, o conservadorismo?
Ninguém sofre mais preconceito no Brasil do que o conservador. É o grande pária da sociedade, visto como um ser primitivo, reacionário e saudosista. Há muita confusão acerca do que significa o conceito. Se Sarney é conservador, se defender a volta dos militares é conservadorismo, então fica realmente difícil defendê-lo. Mas o que é, afinal, o conservadorismo?
Para responder a essa questão, João Pereira Coutinho escreveu o excelente livro “As ideias conservadoras”, da editora Três Estrelas. Ele resgatou em Edmund Burke, o “pai” do conservadorismo moderno, os principais valores defendidos pelo movimento político conservador. Trata-se de leitura altamente recomendável, capaz de elucidar muitas dúvidas existentes e até compreensíveis, quando se mistura conservadores “de boa estirpe” com reacionários.
Para começo de conversa, o conservadorismo é reativo, ou seja, ele nasce para combater ameaças revolucionárias provenientes de utopias paridas por pensadores que amam a abstrata Humanidade, mas não se importam muito com o próximo. Burke escreveu suas clássicas reflexões justamente para reagir à Revolução Francesa, e fez alertas antes de ela descambar para o sangrento terror de Robespierre.
Ao preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o conservador tende a ser cético com mudanças muito radicais, especialmente aquelas derivadas de utopias, com propostas para uma “solução final” para os complexos problemas da vida em sociedade.
Mas não são apenas os revolucionários que representam uma ameaça. Os reacionários são igualmente perigosos. São “revolucionários do avesso”, que desdenham da mesma forma do presente e sonham com uma utopia, só que existente no passado idealizado e romantizado.
Tanto os revolucionários como os reacionários acreditam em um mundo harmonioso, estático, “onde os homens, porque dotados de uma natureza fixa e inalterável, desejam necessariamente as mesmas coisas”. Ambos demonstram desprezo pela realidade e acabam se mostrando intolerantes, dispostos a meios condenáveis para atingir seu sonho de perfeição.
Isso não quer dizer, naturalmente, que o conservador será contrário a qualquer mudança. Ele apenas adota postura mais prudente, assume conduta mais moderada, respeitando as tradições que sobreviveram aos “testes do tempo”. Ele será favorável a reformas que possam ajudar no processo de evolução continuada da sociedade, mas sempre levando em conta nossas limitações e imperfeições. Isso exige maior cautela e humildade, assim como respeito aos aspectos circunstanciais do momento.
Os “engenheiros sociais”, que pretendem remodelar nossas almas, criar um mundo novo do zero ou regressar a um inexistente, terão no conservadorismo um obstáculo. Tendo o homem um intelecto limitado, o conservador irá alertar para as consequências não planejadas ou intencionais, reforçando sempre aquilo que nós não conhecemos. Prudência é a palavra-chave aqui.
“Um conservador entende que a realidade é sempre mais complexa, e mais diversa, que a simplificação apaziguadora das cartilhas ideológicas”, escreve Coutinho. Alguns valores básicos, ou “primários”, terão de ser sempre respeitados, se quisermos preservar a civilização. Mas, fora isso, deverá haver tolerância e respeito para com a diversidade. Os “progressistas” falam em pluralidade, mas se mostram, na prática, os mais intolerantes com divergências; os conservadores praticam a verdadeira tolerância, dentro dos limites necessários para a sobrevivência da própria civilização e da tolerância.
Respeitar tradições, o legado dos que vieram antes de nós, e também se preocupar em preservar e deixar um legado positivo para os que ainda virão, tudo isso é parte da mentalidade conservadora, que reconhece que somos parte dessa “herança coletiva”. O estadista jamais irá encarar a sociedade como uma tela em branco na qual pode pintar o que lhe aprouver. Terá responsabilidade por saber que fazemos parte de um processo interminável, e que devemos respeito aos mortos e aos que estão para nascer.
Por fim, nem todos os conservadores admiram a “sociedade comercial”, juntando-se aos esquerdistas nos ataques ao capitalismo. Coutinho busca em Thatcher, e no próprio Burke, uma visão alternativa, que reconcilia o conservadorismo com o livre mercado, uma “ordem espontânea” que preserva as liberdades individuais. A defesa conservadora do capitalismo é mais ética do que utilitarista: precisamos respeitar as escolhas dos indivíduos, possíveis apenas em um ambiente de trocas voluntárias.
Artes e manhas - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 10/06
Programa humorístico antigo tinha um refrão musical que dizia assim no encerramento do número: "Cara de pau vai fazendo o seu papel".
Um coro hipotético ecoa na memória aquele cântico em seguida à leitura detalhada do noticiário sobre a palestra do ex-presidente Lula da Silva em palestra contratada pelo jornal espanhol El País, na semana passada.
Foi em Porto Alegre, onde na véspera ele já havia feito uma afirmação meio esquisita, mas não tão explícita. Pedia a aplicação de um "remédio já" para conter a inflação.
Produziu as metáforas de sempre, fazendo comparações com "febres de 38 e 39 graus" e não disse nada, além do que pretendia: falar o que as pessoas querem ouvir para fazer de conta que está ao lado da maioria.
No dia seguinte mandou às favas a cerimônia e resolveu criticar a economia fazendo de seu "sparring" o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que estava na plateia.
Crescimento baixo? Culpa do Arno. Basta liberar o crédito. "Não é por maldade dele, não", amenizou Lula, para ironizar em seguida: "Cabeça de tesoureiro".
O ex-presidente deu lições, autoelogiou a oferta de crédito em seu governo, cobrou explicações do secretário como se subordinado a ele fosse e uma chefe não tivesse. "Se depender do pensamento do Arno você não faz nada."
Um festival de zombarias tão desrespeitosas com o profissional que ali estava sem condições de se defender e com a presidente da República que o nomeou e o sustenta no cargo (e, portanto, avaliza suas ações) que fica difícil compreender aonde o ex-presidente quis - ou quer com essa metodologia discursiva - chegar.
Segundo explicações da assessoria do Instituto Lula, a lugar nenhum, pois tudo não passou de uma "brincadeira". Ora, piorou, pois o El País não iria organizar uma palestra para que o ex-presidente se desse ao desfrute de um exercício de autorrecreação a fim de se divertir com o secretário do Tesouro Nacional nomeado pela presidente da qual foi fiador perante toda a nação.
Lula bateu muito mais pesado do que muitos críticos da política econômica que tanta "irritação" desperta na presidente Dilma. Entretanto, por motivos óbvios, desta vez não reagiu. O ex-presidente disse que está tudo errado e ela aceitou.
Mas, Lula afirmou também que ele fez o certo e indicou que sabe qual é o caminho correto. Está querendo o quê? Preparar o terreno para ser candidato? É uma possibilidade. Atuar como cabo eleitoral tirando o discurso da oposição? Também pode ser. Mas é estranho que faça isso falando mal do governo de sua candidata.
Ou estará dizendo ao eleitorado que pode de novo votar nela que ele estará na retaguarda para assegurar que daqui para frente tudo vai ser diferente? As pessoas deram uma segunda chance em 2006 depois do mensalão, uma terceira em 2010; pode ser. Desde que estejam dispostas a renovar a aposta mais uma vez.
Travado. O grau de desconhecimento explica o baixo índice, mas não justifica a queda de Eduardo Campos na pesquisa do Datafolha. Ainda que pouco, ele é mais conhecido agora do que em maio. No entanto, perdeu quatro pontos porcentuais entre uma consulta e outra.
Além disso, tem a candidata a vice, Marina Silva, bastante conhecida e com "recall" da presidencial de 2010, em tese para funcionar como alavanca da preferência do eleitorado. Essa era a ideia quando o PSB resolveu antecipar a oficialização do nome da ex-senadora como companheira de chapa.
Algo está emperrando o desenvolvimento de Campos. Duas hipóteses: 1. Os constantes vetos de Marina, que acabam passando uma imagem negativa do PSB, além de atrasar o avanço das alianças; 2. A dubiedade contida no discurso de críticas pesadas à presidente Dilma, sem o mesmo rigor dirigido ao PT e muito menos ao ex-presidente Lula, dificultando a marca de oposição.
Programa humorístico antigo tinha um refrão musical que dizia assim no encerramento do número: "Cara de pau vai fazendo o seu papel".
Um coro hipotético ecoa na memória aquele cântico em seguida à leitura detalhada do noticiário sobre a palestra do ex-presidente Lula da Silva em palestra contratada pelo jornal espanhol El País, na semana passada.
Foi em Porto Alegre, onde na véspera ele já havia feito uma afirmação meio esquisita, mas não tão explícita. Pedia a aplicação de um "remédio já" para conter a inflação.
Produziu as metáforas de sempre, fazendo comparações com "febres de 38 e 39 graus" e não disse nada, além do que pretendia: falar o que as pessoas querem ouvir para fazer de conta que está ao lado da maioria.
No dia seguinte mandou às favas a cerimônia e resolveu criticar a economia fazendo de seu "sparring" o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que estava na plateia.
Crescimento baixo? Culpa do Arno. Basta liberar o crédito. "Não é por maldade dele, não", amenizou Lula, para ironizar em seguida: "Cabeça de tesoureiro".
O ex-presidente deu lições, autoelogiou a oferta de crédito em seu governo, cobrou explicações do secretário como se subordinado a ele fosse e uma chefe não tivesse. "Se depender do pensamento do Arno você não faz nada."
Um festival de zombarias tão desrespeitosas com o profissional que ali estava sem condições de se defender e com a presidente da República que o nomeou e o sustenta no cargo (e, portanto, avaliza suas ações) que fica difícil compreender aonde o ex-presidente quis - ou quer com essa metodologia discursiva - chegar.
Segundo explicações da assessoria do Instituto Lula, a lugar nenhum, pois tudo não passou de uma "brincadeira". Ora, piorou, pois o El País não iria organizar uma palestra para que o ex-presidente se desse ao desfrute de um exercício de autorrecreação a fim de se divertir com o secretário do Tesouro Nacional nomeado pela presidente da qual foi fiador perante toda a nação.
Lula bateu muito mais pesado do que muitos críticos da política econômica que tanta "irritação" desperta na presidente Dilma. Entretanto, por motivos óbvios, desta vez não reagiu. O ex-presidente disse que está tudo errado e ela aceitou.
Mas, Lula afirmou também que ele fez o certo e indicou que sabe qual é o caminho correto. Está querendo o quê? Preparar o terreno para ser candidato? É uma possibilidade. Atuar como cabo eleitoral tirando o discurso da oposição? Também pode ser. Mas é estranho que faça isso falando mal do governo de sua candidata.
Ou estará dizendo ao eleitorado que pode de novo votar nela que ele estará na retaguarda para assegurar que daqui para frente tudo vai ser diferente? As pessoas deram uma segunda chance em 2006 depois do mensalão, uma terceira em 2010; pode ser. Desde que estejam dispostas a renovar a aposta mais uma vez.
Travado. O grau de desconhecimento explica o baixo índice, mas não justifica a queda de Eduardo Campos na pesquisa do Datafolha. Ainda que pouco, ele é mais conhecido agora do que em maio. No entanto, perdeu quatro pontos porcentuais entre uma consulta e outra.
Além disso, tem a candidata a vice, Marina Silva, bastante conhecida e com "recall" da presidencial de 2010, em tese para funcionar como alavanca da preferência do eleitorado. Essa era a ideia quando o PSB resolveu antecipar a oficialização do nome da ex-senadora como companheira de chapa.
Algo está emperrando o desenvolvimento de Campos. Duas hipóteses: 1. Os constantes vetos de Marina, que acabam passando uma imagem negativa do PSB, além de atrasar o avanço das alianças; 2. A dubiedade contida no discurso de críticas pesadas à presidente Dilma, sem o mesmo rigor dirigido ao PT e muito menos ao ex-presidente Lula, dificultando a marca de oposição.
Gastos temerários - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 10/06
SÃO PAULO - A melhor chance de o Brasil um dia entrar no clube de países desenvolvidos é a educação.
Embora nós não tenhamos conseguido fazê-lo, é relativamente fácil crescer rápido quando a nação está na fase que os economistas chamam de "catch up", isto é, enquanto se limita a capturar a tecnologia criada por países avançados. Mas, depois que o fosso técnico-científico se reduz, torna-se necessário caminhar com as próprias pernas, o que exige ser capaz de desenvolver inovações e aumentar a produtividade. Nesse estágio, a educação é o que importa.
Apesar dessas reflexões pró-educação, parece-me uma temeridade a ideia de fixar em 10% do PIB as verbas públicas destinadas ao setor. Para começar, 10% é muito. Só países com economias muito pequenas como Lesoto e Timor Leste chegam a investir percentuais dessa magnitude. A média da OCDE, espécie de clube dos países mais ricos do planeta, é de 5,8%. O Brasil, que vem aumentando a proporção das verbas, gasta hoje idênticos 5,8%. Nosso problema reside no fato de que o gasto por aluno ainda é relativamente baixo. Aqui, considerados todos os níveis de ensino, a despesa é de US$ 3.067 contra US$ 9.313 da média da OCDE.
A dificuldade para adotar fatias mais generosas é que orçamentos não são infinitamente elásticos. Se você aloca uma proporção de verbas grande demais numa rubrica está fatalmente tirando de outras.
E o ponto central é que não faz sentido despejar mais dinheiro num sistema que já se provou disfuncional. Antes de aumentar recursos, é necessário um plano coerente de como aplicá-los. E, se tivermos um, provavelmente descobriremos que não é necessário gastar 10% do PIB para oferecer educação de qualidade. Não se deve esquecer que, mesmo sem mexer na proporção das verbas investidas, o movimento demográfico (menos nascimentos) já em curso resultará num considerável aumentos dos desembolsos por aluno.
SÃO PAULO - A melhor chance de o Brasil um dia entrar no clube de países desenvolvidos é a educação.
Embora nós não tenhamos conseguido fazê-lo, é relativamente fácil crescer rápido quando a nação está na fase que os economistas chamam de "catch up", isto é, enquanto se limita a capturar a tecnologia criada por países avançados. Mas, depois que o fosso técnico-científico se reduz, torna-se necessário caminhar com as próprias pernas, o que exige ser capaz de desenvolver inovações e aumentar a produtividade. Nesse estágio, a educação é o que importa.
Apesar dessas reflexões pró-educação, parece-me uma temeridade a ideia de fixar em 10% do PIB as verbas públicas destinadas ao setor. Para começar, 10% é muito. Só países com economias muito pequenas como Lesoto e Timor Leste chegam a investir percentuais dessa magnitude. A média da OCDE, espécie de clube dos países mais ricos do planeta, é de 5,8%. O Brasil, que vem aumentando a proporção das verbas, gasta hoje idênticos 5,8%. Nosso problema reside no fato de que o gasto por aluno ainda é relativamente baixo. Aqui, considerados todos os níveis de ensino, a despesa é de US$ 3.067 contra US$ 9.313 da média da OCDE.
A dificuldade para adotar fatias mais generosas é que orçamentos não são infinitamente elásticos. Se você aloca uma proporção de verbas grande demais numa rubrica está fatalmente tirando de outras.
E o ponto central é que não faz sentido despejar mais dinheiro num sistema que já se provou disfuncional. Antes de aumentar recursos, é necessário um plano coerente de como aplicá-los. E, se tivermos um, provavelmente descobriremos que não é necessário gastar 10% do PIB para oferecer educação de qualidade. Não se deve esquecer que, mesmo sem mexer na proporção das verbas investidas, o movimento demográfico (menos nascimentos) já em curso resultará num considerável aumentos dos desembolsos por aluno.
Eleitoreira, não inconstitucional - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/06
A decretação pela presidente Dilma Rousseff de uma Política Nacional de Participação Social (PNPS), criando conselhos populares sem uma prévia discussão com a sociedade civil e o Congresso, indica uma democracia eleitoreira , que restringe a noção de participação somente para os períodos eleitorais, na opinião do constitucionalista e ex-deputado federal Marcelo Cerqueira, e aponta para uma tentativa do PT de organizar os movimentos sociais sobre os quais está perdendo o controle, de acordo com o sociólogo Bernardo Sorj, professor do Instituto de Ciências Avançadas da USP.
No entanto, como afirma Marcelo Cerqueira, a PNPS, embora feita por decreto, mais uma desagradável contribuição à anomia congressual, não é inconstitucional .
Para Sorj, se a intenção do governo tivesse sido a de promover uma maior abertura dos órgãos do Executivo para com a sociedade civil, nada a criticar ou comentar . Mas se o próprio decreto fala de consulta com a sociedade civil, o óbvio teria sido que ele fosse inicialmente discutido com a mesma .
Teria sido suficiente uma diretiva interna instando a um diálogo com os diferentes setores da sociedade civil, que dependendo do órgão do governo podem ser sindicatos, organizações profissionais, ONGs, movimentos sociais etc. O problema com a PNPS é sua vontade de definir e subsumir a sociedade civil dentro de um órgão de governo .
Como a própria PNPS reconhece, ressalta Sorj, a sociedade civil é autônoma, livre para se organizar, se reinventa constantemente e não pode ser formatada . Ele cita as manifestações, uma das principais formas de expressão da sociedade civil, que não são citadas no decreto, que inclui a Internet, espaço virtual.
Na verdade, o decreto não é sobre a sociedade civil, comenta Sorj, e nisso ele vê seu principal problema e fonte de confusão. O que ele de fato sistematiza e regula são instâncias organizadas pelo governo que seriam os veículos legítimos de comunicação com ele .
A participação social numa sociedade democrática sempre será mais ampla e desbordará as instâncias formais que o governo possa estabelecer. Essa tendência estatizante se reflete na linguagem do decreto que confunde várias vezes participação social com as instâncias definidas pelo decreto , comenta Bernardo Sorj.
A sociedade civil é fundamental para a democracia. O papel da sociedade civil é criticar, denunciar e promover novos direitos, e não comentar políticas de governo: Renovar a própria política, não pode nem deve ser enlatado numa instância formal decretada pelo governo , protesta Bernardo Sorj.
Mas a legitimidade da sociedade civil é de ordem moral, lembra ele, e nisso Sorj vê sua fragilidade e potencial manipulação pelo governo: ela pode ter ´representantes´, mas não pode ser ´representada´. Afinal, se decreto do governo define a sociedade civil como sendo formada por ´cidadãos´, então seus representantes são os membros do Congresso e governantes .
Na opinião do sociólogo Bernard Sorj, o decreto em si mesmo é uma expressão de vontade do governo de manter o controle sobre uma sociedade civil que lhe está fugindo das mãos.
Marcelo Cerqueira lembra que a Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação popular direta na administração pública e ampliou a cidadania política, estabelecendo mecanismos de reforços às iniciativas populares. Dessa forma, a gestão pública passaria a contar com a participação daqueles que não detêm obrigações legais para com o Estado .
A sociedade civil, em conjunto com o poder público, traçaria as metas a serem atingidas, uma vez que os cidadãos, lembra Cerqueira, mais bem conhecem as reais necessidades locais e poderiam, quem sabe, intervir em favor de seus interesses, nas decisões relacionadas à escolha e gestão de políticas públicas. Já são feitos, aqui e acolá, orçamentos participativos .
Cerqueira admite que não falta razão à crítica da participação decretada vinculada ao período eleitoral, principalmente em época de campanha, que funciona como ´moeda de troca´, em favor do voto . O desconhecimento das determinações constitucionais restringe a noção de participação somente para os períodos eleitorais, denunciando a democracia estritamente eleitoreira .
Greve: direito ou violência? - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
CORREIO BRAZILIENSE - 10/06
A greve, definida como ato de violência que visa subjugar o adversário, conheceu no Brasil três períodos: na República Velha (1889-1930), foi ignorada pela legislação; durante a Segunda República (1930-1985), foi reprimida; nesta Nova República (1985-?) se fez reconhecer, mas com claras limitações.
Durante a Velha República, provocar, incentivar, ou participar de paralisação coletiva do trabalho atrairia a mão pesada do Estado. A expulsão de estrangeiros, detidos pela polícia, fazia parte do arsenal de penalidades expressas, como reação governamental à ação de imigrantes anarquistas, socialistas e comunistas, no incipiente movimento sindical das primeiras décadas do século 20.
A ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República, em 1930, inicialmente como chefe do Governo Provisório e, depois, na posição de ditador, ensejou a criação de vasta legislação trabalhista, cuja característica, no plano do direito coletivo, consistia na recepção da doutrina corporativo-fascista de Mussolini.
A Carta de 1937 classificava a greve como recurso antissocial, nocivo aos interesses da produção nacional. O Código Penal de 1940 incluiu a paralisação coletiva, a invasão de estabelecimentos e a sabotagem entre os crimes contra a organização do trabalho, punidos com detenção ou reclusão. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, não poderia ser diferente. Greve se achava entre os motivos que ensejariam a intervenção no sindicato e a substituição de diretores eleitos por interventores designados pelo Ministério do Trabalho.
A Constituição de 1946 (fruto de tentativa de redemocratização do Brasil, a partir da deposição de Vargas, em outubro de 1945), reconheceu a liberdade sindical e o direito de greve. Na prática, todavia, nada mudou. A Lei nº 4.330/64, sancionada pelo presidente Castelo Branco, estabeleceu rígidas exigências para a deflagração de greve; destarte, apenas em casos de sistemática falta de pagamento de salários, por empresa em situação falimentar, eram julgadas legais pela Justiça do Trabalho.
Nossa atual Constituição enveredou por caminho transversal. Segundo o art. 9º, "é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender". A ilimitada liberdade sugerida no início do dispositivo foi negada nos parágrafos seguintes. O primeiro prescreve: "A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade"; o segundo: "Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei".
A regulamentação da norma constitucional coube à Lei nº 7.783/89, na qual estão inscritos 11 serviços e atividades essenciais, como transporte coletivo, assistência médica e hospitalar, coleta de lixo.
Como entender, então, a conduta de sindicatos que ignoram a Constituição e a lei, escarnecem de decisões judiciais, se recusam a garantir a continuidade de serviços inadiáveis? A explicação está na certeza da impunidade e na incapacidade da lei de resolver conflitos coletivos de interesses, quando há emprego de violência.
Desde o início do século passado, greves operárias desafiam empregadores, legislações, polícia, governo. Everardo Dias, autor da História das lutas sociais no Brasil, descreve, com detalhes, as péssimas condições de vida do proletariado nascente, tentativas malogradas de organização sindical e greves, como a de 1917, caracterizadas pela repressão e resistência das classes laboriosas.
O hábito de tratar questão social com toscos recursos legais jamais trouxe resultados positivos. Edward H. Carr, historiador inglês, com a experiência das lutas sindicais europeias, escreveu: "Os litígios políticos não podem ser solucionados dentro da estrutura do direito, por tribunais que apliquem regras do direito".
O que fazer nos casos de desobediência? Chamar a polícia tem sido inútil, pois os governantes temem a pecha de autoritários. Aplicar multa? Ignoro quem a tenha pago. Demitir grevistas? As empresas temem a reação do Ministério Público e da Justiça do Trabalho.
A solução consiste em dispor de eficiente sistema de negociações, entre sindicatos e empregadores que atuem com boa-fé, abertos ao diálogo. Negociação alguma, porém, trará bons resultados se a greve for alimentada por nebulosos objetivos político partidários.
Uma greve contra todos - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 10/06
A greve do metrô de São Paulo se explica em poucas palavras. "Estamos em um momento único. Tem uma Copa do Mundo. Tem também eleições no fim do ano", conclamou o presidente do sindicato dos metroviários, Altino de Melo Prazeres Júnior, filiado ao PSTU, na assembleia que aprovou no domingo a continuação do movimento, pouco depois de os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) considerarem abusiva a paralisação, determinarem o seu término imediato e imporem uma multa diária de R$ 500 mil à entidade da categoria em caso de descumprimento da decisão.
O colegiado resolveu também conceder ao setor o reajuste de 8,7% oferecido pela Companhia do Metropolitano, aproximadamente 3 pontos acima da inflação medida pelo INPC nos 12 meses encerrados em abril (a data-base do setor). O TRT decretou a ilegalidade da greve porque a direção do sindicato se recusara a cumprir a ordem da vice-presidente da Corte, desembargadora Rilma Hemetério, para ser mantido integralmente o serviço nos horários matinais e vespertinos de pico e 70% no restante do tempo de operação.
Ela entendeu que o legítimo direito de ir e vir da população da maior metrópole brasileira prevalece sobre o direito igualmente legítimo à greve por aumento de salário de um segmento profissional prestador de um serviço essencial. Nem se trata de uma inovação: a legislação que rege a matéria já condiciona ao interesse público o último recurso de que dispõem os assalariados para ver atendidas as suas demandas. No caso, aliás, se trata de uma demanda desarrazoada, para dizer o menos, mesmo tendo encolhido de 16,5% para 12,2%.
Para entender seja o índice pleiteado, seja a recusa do cumprimento de um ato judicial que apenas tentava adequar ações particulares a uma necessidade geral objetiva, seja, enfim, a decisão de persistir numa paralisação já então formalmente qualificada como abusiva, volte-se ao "momento único" do argumento do sindicalista Prazeres. Copa e eleições, para ele e seus correligionários de extrema esquerda, são de fato oportunidades políticas de acertar dois alvos com a mesma descarga: o governo federal do seu adversário petista e o governo estadual do seu inimigo tucano.
Perto disso, as agruras impostas a milhões de pessoas - que não são propriamente os execrados "burgueses", mas formam grande parte do chamado "povão" - são irrelevantes. A retórica supre o resto. "Os protestos do ano passado entraram na nossa mente", discursou o metroviário (detido, à época, por suspeita de vandalismo). "Não pode ficar massacrando, batendo em trabalhador." Vá dizer isso aos trabalhadores cujo cotidiano eles infernizam, seja qual for o meio de transporte a que tenham acesso, e que, mesmo quando tudo está normal, são obrigados a gastar horas valiosas na ida ao seu sustento e no regresso para o que lhes resta de lazer, convívio e repouso.
Ontem, para piorar, o transtorno não se limitou ao fechamento de praticamente a metade das 61 estações administradas pelo poder público (as 6 estações da Linha 4-Amarela, a cargo da iniciativa privada, abriram normalmente, a exemplo dos primeiros dias da paralisação, na semana passada). Numa manobra combinada, ativistas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e do Passe Livre, bloquearam logo cedo a Rua Vergueiro, uma das mais importantes do centro-leste da cidade, motivando a intervenção da Polícia Militar, com bombas de efeito moral e balas de borracha. Ao paulistano não se permite nem ser pedestre.
Na terceira manhã de trânsito mais lento na cidade, os manifestantes se agruparam diante da Secretaria de Transportes e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que curiosamente ficam uma diante da outra na mesma rua do centro velho da capital, ambas protegidas por PMs com armaduras "robocop" e escudos. Aboletado em um carro de som, Prazeres se entregava a mais uma arenga. "Se não atender o metroviário, não vai ter Copa do Mundo", ameaçou, com a prepotência de quem se acha o dono da cidade. Àquela hora, porém, 30% dos 1.198 metroviários do turno matinal já haviam voltado ao trabalho. (O Metrô já havia demitido 42 grevistas por justa causa.) A firmeza do governo parecia dar resultados.
A greve do metrô de São Paulo se explica em poucas palavras. "Estamos em um momento único. Tem uma Copa do Mundo. Tem também eleições no fim do ano", conclamou o presidente do sindicato dos metroviários, Altino de Melo Prazeres Júnior, filiado ao PSTU, na assembleia que aprovou no domingo a continuação do movimento, pouco depois de os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) considerarem abusiva a paralisação, determinarem o seu término imediato e imporem uma multa diária de R$ 500 mil à entidade da categoria em caso de descumprimento da decisão.
O colegiado resolveu também conceder ao setor o reajuste de 8,7% oferecido pela Companhia do Metropolitano, aproximadamente 3 pontos acima da inflação medida pelo INPC nos 12 meses encerrados em abril (a data-base do setor). O TRT decretou a ilegalidade da greve porque a direção do sindicato se recusara a cumprir a ordem da vice-presidente da Corte, desembargadora Rilma Hemetério, para ser mantido integralmente o serviço nos horários matinais e vespertinos de pico e 70% no restante do tempo de operação.
Ela entendeu que o legítimo direito de ir e vir da população da maior metrópole brasileira prevalece sobre o direito igualmente legítimo à greve por aumento de salário de um segmento profissional prestador de um serviço essencial. Nem se trata de uma inovação: a legislação que rege a matéria já condiciona ao interesse público o último recurso de que dispõem os assalariados para ver atendidas as suas demandas. No caso, aliás, se trata de uma demanda desarrazoada, para dizer o menos, mesmo tendo encolhido de 16,5% para 12,2%.
Para entender seja o índice pleiteado, seja a recusa do cumprimento de um ato judicial que apenas tentava adequar ações particulares a uma necessidade geral objetiva, seja, enfim, a decisão de persistir numa paralisação já então formalmente qualificada como abusiva, volte-se ao "momento único" do argumento do sindicalista Prazeres. Copa e eleições, para ele e seus correligionários de extrema esquerda, são de fato oportunidades políticas de acertar dois alvos com a mesma descarga: o governo federal do seu adversário petista e o governo estadual do seu inimigo tucano.
Perto disso, as agruras impostas a milhões de pessoas - que não são propriamente os execrados "burgueses", mas formam grande parte do chamado "povão" - são irrelevantes. A retórica supre o resto. "Os protestos do ano passado entraram na nossa mente", discursou o metroviário (detido, à época, por suspeita de vandalismo). "Não pode ficar massacrando, batendo em trabalhador." Vá dizer isso aos trabalhadores cujo cotidiano eles infernizam, seja qual for o meio de transporte a que tenham acesso, e que, mesmo quando tudo está normal, são obrigados a gastar horas valiosas na ida ao seu sustento e no regresso para o que lhes resta de lazer, convívio e repouso.
Ontem, para piorar, o transtorno não se limitou ao fechamento de praticamente a metade das 61 estações administradas pelo poder público (as 6 estações da Linha 4-Amarela, a cargo da iniciativa privada, abriram normalmente, a exemplo dos primeiros dias da paralisação, na semana passada). Numa manobra combinada, ativistas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e do Passe Livre, bloquearam logo cedo a Rua Vergueiro, uma das mais importantes do centro-leste da cidade, motivando a intervenção da Polícia Militar, com bombas de efeito moral e balas de borracha. Ao paulistano não se permite nem ser pedestre.
Na terceira manhã de trânsito mais lento na cidade, os manifestantes se agruparam diante da Secretaria de Transportes e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que curiosamente ficam uma diante da outra na mesma rua do centro velho da capital, ambas protegidas por PMs com armaduras "robocop" e escudos. Aboletado em um carro de som, Prazeres se entregava a mais uma arenga. "Se não atender o metroviário, não vai ter Copa do Mundo", ameaçou, com a prepotência de quem se acha o dono da cidade. Àquela hora, porém, 30% dos 1.198 metroviários do turno matinal já haviam voltado ao trabalho. (O Metrô já havia demitido 42 grevistas por justa causa.) A firmeza do governo parecia dar resultados.
Crise de confiança é obra de vários donos - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 10/06
Lula sugere terapia equivocada para uma crise cujo agravamento começou no seu governo, quando se usaram problemas mundiais como álibi para acelerar gastos públicos
O ex-presidente Lula tem o dom da palavra. Formado nas assembleias de metalúrgicos do ABC ainda nos tempos da resistência à ditadura militar, no final da década de 70, o então líder sindical se adestraria ainda mais na campanha vitoriosa a deputado na Constituinte de 87 e chegaria ao Planalto, nas eleições de 2002, já doutor em oratória, depois de três derrotas consecutivas e incontáveis horas de palanques. Grande eleitor da presidente Dilma Rousseff, imposta por ele ao PT como candidata a sucedê-lo, Lula agora acelera a participação na campanha de reeleição da ex-ministra, num momento delicado do projeto petista de se manter no poder em Brasília.
A última pesquisa eleitoral, do Datafolha, manteve Dilma na liderança, com 34%, mas confirmou a tendência de queda da candidata, enquanto seu mais forte adversário até agora, Aécio Neves se estabilizava em 19%. Mais do que isso, pela primeira vez desde 2007, a proporção dos que acham que a situação da economia piorará (36%) superou o índice do grupo que não espera mudanças (32%).
O PT e Dilma, diante das dificuldades na economia, começam a precisar bastante da oratória de Lula. Na semana passada, em Porto Alegre, ela entrou em ação em dois momentos: a empresários e também a militantes do PT, o ex-presidente defendeu combate imediato à inflação — antes “de chegar aos 40 graus” — e, depois, em evento promovido pelo jornal espanhol “El Pais", aproveitou a presença do secretário do Tesouro, Arno Augustin, para conclamar o governo a expandir a oferta de crédito.
Mesmo sabendo que a política econômica não é de Augustin, mas da presidente e candidata Dilma, Lula, em tom de brincadeira, criticou a mentalidade de “tesoureiro do secretário" e o aconselhou a estimular o crédito.
Em certa medida, Lula usufrui da cômoda condição de comentarista da conjuntura. Apesar do peso político que tem, deve achar que pode defender o que lhe passa pela cabeça. Até ser contraditório ao pregar a luta anti-inflacionária e também mais crédito. Mas a terapia do pé no acelerador do crédito seria grave erro, pelo esgotamento desta via e também devido à própria inflação, elevada. Além de ampliar a já preocupante falta de confiança dos investidores.
Cabe, ainda, recordar que Lula é sócio dos atuais problemas da economia. Ele ainda era presidente, na virada de 2008 para 2009, quando o estouro da crise mundial foi usada como álibi pelo Planalto para arrombar os cofres públicos. Foi criado, por exemplo, um virtual orçamento paralelo para transferir recursos de dívida do Tesouro para o BNDES e outros bancos públicos. Aceleraram-se os gastos correntes, e continuou assim mesmo depois de afastado o risco da importação integral da crise externa. Criou-se, então, uma crise própria, a que aí está, contra a qual o ex-presidente sugere dobrar a aposta no voluntarismo. Só piorará, bastante, a situação.
Lula sugere terapia equivocada para uma crise cujo agravamento começou no seu governo, quando se usaram problemas mundiais como álibi para acelerar gastos públicos
O ex-presidente Lula tem o dom da palavra. Formado nas assembleias de metalúrgicos do ABC ainda nos tempos da resistência à ditadura militar, no final da década de 70, o então líder sindical se adestraria ainda mais na campanha vitoriosa a deputado na Constituinte de 87 e chegaria ao Planalto, nas eleições de 2002, já doutor em oratória, depois de três derrotas consecutivas e incontáveis horas de palanques. Grande eleitor da presidente Dilma Rousseff, imposta por ele ao PT como candidata a sucedê-lo, Lula agora acelera a participação na campanha de reeleição da ex-ministra, num momento delicado do projeto petista de se manter no poder em Brasília.
A última pesquisa eleitoral, do Datafolha, manteve Dilma na liderança, com 34%, mas confirmou a tendência de queda da candidata, enquanto seu mais forte adversário até agora, Aécio Neves se estabilizava em 19%. Mais do que isso, pela primeira vez desde 2007, a proporção dos que acham que a situação da economia piorará (36%) superou o índice do grupo que não espera mudanças (32%).
O PT e Dilma, diante das dificuldades na economia, começam a precisar bastante da oratória de Lula. Na semana passada, em Porto Alegre, ela entrou em ação em dois momentos: a empresários e também a militantes do PT, o ex-presidente defendeu combate imediato à inflação — antes “de chegar aos 40 graus” — e, depois, em evento promovido pelo jornal espanhol “El Pais", aproveitou a presença do secretário do Tesouro, Arno Augustin, para conclamar o governo a expandir a oferta de crédito.
Mesmo sabendo que a política econômica não é de Augustin, mas da presidente e candidata Dilma, Lula, em tom de brincadeira, criticou a mentalidade de “tesoureiro do secretário" e o aconselhou a estimular o crédito.
Em certa medida, Lula usufrui da cômoda condição de comentarista da conjuntura. Apesar do peso político que tem, deve achar que pode defender o que lhe passa pela cabeça. Até ser contraditório ao pregar a luta anti-inflacionária e também mais crédito. Mas a terapia do pé no acelerador do crédito seria grave erro, pelo esgotamento desta via e também devido à própria inflação, elevada. Além de ampliar a já preocupante falta de confiança dos investidores.
Cabe, ainda, recordar que Lula é sócio dos atuais problemas da economia. Ele ainda era presidente, na virada de 2008 para 2009, quando o estouro da crise mundial foi usada como álibi pelo Planalto para arrombar os cofres públicos. Foi criado, por exemplo, um virtual orçamento paralelo para transferir recursos de dívida do Tesouro para o BNDES e outros bancos públicos. Aceleraram-se os gastos correntes, e continuou assim mesmo depois de afastado o risco da importação integral da crise externa. Criou-se, então, uma crise própria, a que aí está, contra a qual o ex-presidente sugere dobrar a aposta no voluntarismo. Só piorará, bastante, a situação.
Disparidades no serviço público - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 10/06
As gritantes disparidades encontradas pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) na folha salarial do funcionalismo federal reclamam urgente correção de rota. A onerosa e ineficiente máquina do Estado brasileiro paga a seus trabalhadores salários quase cinco vezes superiores à média do que é praticado pela iniciativa privada nas seis principais regiões metropolitanas do país - R$ 9.504, contra R$ 1.977. E essa é apenas uma entre muitas distorções.
Como explicar, por exemplo, que um servidor do Poder Executivo custe, em média, R$ 8.465 por mês, enquanto o do Judiciário sai por R$ 13.575 e o do Legislativo por R$ 14.721? Por que funcionários lotados em São Paulo têm média salarial de R$ 8.150 e os do Distrito Federal, de R$ 4.458? Qual a razão para os quadros de pessoal dos ministérios da Educação e da Saúde estarem, respectivamente, em 12º e 15º lugares na escala descendente de ganhos mensais?
Urge pôr ordem na casa. O trabalho da Enap deve servir de ponto de partida para a correção de toda e qualquer falta de lógica, de transparência e, sobretudo, de justiça na estrutura funcional da República. É preciso fazer fotografia mais abrangente, que também revele as lotações dos funcionários. Afinal, assim como há concentração de salários em determinados órgãos, é possível que haja carência de pessoal em alguns setores, e excesso em outros.
Cabe aos chefes dos Três Poderes tomar a decisão política de buscar uma solução conjunta. Tendo a meritocracia como norte, será possível encontrar modelo capaz de uniformizar os critérios de remuneração, carreira por carreira. Não se trata de definir estrutura única, pois, mais do que razoável, é aconselhável contemplar as diferenças. O importante é que haja coerência, equilíbrio e correspondência com a realidade do mercado de trabalho. Não só para fazer justiça com os servidores e o contribuinte - que paga os salários - como para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população.
Milhões de brasileiros ocupam bancos de cursinhos preparatórios para concursos públicos país afora. A disputa, por si, é fator de qualificação. E desmistifica a ideia de que serviço público seja sinônimo de pouco esforço. Agora, é dever do Estado otimizar o aproveitamento de profissionais cada vez mais graduados que passam a compor seus quadros, oferecendo a eles salários condizentes com sua formação e produtividade, em estrutura orgânica, livre de influências políticas, que permita vislumbrar e programar a ascensão funcional desde o primeiro momento até a aposentadoria.
Supersalários pagos a uma minoria ou a grupos de privilegiados, serviços que não atendem à expectativa da sociedade, falta de transparência desqualificam e desmotivam. Já em uma estrutura justa, o servidor se sentirá estimulado a produzir mais e melhor, o que poderá, ainda, ser recompensado com bonificações aos que cumprirem metas, em benefício de toda a população.
Como explicar, por exemplo, que um servidor do Poder Executivo custe, em média, R$ 8.465 por mês, enquanto o do Judiciário sai por R$ 13.575 e o do Legislativo por R$ 14.721? Por que funcionários lotados em São Paulo têm média salarial de R$ 8.150 e os do Distrito Federal, de R$ 4.458? Qual a razão para os quadros de pessoal dos ministérios da Educação e da Saúde estarem, respectivamente, em 12º e 15º lugares na escala descendente de ganhos mensais?
Urge pôr ordem na casa. O trabalho da Enap deve servir de ponto de partida para a correção de toda e qualquer falta de lógica, de transparência e, sobretudo, de justiça na estrutura funcional da República. É preciso fazer fotografia mais abrangente, que também revele as lotações dos funcionários. Afinal, assim como há concentração de salários em determinados órgãos, é possível que haja carência de pessoal em alguns setores, e excesso em outros.
Cabe aos chefes dos Três Poderes tomar a decisão política de buscar uma solução conjunta. Tendo a meritocracia como norte, será possível encontrar modelo capaz de uniformizar os critérios de remuneração, carreira por carreira. Não se trata de definir estrutura única, pois, mais do que razoável, é aconselhável contemplar as diferenças. O importante é que haja coerência, equilíbrio e correspondência com a realidade do mercado de trabalho. Não só para fazer justiça com os servidores e o contribuinte - que paga os salários - como para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população.
Milhões de brasileiros ocupam bancos de cursinhos preparatórios para concursos públicos país afora. A disputa, por si, é fator de qualificação. E desmistifica a ideia de que serviço público seja sinônimo de pouco esforço. Agora, é dever do Estado otimizar o aproveitamento de profissionais cada vez mais graduados que passam a compor seus quadros, oferecendo a eles salários condizentes com sua formação e produtividade, em estrutura orgânica, livre de influências políticas, que permita vislumbrar e programar a ascensão funcional desde o primeiro momento até a aposentadoria.
Supersalários pagos a uma minoria ou a grupos de privilegiados, serviços que não atendem à expectativa da sociedade, falta de transparência desqualificam e desmotivam. Já em uma estrutura justa, o servidor se sentirá estimulado a produzir mais e melhor, o que poderá, ainda, ser recompensado com bonificações aos que cumprirem metas, em benefício de toda a população.
Padrão Fifa? - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 10/06
Práticas da entidade máxima do futebol diante de casos de corrupção não correspondem ao que a população espera do setor público brasileiro
Salta aos olhos o descompasso. Ao custo de R$ 1 bilhão, construiu-se um moderníssimo estádio em Itaquera, região da cidade de São Paulo que conta com serviços públicos notoriamente deficientes.
Há discrepâncias similares em muitas das 12 cidades-sede da Copa do Mundo, cuja abertura se dará nesta quinta-feira na nova arena paulistana. Diante disso, surgiu uma espirituosa metáfora para as diversas reivindicações populares.
Desde as manifestações de junho passado, demandas por investimentos em setores como saúde, educação e transporte foram sintetizadas na expressão "padrão Fifa", espécie de selo de qualidade.
Enquanto blague, vá lá. Em ao menos uma bandeira das ruas --o combate à corrupção--, contudo, a entidade máxima do futebol parece se afastar dos níveis de excelência para se aproximar das piores práticas da política brasileira.
No mais recente episódio, o jornal britânico "The Sunday Times" revelou que um influente ex-dirigente de futebol do Qatar teria gasto o equivalente a R$ 11,1 milhões para comprar apoio à candidatura de seu país como sede da Copa de 2022 --campanha afinal vitoriosa.
O tema deve entrar na pauta do 64º Congresso da Fifa, que começa hoje em São Paulo. Realizado anualmente, costuma abrigar apenas debates sobre regras e prestação de contas, mas cresce a pressão, inclusive de patrocinadores, para que o escândalo do Qatar seja discutido a fundo.
Se a Fifa não mudar seu padrão ao lidar com casos de corrupção, entretanto, pouco será feito.
Lembre-se, por exemplo, de que "terminaram em pizza" as comprovadas denúncias de que os brasileiros João Havelange, ex-presidente da entidade, e Ricardo Teixeira, então mandatário da CBF, receberam propinas de ao menos R$ 45 milhões em negociatas relativas aos direitos de transmissão de Mundiais.
Mesmo com tal mácula, a Fifa nem sequer discutiu suspender o pagamento de aposentadorias aos dois cartolas; tampouco exigiu a devolução integral dos valores recebidos, contrariando o relatório do comitê de ética interno.
Como se questões extracampo não fossem suficientes, levantam-se dúvidas sobre a capacidade da entidade de evitar a manipulação de resultados em jogos. Segundo reportagem do "The New York Times", até hoje pairam suspeitas sobre pelo menos cinco partidas da Copa de 2010, na África do Sul.
Essas práticas, com efeito, nem de longe correspondem aos justos anseios por melhorias que o "padrão Fifa" passou a representar.
A ironia brasileira conseguiu, assim, dar um drible na semiótica: falta a esse símbolo qualquer adequação ao significado que lhe foi atribuído. Trata-se, neste caso, de um equívoco nacional que os dirigentes da Fifa, tão acrimoniosos quanto aos atrasos do país para o Mundial, preferiram não apontar.
Práticas da entidade máxima do futebol diante de casos de corrupção não correspondem ao que a população espera do setor público brasileiro
Salta aos olhos o descompasso. Ao custo de R$ 1 bilhão, construiu-se um moderníssimo estádio em Itaquera, região da cidade de São Paulo que conta com serviços públicos notoriamente deficientes.
Há discrepâncias similares em muitas das 12 cidades-sede da Copa do Mundo, cuja abertura se dará nesta quinta-feira na nova arena paulistana. Diante disso, surgiu uma espirituosa metáfora para as diversas reivindicações populares.
Desde as manifestações de junho passado, demandas por investimentos em setores como saúde, educação e transporte foram sintetizadas na expressão "padrão Fifa", espécie de selo de qualidade.
Enquanto blague, vá lá. Em ao menos uma bandeira das ruas --o combate à corrupção--, contudo, a entidade máxima do futebol parece se afastar dos níveis de excelência para se aproximar das piores práticas da política brasileira.
No mais recente episódio, o jornal britânico "The Sunday Times" revelou que um influente ex-dirigente de futebol do Qatar teria gasto o equivalente a R$ 11,1 milhões para comprar apoio à candidatura de seu país como sede da Copa de 2022 --campanha afinal vitoriosa.
O tema deve entrar na pauta do 64º Congresso da Fifa, que começa hoje em São Paulo. Realizado anualmente, costuma abrigar apenas debates sobre regras e prestação de contas, mas cresce a pressão, inclusive de patrocinadores, para que o escândalo do Qatar seja discutido a fundo.
Se a Fifa não mudar seu padrão ao lidar com casos de corrupção, entretanto, pouco será feito.
Lembre-se, por exemplo, de que "terminaram em pizza" as comprovadas denúncias de que os brasileiros João Havelange, ex-presidente da entidade, e Ricardo Teixeira, então mandatário da CBF, receberam propinas de ao menos R$ 45 milhões em negociatas relativas aos direitos de transmissão de Mundiais.
Mesmo com tal mácula, a Fifa nem sequer discutiu suspender o pagamento de aposentadorias aos dois cartolas; tampouco exigiu a devolução integral dos valores recebidos, contrariando o relatório do comitê de ética interno.
Como se questões extracampo não fossem suficientes, levantam-se dúvidas sobre a capacidade da entidade de evitar a manipulação de resultados em jogos. Segundo reportagem do "The New York Times", até hoje pairam suspeitas sobre pelo menos cinco partidas da Copa de 2010, na África do Sul.
Essas práticas, com efeito, nem de longe correspondem aos justos anseios por melhorias que o "padrão Fifa" passou a representar.
A ironia brasileira conseguiu, assim, dar um drible na semiótica: falta a esse símbolo qualquer adequação ao significado que lhe foi atribuído. Trata-se, neste caso, de um equívoco nacional que os dirigentes da Fifa, tão acrimoniosos quanto aos atrasos do país para o Mundial, preferiram não apontar.
A ata do Banco Central - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 10/06
As análises duras do BC e do Comitê de Política Monetária devem ser olhadas com atenção e como sinal de alerta
Nos dias 27 e 28 de maio, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) fez sua reunião de número 183, na qual foi mantida a taxa básica de juros, a Selic, em 11% ao ano. Participaram da reunião oito membros do órgão, mais sete chefes de departamento do Banco Central (BC). Além de definir a taxa de juros, o Copom faz análise da economia para justificar sua decisão e a ata publicada é rica em informações sobre os principais indicadores econômicos e as expectativas sobre os rumos do país. Os capítulos principais abordados nessa ata foram a evolução recente da economia, a avaliação prospectiva das tendências da inflação e a implementação da política monetária.
A decisão de manter a Selic em 11% pode ser explicada por alguns fatores já conhecidos. O primeiro tem a ver com a taxa de inflação, que ficou em 6,28% no acumulado de 12 meses, abaixo do teto da meta, que é de 6,5%. Vale lembrar, entretanto, que o alvo do BC é perseguir a meta de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. Os 6,5% são um teto tolerável, mas não deveriam ser a inflação buscada. A julgar por esse ponto, o BC poderia ter elevado a taxa de juros, principalmente porque os preços livres têm aumentado acima de 7% ao ano, e o grupo de alimentos e bebidas havia registrado, em abril, elevação de 14% no acumulado de 12 meses. Como nas últimas semanas, houve certo arrefecimento do ímpeto altista dos preços; por esse ponto, o BC optou por não elevar a Selic.
Outro ponto que colaborou para a manutenção da taxa de juros foi o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que faz estimativa para a produção mensal dos três setores da economia (primário, secundário e terciário). O fato é que, mais uma vez, o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) ficará muito abaixo da previsão feita pelo governo no início do ano e já há quem fale em 1%. Apesar da decisão de manter a Selic nos 11%, o BC faz comentários sobre a inflação, sugerindo que não haverá tolerância do órgão com eventual elevação dos preços acima do teto da meta. Pelo contrário: a ata afirma que mesmo a taxa de 6,28% não é a meta (que, lembremos, é de 4,5%) e explica seus malefícios.
Na ata, o BC diz textualmente: “O Copom ressalta que a evidência internacional, no que é ratificada pela experiência brasileira, indica que taxas de inflação elevadas geram distorções que levam a aumentos dos riscos e deprimem os investimentos. Essas distorções se manifestam, por exemplo, no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos, bem como na deterioração da confiança de empresários. O Comitê enfatiza também que taxas de inflação elevadas subtraem o poder de compra de salários e de transferências, com repercussões negativas sobre a confiança e o consumo das famílias. Por conseguinte, taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de geração de empregos e de renda”.
Esses pontos destacados na ata sugerem que o BC tem disposição para elevar a taxa de juros a fim de conter a inflação e somente não o fez em razão do fraco desempenho do PIB. Eventual aumento da taxa Selic agora poderia contribuir para desaquecer ainda mais a economia, com consequências negativas sobre o nível de emprego. Embora não tenha dito explicitamente, o Copom certamente levou em conta a elevação da taxa de desemprego que, segundo o IBGE, passou dos 7% da população economicamente ativa.
A conjugação de crescimento baixo, inflação alta e desemprego crescendo indica que o atual momento da economia brasileira não é bom. Segundo o Copom, também o cenário internacional passa por restrições que dificultam a situação brasileira. Exemplo disso é o déficit brasileiro de mais de US$ 81,6 bilhões nas transações correntes no acumulado de 12 meses (diferença entre as importações e exportações de mercadorias e serviços).
A ata do Copom faz algumas previsões otimistas e sinaliza que os problemas atuais tendem a ser revertidos, prevendo melhoria de alguns indicadores mais à frente, mas sem muito otimismo. Tanto o BC quanto seu Comitê de Política Monetária são órgãos do governo; logo, suas análises mais duras não vêm de setores de oposição. Justamente por isso, devem ser olhadas com atenção e como sinal de alerta para o risco de problemas mais à frente.
As análises duras do BC e do Comitê de Política Monetária devem ser olhadas com atenção e como sinal de alerta
Nos dias 27 e 28 de maio, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) fez sua reunião de número 183, na qual foi mantida a taxa básica de juros, a Selic, em 11% ao ano. Participaram da reunião oito membros do órgão, mais sete chefes de departamento do Banco Central (BC). Além de definir a taxa de juros, o Copom faz análise da economia para justificar sua decisão e a ata publicada é rica em informações sobre os principais indicadores econômicos e as expectativas sobre os rumos do país. Os capítulos principais abordados nessa ata foram a evolução recente da economia, a avaliação prospectiva das tendências da inflação e a implementação da política monetária.
A decisão de manter a Selic em 11% pode ser explicada por alguns fatores já conhecidos. O primeiro tem a ver com a taxa de inflação, que ficou em 6,28% no acumulado de 12 meses, abaixo do teto da meta, que é de 6,5%. Vale lembrar, entretanto, que o alvo do BC é perseguir a meta de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. Os 6,5% são um teto tolerável, mas não deveriam ser a inflação buscada. A julgar por esse ponto, o BC poderia ter elevado a taxa de juros, principalmente porque os preços livres têm aumentado acima de 7% ao ano, e o grupo de alimentos e bebidas havia registrado, em abril, elevação de 14% no acumulado de 12 meses. Como nas últimas semanas, houve certo arrefecimento do ímpeto altista dos preços; por esse ponto, o BC optou por não elevar a Selic.
Outro ponto que colaborou para a manutenção da taxa de juros foi o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que faz estimativa para a produção mensal dos três setores da economia (primário, secundário e terciário). O fato é que, mais uma vez, o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) ficará muito abaixo da previsão feita pelo governo no início do ano e já há quem fale em 1%. Apesar da decisão de manter a Selic nos 11%, o BC faz comentários sobre a inflação, sugerindo que não haverá tolerância do órgão com eventual elevação dos preços acima do teto da meta. Pelo contrário: a ata afirma que mesmo a taxa de 6,28% não é a meta (que, lembremos, é de 4,5%) e explica seus malefícios.
Na ata, o BC diz textualmente: “O Copom ressalta que a evidência internacional, no que é ratificada pela experiência brasileira, indica que taxas de inflação elevadas geram distorções que levam a aumentos dos riscos e deprimem os investimentos. Essas distorções se manifestam, por exemplo, no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos, bem como na deterioração da confiança de empresários. O Comitê enfatiza também que taxas de inflação elevadas subtraem o poder de compra de salários e de transferências, com repercussões negativas sobre a confiança e o consumo das famílias. Por conseguinte, taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de geração de empregos e de renda”.
Esses pontos destacados na ata sugerem que o BC tem disposição para elevar a taxa de juros a fim de conter a inflação e somente não o fez em razão do fraco desempenho do PIB. Eventual aumento da taxa Selic agora poderia contribuir para desaquecer ainda mais a economia, com consequências negativas sobre o nível de emprego. Embora não tenha dito explicitamente, o Copom certamente levou em conta a elevação da taxa de desemprego que, segundo o IBGE, passou dos 7% da população economicamente ativa.
A conjugação de crescimento baixo, inflação alta e desemprego crescendo indica que o atual momento da economia brasileira não é bom. Segundo o Copom, também o cenário internacional passa por restrições que dificultam a situação brasileira. Exemplo disso é o déficit brasileiro de mais de US$ 81,6 bilhões nas transações correntes no acumulado de 12 meses (diferença entre as importações e exportações de mercadorias e serviços).
A ata do Copom faz algumas previsões otimistas e sinaliza que os problemas atuais tendem a ser revertidos, prevendo melhoria de alguns indicadores mais à frente, mas sem muito otimismo. Tanto o BC quanto seu Comitê de Política Monetária são órgãos do governo; logo, suas análises mais duras não vêm de setores de oposição. Justamente por isso, devem ser olhadas com atenção e como sinal de alerta para o risco de problemas mais à frente.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Eles não só podem como devem ser demitidos por justa causa”
Jurandir Fernandes (secretário de Transportes Metropolita- nos), finalmente agindo contra a greve oportunista no Metrô-SP
COTAS NO CONGRESSO IGNORAM VOTAÇÃO
Três projetos criando novas cotas raciais causam polêmica no Congresso porque ignoram o desempenho eleitoral dos candidatos. Uma proposta de emenda constitucional (PEC 116) reserva 50% das cadeiras de deputado federal para quem se declare “negro”, e até já está pronta para ser votada no plenário. Outra proposta, a PEC 320/ 13, cria quatro vagas para deputados “eleitos por comunidades indígenas”.
APARTHEID LEGISLATIVO
A separação entre parlamentares negros e “não negros” duraria por 20 anos, com a possibilidade de ser prorrogada por mais 20 anos.
VERTICALIDADE
A reserva de 50% de vagas para cotistas valeria para Câmara Federal, Assembleias Legislativas estaduais e a Câmara Legislativa no DF.
MIM DEPUTADO
As quatro vagas destinadas aos indígenas seriam adicionadas às 513 atuais e os deputados viriam de eleições específicas nas reservas.
MEIO A MEIO
Além de indígenas e negros, há também o projeto de Lei 4497/2012, que obriga partidos a apresentar 50% de candidaturas de mulheres.
MINISTÉRIO AGORA PREGA ‘DECÊNCIA’
A propaganda do Ministério do Trabalho na TV virou motivo de chacota até nos corredores do Planalto. O tema dos comerciais é “decência”, algo raro de ser ver nas gestões do PDT no ministério, que foi alvo de ao menos duas operações da Polícia Federal, por corrupção, e de denúncias de pagamento de propina a servidores ligados a Carlos Lupi, presidente do PDT, e seu braço direito Manoel Dias, atual ministro.
A FAMA NA CAMA
Torcedores ingleses, assim como os americanos, foram aconselhados pelos governos locais a trazer camisinhas, “em caso de necessidade”.
CALOTE FEDERAL
Embrapa e Cindacta 2 (controle aéreo) não pagam a fornecedores há quase dois meses. A grita dos microempresários é geral.
CHEGUEI!
A CIA, serviço secreto dos EUA, agora está no Twitter, e de bom humor. Já a nossa Abin não passa recibo nem dos cartões corporativos.
OS DONOS DA BOLA
Parou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado há mais de 1 mês o projeto do senador Armando Monteiro (PTB-PE) que compara vandalismo a homicídio qualificado, com previsão de cadeia de 30 anos.
CENÁRIO SOMBRIO
Na palestra com financistas em Londres, o herdeiro do Itaú Unibanco, Ricardo Marino, após preconizar a derrota de Dilma, falou de economia traçando cenário de um Brasil sem reformas, a economia crescendo muito pouco, juros elevados, câmbio depreciado e inflação de 6%.
DEIXA COMO ESTÁ
Já se passou mais de um mês que o enrolado André Vargas (PR) pediu desfiliação do PT, e até agora Justiça eleitoral e PT não comunicaram à Câmara sua saída. Ele ainda consta como membro da bancada petista.
VEREDA TROPICAL
Estrangeiros que chegam para a Copa do Mundo topam com autêntica jabuticaba brasileira: as singulares tomadas de três pinos, que impedem o carregamento de celulares e laptops. E saem à caça de adaptadores.
VAI ENCARAR?
A PM de Minas Gerais está pronta para encarar vândalos mascarados, muitos deles com ligações ao crime organizado. O lema da PM virou grito de guerra: “Se prepara, black bloc, sua hora vai chegar!”.
POSSE HISTÓRICA
Está confirmada para o dia 16 a posse de Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, primeira mulher a assumir a presidência do Superior Tribunal Militar. O vice será o general Olympio Pereira da Silva Junior.
SEIS POR MEIA DÚZIA
Após a desistência de Liliane Roriz, que não se sentia à vontade como vice de José Roberto Arruda, antigo inimigo da família, a irmã Jaqueline – também filmada recebendo dinheiro sujo – pode substituí-la.
JUNTOS NA CAUSA
O ex-ministro Gilberto Gil gravou depoimento pedindo aprovação na Câmara da Lei Cultura Viva, proposta por Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que visa transformar em lei o programa de incentivo à cultura.
AUTOAJUDA
Lição de otimismo pré-Copa no Twitter: “Veja pelo lado bom. Com a greve, turistas estrangeiros ficaram sabendo que o Brasil tem metrô”.
PODER SEM PUDOR
ASSIM NÃO DÁ
O brigadeiro Eduardo Gomes, candidato a presidente em 1945, foi protagonista de uma das clássicas histórias de comício.
– Brasileiros, precisamos trabalhar! – conclamou o líder udenista.
Figura sempre presente em ocasiões assim, o bêbado logo protestou:
– Assim não dá! (hic!) Já começou a perseguição!
Jurandir Fernandes (secretário de Transportes Metropolita- nos), finalmente agindo contra a greve oportunista no Metrô-SP
COTAS NO CONGRESSO IGNORAM VOTAÇÃO
Três projetos criando novas cotas raciais causam polêmica no Congresso porque ignoram o desempenho eleitoral dos candidatos. Uma proposta de emenda constitucional (PEC 116) reserva 50% das cadeiras de deputado federal para quem se declare “negro”, e até já está pronta para ser votada no plenário. Outra proposta, a PEC 320/ 13, cria quatro vagas para deputados “eleitos por comunidades indígenas”.
APARTHEID LEGISLATIVO
A separação entre parlamentares negros e “não negros” duraria por 20 anos, com a possibilidade de ser prorrogada por mais 20 anos.
VERTICALIDADE
A reserva de 50% de vagas para cotistas valeria para Câmara Federal, Assembleias Legislativas estaduais e a Câmara Legislativa no DF.
MIM DEPUTADO
As quatro vagas destinadas aos indígenas seriam adicionadas às 513 atuais e os deputados viriam de eleições específicas nas reservas.
MEIO A MEIO
Além de indígenas e negros, há também o projeto de Lei 4497/2012, que obriga partidos a apresentar 50% de candidaturas de mulheres.
MINISTÉRIO AGORA PREGA ‘DECÊNCIA’
A propaganda do Ministério do Trabalho na TV virou motivo de chacota até nos corredores do Planalto. O tema dos comerciais é “decência”, algo raro de ser ver nas gestões do PDT no ministério, que foi alvo de ao menos duas operações da Polícia Federal, por corrupção, e de denúncias de pagamento de propina a servidores ligados a Carlos Lupi, presidente do PDT, e seu braço direito Manoel Dias, atual ministro.
A FAMA NA CAMA
Torcedores ingleses, assim como os americanos, foram aconselhados pelos governos locais a trazer camisinhas, “em caso de necessidade”.
CALOTE FEDERAL
Embrapa e Cindacta 2 (controle aéreo) não pagam a fornecedores há quase dois meses. A grita dos microempresários é geral.
CHEGUEI!
A CIA, serviço secreto dos EUA, agora está no Twitter, e de bom humor. Já a nossa Abin não passa recibo nem dos cartões corporativos.
OS DONOS DA BOLA
Parou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado há mais de 1 mês o projeto do senador Armando Monteiro (PTB-PE) que compara vandalismo a homicídio qualificado, com previsão de cadeia de 30 anos.
CENÁRIO SOMBRIO
Na palestra com financistas em Londres, o herdeiro do Itaú Unibanco, Ricardo Marino, após preconizar a derrota de Dilma, falou de economia traçando cenário de um Brasil sem reformas, a economia crescendo muito pouco, juros elevados, câmbio depreciado e inflação de 6%.
DEIXA COMO ESTÁ
Já se passou mais de um mês que o enrolado André Vargas (PR) pediu desfiliação do PT, e até agora Justiça eleitoral e PT não comunicaram à Câmara sua saída. Ele ainda consta como membro da bancada petista.
VEREDA TROPICAL
Estrangeiros que chegam para a Copa do Mundo topam com autêntica jabuticaba brasileira: as singulares tomadas de três pinos, que impedem o carregamento de celulares e laptops. E saem à caça de adaptadores.
VAI ENCARAR?
A PM de Minas Gerais está pronta para encarar vândalos mascarados, muitos deles com ligações ao crime organizado. O lema da PM virou grito de guerra: “Se prepara, black bloc, sua hora vai chegar!”.
POSSE HISTÓRICA
Está confirmada para o dia 16 a posse de Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, primeira mulher a assumir a presidência do Superior Tribunal Militar. O vice será o general Olympio Pereira da Silva Junior.
SEIS POR MEIA DÚZIA
Após a desistência de Liliane Roriz, que não se sentia à vontade como vice de José Roberto Arruda, antigo inimigo da família, a irmã Jaqueline – também filmada recebendo dinheiro sujo – pode substituí-la.
JUNTOS NA CAUSA
O ex-ministro Gilberto Gil gravou depoimento pedindo aprovação na Câmara da Lei Cultura Viva, proposta por Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que visa transformar em lei o programa de incentivo à cultura.
AUTOAJUDA
Lição de otimismo pré-Copa no Twitter: “Veja pelo lado bom. Com a greve, turistas estrangeiros ficaram sabendo que o Brasil tem metrô”.
PODER SEM PUDOR
ASSIM NÃO DÁ
O brigadeiro Eduardo Gomes, candidato a presidente em 1945, foi protagonista de uma das clássicas histórias de comício.
– Brasileiros, precisamos trabalhar! – conclamou o líder udenista.
Figura sempre presente em ocasiões assim, o bêbado logo protestou:
– Assim não dá! (hic!) Já começou a perseguição!