segunda-feira, maio 19, 2014

Relatório sobre as abelhas - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 19/05

O quanto ainda teríamos que avançar para chegar em tal estado de equilíbrio e qualidade de vida?


Há alguns meses, por uma dessas contingências da vida, acordei, no meio de uma tarde de verão quente, com gritos. Desci as escadas em minha frente e vi uma nuvem negra sobre o quintal. Tratava-se de uma invasão de abelhas.

Mais tarde, o especialista me explicou que elas haviam decidido se instalar ali, e logo que começassem a produzir mel se tornariam agressivas. Era urgente que, com todo cuidado que seres em extinção merecem, fossem convencidas a partir. Do contrário, se tornariam senhoras da casa.

Antes de continuar, um reparo: ainda movido pelo espanto, tentamos com as autoridades competentes do local uma solução para a invasão. Soubemos, com novo espanto, que apenas especialistas poderiam dar conta do fenômeno relacionado à decisão das abelhas de ali se instalarem. Sem dúvida que, para elas, detalhes como o fato de aquilo tudo ter sido fruto do trabalho de alguns outros seres que não elas pouco importavam.

Diante da pergunta, "mas se não acharmos um especialista em convencê-las a sair, teremos que aceitá-las em nossa casa?", as autoridades responderam sem pestanejar, "nada se pode fazer contra elas". De novo, com ainda mais espanto, ingenuamente, perguntamos, "mas estamos trancados com todos os cachorros e crianças em casa porque elas tomaram conta do quintal!". De novo, com a tranquilidade de quem enuncia algo decidido numa assembleia soberana: "Nada se pode fazer contra elas". Resumo da ópera: tudo dependia do especialista.

Mas paremos o relatório por enquanto. Voltemos ao momento em que eu despertava do sono. Quando eu contemplava a chegada das abelhas e sua decisão de habitar ali, pensei que maravilha deve ser viver assim, de modo coletivo. A paixão pela vida coletiva deve ser algo inspirado pelos deuses, esse seres que gostam de nos atormentar, às vezes fingindo que não existem, às vezes nos chicoteando para que evoluamos na direção da vida em colmeia.

Já não me lembro se sonhei ou se esse fragmento que narro abaixo de fato aconteceu na minha conversa com o especialista.

Disse-me ele que alguns estudos avançados em ciências cognitivas mostram o nível de prazer (o "gozo da colmeia") que elas, abelhas, esses seres evoluídos, sentem quando colocadas em frente a telas coloridas e cheias de luz. As abelhas, esses seres evoluídos, realizam melhor suas superconsciências coletivas quando colocadas diante de redes compostas por letras, imagens e números.

De volta ao que de fato sabemos que ocorreu naquela tarde quente de verão quando acordei com a chegada das abelhas livres. Para mim foi impossível não pensar no grande Franz Kafka, o profeta da esquizofrenia moderna.

Sabemos que certa feita o sábio de Praga falou que o darwinismo não o assustava pelo que dizia do nosso passado, mas sim o assustava pelo que poderia significar para as próximas gerações. Nutro uma grande simpatia, como o leitor atento bem sabe, pelo darwinismo e sua tragédia cósmica de violência, ordem cega e acaso. Mas não posso deixar de pensar que nosso sábio de Praga tinha alguma razão quanto ao efeito nefasto que uma teoria que nos aproxima tanto dos animais poderia ter sobre as gerações futuras.

A paixão pelo "gozo da colmeia" (fato científico) me faz pensar nessa profecia kafkiana. O modo como as invasoras decidiam, ali mesmo, em meio ao ar, em sua assembleia de consciências coletivas, para aonde iam, quem ia fazer o quê, e quem mandava, me causou espanto. O quanto ainda teríamos que avançar para chegar em tal estado de equilíbrio e qualidade de vida?

Por fim, confesso, reli o fabuloso "Relatório para uma Academia" de Kafka (um conto "evolucionista" no qual ele narra a epopeia de um macaco que "vira" humano, ao longo de uma viagem em que aprende a imitar homens e é levado a academia como grande trunfo da ciência). Abri o texto assim como quem busca um versículo que ilumine a vida e achei a seguinte pérola:

"Durante o dia não quero vê-la; pois ela tem no olhar a loucura do perturbado animal amestrado; isso só eu reconheço e não consigo suportá-lo".

A culpa é do diabo - PAULO GUEDES

O GLOBO - 19/05
Combate à inflação sem disciplina fiscal faz taxa de acumulação de capital maior que taxa de crescimento e aumenta desigualdade
A Grande Recessão nas economias avançadas explica a celebridade instantânea de O capital no século XXI (2014), de Thomas Piketty. Como a queda do Muro de Berlim e os atentados de 11 de Setembro trouxeram popularidade ao Fim da História (1992), de Francis Fukuyama, e O choque das civilizações (2001), de Samuel Huntington. Cada época tem seu fenômeno político, midiático e editorial, argumenta o escritor venezuelano Moisés Naím, em artigo no jornal O Estado de S. Paulo de ontem.

Atribuir ao capitalismo a desigualdade econômica em toda parte e através dos tempos é tão simplista quanto atribuir ao diabo todos os males do mundo. Sim, a desigualdade cresce quando a taxa de remuneração do capital é maior que a taxa de crescimento econômico. Se a acumulação de riqueza sob forma de patrimônio imobiliário, ativos financeiros como ações e títulos de renda fixa ocorre a ritmo superior ao do crescimento da renda na economia, uma fatia cada vez maior do bolo está sendo apropriada pelos ricos. Os ricos abocanham também parcelas crescentes da renda se o governo estimula artificialmente os ganhos de capital nos mercados imobiliário e de ações e garante a riqueza acumulada em operações de salvamento de instituições financeiras, enquanto cai a fatia da remuneração do trabalho, que segue travada pela competição asiática. Se há períodos de selvagem acumulação capitalista, há também permanente destruição criativa de indústrias inteiras por inovações, bem como destruição financeira por investimentos excessivos ou em setores equivocados.

Os governos podem também criar ou destruir riqueza, concentrar ou desconcentrar renda. Décadas de combate à inflação sem disciplina fiscal aumentam a desigualdade no Brasil, pois os juros altos garantem elevada taxa de acumulação do capital financeiro e derrubam nossa taxa de crescimento. Por outro lado, o marco regulatório (tucano) que estimulou a ampliação da oferta privada de vagas universitárias e os programas (petistas) de democratização do acesso (Prouni, Pronatec, Fies) garantem a acumulação de capital humano em ritmo muito acima ao do crescimento econômico. Essa redistribuição da riqueza em uma sociedade do conhecimento é uma promessa de erradicação da pobreza, maior produtividade e desconcentração de renda no futuro.

Mudança e medo - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 19/05

"Determinados setores parecem desejar o fracasso da Copa, como se disso dependessem as suas chances eleitorais".
Lula, no jornal "El País"
Na última quinta-feira, ao receber para jantar no Palácio da Alvorada dez jornalistas esportivos, Dilma pôs um ponto final na discussão sobre se será ela ou Lula o candidato a presidente na eleição de outubro próximo. Disse em resposta a uma pergunta: "É a minha hora. E vou até o fim. Perdendo ou ganhando". Lembrou que, em 2006, por essa mesma época, Lula tinha índices piores do que ela nas pesquisas.

MENOS, DILMA, MENOS. Em maio de 2006, Lula tinha 45% das intenções de voto, segundo o instituto Datafolha.
Sua tendência era de alta. Pesquisa aplicada este mês conferiu a Dilma 37% com tendência de queda. Os mesmos 37% que ela alcançou em maio de 2010, ano em que se elegeu. Naquela ocasião estava crescendo.

O DESEJO DE MUDANÇA em 2006 e 2010 não foi medido por pesquisas tornadas públicas. Deveria ser baixo, do contrário Lula não se reelegeria com tanta folga nem elegeria Dilma. Este mês, o desejo de mudança atingiu 72% no Datafolha. Noutras palavras: pouco mais de sete em cada dez eleitores querem que o futuro presidente governe em parte ou de forma totalmente diferente de Dilma.

A DE OUTUBRO será a sétima eleição presidencial pelo voto popular desde o fim da ditadura militar de 1964, que durou 21 anos. A primeira eleição foi em dezembro de 1989. Apresentaram-se 22 candidatos.
O brasileiro votou apenas para presidente.
Fernando Collor e Lula, que encarnaram a mudança em relação "a tudo", disputaram o segundo turno.
Collor ganhou apertado.

FERNANDO HENRIQUE se elegeu em 1994 como o candidato da continuidade. Havia sido ministro da Fazenda de Itamar Franco, o vice que substituíra Collor, cassado pelo Congresso sob a suspeita de ser corrupto. Deveu a eleição ao Plano Real, que levou sua assinatura. O plano introduziu uma nova moeda, reduziu ao mínimo a inflação que chegara a mais de 80% ao mês e estabilizou a economia.

A CONTINUIDADE VOLTOU a triunfar em 1998, quando o Real ainda teve fôlego para reeleger Fernando Henrique. Em 2002, com o desemprego subindo, venceu a mudança: elegeu-se Lula. Nas eleições seguintes de 2006 e 2010, sustentada pelos resultados dos programas sociais e de uma melhor distribuição de renda, a continuidade venceu com Lula e Dilma. "A mulher de Lula", como Dilma se tornou conhecida, jamais disputara uma eleição.

EMPENHADO, AGORA, em interromper a queda de Dilma nas pesquisas, o PT sacou de uma velha arma comum às campanhas de todos os partidos e candidatos que se veem em clara desvantagem: o medo. A arma foi usada em um comercial do PT na televisão. Atores representaram pessoas bem de vida confrontadas com o risco de se tornarem miseráveis.
Dará certo? Deu para Collor em 1989, que assustou eleitores dizendo que Lula ameaçava a democracia e a economia de mercado.

O MEDO FICOU de fora da eleição de 1994, mas ajudou Fernando Henrique a bater Lula quatro anos mais tarde. Foi dito que o Plano Real naufragaria se Lula vencesse. A "esperança venceu o medo" em 2002 e elegeu Lula. Que se valeu do medo para derrotar Geraldo Alckmin na eleição de 2006. Foi dito que as empresas estatais seriam privatizadas se Alckmin vencesse.
O medo perdeu o gás na eleição de 2010.

DÁ-SE COMO VERDADE que o distinto público detesta pancadaria em campanha. Prefere a exposição elegante de boas ideias de governo. Não é assim. A pancadaria costuma funcionar. A arte está em saber calibrar o medo com promessas de felicidade.

O medo do PT - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 19/05

Enquanto o PT faz terrorismo na TV, com o intuito de amedrontar os brasileiros e levá-los a votar pela reeleição da candidata Dilma Rousseff, é importante colocar o debate político nos trilhos da sensatez.

O que terá acontecido para que o partido se lançasse no desespero, no tudo ou nada, antes mesmo da campanha eleitoral começar oficialmente? Resposta: há uma vigorosa exigência de mudança pulsando no coração e na mente dos brasileiros. Para se ter a dimensão daquilo que realmente assusta o PT, vale a pena conferir alguns números pouco conhecidos do último Datafolha.

O desejo de que as ações do próximo presidente sejam diferentes das ações da presidente Dilma já é compartilhado em todas as camadas sociais, incluindo-se os mais pobres e a classe média: 69% entre os que ganham até dois salários mínimos, 76% entre dois e cinco salários mínimos, e 81% entre cinco e dez salários mínimos. Nas regiões Norte e Nordeste, já são 67% favoráveis à mudança. Nas faixas etárias de 16 a 34 anos, pode-se chegar a 80%.

O PT, que sempre se julgou dono de parcelas importantes da população, surpreendeu-se com a grande virada país afora. Não percebeu o esgotamento do falso modelo maniqueísta, dos bons vs. os maus, do nós vs. eles, que permanentemente tentam nos impor.

Com uma trajetória marcada pela arrogância, de dono da verdade, detentor de todas as virtudes, o partido abandonou os ideais sob os quais foi fundado. Da defesa intransigente da ética, acabou sócio da corrupção. Nasceu se apresentando como partido dos trabalhadores; virou um partido financiado pela elite econômica do país. Propunha um novo modo de governar e vem destruindo o patrimônio público dos brasileiros, cujo mais eloquente exemplo é o que ocorre na Petrobras. Pregava o respeito à democracia e vem assumindo, sem constrangimento, a defesa da censura aos meios de comunicação.

Essas e outras contradições estão na base da rejeição enfrentada hoje pelo PT.

Com a nova propaganda, o partido passa a si mesmo um atestado de fracasso. Depois de quase 12 anos no poder, não festeja o que deveria ser o seu legado. Não tendo mais esperança ou confiança, oferece aos brasileiros o medo e a ameaça.

Os fantasmas que estão assustando o país não são os do passado. São os fantasmas do presente. O fantasma da inflação, que voltou a assombrar as famílias, do crescimento medíocre da economia, da corrupção desenfreada, das promessas não cumpridas e da falta de rumo do país.

E, ao final, ainda subestimam a inteligência dos brasileiros ao tentar nos convencer de que, para mudar, é preciso deixar tudo como está.

O novo talvez ainda não tenha nome. Mas o velho tem: chama-se arrogância e manipulação. Chama-se PT.

A rua petista - DENIS LERRER ROSENFIELD

O GLOBO - 19/05

O País está vivendo uma explosão de manifestações de rua, que contrastam fortemente com as que caracterizaram as Jornadas de Junho. As atuais nada têm de autônomas, independentes, voltadas para uma noção do bem comum, embora esta fosse tomada de forma vaga. Ao contrário, elas se caracterizam pelo controle, são todas oriundas daquilo que se pode considerar como movimentos sociais organizados. O brilho da autonomia está sendo suplantado pela heteronomia.

Logo, qualquer termo de comparação tende a ofuscar o que está realmente em causa. Em comum, têm só a bandeira contra a Copa, pela simples razão de ser uma bandeira que havia sido encampada pelas ruas brasileiras. Cessa aí o que têm em comum.

Note-se que as manifestações de São Paulo foram conduzidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que nada mais é do que um braço do MST. Historicamente, esse dito movimento social está umbilicalmente ligado ao PT. Foi, inclusive, acolhido pela presidente da República quando da invasão de uma área urbana próxima ao Itaquerão, um dos palcos da Copa do Mundo. Não faltaram, certamente, intermediários.

A invasão, ao contrário do que vinha sendo a regra do atual governo, deu lugar a um encontro com a presidente, que acabou por adotar um comportamento propriamente lulista. O jogo é perigoso, pois o acolhimento pode dar lugar ao transbordamento.

Ainda em São Paulo, há os protestos de professores municipais, tradicionalmente ligados ao PT, apesar de seu movimento estar dirigido contra uma administração municipal petista. Processo análogo ocorre com os rodoviários do Rio de Janeiro, infernizando a vida dos cariocas, que têm o seu direito de ir e vir simplesmente negado. Em Pernambuco, são policiais militares que entram em greve, desobedecendo flagrante e acintosamente a uma decisão da Justiça do Trabalho que considerou a greve ilegal.

Observe-se, nesses casos, que são ações corporativas, fortemente organizadas, oriundas de demandas sindicais, que foram tradicionalmente veiculadas pelo PT e, atualmente, por grupos mais à esquerda que não mais se reconhecem no atual governo. Estão fazendo um jogo de cena, aproveitando-se da oportunidade da Copa para terem as suas reivindicações atendidas. Ocorre que esta rua não é mais a mesma do ano passado!

Consequentemente, devemos fazer a distinção entre esses diferentes tipos de manifestações e as Jornadas de Junho, na medida em que as atuais são o resultado de ações de grupos organizados, os ditos movimentos sociais, em boa parte controlados pelo PT e, também, por grupos mais à esquerda do espectro político. São manifestações instrumentalizadas, inserindo-se num contexto propriamente eleitoral.

Mais especificamente, algumas correspondem a conflitos internos ao próprio PT ou a pressões de grupos esquerdistas de conquistarem mais espaço por meio de lutas setoriais. Em todo caso, há todo um clima de radicalização que começa a se esboçar. Poder-se-ia mesmo aventar a hipótese de que essa radicalização é fruto da tendência eleitoral de queda da presidente Dilma, abrindo espaço para que conflitos intestinos se potencializem.

Neste contexto, não deixa de ser curiosa a reação dos grupos mais afinados com a ideologia tradicional petista, de corte socialista e anticapitalista. Para eles, a mudança significaria voltar a essa mesma doutrina tradicional do partido, abandonando as acomodações "capitalistas" dos governos Lula e Dilma. Pressionando deste lado, eles procuram ao menos conquistar uma maior fatia do aparelho do Estado, notoriamente menor no governo atual do que no anterior. Pretendem ser mais ouvidos e consultados. Vendem mesmo a ideia - duvidosa - de que eventual empenho eleitoral seu poderia se traduzir pela vitória da candidata petista.

Peguemos o exemplo do MTST. Trata-se, como assinalado, de um braço do MST, que está procurando exercer um papel de protagonismo político nas cidades. Ou seja, estamos diante de uma única organização que comporta vários braços, como o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), a Via Campesina, Movimentos dos Pequenos Agricultores, Movimento das Mulheres Campesinas e assim por diante. A tática consiste em mostrar várias cabeças, como se não fizessem parte do mesmo corpo. Essa tática de luta procura expor amplas ramificações como se fossem independentes, com o intuito de capturar a atenção da mídia e, dessa maneira, favorecer a formação da opinião pública.

Ora, o MST e suas ramificações constituem uma única organização de tipo leninista, fortemente centralizada, organizada em departamentos que seguem hierarquicamente um único comando. Não têm nada de espontâneo. Os seus participantes são militantes que se dedicam totalmente à causa revolucionária. A sua ideologia é nitidamente anticapitalista, advogando por uma sociedade socialista. São, no contexto atual, fervorosos defensores da ditadura cubana e do socialismo bolivariano do "século 21". Em seus discursos, usam para o setor urbano as mesmas bandeiras do rural, como a "reforma agrária", a desapropriação das grandes propriedades, o desrespeito à propriedade privada, a luta contra o lucro e assim por diante. Ocorre que, durante o governo Dilma, eles foram marginalizados, relegados a uma posição de segundo plano.

Note-se, em particular, que, no campo, a política da atual presidente foi a de qualificar os assentamentos e apoiar a agricultura familiar, em vez de privilegiar as desapropriações, que seriam formas de criação de mais favelas rurais. Há, pois, uma inflexão em curso. Ela obedece certamente a razões de ordem eleitoral. Fica, porém, a questão de qual tipo de estratégia política se trata. Não estará a presidente vestindo um figurino de Lula que foi, para ele, eleitoralmente válido quando da primeira eleição e mesmo para a segunda? Será que essa roupa serve para os dois da mesma maneira? Não estará o número errado?

À mesa com Dilma - RICARDO BALTHAZAR

FOLHA DE SP - 19/05

SÃO PAULO - Dilma Rousseff decidiu falar com jornalistas com maior frequência. Nas últimas semanas, chamou três grupos para jantar no Palácio da Alvorada e passou a noite respondendo a perguntas. É uma boa notícia, mas o formato desses encontros é uma deturpação do espírito que deveria presidir o contato entre os poderosos e a imprensa.

Os jornalistas que participam dos jantares são escolhidos pela assessoria da presidente. Todos podem reproduzir o que ouvirem como acharem melhor, mas câmeras e gravadores são vetados. Dizem que Dilma fica desconfortável com os aparelhos.

A ideia é criar um clima descontraído, para baixar a guarda dos jornalistas e evitar embaraços para a presidente. Dilma abre uma fresta em sua intimidade e diverte com histórias do neto. O fotógrafo oficial registra tudo e faz retratos individuais dos convidados com a presidente.

Dilma não gosta do contato com a imprensa. Como muita gente no PT, ela vê os jornalistas como adversários que só apontam defeitos em seu governo e ignoram acertos. Suas entrevistas são raras e, em geral, são improvisadas entre uma cerimônia e outra, quando repórteres gritam perguntas e ela responde qualquer coisa antes de bater em retirada.

Numa democracia, os políticos se submetem ao questionamento dos jornalistas porque reconhecem que devem prestar contas à sociedade e entendem que a imprensa existe para fiscalizar os governos, não para elogiá-los. Dilma parece pensar diferente, e só decidiu falar aos jornalistas agora porque está em campanha para se reeleger e acha que precisa assumir a defesa de seu governo.

Há um jeito de resolver a questão. No próximo jantar, a presidente libera câmeras e gravadores e deixa à vontade quem quiser transmitir a conversa ao vivo. O público ganharia assim uma chance de avaliar melhor a consistência das suas respostas. E quem desconfia dos jornalistas teria uma oportunidade para julgar quem faz o seu trabalho direito.

Partidos demais - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 19/05

A preferência partidária declarada pelos eleitores a Ibope e Datafolha ao longo dos últimos 25 anos compõe um filme dos altos e baixos da política brasileira após a redemocratização. E a história contada pelos números aponta um final nada feliz. Quanto mais partidos há, menos gente se diz simpática a eles.

Se há uma tendência nessa narrativa é a desilusão da maioria dos brasileiros com os partidos. Ambos os institutos convergem para uma taxa próxima a 60% de eleitores sem preferência por nenhuma sigla. Já houve surtos de despartidarização - na investigação do mensalão em 2005/2006 -, mas os últimos anos constituem o mais longo período em que os sem-partido formam a maioria absoluta.

Ao mesmo tempo, nunca houve tantas agremiações políticas. São 32 partidos registrados junto à Justiça eleitoral, dos quais 22 têm representação no Congresso Nacional. Juntos, eles recebem mais de R$ 300 milhões por ano de recursos públicos. Sem contar os benefícios extras e nada desprezíveis, como horas de propaganda no rádio e na TV a cada semestre, que também custam ao Tesouro.

Além de não ser gratuita, a propaganda partidária tem efeito oposto ao esperado. Em vez de envolver mais pessoas no debate político, as afasta. São tantas siglas vazias, numa combinação aleatória de chavões e palavras de ordem, que é impossível a sopa de letrinhas formar poema concreto na cabeça do eleitor. Ao contrário. É como se o público, ao fim do palavrório, intuísse que o que é bom para os caciques não é bom para a tribo.

Por certo não foi apenas a abundância de siglas caça-níquel que contribuiu para a despartidarização do eleitorado. A novela sem fim da corrupção sobrepõe camadas de desilusão a fatias de descrédito. No fim, forma um bolo só, recheado de partidos e coberto de ceticismo, opinionismo oportunista e despolitização.

Os 25 anos ininterruptos de eleições livres para todos os cargos no Brasil são também a história da ascensão e queda dos partidos que simbolizaram a seu tempo a mudança e os avanços sociais. Primeiro foi o PMDB. De resistência à ditadura, virou uma nova confederação dos tamoios, tomado por caciques que, cada vez com menos índios, gerenciam suas lucrativas franquias estaduais.

No começo dessa história, o PMDB chegou a ter a simpatia de mais de 20% do eleitorado. Hoje, está resumido a 5% e caindo. Na sua decadência prosperaram PSDB e PT. Os tucanos, porém, nunca decolaram de fato. Nem mesmo os impulsos do Plano Real e, depois, da investigação do mensalão, foram suficientes para transformar o PSDB em um partido de massa. Mal chegou a 10% das preferências. Hoje, atrai tanta simpatia quanto o PMDB.

O PT foi a agremiação que mais corações e mentes conquistou enquanto PMDB e PSDB perdiam simpatizantes. No auge, beirou os 30% de preferência do eleitorado. Mas o histórico dos últimos anos mostra uma curva descendente. No melhor cenário, os petistas estabilizaram em pouco mais de 20% dos eleitores - e acumularam uma antipatia equivalente de outros tantos.

Entre a sua ascensão, apogeu e queda o PT mudou de cara e de público. Os simpatizantes petistas envelheceram e migraram do Sudeste para o Nordeste. Ao mesmo tempo, o partido perdeu quase metade da penetração que tinha no eleitorado com nível superior.

É uma incógnita que tipo de mudança o PT estará apto a propor e implementar com essa nova base social de apoiadores.

Caso o partido perca o poder, quem ocupará seu vácuo? Por enquanto, nenhum partido dá sinais de estar preparado. Nenhuma sigla desponta nas preferências do eleitor. O PSB, que há poucos anos começou a ser citado nas pesquisas, ainda tem só 1%. O PV chegou ao auge em 2010. Hoje, quando é lembrado, não passa de 2%. A novidade nas ruas é o discurso antipartidário.

Mesmo essa novidade tem sido, até agora, incapaz de aglutinar interesses comuns e propor um modelo com chance de se contrapor ao cada vez mais antipático sistema partidário brasileiro.

Onze anos em sete meses? - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 19/05

Mais de 11 anos depois de ter chegado ao poder, e só às vésperas do início oficial da campanha eleitoral - que já colocou nas ruas - para tentar obter mais quatro anos a partir de janeiro de 2015, o governo do PT anuncia ter pronto um grande plano de obras rodoviárias para todo o País. Decerto o País carece, e não é de hoje, de uma malha rodoviária extensa e, sobretudo, em boas condições de operação para facilitar a circulação de bens e pessoas, reduzir os riscos de acidentes e evitar custos adicionais a seus usuários, razão pela qual seria muito bem-vinda uma ação eficaz do poder público nesse sentido.

No entanto, não é crível que o governo tenha êxito com seu novo e mirabolante plano rodoviário - "mais de uma licitação por dia até o fim do ano", anuncia o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), general Jorge Fraxe. Faltando pouco mais de sete meses para o encerramento do terceiro período presidencial do PT, a elite desse partido fez muito pouco na área de infraestrutura.

O Dnit e os planos rodoviários sintetizam os graves problemas que marcaram os 11 anos e meio da gestão do PT, retardaram os investimentos, implicaram perdas para os contribuintes e deixaram rastros de irregularidades, como favorecimentos para empresas privadas e ganhos ilícitos para ocupantes de cargos públicos.

O atual diretor-geral do Dnit foi colocado no posto para, em primeiro lugar, fazer uma limpeza no órgão que, há três anos, foi apontado como centro de um esquema de propinas e superfaturamento de obras. O Dnit foi controlado até meados de 2011 por pessoas indicadas pelo PR, partido da base governista no Congresso e que havia indicado também o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Afastado durante as investigações das denúncias de que representantes do partido teriam montado no Dnit um esquema de recebimento de propinas de empreiteiras, o diretor-geral na época, Luiz Antônio Pagot, foi depois demitido e substituído pelo atual.

No início de sua gestão, o general Fraxe reviu contratos para afastar do Dnit as suspeitas que ainda restassem de atos irregulares e procurou dar ao órgão a competência técnica que dele se espera, dadas suas responsabilidades na ampliação e manutenção da extensa malha rodoviária federal. O Dnit não conseguiu, porém, desfazer sua imagem de lentidão.

Mesmo que o Dnit passasse a agir com a presteza exigida pela carência de infraestrutura no País, qualquer programa rodoviário federal seria tolhido, como tem sido, pela formação ideológica dos governantes petistas, contrária à participação do capital privado na prestação de serviços públicos.

Apesar da notória escassez de recursos públicos para a execução de obras, o governo do PT resistiu durante anos à participação do capital privado no setor rodoviário. O governo Dilma, quando finalmente aceitou a realidade, o fez de maneira equivocada, impondo aos investidores condições insustentáveis do ponto de vista econômico e financeiro. Interessante para o usuário, a chamada modicidade tarifária veio, porém, acompanhada da imposição de limites muito baixos para o cálculo da rentabilidade da operação ao longo do período de concessão, o que limitou o interesse dos investidores.

O fracasso, em setembro do ano passado, do leilão de concessão da Rodovia BR-262, entre Espírito Santo e Minas Gerais (não houve ofertas, dadas as condições impostas), obrigou o governo a rever as regras para os leilões seguintes.

O programa rodoviário, enfim, chegou com muito atraso, e os obstáculos criados pelo governo, além de sua limitada competência gerencial - notória também nos planos de concessão de ferrovias e de terminais portuários, que ainda não saíram do papel -, devem reduzir o ritmo de seu avanço.

O governo Dilma promete fazer, em sete meses, 400 licitações, investir R$ 8 bilhões em estradas, contornos, anéis rodoviários, pontes, viadutos e travessias de cidades, num total de 6,4 mil quilômetros de obras. Conhecendo seu histórico, dá para acreditar?

Efeitos contrários - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/05

Há várias decisões espinhosas a serem tomadas pelo próximo governo. Entre elas, sobre a política de indexação do salário mínimo. Mas, caso a presidente Dilma venha a ser reeleita, esta é uma questão decidida: no comício eletrônico que fez em rede nacional, na condição de presidente da República, no pronunciamento que seria institucional, na véspera do Dia do Trabalho, Dilma se comprometeu a prorrogar a lei da indexação do SM, que vence ano que vem.

No entanto, isso não a livrará de dissabores. Poderá se esquivar de pressões de sindicalistas, acenar a bandeira de que “cumpre o que promete” e viver um fugaz momento de recompensa, desses com que o populismo recompensa a curto prazo os governantes que o seguem.

A conta, como sempre, virá depois. Na verdade, ela já está sendo colocada à frente do Planalto, devido à formula que reajusta o SM segundo a variação do PIB de há dois anos somada à inflação do ano anterior.

A correta intenção de aumentar o poder aquisitivo do salário mínimo é política de governo desde a gestão FH. Foi mantida e acelerada com Lula, até receber o lastro desta lei, negociada em 2006, com prazo de validade até 2015.

O objetivo tem relevância. Resta saber da sua viabilidade sem que ameace a estabilidade econômica. Ora, como o salário mínimo é indexador direto dos benefícios previdenciários e de vários outros gastos de assistência social, os aumentos reais dos salários, acima da inflação, fazem os gastos em custeio continuarem a crescer à frente da arrecadação e da própria evolução do PIB. É uma corrida insana rumo ao abismo. O déficit da Previdência (INSS) este ano beirará os R$ 50 bilhões (está subestimado no Orçamento em R$ 42 bilhões). Por isso, o Brasil tem gasto em benefícios previdenciários um percentual do PIB só verificado em economias desenvolvidas de países com população de idade média mais elevada. Esta conta não fechará.

Em artigo recente no jornal “Valor”, o ex-ministro Delfim Netto, conselheiro do governo, alertou que os efeitos desta política do SM, que concede reajustes acima dos ganhos (pequenos) de produtividade da economia, “são visíveis hoje no Brasil”— ou seja, “pressão inflacionária e déficit em conta corrente” (pois a demanda vaza para o exterior e ajuda a acumular déficits comerciais). A política pode servir para ganhar votos, mas nenhum governo irá longe com ela.

Infelizmente, sequer desconcentra-se tanto a renda com aumentos desmedidos do SM. O economista Fabio Giambiagi já alertou para o efeito contrário: entre os que recebem benefícios previdenciários, apenas 1,1% faz parte dos 10% mais pobres.

Seria demais chamá-los de privilegiados. Mas a pobreza absoluta continua onde está quando se concedem reajustes generosos ao salário mínimo.

Mais sinais da fragilidade da economia - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 19/05
Depois do pior dos últimos 10 anos para o comércio, com alta de apenas 4,3% em 2013, quando as vendas chegaram a crescer 10,9% em 2010, o varejo continua a apresentar sinais de fragilidade. Em março, o setor registrou seu mais fraco desempenho para o mês desde 2003: uma retração de 1,1% em relação ao mesmo mês do ano passado e de 0,5% comparando com fevereiro último. O resultado certamente pode ser posto na conta do esgotamento do modelo de crescimento baseado no estímulo ao consumo.
Se o governo conseguia impulsionar o comércio com isenção fiscal e crédito farto agora, a retomada da inflação e a subida dos juros - prescrita como remédio amargo para conter a carestia - engolem os incentivos. E ainda tem o complicador do alto nível de endividamento das famílias. Passada a fase da bonança, com todos indo às compras para trocar a geladeira, o fogão e até o carro, ficaram as dívidas, com o orçamento comprometido pelas prestações a pagar e a resistente escalada dos preços.

Março, aliás, foi um mês ruim para a atividade econômica como um todo, com retração de 0,11% em relação a fevereiro. Já na comparação com março de 2013, também houve queda, embora menor: de 0,09%. Seria demasiado otimismo considerar positiva a expansão de 0,29% no primeiro trimestre de 2014. Tampouco dá para festejar os 2,46% de crescimento dos 12 meses anteriores. Não por acaso, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) prevê que, pelo quarto ano consecutivo, o Brasil crescerá menos do que a média dos países da região, que já são um parâmetro débil.

Como a política econômica não sinaliza mudança - muito pelo contrário, o discurso é o da continuidade - e milagres somente são operados com perversa manipulação de indicadores, resta esperar que tenhamos chegado ao fundo do poço, com o início de ciclo de expansão na sequência. Mas o mercado internacional tampouco dá prenúncios nesse sentido. Mais uma vez, pelo contrário: a crise persiste e mesmo o robusto dragão chinês, um dos principais mercados de commodities do subcontinente, desacelera.

Ou seja, é inexorável: ou o Brasil reage já, ou está destinado à rabeira das economias frágeis. E reagir é fazer o básico, o dever de casa sempre postergado, a começar pelo enxugamento dos gastos públicos. Deixar o combate à inflação por conta exclusiva do Banco Central, com o garrote dos juros, é estrangular o setor produtivo. O país precisa livrar-se, ao mesmo tempo, da carestia e do dinheiro caro.

Para tanto, urge igualmente rever a carga tributária, desburocratizar o mundo dos negócios, tornar plausíveis as regras de concessão de infraestrutura, garantir a sustentabilidade da Previdência, incentivar o investimento produtivo e por aí afora, cumprindo a receita clássica das economias em ascensão. Andar na contramão delas é, por óbvio, escolher o caminho oposto: o da recessão e do atraso.

Modernidade eleitoral - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 19/05

A poucos meses das eleições, permanecem incertas algumas das normas que deverão orientar os partidos e candidatos na disputa.

Se há uma regra invariável no sistema eleitoral do Brasil, talvez seja esta: sucedem-se tentativas de aprimorar a lei, sempre interrompidas ou desfiguradas no Congresso, e depois submetidas a variáveis interpretações no Judiciário.

Tomando posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro José Antonio Dias Toffoli mostrou inquietação com esse estado de coisas. Ainda há tempo, disse, para que se estabeleça, por lei, um limite máximo aos gastos de campanha, a valer neste ano.

Dificilmente o apelo de Toffoli será recebido pelo Legislativo. Embora exista preocupação generalizada quanto às crescentes despesas eleitorais, líderes das mais diversas siglas não mostram empenho prático para frear a gastança.

Perpetua-se, enquanto isso, um modelo que exige das agremiações a busca de financiamentos cada vez mais altos --com a sistemática contrapartida que mais tarde será cobrada do candidato vencedor.

Em recente julgamento no STF, Toffoli revelou-se defensor da tese, majoritária na corte, segundo a qual a Constituição não admite a doação de empresas a campanhas --o entendimento dificilmente se aplicará no pleito de 2014.

O próprio ministro reconhece, todavia, que a vedação não daria cabo do caixa dois. É provável, aliás, que ele volte a crescer. Para esta Folha, a restrição não faz sentido; empresas, assim como indivíduos, devem ser livres para participar do processo democrático.

Melhor seria haver um limite nominal às doações de pessoas físicas e jurídicas. Cumpriria, ademais, facilitar o acompanhamento, em tempo real pela internet, do fluxo de recursos --a fiscalização é o mais importante a ser melhorado.

De nada ajuda, nesse sentido, que o ministro apoie o sigilo em ações de cassação de mandatos na Justiça Eleitoral, ou que vote por restringir investigações do Ministério Público nesse campo.

Seja como for, é positivo que Toffoli se incline por atitude liberal em outros aspectos da campanha. Entende que não cabem interpretações restritivas no que tange às manifestações de candidatos.

Punições a "propagandas antecipadas" pecam por excesso de zelo, limitando o debate e a própria liberdade de expressão.

A modernidade eleitoral ainda tem um longo caminho até ser implantada no Brasil; a improvisação e a ambiguidade prevalecem. Expondo seus pontos de vista, Dias Toffoli parece ao menos disposto a diminuir parte desses problemas no próximo pleito.

Inimigo a vencer - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 19/05

A redução da pobreza e a diminuição da desigualdade de renda não são do interesse somente dos pobres, mas de toda a sociedade



Implantar políticas públicas para reduzir a pobreza é um objetivo que deve estar acima dos partidos políticos e deve unir governo e sociedade. A redução da pobreza não é objetivo passível de ser alcançado em curto prazo e tem como principal condicionante que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça mais do que a taxa de aumento da população ao longo de algumas décadas.

Em 1970, o Brasil tinha de 90 milhões habitantes, 46% deles viviam na zona rural e a pobreza atingia 68% do total da população. Em 29 de agosto do ano passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou, no Diário Oficial da União, que a população em junho de 2013 era estimada em 201.032.714 habitantes. Em 2010, segundo as estatísticas, a população de pobres era de 20% e os extremamente pobres somavam 7% dos habitantes, porcentuais esses que, aplicados à população do ano passado, equivalem a 40,2 milhões de pobres e 14,1 milhões de extremamente pobres.

Embora esses números possam assustar por sua magnitude, o país conseguiu reduzir a pobreza relativa nas últimas cinco décadas, embora ainda seja muito grande a desigualdade de renda entre as diversas camadas da população. Isso põe o Brasil diante de dois focos principais: de um lado é preciso aumentar a renda por habitante (como meio de reduzir a pobreza no sentido geral) e, de outro, é necessário diminuir a desigualdade de renda (como meio de elevar mais rapidamente a renda dos pobres e dos extremamente pobres). Trata-se de um desafio nacional, que deve transcender as disputas políticas, os embates eleitorais e, sobretudo, deve unir os brasileiros em torno do bem maior. A redução da pobreza e a diminuição da desigualdade de renda não são do interesse somente dos pobres; é do interesse de toda a sociedade nacional, pois os benefícios não se restringem à questão econômica, mas atingem a segurança pública, a educação, a saúde, a melhoria das cidades e aumentam as oportunidades de negócios e empreendedorismo de todos, inclusive dos mais ricos.

É nessa linha que os programas de transferência de renda – entre eles o Bolsa Família e o financiamento educacional subsidiado – tornam-se políticas de Estado e não programas de um só governo. O Brasil sempre teve alguma política de subsídio social e programas de atendimento aos mais pobres, mas foi nos últimos 30 anos que os programas ganharam melhores contornos e foram aperfeiçoados. O Bolsa Família teve o mérito de unificar vários programas, melhorar seu formato e poder ser executado com custo burocrático relativamente baixo. A maior qualidade do Bolsa Família está em sua simplicidade conceitual e facilidade operacional.

Outro programa que deu certo é o Programa Universidade para Todos (Prouni). Criticado no início (foi criado em 2004), o Prouni foi a saída encontrada pelo governo para colocar rapidamente mais estudantes na educação superior, ao conceder bolsas de 50% e 100% na rede privada, sem que o Tesouro Nacional tivesse que fazer um cheque sequer. A lógica do programa foi trocar impostos por educação. As instituições que aderiram ao programa ficaram isentas dos tributos federais. Como muitas não pagavam os tributos devidos, a renúncia fiscal efetiva do governo federal foi menor do que os valores inicialmente estimados. Setores do próprio PT foram contra esse programa, mas ele partiu de uma lógica simples: o governo não tinha condições de abrir vagas rapidamente nas universidades federais – isso implicaria fazer construções, equipar laboratórios e contratar professores – e não tinha meios para abrir vagas em todas as cidades servidas por instituições privadas. Discussões à parte, o fato concreto é que o Prouni já atendeu 1,2 milhão de estudantes na educação superior e dificilmente algum governante terá condições de extingui-lo.

Nenhum programa de transferência de renda ou de combate à pobreza é perfeito e mesmo os programas de alta eficiência se prestam a embates ideológicos. Mas, acima dessas questões, está a necessidade de o Brasil apressar a diminuição da pobreza e a redução das desigualdades, pois o número de pobres ainda é muito grande. Para tanto, é imprescindível que o PIB cresça mais do que o aumento da população, especialmente porque, segundo estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – um órgão do próprio governo –, o setor público se tornou muito caro e não é eficiente na distribuição da renda.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

ESTUDO SUÍÇO NEGA INFLUÊNCIA DA COPA EM ELEIÇÃO

Pesquisa realizada pelo banco suíço UBS para avaliar macroeconomia e estratégia de investimento, mostra que não há relação direta entre o resultado em campo na Copa do Mundo e a avaliação de governantes no Brasil. Em 1994, quando o Brasil conquistou o tetra, a avaliação do governo era positiva, com o sucesso do Plano Real. Oito anos depois, em 2002, na conquista do penta, a avaliação do governo caiu 2 pontos.



DATA DE VALIDADE

O estudo conclui que a Copa poderia influir se ocorresse até duas semanas antes das eleições. A Copa deste ano acaba 79 dias antes.


PERDE E CRESCE

Quando o Brasil foi derrotado pela França, na final da Copa do Mundo de 1998, a avaliação do governo brasileiro cresceu 7%.


SEM CERTEZA

A avaliação do governo cresceu 1% após a eliminação nas quartas de final, em 2006. Em 2010: derrota nas quartas e a avaliação caiu 1%.


FONTES MÚLTIPLAS

Estudo do UBS analisou pesquisas próprias e de diversos institutos de pesquisa como Datafolha, Ipea, Fifa, Bloomberg e Data.


EMPREITEIRAS SE IRRITAM, MAS TÊM DESCONTO EM MP

Apesar de ter vetado o artigo da Medida Provisória 627, relatada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que excluía empreiteiras de nova tributação em lucros gerados no exterior, a presidenta Dilma aprovou ampliar o desconto no PIS e Cofins por mais quatro anos. Uma lei de 2003 permitia que as empreiteiras fossem beneficiadas pelo sistema tributário até 2015, mas a MP 627 estendeu o prazo para 2020.


NA NOSSA CONTA

Além das empreiteiras – maiores doadoras de campanhas no Brasil – concessionárias também ganham extensão no desconto do Pis/Cofins.


OLHA O LOBBY

Mesmo com a extensão no desconto do Pis/Cofins, as empreiteiras não estão satisfeitas: querem isenção para obras realizadas no exterior.


MARCA REGISTRADA

Para a oposição, a MP 627 merecia veto integral só porque o esperto deputado Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB, foi o relator.


PALAVRA PROIBIDA

O governador paulista Geraldo Alckmin proíbe os auxiliares de usar a palavra que mais teme. É mais fácil ele ressuscitar o tal “volume morto” do que citar a palavra “racionamento” em ano eleitoral.


FALA O QUE EU DIGO…

Levantamento da ONG Artigo 19 aponta que o Judiciário é o poder que menos responde aos pedidos de acesso à informação. O Executivo vai bem: respondeu a todos os pedidos.


PERNAMBUCANOS

Lula quer uma frente com o PTB, PDT, PT e PP para apoiar o senador Armando Monteiro ao governo de Pernambuco. Mas o deputado Eduardo da Fonte (PP) prefere se aliar ao PSB, de Eduardo Campos.


OLHA QUEM FOI

Lula mantém obsequioso silêncio sobre as consequências de cada “ok” que autorizou na longa lista de exigências da Fifa, algumas absurdas, para que o Brasil ganhasse o direito de sediar a Copa de 2014.


RACHA INTERNO

Coitada da Venezuela: María Gabriela, filha do finado semiditador Hugo Chávez, está sendo cevada para disputar a presidência da república. Até já cumpriu o script de visitar Fidel Castro, em Cuba.


REJEIÇÃO NO DF

Pesquisa do Instituto Dados (TSE nº 93/2014) mostra que, entre os candidatos ao Senado, no DF, Alberto Fraga (DEM) é o mais rejeitado (10,9%) e o atual senador Gim Argello (PTB), está em 4º (7,5%). O favorito, Antonio Reguffe (PDT), é também o menos rejeitado (1,5%).


SEPARAÇÃO LITIGIOSA

A ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins atacou sexta-feira, na TV, os irmãos Cid e Ciro Gomes. E declarou que se o PT apoiar o candidato da dupla ao Governo do Ceará, ela votará em Eunício Oliveira (PMDB).


EMBROMATION

O ex-presidente Sérgio Gabrielli está convocado para depor na CPI chapa branca da Petrobras, nesta terça (20), no Senado. Graça Foster ficou para o dia 27 e o ex-diretor Nestor Cerveró para quinta (22).


PENSANDO BEM…

…pelo nível de baixa profundidade, a CPI da Petrobras entrará para a história como a CPI do Volume Morto.