ZERO HORA - 06/04
Recebi o e-mail de uma mulher madura contando que ela e o marido estão praticamente vivendo um para o outro, pois estão decepcionados com os demais semelhantes - cuja semelhança ela não vê, aliás. Resumo aqui suas palavras: Somos instruídos e temos ótimo pique, porém estamos cada vez mais isolados, os filhos moram longe e as demais pessoas não nos dizem nada. Gostamos de coisas que ninguém gosta. Nosso nível de tolerância é mínimo diante da hipocrisia humana, do politicamente correto, do bairrismo, dos fanáticos, dos mal-educados, dos ridículos, dos sem noção, dos burros, dos ignorantes e da manipulação da massa através dos meios de comunicação.
Escapei não sei como. Ela diz que comigo até que gostaria de conversar, e me pediu opinião sobre sua ansiedade. “Se meu marido morrer, ficarei perdida”.
Bom, eis um caso de uma mulher que cruzou com sua alma gêmea, o que a coloca em vantagem. Porém, procura almas gêmeas também na vida social. Amiga, desista. Você já encontrou a sua e casou com ela, valorize a sua sorte, não seja fominha.
Brincadeiras à parte, dizer o quê? Afora os seres intragáveis, a maioria das pessoas possui alguma coisa que fecha com a gente. Alguma coisa. Não precisa fechar em tudo. Tem aquela amiga que é ótima para viajar, tem a santa que ouve nossos lamentos, aquela outra que é uma alegre parceira de indiadas, a que sempre tem uma bolsa de festa para emprestar, a que se oferece para dar carona, a que é companheira para assistir filmes iranianos, a que diz tanta bobagem que é impossível não rir. Alguma coisa, entende?
Minha leitora deveria diminuir o nível de exigência e extrair das pessoas o seu melhor, deixando o pior pra lá. A vizinha chata pode ser uma ótima professora de espanhol, a avarenta pode preparar um risoto caprichado, a cafona pode ser aquela que ficará na cabeceira da sua cama quando você estiver com um febrão. Todos têm seu lado A e B - nós, inclusive.
Compreendo que minha leitora tem um estilo de vida arrojado e uma cabeça cosmopolita que destoa da cidade onde vive, que não é nenhuma Nova York. Então por que não se muda para uma urbe mais vibrante? Se não der, que baixe a guarda e procure as agulhas no palheiro, elas existem. Tive uma amiga que igualmente acreditava ter nascido no planeta errado, para ela todos também eram bairristas, ignorantes e ridículos - e quanto mais ela discursava sobre seu inconformismo, mais ela própria parecia bairrista, ignorante e ridícula. A falta de condescendência nos bitola.
Querida leitora, torço para que consiga encontrar pessoas afins e interagir com as menos afins sem tanto rigor. Você faz bem em grudar no seu marido - um companheiro que é seu melhor amigo é uma benção - mas não julgue tão severamente os que estão em volta. Eles podem ser úteis, nem que seja para exercitar sua humildade.
domingo, abril 06, 2014
As coisas mudam - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 06/04
Um alemão me perguntou se adotamos toque de recolher nas grandes cidades, após o qual todo mundo se tranca e só sai de ambulância, camburão ou tanque
O título de hoje faz uma afirmação não muito original, mas inevitável. Não estou mais em Paris desta vez e, sim, em Berlim, cidade onde já morei e aonde volto sempre que posso, porque é das minhas duas ou três preferidas e vale muito a pena ser visitada. Quando o muro caiu, eu morava aqui. Um dos comentários mais frequentes entre os visitantes costumeiros era de que aqui, como em outras capitais europeias, a cidade já estava pronta. Ao contrário do Brasil, onde tudo parecia mudar de nome, endereço ou aparência, depois de uns poucos meses de ausência, aqui tudo estava no lugarzinho de sempre, desde o monumento grandioso à lojinha na esquina da Nürnbergerstrasse.
Não mais. É um escândalo. Espero que, quando fizer minha indispensável revisita ao Zoológico, ainda o encontre lá, com a mesma aparência e no mesmo lugar, até porque não deve ser fácil carregar elefantes e hipopótamos de lá para cá. Claro, era de se antecipar que, com a unificação da Alemanha, a cidade fosse mudar, mas isto me aparece um abuso. O restaurantezinho de nome italiano que ficava a poucos metros daqui virou uma espécie de antro ameaçador, em que dá um certo medo de entrar. Fechou até — acreditem! — aquele restaurante ótimo do EuropaCenter, na sobreloja, onde as garçonetes eram simpaticíssimas, falavam todas as línguas e conseguiam adaptar ao freguês todos os pratos do menu. Muito inquietante.
Mas não somente a aparência de Berlim mudou. Do ponto de vista brasileiro, agora há também notáveis diferenças. Não vim fazer palestras ou leituras desta feita, vim para bater perna mesmo, de maneira que não encontro plateias curiosas sobre nós, como de outras vezes. Parecem jazer no passado os tempos épicos em que eu era obrigado a discutir os índios que frequentavam nossos quintais no Rio de Janeiro e ser tido como deslavado mentiroso, por responder que não conhecia a Amazônia. Mas, se não há plateias para fazer perguntas interessantes, há sempre com quem trocar umas palavrinhas, sobretudo com motoristas de táxi, meus preferidos. Faz pouco tempo, o Brasil era lembrado com entusiasmo e admiração e Lula era frequentemente citado quase no mesmo tom.
Deve ser a Copa. Não sei que assombrações podem estar sendo divulgadas na imprensa, mas agora não se referem mais, com os olhos acesos, aos traseiros de nossas mulheres e a seu temperamento tão dadivoso, amplamente apregoados pelas agências de viagem, nem mesmo lembram o sol e o carnaval, nem mesmo cantam “ai, se eu te pego”. Agora querem saber se não vão ser assaltados dentro do hotel. Não fiz uma pesquisa de opinião, mas, pelo que ouvi, especialmente de Helmut, a quem já lhes apresento, a preocupação é essa. Em algumas coisas, mesmo os mais pessimistas têm dificuldade em acreditar, como os arrastões em restaurantes, mas do resto eles têm medo. Um deles chegou a me perguntar se adotamos um toque de recolher nas nossas grandes cidades, após o qual todo mundo se tranca a sete chaves e só sai de ambulância, camburão ou tanque do Exército, porque já viram pela televisão tropas de combate nos centros urbanos, do mesmo jeito que no Afeganistão ou na Síria.
Helmut, nome fictício que empresto a um motorista de táxi amigo meu, que faz ponto numa transversal do Ku’damm (e continua lá, Deus é grande), estava com planos de comparecer à Copa, mas agora se encontra meio dividido. A violência, contudo, não é o principal fator de sua dúvida, antes pelo contrário. Não temos grande intimidade, mas agora me ocorre que ele leva uma forte parecença com Peter Lorre, no papel do Vampiro de Dusseldorf. De qualquer forma, tivemos um diálogo digno de nota, enquanto eu procurava a lojinha onde costumava comprar bagulhinhos para levar de lembrança ao Brasil e que também sumiu.
— Eu vi outra coisa interessante sobre o Brasil, na televisão — disse ele. —Sempre vejo coisas interessantes sobre o Brasil. Nesta eu não acreditei muito, mas talvez você possa me dizer se é verdade.
— Qualquer coisa que se diga sobre o Brasil pode ser verdade, Helmut, você já deve saber disto.
— É, eu sei, mas isto... Bem, é o seguinte. Eu vi que o sujeito pode matar a mulher em casa, se arrumar, sair para dar parte na polícia, confessar, assinar um papel e voltar para casa na hora, sem problema, é isso mesmo?
— Não, que é isso, também não é assim.
— Ah, foi o que eu pensei. É porque tudo estava contado com detalhes e eu até vi as caras de uns dois que fizeram isso.
— Bem, a verdade é que pode acontecer. A lei brasileira é muito moderna. Mas não se mata tanto assim. Nesses casos mesmo, é porque o assassino não foi preso em flagrante, é réu primário e tem domicílio conhecido. Mas não fica impune, é processado depois. E, se for condenado, vai para a cadeia, como em qualquer outro lugar.
— Nessa reportagem, eles diziam isso. Mas ainda nenhum deles tinha sido condenado.
— É, demora um pouco.
— Muitos anos?
— Sim, a depender do caso, dos advogados e assim por diante.
— Grande país — disse Helmut.
— Como assim?
— Agora estou pensando em acabar minha velhice por lá. Sem aquela... Sem minha mulher, vai ser muito divertido — concluiu ele, com uma risadinha meio vampiro de Dusseldorf.
Um alemão me perguntou se adotamos toque de recolher nas grandes cidades, após o qual todo mundo se tranca e só sai de ambulância, camburão ou tanque
O título de hoje faz uma afirmação não muito original, mas inevitável. Não estou mais em Paris desta vez e, sim, em Berlim, cidade onde já morei e aonde volto sempre que posso, porque é das minhas duas ou três preferidas e vale muito a pena ser visitada. Quando o muro caiu, eu morava aqui. Um dos comentários mais frequentes entre os visitantes costumeiros era de que aqui, como em outras capitais europeias, a cidade já estava pronta. Ao contrário do Brasil, onde tudo parecia mudar de nome, endereço ou aparência, depois de uns poucos meses de ausência, aqui tudo estava no lugarzinho de sempre, desde o monumento grandioso à lojinha na esquina da Nürnbergerstrasse.
Não mais. É um escândalo. Espero que, quando fizer minha indispensável revisita ao Zoológico, ainda o encontre lá, com a mesma aparência e no mesmo lugar, até porque não deve ser fácil carregar elefantes e hipopótamos de lá para cá. Claro, era de se antecipar que, com a unificação da Alemanha, a cidade fosse mudar, mas isto me aparece um abuso. O restaurantezinho de nome italiano que ficava a poucos metros daqui virou uma espécie de antro ameaçador, em que dá um certo medo de entrar. Fechou até — acreditem! — aquele restaurante ótimo do EuropaCenter, na sobreloja, onde as garçonetes eram simpaticíssimas, falavam todas as línguas e conseguiam adaptar ao freguês todos os pratos do menu. Muito inquietante.
Mas não somente a aparência de Berlim mudou. Do ponto de vista brasileiro, agora há também notáveis diferenças. Não vim fazer palestras ou leituras desta feita, vim para bater perna mesmo, de maneira que não encontro plateias curiosas sobre nós, como de outras vezes. Parecem jazer no passado os tempos épicos em que eu era obrigado a discutir os índios que frequentavam nossos quintais no Rio de Janeiro e ser tido como deslavado mentiroso, por responder que não conhecia a Amazônia. Mas, se não há plateias para fazer perguntas interessantes, há sempre com quem trocar umas palavrinhas, sobretudo com motoristas de táxi, meus preferidos. Faz pouco tempo, o Brasil era lembrado com entusiasmo e admiração e Lula era frequentemente citado quase no mesmo tom.
Deve ser a Copa. Não sei que assombrações podem estar sendo divulgadas na imprensa, mas agora não se referem mais, com os olhos acesos, aos traseiros de nossas mulheres e a seu temperamento tão dadivoso, amplamente apregoados pelas agências de viagem, nem mesmo lembram o sol e o carnaval, nem mesmo cantam “ai, se eu te pego”. Agora querem saber se não vão ser assaltados dentro do hotel. Não fiz uma pesquisa de opinião, mas, pelo que ouvi, especialmente de Helmut, a quem já lhes apresento, a preocupação é essa. Em algumas coisas, mesmo os mais pessimistas têm dificuldade em acreditar, como os arrastões em restaurantes, mas do resto eles têm medo. Um deles chegou a me perguntar se adotamos um toque de recolher nas nossas grandes cidades, após o qual todo mundo se tranca a sete chaves e só sai de ambulância, camburão ou tanque do Exército, porque já viram pela televisão tropas de combate nos centros urbanos, do mesmo jeito que no Afeganistão ou na Síria.
Helmut, nome fictício que empresto a um motorista de táxi amigo meu, que faz ponto numa transversal do Ku’damm (e continua lá, Deus é grande), estava com planos de comparecer à Copa, mas agora se encontra meio dividido. A violência, contudo, não é o principal fator de sua dúvida, antes pelo contrário. Não temos grande intimidade, mas agora me ocorre que ele leva uma forte parecença com Peter Lorre, no papel do Vampiro de Dusseldorf. De qualquer forma, tivemos um diálogo digno de nota, enquanto eu procurava a lojinha onde costumava comprar bagulhinhos para levar de lembrança ao Brasil e que também sumiu.
— Eu vi outra coisa interessante sobre o Brasil, na televisão — disse ele. —Sempre vejo coisas interessantes sobre o Brasil. Nesta eu não acreditei muito, mas talvez você possa me dizer se é verdade.
— Qualquer coisa que se diga sobre o Brasil pode ser verdade, Helmut, você já deve saber disto.
— É, eu sei, mas isto... Bem, é o seguinte. Eu vi que o sujeito pode matar a mulher em casa, se arrumar, sair para dar parte na polícia, confessar, assinar um papel e voltar para casa na hora, sem problema, é isso mesmo?
— Não, que é isso, também não é assim.
— Ah, foi o que eu pensei. É porque tudo estava contado com detalhes e eu até vi as caras de uns dois que fizeram isso.
— Bem, a verdade é que pode acontecer. A lei brasileira é muito moderna. Mas não se mata tanto assim. Nesses casos mesmo, é porque o assassino não foi preso em flagrante, é réu primário e tem domicílio conhecido. Mas não fica impune, é processado depois. E, se for condenado, vai para a cadeia, como em qualquer outro lugar.
— Nessa reportagem, eles diziam isso. Mas ainda nenhum deles tinha sido condenado.
— É, demora um pouco.
— Muitos anos?
— Sim, a depender do caso, dos advogados e assim por diante.
— Grande país — disse Helmut.
— Como assim?
— Agora estou pensando em acabar minha velhice por lá. Sem aquela... Sem minha mulher, vai ser muito divertido — concluiu ele, com uma risadinha meio vampiro de Dusseldorf.
Afundando fundamentos - AMIR KHAIR
O Estado de S.Paulo - 06/04
Este ano vão piorar ainda mais os fundamentos macroeconômicos do País. Na questão fiscal, a maior perda será na conta de juros e, em decorrência, na elevação da relação dívida bruta/PIB. No front externo, é forte a probabilidade da elevação do rombo nas transações correntes superando os US$ 82 bilhões do ano passado. O crescimento econômico, ao que tudo indica, tende a ser pior do que o do ano passado e a inflação dificilmente ficará inferior aos 5,91% de 2013.
Além da piora nos fundamentos, deverá continuar o desgaste nas duas maiores empresas estatais: Petrobrás e Eletrobrás entupidas de dívidas, que continuam em ascensão por serem obrigadas a praticar preços e tarifas artificiais e funcionar como biombos da inflação, em vez de cumprir objetivos de expansão estratégicos ao País.
Vejamos a seguir o que se pode esperar do comportamento dos fundamentos macroeconômicos neste ano.
1. Fiscal. Enquanto as análises se entretêm com o não cumprimento do prometido superávit primário de 1,9% do PIB, o Banco Central (BC) continua, desde abril do ano passado, a elevar a Selic, que cresceu 3,75 pontos, podendo crescer ainda mais.
O resultado disso é a elevação das despesas com juros do setor público, que poderá ultrapassar 6% do PIB, pois a Selic média deste ano está prevista superar em mais de 30% a que vigorou no ano passado.
Caso o superávit primário atinja os duvidosos 1,9% do PIB, o resultado nominal (resultado primário menos juros), que é o que importa, será de déficit de mais de 4% do PIB, o pior desde 2003. Ao registrar déficit nesse nível, é fatal o crescimento da relação dívida bruta/PIB, principal indicador das finanças públicas. Interessante notar que nem as análises divulgadas até agora nem o governo federal parecem perceber o estrago fiscal causado pela Selic.
Na questão fiscal vale, também, enfatizar que em ano eleitoral os governos subnacionais (estaduais e municipais) pisam no acelerador das despesas de custeio e de investimentos à cata de dividendos eleitorais. O governo federal, por seu turno, contribuiu para a elevação das despesas com investimentos nos Estados ao conceder no ano passado mais folga para aumentar o endividamento deles. Além disso, é possível que nos próximos dias o Senado golpeie a Lei de Responsabilidade Fiscal se aprovar a mudança do indexador das dívidas dos Estados e dos municípios, com forte elevação subsequente do endividamento subnacional. O golpe vai se fazer sentir no endividamento público a partir de 2015.
Nas contas do governo federal, os problemas já aparecem nas despesas crescentes com as contas de energia elétrica (R$ 10 bilhões no primeiro trimestre) agravadas pela seca, e na arrecadação fruto do baixo crescimento econômico. Assim, é provável que o superávit primário fique mais próximo de 1,5% do PIB, que face a juros superior a 6% do PIB leve o déficit fiscal ficar acima de 4,5% do PIB contra 3,26% do PIB em 2013.
2. Setor externo. Desde 2008, fruto da política de valorização artificial do real perante o dólar para controlar a inflação, as contas externas foram para o campo negativo em escala progressiva. No ano passado, o rombo externo foi de US$ 82 bilhões. Neste ano, as previsões iniciais de US$ 75 bilhões passaram a US$ 80 bilhões, segundo o Banco Central.
O agravamento das contas externas é por causa de um conjunto de fatores adversos em relação ao ano passado. O preço das commodities está em queda, o que afeta sensivelmente as exportações de produtos básicos onde se concentra o núcleo forte das exportações do País. Tende a se manter forte as importações por causa da superoferta internacional. As exportações para Argentina e Venezuela vão ficar atingidas pela crise econômica e financeira que vivem esses países. A conta de combustíveis, que apresentou rombo de US$ 17,6 bilhões no ano passado, deve continuar em forte ascensão diante da política de subsídio à gasolina e ao óleo diesel para conter a inflação. É especialmente daí que há forte probabilidade de o rombo externo se ampliar face ao de 2013. O governo poderia atenuar o déficit caso deixasse o câmbio flutuar, mas não fará isso, pois pode gerar inflação.
3. Inflação. A recente alta dos alimentos veio na pior hora e, o que se prenunciava em alívio nos preços vai, mais uma vez, elevar o índice inflacionário, que está sendo previsto acima de 6% por todas as análises. O represamento dos preços administrados parece já estar atuando no sentido oposto ao que o governo deseja, ou seja, os agentes econômicos prevendo os reajustes que virão já estão se antecipando no reajuste dos bens e serviços. Os elevados índices de difusão apontam para isso. Mesmo que o governo federal continue segurando os preços dos combustíveis e da energia elétrica há o risco de rompimento do teto da meta de inflação neste ano. É o feitiço virando contra o feiticeiro.
4. Crescimento. É o fundamento de maior fracasso do governo. Nos três anos que se passaram, o crescimento médio foi de 2,01% ao ano. As previsões para este ano apontam para nível inferior a 2%, quando os países emergentes devem crescer 5%. A causa principal reside no freio imposto ao consumo pelas altas taxas de juros do sistema financeiro, que contribuíram para elevar o endividamento das famílias. Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a taxa média de juros ao consumidor vem subindo desde março do ano passado, e em fevereiro bateu em 97,16%! Em outras palavras, os preços dobram para compras financiadas em um ano. Belo freio à economia.
Em consequência, o setor privado não é estimulado a investir e o governo caminha a passos lentos na consecução do seu programa de investimentos. Para coroar essa má situação, o BC age com mão de ferro sobre o câmbio o que desloca parte significativa da demanda por consumo para os produtos importados, ou seja, o componente externo do PIB age contra o crescimento.
Desde 2006 até 2013, ocorreu perda no crescimento econômico por causa do fator externo. Em média, por ano, o fator externo derrubou 1,12 ponto porcentual do crescimento de 3,53%, ou seja, impactou desfavoravelmente 31,7% do crescimento. A razão disso é a excessiva valorização cambial para baratear o produto importado e, com isso, segurar a inflação.
Como o câmbio continuará valorizado pelo governo, é provável que subtraia cerca de um ponto porcentual do crescimento deste ano, ou seja, 50% dele. De pouco adiantará insistir na tese de que é preciso crescer a relação investimento/PIB se a demanda continuar se deslocando para o exterior. É necessário devolver a competitividade roubada pelo governo das empresas ao obrigá-las a operar com câmbio pró-produtos importados. Vale sempre repetir: o câmbio que permite o equilíbrio nas contas externas é acima de R$ 3,00/US$.
Com fundamentos afundando, a probabilidade de ocorrer novo rebaixamento da classificação de risco do País vai crescer e não adianta depois reclamar. A conferir.
Este ano vão piorar ainda mais os fundamentos macroeconômicos do País. Na questão fiscal, a maior perda será na conta de juros e, em decorrência, na elevação da relação dívida bruta/PIB. No front externo, é forte a probabilidade da elevação do rombo nas transações correntes superando os US$ 82 bilhões do ano passado. O crescimento econômico, ao que tudo indica, tende a ser pior do que o do ano passado e a inflação dificilmente ficará inferior aos 5,91% de 2013.
Além da piora nos fundamentos, deverá continuar o desgaste nas duas maiores empresas estatais: Petrobrás e Eletrobrás entupidas de dívidas, que continuam em ascensão por serem obrigadas a praticar preços e tarifas artificiais e funcionar como biombos da inflação, em vez de cumprir objetivos de expansão estratégicos ao País.
Vejamos a seguir o que se pode esperar do comportamento dos fundamentos macroeconômicos neste ano.
1. Fiscal. Enquanto as análises se entretêm com o não cumprimento do prometido superávit primário de 1,9% do PIB, o Banco Central (BC) continua, desde abril do ano passado, a elevar a Selic, que cresceu 3,75 pontos, podendo crescer ainda mais.
O resultado disso é a elevação das despesas com juros do setor público, que poderá ultrapassar 6% do PIB, pois a Selic média deste ano está prevista superar em mais de 30% a que vigorou no ano passado.
Caso o superávit primário atinja os duvidosos 1,9% do PIB, o resultado nominal (resultado primário menos juros), que é o que importa, será de déficit de mais de 4% do PIB, o pior desde 2003. Ao registrar déficit nesse nível, é fatal o crescimento da relação dívida bruta/PIB, principal indicador das finanças públicas. Interessante notar que nem as análises divulgadas até agora nem o governo federal parecem perceber o estrago fiscal causado pela Selic.
Na questão fiscal vale, também, enfatizar que em ano eleitoral os governos subnacionais (estaduais e municipais) pisam no acelerador das despesas de custeio e de investimentos à cata de dividendos eleitorais. O governo federal, por seu turno, contribuiu para a elevação das despesas com investimentos nos Estados ao conceder no ano passado mais folga para aumentar o endividamento deles. Além disso, é possível que nos próximos dias o Senado golpeie a Lei de Responsabilidade Fiscal se aprovar a mudança do indexador das dívidas dos Estados e dos municípios, com forte elevação subsequente do endividamento subnacional. O golpe vai se fazer sentir no endividamento público a partir de 2015.
Nas contas do governo federal, os problemas já aparecem nas despesas crescentes com as contas de energia elétrica (R$ 10 bilhões no primeiro trimestre) agravadas pela seca, e na arrecadação fruto do baixo crescimento econômico. Assim, é provável que o superávit primário fique mais próximo de 1,5% do PIB, que face a juros superior a 6% do PIB leve o déficit fiscal ficar acima de 4,5% do PIB contra 3,26% do PIB em 2013.
2. Setor externo. Desde 2008, fruto da política de valorização artificial do real perante o dólar para controlar a inflação, as contas externas foram para o campo negativo em escala progressiva. No ano passado, o rombo externo foi de US$ 82 bilhões. Neste ano, as previsões iniciais de US$ 75 bilhões passaram a US$ 80 bilhões, segundo o Banco Central.
O agravamento das contas externas é por causa de um conjunto de fatores adversos em relação ao ano passado. O preço das commodities está em queda, o que afeta sensivelmente as exportações de produtos básicos onde se concentra o núcleo forte das exportações do País. Tende a se manter forte as importações por causa da superoferta internacional. As exportações para Argentina e Venezuela vão ficar atingidas pela crise econômica e financeira que vivem esses países. A conta de combustíveis, que apresentou rombo de US$ 17,6 bilhões no ano passado, deve continuar em forte ascensão diante da política de subsídio à gasolina e ao óleo diesel para conter a inflação. É especialmente daí que há forte probabilidade de o rombo externo se ampliar face ao de 2013. O governo poderia atenuar o déficit caso deixasse o câmbio flutuar, mas não fará isso, pois pode gerar inflação.
3. Inflação. A recente alta dos alimentos veio na pior hora e, o que se prenunciava em alívio nos preços vai, mais uma vez, elevar o índice inflacionário, que está sendo previsto acima de 6% por todas as análises. O represamento dos preços administrados parece já estar atuando no sentido oposto ao que o governo deseja, ou seja, os agentes econômicos prevendo os reajustes que virão já estão se antecipando no reajuste dos bens e serviços. Os elevados índices de difusão apontam para isso. Mesmo que o governo federal continue segurando os preços dos combustíveis e da energia elétrica há o risco de rompimento do teto da meta de inflação neste ano. É o feitiço virando contra o feiticeiro.
4. Crescimento. É o fundamento de maior fracasso do governo. Nos três anos que se passaram, o crescimento médio foi de 2,01% ao ano. As previsões para este ano apontam para nível inferior a 2%, quando os países emergentes devem crescer 5%. A causa principal reside no freio imposto ao consumo pelas altas taxas de juros do sistema financeiro, que contribuíram para elevar o endividamento das famílias. Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a taxa média de juros ao consumidor vem subindo desde março do ano passado, e em fevereiro bateu em 97,16%! Em outras palavras, os preços dobram para compras financiadas em um ano. Belo freio à economia.
Em consequência, o setor privado não é estimulado a investir e o governo caminha a passos lentos na consecução do seu programa de investimentos. Para coroar essa má situação, o BC age com mão de ferro sobre o câmbio o que desloca parte significativa da demanda por consumo para os produtos importados, ou seja, o componente externo do PIB age contra o crescimento.
Desde 2006 até 2013, ocorreu perda no crescimento econômico por causa do fator externo. Em média, por ano, o fator externo derrubou 1,12 ponto porcentual do crescimento de 3,53%, ou seja, impactou desfavoravelmente 31,7% do crescimento. A razão disso é a excessiva valorização cambial para baratear o produto importado e, com isso, segurar a inflação.
Como o câmbio continuará valorizado pelo governo, é provável que subtraia cerca de um ponto porcentual do crescimento deste ano, ou seja, 50% dele. De pouco adiantará insistir na tese de que é preciso crescer a relação investimento/PIB se a demanda continuar se deslocando para o exterior. É necessário devolver a competitividade roubada pelo governo das empresas ao obrigá-las a operar com câmbio pró-produtos importados. Vale sempre repetir: o câmbio que permite o equilíbrio nas contas externas é acima de R$ 3,00/US$.
Com fundamentos afundando, a probabilidade de ocorrer novo rebaixamento da classificação de risco do País vai crescer e não adianta depois reclamar. A conferir.
Saída à francesa - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 06/04
São fascinantes as guinadas e os dilemas do governo do Partido Socialista francês.
Enquanto diversos países europeus adotaram políticas de austeridade depois da crise para recuperar capacidade de crescimento em bases mais estáveis, a França ficou no meio do caminho.
No ano de 2012, com a eleição do presidente socialista François Hollande, o governo francês adotou uma política pró-crescimento que, na prática, significou menor austeridade fiscal, tentando fazer um ajuste mais suave via, por exemplo, aumento de impostos dos mais ricos.
Não funcionou. A França não voltou a crescer nas taxas almejadas, e os socialistas perderam as eleições municipais no mês passado.
Agora que os países austeros crescem com mais vigor, Hollande, empurrado pela derrota nas urnas, anuncia guinada liberal. Promete austeridade e políticas de aumento da produtividade e do nível de eficiência da economia. No ato seguinte, ele nomeia um premiê defensor dessas políticas. Mas, para aplacar a ira da esquerda do partido, nomeia ministros da Economia e das Finanças com visões contrárias àquela orientação.
É fácil entender a relutância francesa.
Expansão de gasto público, num primeiro momento, traz grande aprovação entre os beneficiados. E não há dúvida de que a injeção de recurso público eleva o consumo e a atividade econômica.
Mas o aumento da despesa pública tem limitações importantes. Quando o consumo cresce mais do que a oferta (produção), esse gasto pressiona a inflação, como vemos no Brasil. E se a arrecadação não acompanha o crescimento das despesas, o endividamento do Estado aumenta, o que reduz o crescimento com o passar do tempo.
A partir de certos patamares, o custo da dívida pública cresce, o que faz o Estado sugar uma parcela cada vez maior da poupança do país para financiá-la. Isso compromete o consumo e os investimentos e ainda cria incerteza sobre a capacidade do Estado de se financiar e investir.
É por isso que outros países europeus, referendados pelos eleitores, preferiram a austeridade, como Alemanha, Espanha, Portugal e Irlanda.
Esses países conjugaram austeridade fiscal com o que de fato são políticas de crescimento, isto é, políticas que aumentem a produtividade, como redução da burocracia e da complexidade fiscal, incentivos ao investimento e reformas trabalhistas para baratear a produção.
A nação francesa, agora, parece buscar esse caminho, apesar da forte oposição ideológica de setores do Partido Socialista.
Para nós, no Brasil, a observação desse cenário europeu é de extrema utilidade.
A escalada - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 06/04
Se a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em março, a ser divulgada nesta quarta-feira, tiver alcançado 0,84%, como esperam os analistas pesquisados pelo Banco Central, em 12 meses a inflação saltará para 6,07%. Até junho, é alta a probabilidade de que transborde o topo da meta, de 6,5% ao ano.
São magnitudes que, por si sós, provocarão a disparada dos mecanismos defensivos clássicos de remarcação por todos aqueles que formam preços, do quitandeiro da esquina até as grandes empresas.
Mas este já não é o único fator que começa a detonar os mais variados reajustes por toda a economia. O represamento dos preços administrados é outro. Como é que se comporta o empresário que precisa prever recursos para a recomposição dos seus estoques, se sabe, com nove meses de antecedência, que uma carga colossal de reajustes já está programada para o início de 2015?
O governo Dilma já anunciou que recomposições alentadas das tarifas de energia elétrica ficarão para depois das eleições. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, confessou que o problema do setor não é insuficiência de oferta de quilowatts, mas de preço. Há pelo menos mais 15% a 20% de correção de tarifas dos combustíveis e dos transportes urbanos postergados para o ano que vem. O governo também não esconde que vem aí um aumento de impostos, o que implica certa dose de inflação futura.
Enquanto isso, empurrado por aumentos de cerca de 10% das despesas do governo federal, pelo achatamento artificial dos preços administrados represados como mencionado, pela falta até mesmo de uma campanha por redução do consumo de energia e por um mercado de trabalho que nunca esteve tão apertado, o consumo segue "robusto", como repete o Banco Central. E vai sancionando remarcações:
A cabeleireira cobra mais e a cliente não reclama e paga; o restaurante tasca mais 10% no preço da massinha à bolonhesa e o cliente não reclama e paga; o serviço de valetes pede "30 contos" para garantir vaga por pouco mais de uma hora de estacionamento e o cliente não reclama e paga...
Enquanto isso, o Banco Central, sempre a reboque das expectativas, está praticamente sozinho no contra-ataque à alta. Já elevou os juros básicos a 11% ao ano e continua entregando uma inflação do mesmo tamanho de quando a Selic não passava de 7,25% ao ano. Tenta diminuir a velocidade do carro na descida apenas acionando o breque de mão e tem de ouvir, até de economistas de renome, que a política monetária não funciona.
Enquanto isso, o ministro da Fazenda repete a cada entrevista que está mais do que ótimo fazer um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de apenas 1,9% do PIB e que a "inflação está estável, sob controle e não preocupa", mesmo quando ameaça disparar para acima do teto da meta, os tais 6,5% ao ano.
Mas o assalariado sente na carne e no seu bolso o estrago provocado pela escalada dos preços.
Se a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em março, a ser divulgada nesta quarta-feira, tiver alcançado 0,84%, como esperam os analistas pesquisados pelo Banco Central, em 12 meses a inflação saltará para 6,07%. Até junho, é alta a probabilidade de que transborde o topo da meta, de 6,5% ao ano.
São magnitudes que, por si sós, provocarão a disparada dos mecanismos defensivos clássicos de remarcação por todos aqueles que formam preços, do quitandeiro da esquina até as grandes empresas.
Mas este já não é o único fator que começa a detonar os mais variados reajustes por toda a economia. O represamento dos preços administrados é outro. Como é que se comporta o empresário que precisa prever recursos para a recomposição dos seus estoques, se sabe, com nove meses de antecedência, que uma carga colossal de reajustes já está programada para o início de 2015?
O governo Dilma já anunciou que recomposições alentadas das tarifas de energia elétrica ficarão para depois das eleições. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, confessou que o problema do setor não é insuficiência de oferta de quilowatts, mas de preço. Há pelo menos mais 15% a 20% de correção de tarifas dos combustíveis e dos transportes urbanos postergados para o ano que vem. O governo também não esconde que vem aí um aumento de impostos, o que implica certa dose de inflação futura.
Enquanto isso, empurrado por aumentos de cerca de 10% das despesas do governo federal, pelo achatamento artificial dos preços administrados represados como mencionado, pela falta até mesmo de uma campanha por redução do consumo de energia e por um mercado de trabalho que nunca esteve tão apertado, o consumo segue "robusto", como repete o Banco Central. E vai sancionando remarcações:
A cabeleireira cobra mais e a cliente não reclama e paga; o restaurante tasca mais 10% no preço da massinha à bolonhesa e o cliente não reclama e paga; o serviço de valetes pede "30 contos" para garantir vaga por pouco mais de uma hora de estacionamento e o cliente não reclama e paga...
Enquanto isso, o Banco Central, sempre a reboque das expectativas, está praticamente sozinho no contra-ataque à alta. Já elevou os juros básicos a 11% ao ano e continua entregando uma inflação do mesmo tamanho de quando a Selic não passava de 7,25% ao ano. Tenta diminuir a velocidade do carro na descida apenas acionando o breque de mão e tem de ouvir, até de economistas de renome, que a política monetária não funciona.
Enquanto isso, o ministro da Fazenda repete a cada entrevista que está mais do que ótimo fazer um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de apenas 1,9% do PIB e que a "inflação está estável, sob controle e não preocupa", mesmo quando ameaça disparar para acima do teto da meta, os tais 6,5% ao ano.
Mas o assalariado sente na carne e no seu bolso o estrago provocado pela escalada dos preços.
Ocupar o território - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 06/04
No princípio parecia fácil e veio a euforia. Bastava anunciar a retomada do território, entrar e hastear uma bandeira que as fortalezas do tráfico estariam dominadas. Depois, vieram as decepções com os casos de violência policial, o ataque às UPPs. Agora, nova e difícil frente foi aberta na Maré: 130 mil pessoas passaram a integrar a cidade e exigem os serviços que nunca tiveram.
Como no Alemão, as Forças Armadas foram chamadas a ajudar na tarefa de consolidação da ocupação do Complexo da Maré. São 12 favelas, com população maior do que a do Alemão e da Penha somadas, e lá há uma dificuldade a mais: existem duas facções criminosas rivais e uma milícia.
O secretário José Mariano Beltrame, com quem conversei, deixou claro que a lógica da política de Polícias Pacificadoras é territorial e há um longo caminho pela frente. “A euforia tomou conta das pessoas no início, mas eu disse sempre que a luta não estava ganha; não está ganha. A lógica é territorial. A droga não vai acabar, o crime não vai acabar. O que tem de acabar é o império. Nessas áreas, um imperador exercia o poder executivo, legislativo e judiciário. Eram o Menor P, o Nem, O Fabiano Atanásio. Pessoas tinham de pagar pedágio ao imperador para ter os serviços de luz, água e o direito de ir e vir. Isso é que a UPP enfrenta. A partir daí, o Estado tem de entrar e, na minha visão, não entrou com a força que deveria ter entrado”, disse o secretário de Segurança do Rio.
Ao todo, já foram instaladas 37 UPPs, em 253 favelas, beneficiando direta e indiretamente dois milhões de pessoas, entre moradores das áreas e do entorno. “Nunca foi, nem será fácil, porque havia além do tráfico todo o tipo de negócio que vivia à sombra do tráfico, como os fornecedores de serviços que o Estado e as empresas não podiam suprir. Eu sempre soube que eles não iriam entregar fácil”, disse Beltrame.
Ele lembra, no entanto, que apesar dos ataques às UPPs, nenhuma área foi retomada pelo tráfico: “E nem será, porque quando eles entrarem, voltamos lá com 500, 600 homens e tomamos de novo. Eles não terão mais o poder que já tiveram.”
Beltrame também falou dos casos de violência policial, como a que matou o pedreiro Amarildo ou a auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira: “É inaceitável. Triste e difícil. Mas, no caso Amarildo, a polícia trabalhou lá investigando e foram presos 20 pessoas, inclusive policiais. Foi dada uma resposta com a retirada desses policiais da Corporação. É ruim quando a polícia vai com uma proposta de pacificação e faz o contrário. Mas durante 30 anos a polícia era jogada na favela como numa zona de guerra. Agora, estamos tirando os fuzis da mão dos policiais. Há resistência, ele se sente nu sem a arma. Mas para que fuzil numa área pacificada?”
Perguntei se os jovens que entram cheio de entusiasmo e ideal para renovar a polícia não estão sendo pouco treinados. Há casos de jovens policiais mortos em áreas que têm UPPs. Ele disse que a própria arquitetura das favelas torna tudo mais difícil: “Há becos sem luz, e quando há uma situação de crime o policial tem que entrar. Alguns foram mortos covardemente.”
Os índices de homicídio doloso estavam estacionados em torno de 45 por 100 mil habitantes e caíram para 26,5, em 2012. Mas, em 2013, aumentou em 9,7% na cidade e 16,7% no estado. Beltrame contou que há uma estratégia para enfrentar esse retrocesso nos indicadores, que será posta em prática logo após a Copa.
O secretário alertou que a questão de segurança envolve vários outros debates. Semana passada, houve um problema no Pavão provocado por um bandido com seis passagens pela polícia e sete mandados de prisão revogados pela Justiça e outro que estava preso e saiu com indulto de Natal. Além de reforma penal e outros debates, ele acha essencial haver alternativas para a juventude.
“Neste momento, legiões de jovens estão soltas, sem rumo em áreas ocupadas por facções. No Rio, as facções criminosas são subnações. Jovens se jogam para a morte em nome delas, mesmo sem saber o que são. No dia da ocupação da Maré, de repente 30 rapazes começaram a se jogar pedra.” O caminho será ainda longo, mas ocupar o território tinha que ser o ponto de partida.
No princípio parecia fácil e veio a euforia. Bastava anunciar a retomada do território, entrar e hastear uma bandeira que as fortalezas do tráfico estariam dominadas. Depois, vieram as decepções com os casos de violência policial, o ataque às UPPs. Agora, nova e difícil frente foi aberta na Maré: 130 mil pessoas passaram a integrar a cidade e exigem os serviços que nunca tiveram.
Como no Alemão, as Forças Armadas foram chamadas a ajudar na tarefa de consolidação da ocupação do Complexo da Maré. São 12 favelas, com população maior do que a do Alemão e da Penha somadas, e lá há uma dificuldade a mais: existem duas facções criminosas rivais e uma milícia.
O secretário José Mariano Beltrame, com quem conversei, deixou claro que a lógica da política de Polícias Pacificadoras é territorial e há um longo caminho pela frente. “A euforia tomou conta das pessoas no início, mas eu disse sempre que a luta não estava ganha; não está ganha. A lógica é territorial. A droga não vai acabar, o crime não vai acabar. O que tem de acabar é o império. Nessas áreas, um imperador exercia o poder executivo, legislativo e judiciário. Eram o Menor P, o Nem, O Fabiano Atanásio. Pessoas tinham de pagar pedágio ao imperador para ter os serviços de luz, água e o direito de ir e vir. Isso é que a UPP enfrenta. A partir daí, o Estado tem de entrar e, na minha visão, não entrou com a força que deveria ter entrado”, disse o secretário de Segurança do Rio.
Ao todo, já foram instaladas 37 UPPs, em 253 favelas, beneficiando direta e indiretamente dois milhões de pessoas, entre moradores das áreas e do entorno. “Nunca foi, nem será fácil, porque havia além do tráfico todo o tipo de negócio que vivia à sombra do tráfico, como os fornecedores de serviços que o Estado e as empresas não podiam suprir. Eu sempre soube que eles não iriam entregar fácil”, disse Beltrame.
Ele lembra, no entanto, que apesar dos ataques às UPPs, nenhuma área foi retomada pelo tráfico: “E nem será, porque quando eles entrarem, voltamos lá com 500, 600 homens e tomamos de novo. Eles não terão mais o poder que já tiveram.”
Beltrame também falou dos casos de violência policial, como a que matou o pedreiro Amarildo ou a auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira: “É inaceitável. Triste e difícil. Mas, no caso Amarildo, a polícia trabalhou lá investigando e foram presos 20 pessoas, inclusive policiais. Foi dada uma resposta com a retirada desses policiais da Corporação. É ruim quando a polícia vai com uma proposta de pacificação e faz o contrário. Mas durante 30 anos a polícia era jogada na favela como numa zona de guerra. Agora, estamos tirando os fuzis da mão dos policiais. Há resistência, ele se sente nu sem a arma. Mas para que fuzil numa área pacificada?”
Perguntei se os jovens que entram cheio de entusiasmo e ideal para renovar a polícia não estão sendo pouco treinados. Há casos de jovens policiais mortos em áreas que têm UPPs. Ele disse que a própria arquitetura das favelas torna tudo mais difícil: “Há becos sem luz, e quando há uma situação de crime o policial tem que entrar. Alguns foram mortos covardemente.”
Os índices de homicídio doloso estavam estacionados em torno de 45 por 100 mil habitantes e caíram para 26,5, em 2012. Mas, em 2013, aumentou em 9,7% na cidade e 16,7% no estado. Beltrame contou que há uma estratégia para enfrentar esse retrocesso nos indicadores, que será posta em prática logo após a Copa.
O secretário alertou que a questão de segurança envolve vários outros debates. Semana passada, houve um problema no Pavão provocado por um bandido com seis passagens pela polícia e sete mandados de prisão revogados pela Justiça e outro que estava preso e saiu com indulto de Natal. Além de reforma penal e outros debates, ele acha essencial haver alternativas para a juventude.
“Neste momento, legiões de jovens estão soltas, sem rumo em áreas ocupadas por facções. No Rio, as facções criminosas são subnações. Jovens se jogam para a morte em nome delas, mesmo sem saber o que são. No dia da ocupação da Maré, de repente 30 rapazes começaram a se jogar pedra.” O caminho será ainda longo, mas ocupar o território tinha que ser o ponto de partida.
Do golpe ao Plano Real - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 06/04
Março começou e terminou com o aniversário de dois importantes eventos da história recente: em 1.º de março, o País comemorou 20 anos da primeira arrancada do Plano Real e, em 31 de março (mereceu lembrar, não festejar), completou 50 anos do golpe militar que subjugou os brasileiros à tirania de uma ditadura que durou 21 anos. Entre o fim da ditadura e o início do Plano Real se passaram nove anos, nos quais José Sarney e Fernando Collor dividiram o poder - anos desperdiçados, de fiasco, muitos retrocessos e nenhum avanço no progresso econômico e social do País.
No plano político, a ditadura foi um desastre e suas marcas são hoje lembradas para nunca mais serem repetidas: fechou o Congresso, extinguiu partidos, cassou direitos políticos, prendeu, torturou e matou opositores. Na economia o desastre foi amenizado pelo crescimento econômico, mas a renda se concentrou, os ricos se deram bem, os pobres empobreceram e a miséria cresceu. Enquanto os militares festejavam com ufanismo o "milagre econômico", o Censo do IBGE de 1970 denunciava: a renda cresceu, mas não foi distribuída. Hoje se calcula que 70% da riqueza gerada pelo "milagre" foi apropriada pelos 10% mais ricos.
"A economia vai bem, mas o povo vai mal", reconheceu na época o general Garrastazu Médici, o terceiro dos cinco militares ditadores. "É preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir", tentava se explicar o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, hoje conselheiro da presidente Dilma Rousseff. Enquanto ele foi ministro, o bolo nunca foi distribuído. A inflação era alta, atrapalhava o "milagre". Não há problema, Delfim decretou um tabelamento de preços fantasioso que ninguém respeitava, a não ser a Fundação Getúlio Vargas, que o registrava no cálculo da inflação. Na gestão Geisel, o ministro Mario Henrique Simonsen desfez e denunciou a falsificação grosseira da inflação.
Como convém a governos autoritários, o Brasil precisava ter sua bomba nuclear, e o programa começou com a construção de usinas nucleares que deixaram um passivo gigante, milhões de dólares perdidos em equipamentos enferrujados em Angra dos Reis (RJ) e o vazio da ilusória bomba. Como agora, o BNDES foi usado para distribuir dinheiro subsidiado a empresas que morreram e que lhe deram o apelido de "banco hospital".
Na gestão do último ditador e com Delfim Netto de volta ao comando da economia, a conta chegou em 1982, trazendo uma megadívida externa, que chegou a US$ 150 bilhões (as reservas cambiais não atingiam nem 8% disso), e uma moratória que mergulhou o País em grave recessão, arrocho salarial, desemprego, tragédias sociais. Para conseguir dinheiro do FMI, Delfim assinou muitas cartas de intenção, com promessas fantasiosas, nunca cumpridas e que marcaram o Brasil com o carimbo de "país moleque".
Heranças dos governos militares, na gestão Sarney pioraram muito a dívida pública (interna e externa) e a hiperinflação, que atingiu o impressionante recorde de 85% no mês e 5.000% no ano no final do governo. Seis planos de estabilização não conseguiram controlar a inflação, a dívida externa foi negociada, mas a interna só crescia. Com zeros seguidamente cortados e nomes alterados, a moeda continuava desmoralizada, os preços subiam várias vezes ao dia e o brasileiro perdeu a noção do valor do dinheiro.
O Plano Real pôs freios de arrumação na bagunça. Inflação contida e controlada já era meio caminho para arrumar o resto: a dívida interna parou de crescer, os governos estaduais foram proibidos de tomar novos empréstimos enquanto não se enquadrassem em regras de estabilidade econômica, bancos estaduais e distribuidoras de energia foram vendidos, a União assumiu as dívidas de governadores e prefeitos mediante controle rígido de gastos. Enfim, foram fechados muitos ralos por onde escapavam déficits crônicos, desperdícios, roubalheiras, desvios de dinheiro público para corrupção e campanhas eleitorais. E havia a Lei Fiscal para punir políticos irresponsáveis. Mas isso foi só o começo.
Março começou e terminou com o aniversário de dois importantes eventos da história recente: em 1.º de março, o País comemorou 20 anos da primeira arrancada do Plano Real e, em 31 de março (mereceu lembrar, não festejar), completou 50 anos do golpe militar que subjugou os brasileiros à tirania de uma ditadura que durou 21 anos. Entre o fim da ditadura e o início do Plano Real se passaram nove anos, nos quais José Sarney e Fernando Collor dividiram o poder - anos desperdiçados, de fiasco, muitos retrocessos e nenhum avanço no progresso econômico e social do País.
No plano político, a ditadura foi um desastre e suas marcas são hoje lembradas para nunca mais serem repetidas: fechou o Congresso, extinguiu partidos, cassou direitos políticos, prendeu, torturou e matou opositores. Na economia o desastre foi amenizado pelo crescimento econômico, mas a renda se concentrou, os ricos se deram bem, os pobres empobreceram e a miséria cresceu. Enquanto os militares festejavam com ufanismo o "milagre econômico", o Censo do IBGE de 1970 denunciava: a renda cresceu, mas não foi distribuída. Hoje se calcula que 70% da riqueza gerada pelo "milagre" foi apropriada pelos 10% mais ricos.
"A economia vai bem, mas o povo vai mal", reconheceu na época o general Garrastazu Médici, o terceiro dos cinco militares ditadores. "É preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir", tentava se explicar o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, hoje conselheiro da presidente Dilma Rousseff. Enquanto ele foi ministro, o bolo nunca foi distribuído. A inflação era alta, atrapalhava o "milagre". Não há problema, Delfim decretou um tabelamento de preços fantasioso que ninguém respeitava, a não ser a Fundação Getúlio Vargas, que o registrava no cálculo da inflação. Na gestão Geisel, o ministro Mario Henrique Simonsen desfez e denunciou a falsificação grosseira da inflação.
Como convém a governos autoritários, o Brasil precisava ter sua bomba nuclear, e o programa começou com a construção de usinas nucleares que deixaram um passivo gigante, milhões de dólares perdidos em equipamentos enferrujados em Angra dos Reis (RJ) e o vazio da ilusória bomba. Como agora, o BNDES foi usado para distribuir dinheiro subsidiado a empresas que morreram e que lhe deram o apelido de "banco hospital".
Na gestão do último ditador e com Delfim Netto de volta ao comando da economia, a conta chegou em 1982, trazendo uma megadívida externa, que chegou a US$ 150 bilhões (as reservas cambiais não atingiam nem 8% disso), e uma moratória que mergulhou o País em grave recessão, arrocho salarial, desemprego, tragédias sociais. Para conseguir dinheiro do FMI, Delfim assinou muitas cartas de intenção, com promessas fantasiosas, nunca cumpridas e que marcaram o Brasil com o carimbo de "país moleque".
Heranças dos governos militares, na gestão Sarney pioraram muito a dívida pública (interna e externa) e a hiperinflação, que atingiu o impressionante recorde de 85% no mês e 5.000% no ano no final do governo. Seis planos de estabilização não conseguiram controlar a inflação, a dívida externa foi negociada, mas a interna só crescia. Com zeros seguidamente cortados e nomes alterados, a moeda continuava desmoralizada, os preços subiam várias vezes ao dia e o brasileiro perdeu a noção do valor do dinheiro.
O Plano Real pôs freios de arrumação na bagunça. Inflação contida e controlada já era meio caminho para arrumar o resto: a dívida interna parou de crescer, os governos estaduais foram proibidos de tomar novos empréstimos enquanto não se enquadrassem em regras de estabilidade econômica, bancos estaduais e distribuidoras de energia foram vendidos, a União assumiu as dívidas de governadores e prefeitos mediante controle rígido de gastos. Enfim, foram fechados muitos ralos por onde escapavam déficits crônicos, desperdícios, roubalheiras, desvios de dinheiro público para corrupção e campanhas eleitorais. E havia a Lei Fiscal para punir políticos irresponsáveis. Mas isso foi só o começo.
Devo, sonego, até quando der - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 06/04
Câmara aprova outro parcelamento a perder de vista de impostos devidos por empresas
A GENTE ANDAVA entretida com as atrações da semana passada do circo de indignidades de Brasília, tais como chantagens contra a CPI da Petrobras ou desclassificados que gostam da classe dos jatinhos. Tanto que não viu jabuti gordo subir em árvore.
A Câmara dos Deputados fez a cortesia de permitir outra vez que empresas parcelem suas dívidas com o governo até o dia da falta
de juízo final. Trata-se de dívidas de impostos, multas e uma penca de tantas graças e gracinhas que apenas uma banca de advogados pode trocar em miúdos esses favores grossos.
Na quarta-feira, os deputados reabriram o Refis, um programa baixado por medida provisória em 2008 e feito lei em 2009 que perdoava multas, dava desconto de juros devidos e parcelava a perder de vista dívidas de impostos. Pode-se parcelar uma dívida milionária em parcelas ridículas, por 15 anos. Novos calotes, calotes do calote perdoado em 2008 e multas penduradas até 2013 poderão agora ser refinanciados.
A cortesia pegou carona na votação da medida provisória que tratava da tributação de multinacionais brasileiras. Esses enxertos exóticos também são conhecidos como "jabutis", os quais sobem em árvores pela mão de parlamentares que descem ao lobby das empresas.
O troço ainda vai ser votado no Senado. Dilma Rousseff deu a entender que vai vetar a nova rodada de favores.
Caso venha a vetar o esbulho, a presidente corre até algum risco de ver o veto ser derrubado pelo Congresso. Mas, além disso, não teria muito mais a perder, pois seu
filme já está queimado com as empresas, e esse nem de longe será o pior motivo para confrontá-las, ao contrário.
Muito importante, o veto daria uma satisfação ao cidadão comum e ao empresário que pagam impostos em dia, empresário que de resto se sujeita à concorrência desleal de quem "baixa custos" burlando o fisco na crença de que a sonegação sempre será compensada por alguma mamata aprovada em Brasília.
Enfim, essa coisa tem de ser vetada porque se trata de estímulo à sonegação. Dívidas de 2000 e 2003 já haviam sido agraciadas com o Refis de 2008-09. Ressalte-se o termo "agraciado": trata-se de dívidas de centenas de bilhões de reais.
Dilma Rousseff, claro, tem culpa nesse cartório. No ano passado, desesperado, sem dinheiro para tapar o rombo que fizera em suas contas, seu governo reabrira o Refis.
No Refis que deu origem à série, empresas com dívidas vencidas até 2008 poderiam aderir ao programa de refinanciamento e outros carinhos até 2009. No refil do Refis do ano passado, o prazo de adesão havia sido estendido até 2013.
Além da farra tributária, essas medidas provisórias do Refis, mas não apenas, são um escândalo pela quantidade de jabutis.
Na lei que aprovou o Refis 2013, por exemplo, entraram subsídios aos produtores de etanol, emissão de dívida para pagar os erros da política de energia elétrica, programas de violência contra a mulher, herança de licença para barraquinhas e bancas de jornal em calçada, impostos da cadeia da soja, operações de câmbio, regulação de ônibus municipais, herança de licença de taxistas e mais o diabo a quatro.
Câmara aprova outro parcelamento a perder de vista de impostos devidos por empresas
A GENTE ANDAVA entretida com as atrações da semana passada do circo de indignidades de Brasília, tais como chantagens contra a CPI da Petrobras ou desclassificados que gostam da classe dos jatinhos. Tanto que não viu jabuti gordo subir em árvore.
A Câmara dos Deputados fez a cortesia de permitir outra vez que empresas parcelem suas dívidas com o governo até o dia da falta
de juízo final. Trata-se de dívidas de impostos, multas e uma penca de tantas graças e gracinhas que apenas uma banca de advogados pode trocar em miúdos esses favores grossos.
Na quarta-feira, os deputados reabriram o Refis, um programa baixado por medida provisória em 2008 e feito lei em 2009 que perdoava multas, dava desconto de juros devidos e parcelava a perder de vista dívidas de impostos. Pode-se parcelar uma dívida milionária em parcelas ridículas, por 15 anos. Novos calotes, calotes do calote perdoado em 2008 e multas penduradas até 2013 poderão agora ser refinanciados.
A cortesia pegou carona na votação da medida provisória que tratava da tributação de multinacionais brasileiras. Esses enxertos exóticos também são conhecidos como "jabutis", os quais sobem em árvores pela mão de parlamentares que descem ao lobby das empresas.
O troço ainda vai ser votado no Senado. Dilma Rousseff deu a entender que vai vetar a nova rodada de favores.
Caso venha a vetar o esbulho, a presidente corre até algum risco de ver o veto ser derrubado pelo Congresso. Mas, além disso, não teria muito mais a perder, pois seu
filme já está queimado com as empresas, e esse nem de longe será o pior motivo para confrontá-las, ao contrário.
Muito importante, o veto daria uma satisfação ao cidadão comum e ao empresário que pagam impostos em dia, empresário que de resto se sujeita à concorrência desleal de quem "baixa custos" burlando o fisco na crença de que a sonegação sempre será compensada por alguma mamata aprovada em Brasília.
Enfim, essa coisa tem de ser vetada porque se trata de estímulo à sonegação. Dívidas de 2000 e 2003 já haviam sido agraciadas com o Refis de 2008-09. Ressalte-se o termo "agraciado": trata-se de dívidas de centenas de bilhões de reais.
Dilma Rousseff, claro, tem culpa nesse cartório. No ano passado, desesperado, sem dinheiro para tapar o rombo que fizera em suas contas, seu governo reabrira o Refis.
No Refis que deu origem à série, empresas com dívidas vencidas até 2008 poderiam aderir ao programa de refinanciamento e outros carinhos até 2009. No refil do Refis do ano passado, o prazo de adesão havia sido estendido até 2013.
Além da farra tributária, essas medidas provisórias do Refis, mas não apenas, são um escândalo pela quantidade de jabutis.
Na lei que aprovou o Refis 2013, por exemplo, entraram subsídios aos produtores de etanol, emissão de dívida para pagar os erros da política de energia elétrica, programas de violência contra a mulher, herança de licença para barraquinhas e bancas de jornal em calçada, impostos da cadeia da soja, operações de câmbio, regulação de ônibus municipais, herança de licença de taxistas e mais o diabo a quatro.
Um velho dilema - PERCIVAL PUGGINA
ZERO HORA - 06/04
Aquele movimento primeiro frustrou o plano dos comunistas e, depois, derrotou guerrilheiros e terroristas
Pergunto: os males da política brasileira estão relacionados mais diretamente ao caráter dos indivíduos, das pessoas concretas que ocupam postos de poder, ou ao modelo institucional que adotamos? Há muitos anos participo de debates que buscam saber qual a galinha e qual o ovo nesse dilema.
Dirá alguém que é uma questão menor e que o Brasil vive as urgências impostas por clamorosas denúncias e estridentes silêncios. No entanto, de denúncia em denúncia, de silêncio em silêncio e de urgência em urgência, vamos postergando toda e qualquer tentativa de formar consenso a propósito desse tema. E como precisamos de um consenso! Como precisamos fazer com que a nação vasculhe, atrás do palco, na coxia, as estruturas que movem de modo tão desastroso os cordéis do poder!
Volto a esta pauta porque o mero fastio ante a política que temos é mau conselheiro para levar-nos àquela que queremos. Imaginar que o espelho de representação só melhorará quando o nível das exigências morais da sociedade houver subido vários degraus significa a perdição de pelo menos duas gerações! É por isso que defendo a necessidade de mudança nas regras do jogo político. Trata-se de algo que infelizmente parece pouco significativo. A maior parte das pessoas insiste em ver as árvores e não percebe o emaranhado da floresta institucional. No entanto, as regras de qualquer jogo determinam a conduta dos jogadores. O solo influi na qualidade do que nele se plante. As religiões se refletem no comportamento dos fiéis. E as instituições de Estado não só impulsionam o agir dos políticos mas definem, também, com suas regras, quem participa das atividades.
Creio que o melhor modo de tornar compreensível esse efeito que muitos teimam em desconhecer pode ser encontrado na própria experiência nacional. Sabe por que, leitor, nenhuma reforma política séria prospera no Brasil? Pela simples e confessada razão de que os congressistas sabem que seus mandatos foram obtidos nas regras vigentes. Esta singela constatação deixa tudo como está, reproduzindo ad aeternum um tipo de representação que nos proporciona escassos motivos de admiração. Dito isso, considero suficientemente provado o grau de influência do modelo institucional sobre o recrutamento de lideranças para a elite política. São elas mesmas que o confessam. Ainda que não convenha ao país, é esse o modelo que lhes serve. Portanto, a posição dos candidatos a favor do voto distrital e contra essa bacanal institucional que junta na mesma cama Estado, governo, administração pública e partido político deveria ser critério decisivo de voto nas eleições de outubro.
***
Os últimos dias foram dedicados pela mídia à tarefa de esconjurar o 31 de março. É verdade que foram cometidos crimes que repugnam as consciências bem formadas. Mas é errado limitar a informação ao registro desses fatos. Aquele movimento primeiro frustrou o plano dos comunistas para o Brasil e, depois, derrotou guerrilheiros e terroristas que queriam implantar tal regime no país. Esquecer o que estes pretendiam, não ler o que escreviam, ignorar o que diziam, apagar da história as vítimas que fizeram e os crimes bárbaros que cometeram, para exibi-los como heróis e mártires da “resistência democrática” é impostura. É servir o oportunismo em bandeja. Passado meio século, seus atuais afetos no plano nacional e internacional ainda revelam muito bem o que fariam se pudessem.
Vara curta - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 06/04
Essa história tem 30 anos. O senador Aécio Neves lembrou-se dela outro dia, quando a pesquisa do Ibope registrou queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff e, no PT, agitaram-se as vozes defensoras do "volta, Lula".
Mário Andreazza e Paulo Maluf disputariam a legenda da Arena para a candidatura presidencial. Para Tancredo Neves, avô de Aécio, então seu secretário particular, interessava a vitória de Maluf na convenção, pois Andreazza teria, na sua avaliação, mais condições de vencê-lo no colégio eleitoral de janeiro de 1985.
Tancredo, então, resolveu "confidenciar" a uma jornalista que corria um burburinho sobre uma possível renúncia de Maluf à candidatura. No dia seguinte, diante da manchete, Maluf desmentiu com veemência, reafirmando a postulação da qual, jurou, não desistiria de forma alguma.
Inspirado nesse episódio, o agora candidato à Presidência da República há cerca de dez dias decidiu abordar pela primeira vez o assunto da possibilidade de o ex-presidente ser candidato nesta eleição, dizendo que para ele tanto faz enfrentar Lula ou Dilma.
Voltará ao tema sempre que considerar oportuno. Oportunidade esta de atingir múltiplos objetivos. O primeiro foi lançar um dos motes da campanha, que é a ideia de derrotar "o modelo do PT" independentemente de quem for o candidato a fim de capitalizar "uma antipatia generalizada que existe contra o partido".
O segundo, desmistificar a figura de Lula como um candidato considerado imbatível. "Quis mostrar que não temos medo." Outro, e aí a provocação assemelha-se ao gesto do avô, amplificar o coro do "volta Lula" de forma a mais cedo ou mais tarde obrigar a presidente Dilma a reafirmar sua candidatura.
Qual a finalidade? Evidentemente, tornar cada vez mais difícil a hipótese da troca de nomes. Além disso, na concepção do tucano, falar abertamente na possibilidade de outra candidatura que não seja a da reeleição de Dilma é uma maneira de disseminar a cizânia no campo adversário e dar a entender que o jogo do lado de lá não está definido.
Além disso, Aécio Neves quis mandar um recado à própria tropa, pois considerou que o PSDB estava muito passivo diante do assunto. Melhor dizendo, acuado mesmo. "Achei que era hora de furar essa bolha, tratar o tema com naturalidade porque Lula não é um fantasma nem é uma unanimidade."
Arsenal. Os adversários já contam com a ausência da presidente Dilma Rousseff nos debates antes do primeiro turno das eleições.
Ainda assim vão explorar o tema Petrobrás, deixando no ar à presidente os questionamentos tanto sobre os negócios que renderam prejuízos quanto a respeito da redução do valor e da capacidade de investimento da estatal durante sua gestão.
Isso nos debates e nos programas do horário eleitoral. Dilma será convidada a explicar também por que o governo se empenhou tanto contra a CPI.
A Petrobrás será presença recorrente na campanha. Pesquisas internas feitas no campo da oposição identificaram que mais de 70% dos consultados já ouviram falar das denúncias "de corrupção" (a pergunta foi posta nesses termos) na empresa e que o assunto é de fácil entendimento por parte da população.
Tudo junto. Para tentar superar as dificuldades do PSDB no Rio, Aécio Neves vai jogar em duas vertentes: na aliança informal com o PMDB e na candidatura própria ao governo do Estado.
Enquanto no oficial assegura apoio à presidente Dilma, no paralelo Sérgio Cabral Filho cala e consente ante a articulação do voto "Aezão" por pemedebistas defensores do apoio ao tucano para presidente e Luiz Fernando Pezão, candidato de Cabral, para governador.
A fim de marcar presença do número 45 na disputa, o PSDB estuda lançar a candidatura de um economista. Está entre três nomes: Elena Landau, Edmar Bacha e Gustavo Franco.
Essa história tem 30 anos. O senador Aécio Neves lembrou-se dela outro dia, quando a pesquisa do Ibope registrou queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff e, no PT, agitaram-se as vozes defensoras do "volta, Lula".
Mário Andreazza e Paulo Maluf disputariam a legenda da Arena para a candidatura presidencial. Para Tancredo Neves, avô de Aécio, então seu secretário particular, interessava a vitória de Maluf na convenção, pois Andreazza teria, na sua avaliação, mais condições de vencê-lo no colégio eleitoral de janeiro de 1985.
Tancredo, então, resolveu "confidenciar" a uma jornalista que corria um burburinho sobre uma possível renúncia de Maluf à candidatura. No dia seguinte, diante da manchete, Maluf desmentiu com veemência, reafirmando a postulação da qual, jurou, não desistiria de forma alguma.
Inspirado nesse episódio, o agora candidato à Presidência da República há cerca de dez dias decidiu abordar pela primeira vez o assunto da possibilidade de o ex-presidente ser candidato nesta eleição, dizendo que para ele tanto faz enfrentar Lula ou Dilma.
Voltará ao tema sempre que considerar oportuno. Oportunidade esta de atingir múltiplos objetivos. O primeiro foi lançar um dos motes da campanha, que é a ideia de derrotar "o modelo do PT" independentemente de quem for o candidato a fim de capitalizar "uma antipatia generalizada que existe contra o partido".
O segundo, desmistificar a figura de Lula como um candidato considerado imbatível. "Quis mostrar que não temos medo." Outro, e aí a provocação assemelha-se ao gesto do avô, amplificar o coro do "volta Lula" de forma a mais cedo ou mais tarde obrigar a presidente Dilma a reafirmar sua candidatura.
Qual a finalidade? Evidentemente, tornar cada vez mais difícil a hipótese da troca de nomes. Além disso, na concepção do tucano, falar abertamente na possibilidade de outra candidatura que não seja a da reeleição de Dilma é uma maneira de disseminar a cizânia no campo adversário e dar a entender que o jogo do lado de lá não está definido.
Além disso, Aécio Neves quis mandar um recado à própria tropa, pois considerou que o PSDB estava muito passivo diante do assunto. Melhor dizendo, acuado mesmo. "Achei que era hora de furar essa bolha, tratar o tema com naturalidade porque Lula não é um fantasma nem é uma unanimidade."
Arsenal. Os adversários já contam com a ausência da presidente Dilma Rousseff nos debates antes do primeiro turno das eleições.
Ainda assim vão explorar o tema Petrobrás, deixando no ar à presidente os questionamentos tanto sobre os negócios que renderam prejuízos quanto a respeito da redução do valor e da capacidade de investimento da estatal durante sua gestão.
Isso nos debates e nos programas do horário eleitoral. Dilma será convidada a explicar também por que o governo se empenhou tanto contra a CPI.
A Petrobrás será presença recorrente na campanha. Pesquisas internas feitas no campo da oposição identificaram que mais de 70% dos consultados já ouviram falar das denúncias "de corrupção" (a pergunta foi posta nesses termos) na empresa e que o assunto é de fácil entendimento por parte da população.
Tudo junto. Para tentar superar as dificuldades do PSDB no Rio, Aécio Neves vai jogar em duas vertentes: na aliança informal com o PMDB e na candidatura própria ao governo do Estado.
Enquanto no oficial assegura apoio à presidente Dilma, no paralelo Sérgio Cabral Filho cala e consente ante a articulação do voto "Aezão" por pemedebistas defensores do apoio ao tucano para presidente e Luiz Fernando Pezão, candidato de Cabral, para governador.
A fim de marcar presença do número 45 na disputa, o PSDB estuda lançar a candidatura de um economista. Está entre três nomes: Elena Landau, Edmar Bacha e Gustavo Franco.
Este governo pode continuar? - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 06/04
O Sr. Werner, diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, deu-nos em Sauípe, Bahia, conselhos oficiais durante o fórum econômico para a América Latina (2014). Expôs que, nos três anos do governo Dilma, os fundamentos do país foram abalados. Ao meu sentir, disse o essencial, mas poderia dizer mais (sobre burocracia excessiva, insegurança jurídica, subsídios governamentais a setores diversos, inflação ascendente, controle de preços nas áreas de petróleo, transportes e energia elétrica etc.).
A falta de competitividade da indústria nacional, associada a uma política de estímulos ao consumo das famílias, resultou numa maior dependência das importações, o que levou à piora das contas externas. Em três anos, o rombo nas transações do Brasil com o restante do mundo subiu de 2,2% do PIB, em 2010, para 3,7%, até fevereiro deste ano. Pelo modelo da OCDE, esse percentual não deve jamais ultrapassar 3%, que é o limite nos países da Comunidade Europeia de Nações (CEE).
Mesmo assim, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, assegurou, em Sauípe, que o Brasil está "comprovadamente" mais bem preparado para momentos de turbulência internacional. Nas palavras dele, o Brasil é um país robusto e resistente a choques externos, além de ter um sistema financeiro sólido. Empresários e banqueiros que participaram do evento na Bahia viram no discurso de Tombini um recado às agências de classificação de risco, que também mandaram representantes para a Costa do Sauípe. O temor do governo é de que a Fitch e a Moody"s, duas das três maiores instituições de risco, acompanhem a Standard & Poor"s e também rebaixem a nota de crédito do Brasil. Se isso acontecer, preparem-se para uma maxidesvalorização do real. Teremos tombos, trombados e até turbilhão de dificuldades.
A suposta competência de Dilma Rousseff, como tem sido assinalada pelos analistas políticos, foi engolida pelo lamentável episódio da compra da refinaria em Pasadena. A imagem da administradora detalhista e centralizadora acabou. Dilma Rousseff, presidente do Conselho de Administração da Petrobras, autorizou a empresa a comprar 50% da refinaria, no Texas, por US$ 360 milhões, vendida um ano antes a uma empresa belga, a Astra Oil, por US$ 42,5 milhões. Por desatenção e descaso, nem Dilma nem qualquer dos conselheiros viu o fato de que, para ficar com metade do empreendimento, a Petrobras desembolsaria 8,5 vezes mais do que a Astra pagara um pouco antes pela refinaria?
Ela admitiu ao jornal O Estado de S. Paulo que se baseara em mero resumo executivo, "técnica e juridicamente falho". Ao contrário da afirmação de Dilma, executivos da Petrobras, ouvidos pela Folha de S.Paulo, disseram que a presidente e todo o Conselho de Administração da estatal tinham à disposição, em 2006, o processo completo da proposta de compra da refinaria. Resumo: aprovou sem ler uma transação que esbanjou o dinheiro público. Administração temerária é o que se pode deduzir.
Noutra hipótese, terá simplesmente mentido para livrar-se do problema (desculpa esfarrapada). O ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel considera "extremamente grave" o caso (em que a Petrobras teve prejuízo bilionário). "A partir do momento em que surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, a investigação tem de ser deslocada para o procurador-geral da República", afirmou Gurgel, em entrevista ao UOL.
É justamente por isso que o governo empenha-se em melar a CPI da Petrobras no Senado (o caso Pasadena). Que a presidente não tem pendor político nem vocação pessoal, sendo mera burocrata centralizadora, a nação está cansada de saber. Que a presidente não é gerente brilhante, a nação também sabe, pela má qualidade da gestão nas duas áreas em que se meteu de longa data: o setor elétrico e o sistema Petrobras. Ambos estão em situação calamitosa. O que a nação não sabia é que a presidente tem o hábito de mentir. Os negócios tenebrosos virão a lume, cedo ou tarde. Agora, só um ponto deve nos interessar. Um ponto essencial, diga-se de passagem.
A única valia dessa CPI é desnudar o caráter de nossa presidente. Foi a mentira que levou Nixon a renunciar. Um presidente que prega mentiras não pode presidir uma nação. Política e moralmente, a única verdade que interessa é essa. A presidente mentiu? Se o fez, estará desqualificada para presidir a nação. Se não mentiu, fica obrigada a fazer uma faxina na Petrobras, que a enganou, ou passá-la a acionistas que queiram lucros e não dela servir-se para todo tipo de negócios escusos. Se o Brasil tiver 49,90% da empresa, ganhará o triplo em dividendos, do que hoje aufere, sem negociatas. Mas só quando a empresa tiver recuperado a altura alcançada no passado.
Luz amarela para Dilma - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 06/04
BRASÍLIA - A dianteira de Dilma Rousseff na corrida presidencial continua resistindo bravamente à onda de desacertos na economia, na política e na gestão e à vaga que derrubou sua imagem de "gerentona". Mas o Datafolha lançou um sinal amarelo sobre essa dianteira.
A seis meses das eleições, as tendências importam mais do que os dados isolados e há sinais de alerta para Dilma e seu staff:
1 - A aprovação do governo caiu cinco pontos e 63% consideram que Dilma fez menos do que o esperado (antes, esse percentual variava de 34% a 42%). Sua nota média é 5,9.
2 - Os que mais recuam na aprovação ao governo e a Dilma são os que têm renda entre dois e cinco salários mínimos e acima de dez.
3 - A queda mais visível é no Sudeste, no Norte e no Centro-Oeste. O Sudeste é nevrálgico por ser populoso e irradiador de percepções.
4 - No cenário com todos os atuais dez candidatos --que é o mais provável-- Dilma caiu seis pontos em relação a fevereiro, ficando com 38%.
5 - Seus adversários diretos, Aécio Neves (16%) e Eduardo Campos (10%), não lucram com a queda, mas o pastor Everaldo Pereira, do PSC, tem 2% e pode crescer e ganhar significado na definição de um segundo turno. A força de atração dos evangélicos não é desprezível.
6 - Nesse cenário mais completo, 20% votariam em branco ou nulo e 9% não opinaram. É um forte contingente insatisfeito ou indiferente. Em suma, a ser conquistado.
7 - Dado interessante: se a disputa fosse hoje só entre Dilma, Aécio e Campos, eles ficariam embolados com os brancos e nulos na faixa dos mais escolarizados. Dilma com 25%, Aécio com 26%, Campos com 19%, brancos e nulos com 27%.
A dúvida é se o desgaste de Dilma e de seu governo entre os mais bem informados irá decantar para as demais faixas nesses seis meses e a partir do início oficial da campanha. Disso depende haver ou não segundo turno, a chave do sucesso de Dilma.
Planos de saúde recebem, mas não pagam - ELIO GASPARI
O GLOBO - 06/04
Articula-se no Congresso uma CPI para a Petrobras. Pode ser boa ideia, mas seria bom se alguém pudesse criar a CPI do Congresso. Na terça-feira passada, a Câmara aprovou a Medida Provisória 627, que trata da tributação de empresas brasileiras no exterior. Como é praxe, seu texto foi enxertado por 523 contrabandos. Entre eles, um artigo concedeu anistia parcial aos planos de saúde que não cumprem os contratos, apesar de embolsarem as mensalidades das vítimas. O truque é simples. Há multas que vão de R$ 5 mil a R$ 1 milhão. Como nas infrações de trânsito, cada multa é uma multa.
Até dia 31 de dezembro deste ano eleitoral em que o Senado poderá ratificar a maluquice e a doutora Dilma poderá sancioná-lo, as empresas terão a seguinte pista livre: a empresa que tomou de duas a 50 multas da mesma natureza, pagará apenas duas; de 50 a 100, mais duas; acima de mil, vinte. Assim, quem foi multado cem vezes, pagará quatro penalidades. Em números: uma multa por negativa de procedimento custa R$ 80 mil. Quem delinquir cem vezes, paga R$ 8 milhões, mas com a mudança pagará R$ 320 mil.
Os defensores do truque deveriam contar por que não aplicam a mesma tabelinha aos clientes que deixarem de pagar as mensalidades estabelecidas nos contratos. Caloteou 50 pagamentos, paga dois.
A maracutaia estimula a delinquência, penaliza quem não delinque e favorece poderosos delinquentes, quase todos grandes financiadores de campanhas. (Entre 2006 e 2012 elas cresceram 37,2%, para pelo menos R$ 8,6 milhões.)
Se tudo isso fosse pouco, a doutora Dilma indicou para uma diretoria da Agência Nacional de Saúde o doutor José Carlos Abrahão. Ele é um sincero adversário das normas legais que obrigam as operadoras a ressarcir o SUS quando seus clientes são atendidos pela rede pública. Pelo cheiro da brilhantina, se algum dia vierem a cobrá-la por essa indicação, poderá dizer que se baseou em "informações incompletas" ou num parecer "técnica e juricamente falho", como no caso da refinaria de Pasadena.
PAGAR IMPOSTO É COISA DE OTÁRIO
Pela ordem social do andar de cima há no país os cavalgados e os cavalcantis. Os cavalgados compram suas coisas e pagam todos os impostos no caixa. Trabalham o mês todo e quando recebem o contracheque, ele vem com a mordida do imposto de renda.
Os cavalcantis não pagam o que a Receita cobra e, uma vez autuados, esperam que o governo lhes ofereça um plano de refinanciamento do débito. Os descontos são tamanhos que não pagar torna-se bom negócio. O truque atende pelo nome de Refis, e num acordo do governo com a oposição (em ano eleitoral) a Câmara dos Deputados, numa Medida Provisória relatada pelo deputado Eduardo Cunha, acaba de patrocinar mais uma festinha. É o Refis 8.0. Resta saber se a doutora Dilma vai sancioná-la.
O Refis socorre sonegadores desde 1999. Por meio de engenhosos mecanismos, tornou-se um benefício contínuo. Houve empresa com a dívida parcelada por 1.066 anos. Outra, que devia R$ 128 milhões, passou a pagar R$ 12 por mês. Bancos e multinacionais já refinanciaram R$ 680 bilhões. A Vale parcelou uma cobrança de R$ 45 bilhões com 50% de desconto. A Companhia Siderúrgica Nacional safou-se de uma dívida de R$ 5 bilhões. A Braskem podou um espeto de R$ 1,9 bilhão.
Em 2009, a secretária da Receita, Lina Vieira, disse que, com esse gatilho, "o bom contribuinte se sente um otário". Ela foi demitida pouco depois pelo ministro Guido Mantega.
Sempre que o governo maquia o Refis vem o argumento de que com ele arrecada-se cerca de 15% do que está emperrado. É verdade, mas deixa-se de receber o que se cobrou aos cavalcantis, o que nunca acontece com os cavalgados.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e soube que a Vale arrisca tomar um tombo de US$ 507 milhões na Guiné. Em 2010 ela comprou a um empresário israelense parte da concessão da grande jazida de minério de ferro de Simandou. Mudou o presidente eseu sucessor resolveu reexaminar a maneira como a concessão foi vendida e ameaça cancelá-la.
Mesmo sendo idiota, Eremildo não consegue entender o que há na cabeça de sábios brasileiros que se metem em negócios com sobas africanos. O cretino sabe que a Guiné Equatorial nada tem a ver com a outra Guiné, mas convenceu-se de que Lula foi lá em 2011 para representar a doutora Dilma num encontro da União Africana em busca de encrencas. Nosso Guia viajou num avião da Odebrecht e incluiu um diretor da empresa na sua comitiva.
A Guiné Equatorial é um pequeno país de 700 mil habitantes que flutua sobre petróleo. Tem a maior renda per capita da África, mas os nativos vivem na miséria (70% da população com menos de dois dólares por dia). Já o clã dos Obiang, que governa a terra desde 1979, vai bem, obrigado. Um deles tem um apartamento de US$ 15 milhões em São Paulo, e outro negociou a compra de um triplex de US$ 10 milhões na Avenida Vieira Souto. Quando Lula foi ver Obiang, o embaixador Celso Amorim disse que "negócios são negócios". Resta saber quais eram os negócios.
A empresa holandesa SBM, locadora de plataformas de petróleo, acaba de informar que pagou US$ 18,8 milhões em propinas na Guiné Equatorial. Se esse dinheiro fosse para o povo, renderia 26 dólares para cada um. Para o Fundo Obiango, renderia mais um apartamento.
ISONOMIA
Ameaçando criar a CPI do Fim dos Mundo 2.0, o PT não conseguirá limpar uma só nódoa nos negócios da Petrobras. Apesar disso, demonstrou que o tucanato está disposto a qualquer coisa para não mexer com o cartel da Alstom.
Estão nessa desde 1995, quando opatrono da empresa organizou uma revoada de notáveis para assistir a posse de Bill Clinton. O pior é que a turma dizia que foi convidada pelo governo americano, quando se sabe que a posse de presidentes em Washington é um evento doméstico.
LOROTA
Sabendo-se que é falsa a informação do ex-diretor Nestor Cerveró, segundo a qual os conselheiros da Petrobras receberam o contrato de compra da refinaria de Pasadena com 15 dias de antecedência, fica uma pergunta: Qual é a linha que separa a verdade das lorotas dos petrocomissários?
MADAME NATASHA
Madame Natasha zela pela malha do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo aos sábios que redigiram o Plano Diretor Estratégico da prefeitura de São Paulo pelo paragrafo único do seu artigo 178, que diz o seguinte:
"A Zona Rural do Município de São Paulo é multissetorial e multifuncional, comportando a diversidade de atividades integrantes das cadeias produtivas da agricultura e do turismo, incluindo infraestrutura e serviços aelas associados, e exercendo as funções de produção, inclusão social, prestação de serviços e conservação ambiental características da ruralidade contemporânea."
A senhora acredita que eles poderiam ter escrito a mesma coisa a respeito da Lua.
Articula-se no Congresso uma CPI para a Petrobras. Pode ser boa ideia, mas seria bom se alguém pudesse criar a CPI do Congresso. Na terça-feira passada, a Câmara aprovou a Medida Provisória 627, que trata da tributação de empresas brasileiras no exterior. Como é praxe, seu texto foi enxertado por 523 contrabandos. Entre eles, um artigo concedeu anistia parcial aos planos de saúde que não cumprem os contratos, apesar de embolsarem as mensalidades das vítimas. O truque é simples. Há multas que vão de R$ 5 mil a R$ 1 milhão. Como nas infrações de trânsito, cada multa é uma multa.
Até dia 31 de dezembro deste ano eleitoral em que o Senado poderá ratificar a maluquice e a doutora Dilma poderá sancioná-lo, as empresas terão a seguinte pista livre: a empresa que tomou de duas a 50 multas da mesma natureza, pagará apenas duas; de 50 a 100, mais duas; acima de mil, vinte. Assim, quem foi multado cem vezes, pagará quatro penalidades. Em números: uma multa por negativa de procedimento custa R$ 80 mil. Quem delinquir cem vezes, paga R$ 8 milhões, mas com a mudança pagará R$ 320 mil.
Os defensores do truque deveriam contar por que não aplicam a mesma tabelinha aos clientes que deixarem de pagar as mensalidades estabelecidas nos contratos. Caloteou 50 pagamentos, paga dois.
A maracutaia estimula a delinquência, penaliza quem não delinque e favorece poderosos delinquentes, quase todos grandes financiadores de campanhas. (Entre 2006 e 2012 elas cresceram 37,2%, para pelo menos R$ 8,6 milhões.)
Se tudo isso fosse pouco, a doutora Dilma indicou para uma diretoria da Agência Nacional de Saúde o doutor José Carlos Abrahão. Ele é um sincero adversário das normas legais que obrigam as operadoras a ressarcir o SUS quando seus clientes são atendidos pela rede pública. Pelo cheiro da brilhantina, se algum dia vierem a cobrá-la por essa indicação, poderá dizer que se baseou em "informações incompletas" ou num parecer "técnica e juricamente falho", como no caso da refinaria de Pasadena.
PAGAR IMPOSTO É COISA DE OTÁRIO
Pela ordem social do andar de cima há no país os cavalgados e os cavalcantis. Os cavalgados compram suas coisas e pagam todos os impostos no caixa. Trabalham o mês todo e quando recebem o contracheque, ele vem com a mordida do imposto de renda.
Os cavalcantis não pagam o que a Receita cobra e, uma vez autuados, esperam que o governo lhes ofereça um plano de refinanciamento do débito. Os descontos são tamanhos que não pagar torna-se bom negócio. O truque atende pelo nome de Refis, e num acordo do governo com a oposição (em ano eleitoral) a Câmara dos Deputados, numa Medida Provisória relatada pelo deputado Eduardo Cunha, acaba de patrocinar mais uma festinha. É o Refis 8.0. Resta saber se a doutora Dilma vai sancioná-la.
O Refis socorre sonegadores desde 1999. Por meio de engenhosos mecanismos, tornou-se um benefício contínuo. Houve empresa com a dívida parcelada por 1.066 anos. Outra, que devia R$ 128 milhões, passou a pagar R$ 12 por mês. Bancos e multinacionais já refinanciaram R$ 680 bilhões. A Vale parcelou uma cobrança de R$ 45 bilhões com 50% de desconto. A Companhia Siderúrgica Nacional safou-se de uma dívida de R$ 5 bilhões. A Braskem podou um espeto de R$ 1,9 bilhão.
Em 2009, a secretária da Receita, Lina Vieira, disse que, com esse gatilho, "o bom contribuinte se sente um otário". Ela foi demitida pouco depois pelo ministro Guido Mantega.
Sempre que o governo maquia o Refis vem o argumento de que com ele arrecada-se cerca de 15% do que está emperrado. É verdade, mas deixa-se de receber o que se cobrou aos cavalcantis, o que nunca acontece com os cavalgados.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e soube que a Vale arrisca tomar um tombo de US$ 507 milhões na Guiné. Em 2010 ela comprou a um empresário israelense parte da concessão da grande jazida de minério de ferro de Simandou. Mudou o presidente eseu sucessor resolveu reexaminar a maneira como a concessão foi vendida e ameaça cancelá-la.
Mesmo sendo idiota, Eremildo não consegue entender o que há na cabeça de sábios brasileiros que se metem em negócios com sobas africanos. O cretino sabe que a Guiné Equatorial nada tem a ver com a outra Guiné, mas convenceu-se de que Lula foi lá em 2011 para representar a doutora Dilma num encontro da União Africana em busca de encrencas. Nosso Guia viajou num avião da Odebrecht e incluiu um diretor da empresa na sua comitiva.
A Guiné Equatorial é um pequeno país de 700 mil habitantes que flutua sobre petróleo. Tem a maior renda per capita da África, mas os nativos vivem na miséria (70% da população com menos de dois dólares por dia). Já o clã dos Obiang, que governa a terra desde 1979, vai bem, obrigado. Um deles tem um apartamento de US$ 15 milhões em São Paulo, e outro negociou a compra de um triplex de US$ 10 milhões na Avenida Vieira Souto. Quando Lula foi ver Obiang, o embaixador Celso Amorim disse que "negócios são negócios". Resta saber quais eram os negócios.
A empresa holandesa SBM, locadora de plataformas de petróleo, acaba de informar que pagou US$ 18,8 milhões em propinas na Guiné Equatorial. Se esse dinheiro fosse para o povo, renderia 26 dólares para cada um. Para o Fundo Obiango, renderia mais um apartamento.
ISONOMIA
Ameaçando criar a CPI do Fim dos Mundo 2.0, o PT não conseguirá limpar uma só nódoa nos negócios da Petrobras. Apesar disso, demonstrou que o tucanato está disposto a qualquer coisa para não mexer com o cartel da Alstom.
Estão nessa desde 1995, quando opatrono da empresa organizou uma revoada de notáveis para assistir a posse de Bill Clinton. O pior é que a turma dizia que foi convidada pelo governo americano, quando se sabe que a posse de presidentes em Washington é um evento doméstico.
LOROTA
Sabendo-se que é falsa a informação do ex-diretor Nestor Cerveró, segundo a qual os conselheiros da Petrobras receberam o contrato de compra da refinaria de Pasadena com 15 dias de antecedência, fica uma pergunta: Qual é a linha que separa a verdade das lorotas dos petrocomissários?
MADAME NATASHA
Madame Natasha zela pela malha do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo aos sábios que redigiram o Plano Diretor Estratégico da prefeitura de São Paulo pelo paragrafo único do seu artigo 178, que diz o seguinte:
"A Zona Rural do Município de São Paulo é multissetorial e multifuncional, comportando a diversidade de atividades integrantes das cadeias produtivas da agricultura e do turismo, incluindo infraestrutura e serviços aelas associados, e exercendo as funções de produção, inclusão social, prestação de serviços e conservação ambiental características da ruralidade contemporânea."
A senhora acredita que eles poderiam ter escrito a mesma coisa a respeito da Lua.
Sem mistificações - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Estado de S.Paulo - 06/04
Quando me empenhei em fazer algumas reformas e modernizar a estrutura produtiva do Brasil, tanto das empresas privadas quanto das estatais, não o fiz movido por caprichos ou por subordinação ideológica. Tratava-se pura e simplesmente de adequar a produção brasileira e o desempenho do governo aos novos tempos (sem discutir se bons ou maus, melhores ou piores do que experiências de tempos passados). Eram, como ainda são, tempos de globalização, impulsionados por novas tecnologias de comunicação e informação, como a internet, e por avanços nos sistemas de transporte, como os contêineres, que permitiram maximizar os fatores produtivos à escala mundial. Daí por diante a produção se espalhou pelo mundo, independentemente do local de origem do capital. Os mecanismos financeiros, por sua vez, englobaram todos os mercados, interligados por computadores.
Nas novas condições mundiais, ou o Brasil se integrava competitiva e, quanto possível, autonomamente aos fluxos produtivos do mercado ou pereceria no isolamento e em desvantagem competitiva, pelo atraso tecnológico e pela ineficiência da máquina pública. As privatizações foram apenas parte do processo modernizador. Tão importante quanto foi a transformação do setor produtivo estatal. O objetivo era transformar as empresas estatais em companhias públicas, submetidas a regras de governança, fora do controle dos interesses político-partidários, capazes de competir e de se beneficiar das dinâmicas do mercado.
A zoeira das oposições, Lula e PT à frente, foi enorme. Acusavam o governo de seguir políticas "neoliberais" e de ser submisso ao "consenso de Washington". A cada leilão para exploração de um campo de petróleo (especialmente daquele onde se veio a descobrir óleo no pré-sal) choviam protestos e mobilizações de "organizações populares", bem como ações na Justiça para paralisar as decisões. Com igual ou maior vigor, as oposições e os setores da sociedade que ainda não se haviam dado conta das transformações por que passava a economia global protestavam contra as concessões de serviço público, como no caso da telefonia, e iam ao desespero quando se tratava de privatizar uma companhia como a Vale do Rio Doce ou as siderúrgicas (que, aliás, foram privatizadas nos governos Sarney e Itamar).
Alegava-se que as empresas eram vendidas na bacia das almas, por preços irrisórios. Na verdade, no caso da telefonia, venderam-se 20% de suas ações, as que garantiam seu controle, por R$ 22 bilhões, preço que superou em mais de 60% o valor mínimo estabelecido. Além disso, a privatização permitiu um grande volume de investimentos nos anos seguintes, sem falar do salto tecnológico e do aumento de produção que as privatizações renderam ao País. Passamos, por exemplo, de 2 milhões de celulares nos anos 1990 a 260 milhões hoje em dia.
Dizia-se que as privatizações reduziriam os empregos, quando houve uma expansão extraordinária deles. Que a Vale estava sendo trocada por nada, quando foi difícil encontrar contendores no leilão porque seu valor, na época, parecia elevado, e se hoje vale bilhões foi porque houve investimento e ação empresarial competente (diga-se de passagem, em impostos hoje a Vale paga muito mais ao governo, por ano, do que pagava em dividendo quando era uma estatal). A Embraer, de quase falida, passou a ser uma das maiores empresas do mundo.
Isso tudo foi paralisado a partir do governo Lula, no afã de manter a pecha sobre o governo anterior de "vendedor do patrimônio nacional" e de neoliberal. Nada de concessões, privatizações nem modernização que cheirasse a globalização. Enquanto os ventos do mundo favoreceram a valorização das commodities agrominerais, graças à China, e houve abundância de dólares, a máquina econômica rodou a todo o vapor e deu a ilusão de que bastaria expandir o crédito, baixar os juros e incentivar o consumo para o PIB crescer e o bem-estar se generalizar. A crise financeira global de 2007/9 ensejou ao governo Lula a oportunidade, bem aproveitada, de fazer políticas anticíclicas, com resultados positivos. Terminados os efeitos mais dramáticos da crise, os governos de Lula e Dilma fizeram uma leitura equivocada: estava dada a licença para enterrar o passado recente dos anos 1990 e aderir sem rebuços ao populismo econômico: mais Estado, mais impostos, menos juros, mais salários, mais consumo e às favas com as concessões e modernizações, às favas com o papel regulador do Estado - pelas agências - em relação ao mercado.
Deu no que deu. O governo Dilma, premido pelas dificuldades de fazer a máquina pública andar e pela sociedade, que exige melhor qualidade dos serviços, redescobriu as concessões (ah, mas não são privatizações, dizem, como se outra coisa tivesse sido feito com as telefônicas...). E as faz mal feitas: pouco dinheiro privado e muito crédito público. Dá-se conta agora de que a retomada das empresas estatais pelos partidos, como se vê na Petrobrás e na Caixa, bem como o uso abusivo do BNDES, deu mau resultado. E ainda houve uma perda bilionária de recursos, criaram-se novos "esqueletos" (dívidas não reconhecidas publicamente) e contabilidades criativas impostas para esconder transferências de recursos não declaradas no Orçamento.
Como deve estar arrependida a presidente Dilma, no caso da Petrobrás, de não se haver desembaraçado do ônus político legado por seu antecessor, que permitiu ao interesse privado e político penetrar a fundo nas empresas estatais...
Apesar de tudo, PT e governo já se estão preparando para enganar o povo na próxima campanha eleitoral fazendo-se de defensores do interesse popular, como se este se confundisse com estatização e hegemonia partidária, e estigmatizando os adversários como representantes das elites e fiadores dos interesses internacionais.
Cabe às oposições desmistificar tanto engodo, tomando à unha o pião dos escândalos da Petrobrás, rechaçando a pecha ideológica de "neoliberal" e reafirmando a urgência de mudar os critérios de governança das estatais.
Quando me empenhei em fazer algumas reformas e modernizar a estrutura produtiva do Brasil, tanto das empresas privadas quanto das estatais, não o fiz movido por caprichos ou por subordinação ideológica. Tratava-se pura e simplesmente de adequar a produção brasileira e o desempenho do governo aos novos tempos (sem discutir se bons ou maus, melhores ou piores do que experiências de tempos passados). Eram, como ainda são, tempos de globalização, impulsionados por novas tecnologias de comunicação e informação, como a internet, e por avanços nos sistemas de transporte, como os contêineres, que permitiram maximizar os fatores produtivos à escala mundial. Daí por diante a produção se espalhou pelo mundo, independentemente do local de origem do capital. Os mecanismos financeiros, por sua vez, englobaram todos os mercados, interligados por computadores.
Nas novas condições mundiais, ou o Brasil se integrava competitiva e, quanto possível, autonomamente aos fluxos produtivos do mercado ou pereceria no isolamento e em desvantagem competitiva, pelo atraso tecnológico e pela ineficiência da máquina pública. As privatizações foram apenas parte do processo modernizador. Tão importante quanto foi a transformação do setor produtivo estatal. O objetivo era transformar as empresas estatais em companhias públicas, submetidas a regras de governança, fora do controle dos interesses político-partidários, capazes de competir e de se beneficiar das dinâmicas do mercado.
A zoeira das oposições, Lula e PT à frente, foi enorme. Acusavam o governo de seguir políticas "neoliberais" e de ser submisso ao "consenso de Washington". A cada leilão para exploração de um campo de petróleo (especialmente daquele onde se veio a descobrir óleo no pré-sal) choviam protestos e mobilizações de "organizações populares", bem como ações na Justiça para paralisar as decisões. Com igual ou maior vigor, as oposições e os setores da sociedade que ainda não se haviam dado conta das transformações por que passava a economia global protestavam contra as concessões de serviço público, como no caso da telefonia, e iam ao desespero quando se tratava de privatizar uma companhia como a Vale do Rio Doce ou as siderúrgicas (que, aliás, foram privatizadas nos governos Sarney e Itamar).
Alegava-se que as empresas eram vendidas na bacia das almas, por preços irrisórios. Na verdade, no caso da telefonia, venderam-se 20% de suas ações, as que garantiam seu controle, por R$ 22 bilhões, preço que superou em mais de 60% o valor mínimo estabelecido. Além disso, a privatização permitiu um grande volume de investimentos nos anos seguintes, sem falar do salto tecnológico e do aumento de produção que as privatizações renderam ao País. Passamos, por exemplo, de 2 milhões de celulares nos anos 1990 a 260 milhões hoje em dia.
Dizia-se que as privatizações reduziriam os empregos, quando houve uma expansão extraordinária deles. Que a Vale estava sendo trocada por nada, quando foi difícil encontrar contendores no leilão porque seu valor, na época, parecia elevado, e se hoje vale bilhões foi porque houve investimento e ação empresarial competente (diga-se de passagem, em impostos hoje a Vale paga muito mais ao governo, por ano, do que pagava em dividendo quando era uma estatal). A Embraer, de quase falida, passou a ser uma das maiores empresas do mundo.
Isso tudo foi paralisado a partir do governo Lula, no afã de manter a pecha sobre o governo anterior de "vendedor do patrimônio nacional" e de neoliberal. Nada de concessões, privatizações nem modernização que cheirasse a globalização. Enquanto os ventos do mundo favoreceram a valorização das commodities agrominerais, graças à China, e houve abundância de dólares, a máquina econômica rodou a todo o vapor e deu a ilusão de que bastaria expandir o crédito, baixar os juros e incentivar o consumo para o PIB crescer e o bem-estar se generalizar. A crise financeira global de 2007/9 ensejou ao governo Lula a oportunidade, bem aproveitada, de fazer políticas anticíclicas, com resultados positivos. Terminados os efeitos mais dramáticos da crise, os governos de Lula e Dilma fizeram uma leitura equivocada: estava dada a licença para enterrar o passado recente dos anos 1990 e aderir sem rebuços ao populismo econômico: mais Estado, mais impostos, menos juros, mais salários, mais consumo e às favas com as concessões e modernizações, às favas com o papel regulador do Estado - pelas agências - em relação ao mercado.
Deu no que deu. O governo Dilma, premido pelas dificuldades de fazer a máquina pública andar e pela sociedade, que exige melhor qualidade dos serviços, redescobriu as concessões (ah, mas não são privatizações, dizem, como se outra coisa tivesse sido feito com as telefônicas...). E as faz mal feitas: pouco dinheiro privado e muito crédito público. Dá-se conta agora de que a retomada das empresas estatais pelos partidos, como se vê na Petrobrás e na Caixa, bem como o uso abusivo do BNDES, deu mau resultado. E ainda houve uma perda bilionária de recursos, criaram-se novos "esqueletos" (dívidas não reconhecidas publicamente) e contabilidades criativas impostas para esconder transferências de recursos não declaradas no Orçamento.
Como deve estar arrependida a presidente Dilma, no caso da Petrobrás, de não se haver desembaraçado do ônus político legado por seu antecessor, que permitiu ao interesse privado e político penetrar a fundo nas empresas estatais...
Apesar de tudo, PT e governo já se estão preparando para enganar o povo na próxima campanha eleitoral fazendo-se de defensores do interesse popular, como se este se confundisse com estatização e hegemonia partidária, e estigmatizando os adversários como representantes das elites e fiadores dos interesses internacionais.
Cabe às oposições desmistificar tanto engodo, tomando à unha o pião dos escândalos da Petrobrás, rechaçando a pecha ideológica de "neoliberal" e reafirmando a urgência de mudar os critérios de governança das estatais.
A pílula dourada de Lula - CLÁUDIO SLAVIERO
GAZETA DO POVO - PR - 06/04
Recentemente, o ex-presidente Lula afirmou em um artigo que o Brasil é o país das oportunidades e que isso incomoda e contraria interesses. É inegável que Lula tem o dom da palavra. É incontestável sua eloquência, sua desenvoltura ao falar e a propriedade que tem de convencer. Lula tem o dom de dourar a pílula para vender seu peixe e usa de artimanhas demagógicas e falaciosas para mostrar um Brasil que não corresponde exatamente à realidade.
Lula afirma que as atenções estão voltadas para mercados emergentes como o Brasil. Lamentavelmente o Brasil não é mais o queridinho das reuniões multilaterais. Hoje, a política econômica brasileira é desastrosa e a externa, errática. Deixamos de ser considerados um país de bom investimento e estamos entre os mais vulneráveis, junto com Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul. Encerrou-se um ciclo e hoje só se fala nos Estados Unidos e na Ásia. As agências de classificação rebaixam o Brasil, em função da combinação da deterioração das contas públicas, perspectiva de crescimento mínimo e piora nas contas externas.
Diz que o PIB cresceu 4,4 vezes, supera US$ 2,2 trilhões e que o comércio externo passou de US$ 108 bilhões para US$ 480 bilhões ao ano. É verdade, mas nem tudo é obra dos dois últimos governos ou do PT. A economia vinha sendo fortalecida desde os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique, com a adoção do Plano Real: moeda forte e inflação controlada. Vamos deixar bem claro que, apesar do mérito dos governos que os antecederam, os governos petistas não consolidaram os fundamentos econômicos do real.
Em 2002, a inflação estava em processo de declínio, caindo de 12,5% para os atuais 5,9%. O problema é que agora, com uma política econômica desastrosa, estamos entre os "frágeis", países onde a inflação é considerada alta, o crescimento econômico é modesto e os desequilíbrios fiscal e externo são acentuados. A taxa de poupança em 2013 foi de míseros 13,9% do PIB. Nesse nível, é impossível pensar em grandes projetos de investimento do país sem contar com recursos externos.
Em 2002, o total da dívida brasileira (interna/externa) era de R$ 851 bilhões. Em 2007, Lula disse uma verdade quando afirmou que pagou a dívida externa. Só que não disse que, para isso, aumentou a dívida interna e o total passou para R$ 1,4 trilhão (em cinco anos a dívida quase dobrou). Em 2010, voltamos a dever externamente R$ 240 bilhões, com a dívida total de R$ 1,9 trilhão. A dívida pública brasileira fechou 2013 em R$ 2,1 trilhões, um recorde, a segunda maior dívida entre os países subdesenvolvidos. É daí que vem o dinheiro que Lula e Dilma gastam no PAC e nas bolsas (família, educação, cultura, para presos, prostitutas etc.) e de onde dizem ter tirado 36 milhões de brasileiros da pobreza. Não é com dinheiro do crescimento, mas com dinheiro de endividamento. A dívida pública já é do tamanho daquilo que o país ganha todos os anos e cresce 2,5 vezes mais rápido que o PIB. Quem vai pagar essa conta?
Lula diz que 42 milhões de brasileiros alcançaram a classe média. Dizer que quem recebe salário a partir de R$ 320 por mês ou renda familiar de R$ 1.540 é considerado de classe média só pode ser deboche. Quanto, então, ganha quem pertence à classe baixa? Como viver, alimentar-se, estudar ou ir ao médico com um salário desses? É um embuste! Serve apenas para dourar índices e dizer que houve melhora no nível de vida das pessoas, que a miséria foi erradicada e que vivemos contentes em nossa pobreza.
É verdade dizer que o país duplicou a safra em 2013, batendo recorde de 189 milhões de toneladas. Só que ele não diz que, na hora de vender essa riqueza, o Brasil fracassa. Sem infraestrutura adequada de portos, estradas, ferrovias e silos para armazenamento, a exportação de um contêiner demora 13 dias e custa US$ 2,2 mil, enquanto em Cingapura leva metade do tempo, por um quarto do valor.
Lula diz que triplicou o orçamento federal para a educação. É de se perguntar: por que, então, a qualidade do ensino continua ruim? A média do Pisa (prova que avalia os estudantes) subiu apenas 9,2% entre 2000 e 2012, e o país ocupa a 57.ª posição entre 65 nações. Ainda é de se perguntar: há um projeto de desenvolvimento científico e tecnológico para o país? Qual é nossa política industrial? Qual é o projeto de futuro?
Ao dizer que o governo ampliou a capacidade de energia elétrica, esquece que a geração não acompanhou o consumo e o sistema elétrico opera no limite. Nos últimos três anos, houve uma média de cinco apagões por mês (o último, em fevereiro deste ano). E os custos gerados pelo uso das termelétricas ultrapassaram R$ 12 bilhões, em conta que os consumidores serão obrigados a pagar a partir de 2015. Aliás, desde 2012 o governo e a Aneel drenaram R$ 32 bilhões para as termelétricas de grupos ligados à família Sarney e a Eike Batista. Deve ser por isso que há oito anos a Aneel retém nas gavetas 640 projetos de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas.
Lula anunciou em 2006 a autossuficiência em petróleo. Desde então, a produção caiu 17%. Em 2013, a Petrobras gastou R$ 16,5 bilhões para importar combustíveis e vem amargando prejuízos para si e para seus investidores. Nos últimos três anos, perdeu 51% de seu valor de mercado e está envolta em denúncias de corrupção. Sem contar com o rombo de quase US$ 1,2 bilhão aos seus cofres na aquisição inexplicável de uma refinaria de petróleo em Pasadena, nos EUA.
Lula diz que vivemos sob uma democracia plena. É de se perguntar: que tipo de democracia? Aquela dos países como Inglaterra, EUA e Alemanha, onde as instituições são respeitadas? Ou aquela bolivariana seguida por Bolívia, Cuba, Argentina e Venezuela, que cala a imprensa, onde o Congresso é uma extensão do Executivo e o Judiciário vive sob ataque e controle?
O Brasil de verdade está muito longe do apregoado por Lula, Dilma e seus fiéis seguidores.
Recentemente, o ex-presidente Lula afirmou em um artigo que o Brasil é o país das oportunidades e que isso incomoda e contraria interesses. É inegável que Lula tem o dom da palavra. É incontestável sua eloquência, sua desenvoltura ao falar e a propriedade que tem de convencer. Lula tem o dom de dourar a pílula para vender seu peixe e usa de artimanhas demagógicas e falaciosas para mostrar um Brasil que não corresponde exatamente à realidade.
Lula afirma que as atenções estão voltadas para mercados emergentes como o Brasil. Lamentavelmente o Brasil não é mais o queridinho das reuniões multilaterais. Hoje, a política econômica brasileira é desastrosa e a externa, errática. Deixamos de ser considerados um país de bom investimento e estamos entre os mais vulneráveis, junto com Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul. Encerrou-se um ciclo e hoje só se fala nos Estados Unidos e na Ásia. As agências de classificação rebaixam o Brasil, em função da combinação da deterioração das contas públicas, perspectiva de crescimento mínimo e piora nas contas externas.
Diz que o PIB cresceu 4,4 vezes, supera US$ 2,2 trilhões e que o comércio externo passou de US$ 108 bilhões para US$ 480 bilhões ao ano. É verdade, mas nem tudo é obra dos dois últimos governos ou do PT. A economia vinha sendo fortalecida desde os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique, com a adoção do Plano Real: moeda forte e inflação controlada. Vamos deixar bem claro que, apesar do mérito dos governos que os antecederam, os governos petistas não consolidaram os fundamentos econômicos do real.
Em 2002, a inflação estava em processo de declínio, caindo de 12,5% para os atuais 5,9%. O problema é que agora, com uma política econômica desastrosa, estamos entre os "frágeis", países onde a inflação é considerada alta, o crescimento econômico é modesto e os desequilíbrios fiscal e externo são acentuados. A taxa de poupança em 2013 foi de míseros 13,9% do PIB. Nesse nível, é impossível pensar em grandes projetos de investimento do país sem contar com recursos externos.
Em 2002, o total da dívida brasileira (interna/externa) era de R$ 851 bilhões. Em 2007, Lula disse uma verdade quando afirmou que pagou a dívida externa. Só que não disse que, para isso, aumentou a dívida interna e o total passou para R$ 1,4 trilhão (em cinco anos a dívida quase dobrou). Em 2010, voltamos a dever externamente R$ 240 bilhões, com a dívida total de R$ 1,9 trilhão. A dívida pública brasileira fechou 2013 em R$ 2,1 trilhões, um recorde, a segunda maior dívida entre os países subdesenvolvidos. É daí que vem o dinheiro que Lula e Dilma gastam no PAC e nas bolsas (família, educação, cultura, para presos, prostitutas etc.) e de onde dizem ter tirado 36 milhões de brasileiros da pobreza. Não é com dinheiro do crescimento, mas com dinheiro de endividamento. A dívida pública já é do tamanho daquilo que o país ganha todos os anos e cresce 2,5 vezes mais rápido que o PIB. Quem vai pagar essa conta?
Lula diz que 42 milhões de brasileiros alcançaram a classe média. Dizer que quem recebe salário a partir de R$ 320 por mês ou renda familiar de R$ 1.540 é considerado de classe média só pode ser deboche. Quanto, então, ganha quem pertence à classe baixa? Como viver, alimentar-se, estudar ou ir ao médico com um salário desses? É um embuste! Serve apenas para dourar índices e dizer que houve melhora no nível de vida das pessoas, que a miséria foi erradicada e que vivemos contentes em nossa pobreza.
É verdade dizer que o país duplicou a safra em 2013, batendo recorde de 189 milhões de toneladas. Só que ele não diz que, na hora de vender essa riqueza, o Brasil fracassa. Sem infraestrutura adequada de portos, estradas, ferrovias e silos para armazenamento, a exportação de um contêiner demora 13 dias e custa US$ 2,2 mil, enquanto em Cingapura leva metade do tempo, por um quarto do valor.
Lula diz que triplicou o orçamento federal para a educação. É de se perguntar: por que, então, a qualidade do ensino continua ruim? A média do Pisa (prova que avalia os estudantes) subiu apenas 9,2% entre 2000 e 2012, e o país ocupa a 57.ª posição entre 65 nações. Ainda é de se perguntar: há um projeto de desenvolvimento científico e tecnológico para o país? Qual é nossa política industrial? Qual é o projeto de futuro?
Ao dizer que o governo ampliou a capacidade de energia elétrica, esquece que a geração não acompanhou o consumo e o sistema elétrico opera no limite. Nos últimos três anos, houve uma média de cinco apagões por mês (o último, em fevereiro deste ano). E os custos gerados pelo uso das termelétricas ultrapassaram R$ 12 bilhões, em conta que os consumidores serão obrigados a pagar a partir de 2015. Aliás, desde 2012 o governo e a Aneel drenaram R$ 32 bilhões para as termelétricas de grupos ligados à família Sarney e a Eike Batista. Deve ser por isso que há oito anos a Aneel retém nas gavetas 640 projetos de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas.
Lula anunciou em 2006 a autossuficiência em petróleo. Desde então, a produção caiu 17%. Em 2013, a Petrobras gastou R$ 16,5 bilhões para importar combustíveis e vem amargando prejuízos para si e para seus investidores. Nos últimos três anos, perdeu 51% de seu valor de mercado e está envolta em denúncias de corrupção. Sem contar com o rombo de quase US$ 1,2 bilhão aos seus cofres na aquisição inexplicável de uma refinaria de petróleo em Pasadena, nos EUA.
Lula diz que vivemos sob uma democracia plena. É de se perguntar: que tipo de democracia? Aquela dos países como Inglaterra, EUA e Alemanha, onde as instituições são respeitadas? Ou aquela bolivariana seguida por Bolívia, Cuba, Argentina e Venezuela, que cala a imprensa, onde o Congresso é uma extensão do Executivo e o Judiciário vive sob ataque e controle?
O Brasil de verdade está muito longe do apregoado por Lula, Dilma e seus fiéis seguidores.
Qual mudança? - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 06/04
O problema tanto para Dilma quanto para os candidatos oposicionistas Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB, é que, no momento, por paradoxal que pareça, o símbolo da mudança por que tanto anseiam os brasileiros é o ex-presidente Lula, que aparece em dois dos cenários da pesquisa Datafolha como o grande vencedor, com variação de apoio entre 48% a 52%, mesmo caindo quatro pontos nos dois cenários. Lula, com 19%, é também o candidato com menor índice de rejeição, enquanto Dilma, Aécio e Campos estão, todos, na mesma faixa de 33%.
O problema específico de Eduardo Campos é que a senadora Marina Silva, às vésperas de ser anunciada como sua vice, surge novamente como a única capaz de levar, a esta altura, a disputa para o segundo turno, com 27% da preferência do eleitorado.
A presidente Dilma está perdendo a eleição, por enquanto, para si mesma. A possibilidade de vencer no primeiro turno, ainda mantida, está se reduzindo: a diferença para o conjunto de seus adversários, que na pesquisa anterior do Datafolha estava em 14 pontos, hoje caiu para 6 pontos, sem que os adversários tenham crescido consistentemente.
O candidato do PSDB, Aécio Neves, ficou parado, Eduardo Campos, do PSB, cresceu apenas um ponto, e o conjunto dos candidatos nanicos subiu um ponto. Se por um lado a tendência de estagnação dos candidatos mais fortes mostra que o eleitorado ainda não encontrou neles a alternativa que busca para substituir Dilma, por outro a pesquisa Datafolha confirma uma tendência de queda na popularidade da presidente Dilma e na avaliação de seu governo, que é perigosa a seis meses da eleição, sem que haja notícia boa para a presidente no horizonte.
Ao contrário, Dilma tem uma série de problemas pela frente, desde a aceleração da inflação, já percebida pela população, à possibilidade de racionamento de energia, até questões imprevisíveis como as manifestações na Copa do Mundo. A expectativa negativa em relação à inflação cresceu 20 pontos percentuais em 12 meses, sendo que hoje 65% dos consultados acham que a inflação vai aumentar.
A sensação de insatisfação é revelada em uma série impressionante de indicadores, como já acontecera na pesquisa anterior do Ibope, que mostrou queda no nível de avaliação do governo em todas as áreas pesquisadas, da Saúde à Segurança Pública, atingindo até mesmo o emprego, que no momento tem um nível oficial positivo recorde.
Na pesquisa do Datafolha, o medo do desemprego também subiu 14 pontos. Nada menos que 72% querem que o próximo presidente atue de maneira diferente de Dilma, e a frustração com sua administração está refletida no índice de 63% dos brasileiros que dizem que Dilma faz, pelo país, menos do que eles esperavam, aumentando em cerca de 80% o índice de um ano atrás.
O resultado, de certa maneira, representa um alívio para o candidato tucano Aécio Neves, que temia que, tendo a pesquisa sido feita durante o período em que estava na televisão a propaganda eleitoral do PSB de Eduardo Campos, o ex-governador de Pernambuco pudesse abrir uma vantagem.
Como isso não aconteceu, e Aécio permaneceu no mesmo patamar da última pesquisa, o tucano continua sendo o adversário mais próximo de Dilma, embora seja também, até agora, o candidato tucano com menor índice nas pesquisas de opinião no mês de abril anterior às eleições. A propaganda oficial do PSDB começa nesta segunda-feira, e o partido espera alavancar sua candidatura com o programa nacional na televisão.
Eduardo Campos continua sendo o menos conhecido dos candidatos, o que faz com que permaneça no horizonte a esperança de melhorar de posição à medida do desenvolvimento da campanha.
O problema maior está mesmo com Dilma Rousseff, que terá de lidar com o aumento da campanha pela volta de Lula dentro do PT.
O petês e o tucanês - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 06/04
A campanha era a de 1985, aquela em que Jânio Quadros ganhou de Fernando Henrique, depois de este se ter sentado na cadeira de prefeito de São Paulo antes de terminada a apuração dos votos. Para um dos raros comícios na periferia - Jânio, ao lado da esposa, Eloá, preferia verberar contra bandidos e sonegadores em despojado programa eleitoral de TV - levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que assim concluiu sua peroração palanqueira: "A grande causa do processo inflacionário é o déficit orçamentário". Após a fala, Jânio puxou Delfim de lado e cochichou: "Olhe para a cara daquele sujeito ali. O que você acha que ele entendeu de seu discurso? Ele não sabe o que é processo, não sabe o que é inflacionário, não sabe o que déficit e não tem a menor ideia do que seja orçamentário. Da próxima vez, diga assim: a causa da carestia é a roubalheira do governo".
O guru da economia, a quem todos hoje recorrem para explicar os sobressaltos que deixam interrogações no ar, passou a reservar seu economês para plateias mais acessíveis ao vocabulário de questões complexas.
O estilo Jânio marcou a história da expressão e do comportamento dos atores políticos. Ele foi o ícone da irreverência. Ponderável parcela da admiração que angariou em todas as faixas da população se deve ao "modo janista de ser", do qual se extraía um conjunto de valores, entre os quais o da autoridade. Jânio forjou uma linguagem política, composta pela imagem histriônica e adornada com trejeitos, olhares esbugalhados, roupas mal ajambradas, compassos e pausas que imprimiam força à fonética esganiçada de construções exóticas. Semântica e estética juntavam-se em apelativa performance que, aos olhos e ouvidos dos espectadores, chamava a atenção. Pois bem, puxando a linguagem janista para a atualidade, podemos concluir que petistas e tucanos também desenvolveram seu jeito de ser no campo da verbalização, o que explica a maior ou menor penetração e/ou rejeição de uns e outros na esfera dos conjuntos sociais.
O dicionário do PT tem um autor, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo que se pode designar como petês, o dialeto que ecoa bem no ouvido das massas. Já o PSDB criou uma enciclopédia, pontuada pelos dons sociológicos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recitada por uma plêiade de especialistas, entre os quais economistas de alto coturno. Nela grupos esclarecidos da população têm acesso às mais interrogativas questões da conjuntura.
Por que vale a pena discorrer sobre as linguagens dos principais contendores do pleito deste ano? Pelo que representam no fatiamento eleitoral. Os modos tucano e petista de ser abrem a pista por onde decolarão os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff. Cada qual usará o arcabouço de uma expressão elaborada ao longo de décadas e, hoje, responsável por projetar a imagem pública de seus partidos e integrantes. De pronto, convém observar: o principal desafio do PSDB é fazer chegar sua palavra aos habitantes da base da pirâmide social; em contraponto, o desafio do PT é convencer estratos médios sobre a propriedade de um falatório que, a par do tom popularesco, contém laivos (mesmo que atenuados) de luta de classes, pobres contra ricos.
Dentro de sua gramática, Lula embute o ideário petista. Diferente de Jânio (que foi professor de Português), Lula não capricha na sintaxe, preferindo mergulhar num oceano de analogias, comparações, causos, historinhas, platitudes e metáforas que, em sua voz rouca, soam como a "voz do povo". O que explica o fato de o "jeitão Lula de ser" não parecer demagógico? A legitimidade. Luiz Inácio saiu dos fundões para alçar ao patamar mais alto da política. Retirante nordestino, transformou-se em símbolo maior da dinâmica social no País. Suas tiradas podem ser toscas para certos ouvidos, mas as galeras das arquibancadas as aplaudem: "Já tomei tanta chibatada nesta vida que minhas costas estão mais grossas que casco de tartaruga. Não sejam apressados: uma jabuticabeira leva tempo pra dar jabuticaba, uma mulher demora nove meses para dar à luz. No Brasil, alguns comiam a massa e o chantili do bolo, mas, para a grande população, ficava aquele chumbinho de enfeite que colocam em cima do bolo". O verbo pouco refinado frequentou até reuniões como a do G-20: "Você não faz negociação com o pé na parede, na base do dá ou desce, existe uma negociação". Lula sabe que a lâmina de suas estocadas causa impacto.
Essa é a arma petista que o arsenal tucanês deverá enfrentar. Aécio Neves ou Eduardo Campos (que ainda não compôs um dicionário próprio) terão de fazer chegar ao povão matérias complexas como a crise na Petrobrás e conceitos como recuperação da capacidade de investimento, déficit fiscal, alavancagem da infraestrutura técnica, etc. Campos, por exemplo, sabe que se disser aos compatriotas que o Nordeste sofre de "desconforto hídrico temporário" (seca braba) acabará o discurso sob apupos. Neves carecerá mais que de boas aulas de experts tucanos para desvendar engrenagens como "redução compulsória do consumo de energia elétrica" (corte de energia), "retracionismo na empregabilidade" (desemprego) ou "compensação pecuniária às distribuidoras pelo déficit que enfrentam devido ao racionamento" (aumento de tarifas de energia).
E a presidente Dilma? Ora, ela se agasalha no abecedário lulista. Perfil técnico, não fica bem para ela desfiar o petês do guru. Basta a lábia dele para adoçar o coração das bordas sociais. O comando petista intuiu que os ditos usados e abusados por Lula condizem com ethos das massas, estabelecendo fronteiras com a "verbosidade" dos integrantes dos andares superiores. A guerra política do PT, portanto, se valerá da expressão das ruas para laçar a simpatia popular.
Como se pode constatar, veremos contundente disputa entre dois estilos, dois modos de descrever a realidade. Numa esquina a turba grita: "A porca torce o rabo". Na outra se ouve um grupo que prefere assim dizer: "A esposa do suíno contorce o tendão caudal".
A campanha era a de 1985, aquela em que Jânio Quadros ganhou de Fernando Henrique, depois de este se ter sentado na cadeira de prefeito de São Paulo antes de terminada a apuração dos votos. Para um dos raros comícios na periferia - Jânio, ao lado da esposa, Eloá, preferia verberar contra bandidos e sonegadores em despojado programa eleitoral de TV - levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que assim concluiu sua peroração palanqueira: "A grande causa do processo inflacionário é o déficit orçamentário". Após a fala, Jânio puxou Delfim de lado e cochichou: "Olhe para a cara daquele sujeito ali. O que você acha que ele entendeu de seu discurso? Ele não sabe o que é processo, não sabe o que é inflacionário, não sabe o que déficit e não tem a menor ideia do que seja orçamentário. Da próxima vez, diga assim: a causa da carestia é a roubalheira do governo".
O guru da economia, a quem todos hoje recorrem para explicar os sobressaltos que deixam interrogações no ar, passou a reservar seu economês para plateias mais acessíveis ao vocabulário de questões complexas.
O estilo Jânio marcou a história da expressão e do comportamento dos atores políticos. Ele foi o ícone da irreverência. Ponderável parcela da admiração que angariou em todas as faixas da população se deve ao "modo janista de ser", do qual se extraía um conjunto de valores, entre os quais o da autoridade. Jânio forjou uma linguagem política, composta pela imagem histriônica e adornada com trejeitos, olhares esbugalhados, roupas mal ajambradas, compassos e pausas que imprimiam força à fonética esganiçada de construções exóticas. Semântica e estética juntavam-se em apelativa performance que, aos olhos e ouvidos dos espectadores, chamava a atenção. Pois bem, puxando a linguagem janista para a atualidade, podemos concluir que petistas e tucanos também desenvolveram seu jeito de ser no campo da verbalização, o que explica a maior ou menor penetração e/ou rejeição de uns e outros na esfera dos conjuntos sociais.
O dicionário do PT tem um autor, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo que se pode designar como petês, o dialeto que ecoa bem no ouvido das massas. Já o PSDB criou uma enciclopédia, pontuada pelos dons sociológicos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recitada por uma plêiade de especialistas, entre os quais economistas de alto coturno. Nela grupos esclarecidos da população têm acesso às mais interrogativas questões da conjuntura.
Por que vale a pena discorrer sobre as linguagens dos principais contendores do pleito deste ano? Pelo que representam no fatiamento eleitoral. Os modos tucano e petista de ser abrem a pista por onde decolarão os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff. Cada qual usará o arcabouço de uma expressão elaborada ao longo de décadas e, hoje, responsável por projetar a imagem pública de seus partidos e integrantes. De pronto, convém observar: o principal desafio do PSDB é fazer chegar sua palavra aos habitantes da base da pirâmide social; em contraponto, o desafio do PT é convencer estratos médios sobre a propriedade de um falatório que, a par do tom popularesco, contém laivos (mesmo que atenuados) de luta de classes, pobres contra ricos.
Dentro de sua gramática, Lula embute o ideário petista. Diferente de Jânio (que foi professor de Português), Lula não capricha na sintaxe, preferindo mergulhar num oceano de analogias, comparações, causos, historinhas, platitudes e metáforas que, em sua voz rouca, soam como a "voz do povo". O que explica o fato de o "jeitão Lula de ser" não parecer demagógico? A legitimidade. Luiz Inácio saiu dos fundões para alçar ao patamar mais alto da política. Retirante nordestino, transformou-se em símbolo maior da dinâmica social no País. Suas tiradas podem ser toscas para certos ouvidos, mas as galeras das arquibancadas as aplaudem: "Já tomei tanta chibatada nesta vida que minhas costas estão mais grossas que casco de tartaruga. Não sejam apressados: uma jabuticabeira leva tempo pra dar jabuticaba, uma mulher demora nove meses para dar à luz. No Brasil, alguns comiam a massa e o chantili do bolo, mas, para a grande população, ficava aquele chumbinho de enfeite que colocam em cima do bolo". O verbo pouco refinado frequentou até reuniões como a do G-20: "Você não faz negociação com o pé na parede, na base do dá ou desce, existe uma negociação". Lula sabe que a lâmina de suas estocadas causa impacto.
Essa é a arma petista que o arsenal tucanês deverá enfrentar. Aécio Neves ou Eduardo Campos (que ainda não compôs um dicionário próprio) terão de fazer chegar ao povão matérias complexas como a crise na Petrobrás e conceitos como recuperação da capacidade de investimento, déficit fiscal, alavancagem da infraestrutura técnica, etc. Campos, por exemplo, sabe que se disser aos compatriotas que o Nordeste sofre de "desconforto hídrico temporário" (seca braba) acabará o discurso sob apupos. Neves carecerá mais que de boas aulas de experts tucanos para desvendar engrenagens como "redução compulsória do consumo de energia elétrica" (corte de energia), "retracionismo na empregabilidade" (desemprego) ou "compensação pecuniária às distribuidoras pelo déficit que enfrentam devido ao racionamento" (aumento de tarifas de energia).
E a presidente Dilma? Ora, ela se agasalha no abecedário lulista. Perfil técnico, não fica bem para ela desfiar o petês do guru. Basta a lábia dele para adoçar o coração das bordas sociais. O comando petista intuiu que os ditos usados e abusados por Lula condizem com ethos das massas, estabelecendo fronteiras com a "verbosidade" dos integrantes dos andares superiores. A guerra política do PT, portanto, se valerá da expressão das ruas para laçar a simpatia popular.
Como se pode constatar, veremos contundente disputa entre dois estilos, dois modos de descrever a realidade. Numa esquina a turba grita: "A porca torce o rabo". Na outra se ouve um grupo que prefere assim dizer: "A esposa do suíno contorce o tendão caudal".
Responsabilidade individual - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 06/04
Seria ótimo que a certeza tão enfática a respeito da responsabilidade do estuprador também fosse ressaltada no caso de outros crimes, especialmente o roubo e o assalto
Em uma de suas maiores falhas no passado recente (e que já custou a cabeça de pelo menos um diretor), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, divulgou, no fim do mês passado, pesquisa segundo a qual 65% dos brasileiros culpariam – pelo menos parcialmente – a mulher pela violência de que é vítima, ao concordar com a frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Na sexta-feira, o instituto reconheceu o erro e corrigiu o dado: o porcentual dos que concordavam totalmente era de 13,2%; os que concordavam parcialmente eram 12,8%. Outros números foram mantidos. Diante da afirmação “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”, 35,3% concordaram totalmente e 23,2% concordaram parcialmente. Mesmo os dados corretos não deixam de ser preocupantes, apesar de outras questões do mesmo estudo mostrarem uma tolerância menor à violência, e outras pesquisas, especialmente a feita por Antônio Carlos Almeida no livro A Cabeça do Brasileiro, indicarem que a população costuma aceitar que estupradores sofram castigos severos na prisão, incluindo a violação sexual. Essa aparente rejeição ao estupro, no entanto, não anula o fato de que os números do Ipea, mesmo corrigidos, são abomináveis – não é pouco que um quarto da população ache que há mulheres praticamente pedindo para ser violentadas.
Sob o impacto dos dados divulgados inicialmente, a reação da sociedade foi imediata. Na ação que contou com maior publicidade, famosas e anônimas posaram para fotos com a frase “eu não mereço ser estuprada”. Erros crassos do Ipea à parte, a indignação feminina – e masculina também, pois não foram poucos os homens que mostraram sua revolta com a tolerância à violência contra a mulher – é admirável, entre outros aspectos, por recordar uma verdade que costuma ser esquecida com certa frequência.
De quem é a culpa por um estupro? A culpa é sempre do estuprador, verdade reforçada insistentemente. Nada, absolutamente nada justifica um ato de agressão contra uma mulher. Infelizmente vivemos em uma sociedade hipersexualizada, em que a mulher é constantemente reduzida a objeto – a pornografia e as letras do funk estão aí para deixar bem clara a coisificação da mulher; ainda assim, nem mesmo o fato de haver mulheres que prestigiam esse tipo de produto cultural serve de desculpa para uma violência. Culpar a vítima é agredi-la uma segunda vez.
Seria ótimo que essa certeza tão enfática a respeito da responsabilidade do agressor também fosse ressaltada no caso de outros crimes, especialmente o roubo e o assalto. Muitos intelectuais, principalmente ligados à esquerda, são rápidos para encontrar todo tipo de desculpa que tire das costas do ladrão ou assaltante a responsabilidade pelo que fez. A culpa seria da pobreza, que empurra as pessoas para o crime; ou responsabiliza-se diretamente a vítima, que “ostentou” riqueza em uma sociedade miserável. Dois textos em especial são os manifestos dessa mentalidade. O artigo “Pensamentos de um ‘correria’”, que o rapper Ferréz publicou em 2007 na Folha de S.Paulo, é a reação à indignação do apresentador Luciano Huck, que teve seu relógio Rolex roubado em São Paulo. No texto, o rapper diz que, no fim, “todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio”, um “rolo justo pra ambas as partes”. E em 2012, durante uma onda de arrastões em restaurantes paulistanos, o jornalista e doutor em Ciência Política Leonardo Sakamoto defendeu, em seu blog, que “ostentação em um país desigual como o nosso deveria ser considerado crime pela comissão de juristas que está reformando o Código Penal”.
Está mais que óbvio que há um duplo padrão aqui. Quem enfatiza – corretamente – a responsabilidade individual do estuprador não pode isentar o ladrão, o assaltante e até mesmo o assassino em nome de questões de classe social. O entorno tem, sim, sua influência sobre as ações humanas (e por “entorno” não falamos apenas de condições externas, mas também da própria formação moral que cada um recebe). Isso vale tanto para a desigualdade social quanto para a ideia de que a mulher não passa de objeto sexual – e é importantíssimo que a sociedade lute para reverter esse entorno. Mas a decisão final – puxar um gatilho, assaltar um transeunte, violentar uma mulher – é sempre do indivíduo. Recordar essa verdade é um dos méritos da indignação popular contra o estupro. Admitir que todo crime é resultado de uma decisão individual e que nenhuma vítima deve ser responsabilizada pela violência é uma questão não só de coerência, mas de profundo respeito pela liberdade do ser humano.
Esquemas ardilosos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 06/04
A polêmica decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, de transferir para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa a responsabilidade de decidir sobre a ampliação das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás proposta pelo PT, é uma manobra claramente procrastinatória destinada, com o incentivo do Palácio do Planalto, a diluir o impacto do escândalo da Refinaria de Pasadena, que, graças às trapalhadas de Dilma Rousseff, acabou criando riscos para o projeto petista de perpetuação no poder. Trata-se de mais uma chicana política dentre as muitas do amplo repertório de que o notório presidente do Senado se vale para levar vantagem em barganhas com o Executivo.
Há nesse episódio, porém, algo muito mais grave do que a cumplicidade de Renan Calheiros com o Palácio do Planalto para transformar em pizza as investigações parlamentares sobre a Petrobrás. É a constatação de que o presidente da Câmara Alta não hesita, por um lado, em desmoralizar o instituto da CPI, poderoso instrumento de que os congressistas - em especial a minoria - dispõem para cumprir com eficiência sua missão constitucional de fiscalizar o Poder Executivo. E, por outro lado, Renan submete mais uma vez a Casa a que preside ao vexatório exercício de se prostrar diante do Executivo.
Existe ainda nessa tramoia uma terceira e mais grave ameaça às instituições democráticas. Se de acordo com a esdrúxula interpretação de Renan Calheiros de que uma CPI sirva para tudo, menos para investigar a fundo assuntos que incomodam um governo que disponha de base parlamentar majoritária, está aberto o caminho para que seja vedado à minoria o direito - mais do que isso, a obrigação constitucional - de controlar os eventuais excessos da maioria e dos outros Poderes. Um direito e uma obrigação, aliás, que são garantidos à minoria pela Carta Magna quando estabelece que uma CPI pode ser convocada por apenas um terço dos senadores ou deputados federais, em suas Casas ou no Congresso Nacional. Há também no texto constitucional, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), outras salvaguardas a esse direito da minoria.
Coadjuvantes da farsa, parlamentares governistas tentam, com argumentos falaciosos, criar confusão em torno do objetivo da CPI da Petrobrás, que, de acordo com a lei, deve ser a investigação de "fato determinado". No caso, a controvertida compra da Refinaria de Pasadena, no Texas. "Já que vamos investigar a Petrobrás, por que não investigar também outros casos suspeitos?", pergunta o senador petista Humberto Costa (PE). "Desejamos apenas ampliar o debate", tergiversa Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Ora, se o PT quer exercer o legítimo direito de investigar as denúncias de corrupção no Metrô ou eventuais irregularidades no porto pernambucano de Suape, dispõe de maioria mais do que suficiente no Senado e na Câmara para criar uma CPI para cada um desses "fatos determinados". Quem é que poderia se opor a isso? Mas transformar a investigação sobre a Petrobrás num "combo" é um deboche que só pode desmoralizar o Congresso.
Além da proposta de CPI da Petrobrás apresentada pela oposição no Senado, à qual o PT adicionou a possibilidade de ampliar a investigação para abranger os casos de São Paulo e Pernambuco, e que nessa condição será avaliada pela CCJ a pedido de Calheiros, há ainda mais duas propostas, apresentadas na Câmara, uma pelos governistas e outra pela oposição, de formação de comissões mistas de senadores e deputados, dedicadas também à Petrobrás.
Em resumo: já que o escândalo que paira sobre a maior empresa brasileira não sai das manchetes, armam-se esquemas ardilosos para dar à opinião pública a impressão de que a base governista desenvolve corajoso combate à corrupção, estando, no entanto, tudo armado para que qualquer CPI que venha a se instalar para investigar a Petrobrás termine em pizza. E o pior é que esse atentado à integridade institucional do Parlamento não está sendo perpetrado pelo Executivo - que apenas o inspira. Sujam suas mãos membros do Poder cujas prerrogativas democráticas deveriam proteger.
A polêmica decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, de transferir para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa a responsabilidade de decidir sobre a ampliação das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás proposta pelo PT, é uma manobra claramente procrastinatória destinada, com o incentivo do Palácio do Planalto, a diluir o impacto do escândalo da Refinaria de Pasadena, que, graças às trapalhadas de Dilma Rousseff, acabou criando riscos para o projeto petista de perpetuação no poder. Trata-se de mais uma chicana política dentre as muitas do amplo repertório de que o notório presidente do Senado se vale para levar vantagem em barganhas com o Executivo.
Há nesse episódio, porém, algo muito mais grave do que a cumplicidade de Renan Calheiros com o Palácio do Planalto para transformar em pizza as investigações parlamentares sobre a Petrobrás. É a constatação de que o presidente da Câmara Alta não hesita, por um lado, em desmoralizar o instituto da CPI, poderoso instrumento de que os congressistas - em especial a minoria - dispõem para cumprir com eficiência sua missão constitucional de fiscalizar o Poder Executivo. E, por outro lado, Renan submete mais uma vez a Casa a que preside ao vexatório exercício de se prostrar diante do Executivo.
Existe ainda nessa tramoia uma terceira e mais grave ameaça às instituições democráticas. Se de acordo com a esdrúxula interpretação de Renan Calheiros de que uma CPI sirva para tudo, menos para investigar a fundo assuntos que incomodam um governo que disponha de base parlamentar majoritária, está aberto o caminho para que seja vedado à minoria o direito - mais do que isso, a obrigação constitucional - de controlar os eventuais excessos da maioria e dos outros Poderes. Um direito e uma obrigação, aliás, que são garantidos à minoria pela Carta Magna quando estabelece que uma CPI pode ser convocada por apenas um terço dos senadores ou deputados federais, em suas Casas ou no Congresso Nacional. Há também no texto constitucional, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), outras salvaguardas a esse direito da minoria.
Coadjuvantes da farsa, parlamentares governistas tentam, com argumentos falaciosos, criar confusão em torno do objetivo da CPI da Petrobrás, que, de acordo com a lei, deve ser a investigação de "fato determinado". No caso, a controvertida compra da Refinaria de Pasadena, no Texas. "Já que vamos investigar a Petrobrás, por que não investigar também outros casos suspeitos?", pergunta o senador petista Humberto Costa (PE). "Desejamos apenas ampliar o debate", tergiversa Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Ora, se o PT quer exercer o legítimo direito de investigar as denúncias de corrupção no Metrô ou eventuais irregularidades no porto pernambucano de Suape, dispõe de maioria mais do que suficiente no Senado e na Câmara para criar uma CPI para cada um desses "fatos determinados". Quem é que poderia se opor a isso? Mas transformar a investigação sobre a Petrobrás num "combo" é um deboche que só pode desmoralizar o Congresso.
Além da proposta de CPI da Petrobrás apresentada pela oposição no Senado, à qual o PT adicionou a possibilidade de ampliar a investigação para abranger os casos de São Paulo e Pernambuco, e que nessa condição será avaliada pela CCJ a pedido de Calheiros, há ainda mais duas propostas, apresentadas na Câmara, uma pelos governistas e outra pela oposição, de formação de comissões mistas de senadores e deputados, dedicadas também à Petrobrás.
Em resumo: já que o escândalo que paira sobre a maior empresa brasileira não sai das manchetes, armam-se esquemas ardilosos para dar à opinião pública a impressão de que a base governista desenvolve corajoso combate à corrupção, estando, no entanto, tudo armado para que qualquer CPI que venha a se instalar para investigar a Petrobrás termine em pizza. E o pior é que esse atentado à integridade institucional do Parlamento não está sendo perpetrado pelo Executivo - que apenas o inspira. Sujam suas mãos membros do Poder cujas prerrogativas democráticas deveriam proteger.
É essencial voltar a exportar mais - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 06/04
No primeiro trimestre deste ano o país teve um déficit da ordem de US$ 6 bilhões na balança comercial, contrariando as expectativas de recuperação
As exportações brasileiras diminuíram no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, que também não foi brilhante. Mesmo com um pequeno recuo nas importações, o resultado da balança comercial nos primeiros três de meses de 2014 foi um déficit da ordem de US$ 6 bilhões. A recuperação esperada não se concretizou, pois houve queda expressiva nas vendas de manufaturados e semimanufaturados para o exterior, exatamente os itens que incorporam mais valores à economia brasileira, pois envolvem extensas cadeias produtivas.
Os números frustrantes das exportações de manufaturados, especialmente, são atribuídos aos problemas enfrentados pela Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil. O aumento mais expressivo na produção de petróleo, que se traduzirá em novas exportações, igualmente não se concretizou no primeiro trimestre.
Houve um salto fantástico nas exportações brasileiras a partir de 1999, saindo de um patamar de US$ 65 bilhões para cerca de US$ 250 bilhões anuais. Nos dois últimos anos, porém, as exportações estagnaram, embora o Brasil tenha mantido posições de liderança em diversos produtos, como minério de ferro, soja, café, açúcar, carnes. A capacidade de produção de veículos e de celulose, dois itens que contribuem significativamente para o resultado da balança comercial, se expandiu, com a ampliação e inauguração de fábricas.
O câmbio se tornou bem favorável às exportações nesse período de dois anos. Alguns avanços ocorreram na logística e a burocracia até diminuiu um pouco nos portos.
Então o que está se passando com as exportações deveria ser objeto de mais reflexão. Mesmo com a crise financeira internacional não superada, o mundo não parou de se mexer no comércio exterior, mas o Brasil manteve uma postura estática, muito em função das alianças políticas que acabaram engessando a estratégia comercial do país. Veja-se o caso do comércio com os Estados Unidos e a Europa.
O Brasil depende fundamentalmente de saldos na balança comercial para fechar suas contas externas de maneira equilibrada. Sem saldo na balança comercial, o déficit em transações correntes continuará aumentando, e para cobri-lo o país dependerá de um fluxo positivo de investimentos diretos e de financiamentos. Qualquer retração nesse fluxo financeiro provocaria uma depreciação considerável no câmbio, com risco de provocar mais inflação e até uma recessão.
Desse modo, não há como ser leniente em relação à trajetória das exportações, pois é por essa via que se pode melhorar os resultados da balança comercial, e não como era feito no passado, com barreiras e até a proibição de importações.
No primeiro trimestre deste ano o país teve um déficit da ordem de US$ 6 bilhões na balança comercial, contrariando as expectativas de recuperação
As exportações brasileiras diminuíram no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, que também não foi brilhante. Mesmo com um pequeno recuo nas importações, o resultado da balança comercial nos primeiros três de meses de 2014 foi um déficit da ordem de US$ 6 bilhões. A recuperação esperada não se concretizou, pois houve queda expressiva nas vendas de manufaturados e semimanufaturados para o exterior, exatamente os itens que incorporam mais valores à economia brasileira, pois envolvem extensas cadeias produtivas.
Os números frustrantes das exportações de manufaturados, especialmente, são atribuídos aos problemas enfrentados pela Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil. O aumento mais expressivo na produção de petróleo, que se traduzirá em novas exportações, igualmente não se concretizou no primeiro trimestre.
Houve um salto fantástico nas exportações brasileiras a partir de 1999, saindo de um patamar de US$ 65 bilhões para cerca de US$ 250 bilhões anuais. Nos dois últimos anos, porém, as exportações estagnaram, embora o Brasil tenha mantido posições de liderança em diversos produtos, como minério de ferro, soja, café, açúcar, carnes. A capacidade de produção de veículos e de celulose, dois itens que contribuem significativamente para o resultado da balança comercial, se expandiu, com a ampliação e inauguração de fábricas.
O câmbio se tornou bem favorável às exportações nesse período de dois anos. Alguns avanços ocorreram na logística e a burocracia até diminuiu um pouco nos portos.
Então o que está se passando com as exportações deveria ser objeto de mais reflexão. Mesmo com a crise financeira internacional não superada, o mundo não parou de se mexer no comércio exterior, mas o Brasil manteve uma postura estática, muito em função das alianças políticas que acabaram engessando a estratégia comercial do país. Veja-se o caso do comércio com os Estados Unidos e a Europa.
O Brasil depende fundamentalmente de saldos na balança comercial para fechar suas contas externas de maneira equilibrada. Sem saldo na balança comercial, o déficit em transações correntes continuará aumentando, e para cobri-lo o país dependerá de um fluxo positivo de investimentos diretos e de financiamentos. Qualquer retração nesse fluxo financeiro provocaria uma depreciação considerável no câmbio, com risco de provocar mais inflação e até uma recessão.
Desse modo, não há como ser leniente em relação à trajetória das exportações, pois é por essa via que se pode melhorar os resultados da balança comercial, e não como era feito no passado, com barreiras e até a proibição de importações.
Incerteza crescente - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 06/04
Pesquisa Datafolha aponta perda de prestígio da presidente Dilma Rousseff e indica cenário eleitoral cada vez mais indefinido
O prestígio da presidente Dilma Rousseff degradou-se de modo relevante entre fevereiro e o início deste mês, indica pesquisa Datafolha. A avaliação do governo está em baixa, menos eleitores pretendem votar na pré-candidata petista e houve deterioração considerável das expectativas econômicas.
Ainda assim, a presidente venceria a eleição no primeiro turno em uma disputa com os atuais pré-candidatos, os quais não se beneficiaram do desgaste do governo.
Decerto Dilma teria menos votos que seu padrinho, o ex-presidente Lula; teria de enfrentar um segundo turno caso Marina Silva tomasse o lugar de Eduardo Campos na chapa do PSB. A conjunção de declínio nas pesquisas com a torrente de adversidades na política e na economia deve realimentar a especulação a respeito de mudanças na chapa governista.
Diminuiu de 41% para 36% a parcela do eleitorado que avalia o governo como ótimo ou bom. Ressalte-se, porém, que desde novembro difunde-se com rapidez a opinião de que a gestão Dilma é ruim ou péssima, ora em 25%. A diferença entre os "ótimo/bom" e os "ruim/péssimo" baixou portanto a 11 pontos, a menor desde junho de 2013, quando chegara a cinco.
No conjunto da pesquisa, aliás, a avaliação do governo e as expectativas dos brasileiros voltaram a ficar muito próximas do nível de crítica e pessimismo registrado no mês das grandes manifestações.
No caso das expectativas de inflação, o pessimismo é até mais intenso que o verificado no sismo de 2013. Na verdade, não era tão exacerbado desde os graves choques econômicos da desvalorização do real, em 1999, ou do racionamento de eletricidade, em 2001.
Nem sempre a percepção de piora na economia está associada a fatos econômicos. Crises como a revelação do mensalão ou os protestos de junho, por exemplo, suscitaram incerteza e pessimismo. Além disso, apesar das acerbas críticas à política econômica e da inflação renitente, não houve deterioração das condições de vida, mas redução do ritmo de melhorias.
Para 65% dos entrevistados, todavia, a inflação aumentará, ante 54% em junho; para 45%, haverá mais desemprego, ante 44% em meados do ano passado.
Há decepção com a presidente: 63% consideram que Dilma Rousseff fez menos do que se esperava pelo país, opinião que flutuava em torno de 37% até meados do ano passado. O eleitorado, entretanto, não transferiu votos para a oposição. Ademais, cerca de 25% dos entrevistados não votariam em nenhum dos atuais nomes.
O eleitorado ora daria folgada vitória a Dilma Rousseff. Mas as pesquisas registram desde junho volatilidade das emoções políticas e um não-sei-quê de desejo de mudanças ainda insatisfeito pelo cardápio político de agora. Em suma, aumentou a incerteza a respeito do resultado da eleição.
O prestígio da presidente Dilma Rousseff degradou-se de modo relevante entre fevereiro e o início deste mês, indica pesquisa Datafolha. A avaliação do governo está em baixa, menos eleitores pretendem votar na pré-candidata petista e houve deterioração considerável das expectativas econômicas.
Ainda assim, a presidente venceria a eleição no primeiro turno em uma disputa com os atuais pré-candidatos, os quais não se beneficiaram do desgaste do governo.
Decerto Dilma teria menos votos que seu padrinho, o ex-presidente Lula; teria de enfrentar um segundo turno caso Marina Silva tomasse o lugar de Eduardo Campos na chapa do PSB. A conjunção de declínio nas pesquisas com a torrente de adversidades na política e na economia deve realimentar a especulação a respeito de mudanças na chapa governista.
Diminuiu de 41% para 36% a parcela do eleitorado que avalia o governo como ótimo ou bom. Ressalte-se, porém, que desde novembro difunde-se com rapidez a opinião de que a gestão Dilma é ruim ou péssima, ora em 25%. A diferença entre os "ótimo/bom" e os "ruim/péssimo" baixou portanto a 11 pontos, a menor desde junho de 2013, quando chegara a cinco.
No conjunto da pesquisa, aliás, a avaliação do governo e as expectativas dos brasileiros voltaram a ficar muito próximas do nível de crítica e pessimismo registrado no mês das grandes manifestações.
No caso das expectativas de inflação, o pessimismo é até mais intenso que o verificado no sismo de 2013. Na verdade, não era tão exacerbado desde os graves choques econômicos da desvalorização do real, em 1999, ou do racionamento de eletricidade, em 2001.
Nem sempre a percepção de piora na economia está associada a fatos econômicos. Crises como a revelação do mensalão ou os protestos de junho, por exemplo, suscitaram incerteza e pessimismo. Além disso, apesar das acerbas críticas à política econômica e da inflação renitente, não houve deterioração das condições de vida, mas redução do ritmo de melhorias.
Para 65% dos entrevistados, todavia, a inflação aumentará, ante 54% em junho; para 45%, haverá mais desemprego, ante 44% em meados do ano passado.
Há decepção com a presidente: 63% consideram que Dilma Rousseff fez menos do que se esperava pelo país, opinião que flutuava em torno de 37% até meados do ano passado. O eleitorado, entretanto, não transferiu votos para a oposição. Ademais, cerca de 25% dos entrevistados não votariam em nenhum dos atuais nomes.
O eleitorado ora daria folgada vitória a Dilma Rousseff. Mas as pesquisas registram desde junho volatilidade das emoções políticas e um não-sei-quê de desejo de mudanças ainda insatisfeito pelo cardápio político de agora. Em suma, aumentou a incerteza a respeito do resultado da eleição.
Legislativo sem aventureiros - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 06/04
É lugar-comum a afirmação de que as pessoas passam e as instituições ficam. Apesar de maus padres, professores despreparados, parlamentares corruptos, presidentes traidores, Igreja, escola, Congresso, Presidência da República permanecem, se renovam e respondem a expectativas da sociedade. O dinamismo é natural e, por isso, se impõe. Graças a ele, ocorrem as inovações e os necessários avanços.
A estagnação preocupa. Água parada corre o risco de perder o frescor e tornar-se imprópria para o consumo. Se degradada, pode apodrecer. A observação vale para os fundamentos sociais. Chama a atenção, a propósito, o crescente desprestígio do Legislativo. São raras as notícias capazes de engrandecer a imagem dos representantes que mereceram a confiança dos eleitores.
Plenários vazios, negociatas, envolvimentos com fora da lei, jogo do toma lá dá cá, condenações judiciais criam pano de fundo preocupante em que impera o descrédito e a desesperança. Mais grave: legislatura após legislatura, a impressão que se tem é de piora do quadro. A pesquisa Balanço da Produção do Congresso Nacional em 2013 apresenta conclusões inquietantes.
Realizado pela Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, o estudo concretiza a percepção geral. As proposições da Câmara e do Senado perdem relevância. Em vez de se debruçarem sobre temas substantivos, que mobilizaram a sociedade nas passeatas do ano passado, os congressistas desperdiçam tempo e recursos em perfumarias. Saúde, educação, transparência, controle dos gastos públicos representam apenas 11,8% dos projetos aprovados em 2013.
Não só. O ritmo de tramitação das propostas é inversamente proporcional às urgências da população. Levam-se, em média, cinco anos para um projeto bater ponto final. A iniciativa conta para a maior ou menor celeridade no encaminhamento: Judiciário, um ano; Executivo, dois; Legislativo, seis. Se falam além da cifra, os números informam que o Congresso dá provas de desvalorização do próprio trabalho. É alarmante. Deputados e senadores são a voz do povo e dos estados. São eleitos para propor e fazer leis. Não só para aprovar propostas dos outros poderes.
Entende-se, assim, a adesão popular ao #vaitrabalhardeputado. Entende-se, também, o risco que representa o crescente descrédito do parlamento na sociedade. O Legislativo é um dos tripés que sustentam a democracia. Se fraqueja, abala o regime de franquias e abre as portas para aventuras. As eleições de outubro vão renovar um terço do Senado e 100% da Câmara e das assembleias legislativas. Espera-se que os partidos apresentem candidatos aptos a honrar o mandato que povo lhes confere. A instituição, vale frisar, é importante demais para ser entregue a aventureiros.
A estagnação preocupa. Água parada corre o risco de perder o frescor e tornar-se imprópria para o consumo. Se degradada, pode apodrecer. A observação vale para os fundamentos sociais. Chama a atenção, a propósito, o crescente desprestígio do Legislativo. São raras as notícias capazes de engrandecer a imagem dos representantes que mereceram a confiança dos eleitores.
Plenários vazios, negociatas, envolvimentos com fora da lei, jogo do toma lá dá cá, condenações judiciais criam pano de fundo preocupante em que impera o descrédito e a desesperança. Mais grave: legislatura após legislatura, a impressão que se tem é de piora do quadro. A pesquisa Balanço da Produção do Congresso Nacional em 2013 apresenta conclusões inquietantes.
Realizado pela Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, o estudo concretiza a percepção geral. As proposições da Câmara e do Senado perdem relevância. Em vez de se debruçarem sobre temas substantivos, que mobilizaram a sociedade nas passeatas do ano passado, os congressistas desperdiçam tempo e recursos em perfumarias. Saúde, educação, transparência, controle dos gastos públicos representam apenas 11,8% dos projetos aprovados em 2013.
Não só. O ritmo de tramitação das propostas é inversamente proporcional às urgências da população. Levam-se, em média, cinco anos para um projeto bater ponto final. A iniciativa conta para a maior ou menor celeridade no encaminhamento: Judiciário, um ano; Executivo, dois; Legislativo, seis. Se falam além da cifra, os números informam que o Congresso dá provas de desvalorização do próprio trabalho. É alarmante. Deputados e senadores são a voz do povo e dos estados. São eleitos para propor e fazer leis. Não só para aprovar propostas dos outros poderes.
Entende-se, assim, a adesão popular ao #vaitrabalhardeputado. Entende-se, também, o risco que representa o crescente descrédito do parlamento na sociedade. O Legislativo é um dos tripés que sustentam a democracia. Se fraqueja, abala o regime de franquias e abre as portas para aventuras. As eleições de outubro vão renovar um terço do Senado e 100% da Câmara e das assembleias legislativas. Espera-se que os partidos apresentem candidatos aptos a honrar o mandato que povo lhes confere. A instituição, vale frisar, é importante demais para ser entregue a aventureiros.