segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Outras perguntas - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA


Encaminhamos à apreciação das autoridades federais, novamente, algumas perguntas sobre questões de possível interesse para o leitor. Como costuma acontecer, não virá nenhuma resposta, mas é dever desta revista fazer o que pode, mesmo sabendo que o governo não reconhece a existência no Brasil de cidadãos capazes de ter dúvidas — brasileiros que terminaram o ensino básico, pensam com a própria cabeça e podem, eventualmente, não entender direito que diabo está acontecendo com seu país.

Por que o governo continua a olhar sem fazer nada, como se o fato estivesse acontecendo na Transilvânia, o estelionato praticado sistematicamente contra o trabalhador brasileiro pelas altas autoridades que decidem qual é o saldo que ele tem, ao fim de cada mês, no Fundo de Garantia? Ao longo dos últimos quinze anos, cerca de 20% do dinheiro que os trabalhadores têm no FGTS sumiu, mastigado por cálculos de reajuste que sempre ficam abaixo da inflação. O Partido dos Trabalhadores, a esse respeito, já teve onze anos inteiros para fazer alguma coisa a favor dos trabalhadores. Não fez. Por quê?

Os jornalistas Gustavo Patu e Mario Kanno, do blog Dinheiro Público & Cia, tiveram a paciência de ler do começo ao fim a ata que o Banco Central soltou depois de sua última reunião, no fim de janeiro. Chegaram a uma conclusão assombrosa: os dirigentes do BC precisaram escrever nada menos de 74 parágrafos para explicar por que subiram a taxa de juro em 0,5 ponto percentual. Embora o idioma oficial do Brasil seja o português, a maior parte do texto era ocupada por frases como a seguinte: "O Copom entende ser apropriada a continuidade do ritmo de ajuste das condições monetárias ora em curso". Ou: "Não obstante a concessão neste ano de reajuste para o salário mínimo não tão expressivo quanto em anos anteriores, bem como a ocorrência nos últimos trimestres de variações de salários mais condizentes com as estimativas de ganhos de produtividade do trabalho, o Comitê avalia que a dinâmica salarial permanece originando pressões inflacionárias de custos". Se era para ninguém entender nada, por que escrever tanto?

Haveria alguma explicação lógica para a presidente da República anunciar a "construção de 6 000" creches e, ao fim do prazo fixado para isso, entregar só 1 000? Ou, pior ainda, por que Dilma prometeu um ano atrás construir "mais de 880 aeroportos regionais", como lembrou há pouco o colunista Lauro Jardim, de VEJA, e conseguiu a proeza de não entregar nenhum — um só que fosse? Como se pode explicar, mesmo para uma classe do 1º ginasial, que um governo com um mínimo de amor-próprio cometa erros tão grosseiros assim? Dilma também prometeu ferrovias que não vai entregar, e águas que não vai transpor, nem do São Francisco nem de lugar nenhum. "Falta de dinheiro" é a resposta comum em todos esses casos. Mas então por que, se o dinheiro está tão escasso, o governo paga 54 000 reais por mês de aluguel para dar um teto ao seu diplomata-mor em Nova York?

O Brasil, como já se estima há bom tempo, deve ter uma safra recorde de 90 milhões de toneladas de soja em 2014. Também já se sabe que mais de 20% desse total será simplesmente jogado no lixo, porque os portos brasileiros não têm condições de escoar uma produção de tamanho volume. Por que, sabendo perfeitamente disso tudo, o governo aplicou miseráveis 15 milhões de dólares em seus portos em todo o ano de 2013 — contra, por exemplo, 1,4 bilhão de reais gastos para construir o Estádio Mané Garrincha, em Brasília? Pior: por que Dilma deu de presente a Cuba um porto novo em folha, no valor de 1 bilhão de dólares, enquanto nossa soja ficará apodrecendo no pé?

Sabe-se que o bacharel José Eduardo Cardozo é ministro da Justiça, mas de que país? Recentemente, comentando os horrores sem paralelo ocorridos na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, ele disse o seguinte: "O sistema carcerário no Brasil é medieval". E quem é o responsável por isso? O governo brasileiro, claro, e especialmente a área dirigida por ele próprio, Cardozo. Não dá para dizer que a calamidade — o Brasil tem no momento 550 000 presos para 350 000 vagas na cadeia — seja obra das elites de direita: o PT já está há onze anos no governo, e isso é tempo mais do que suficiente para melhorar alguma coisa, por menor que seja, em qualquer situação de catástrofe. De lá para cá, o ministro não mexeu um palito para eliminar o inferno de Pedrinhas; fez questão, porém, de levar a "solidariedade" do Palácio do Planalto à governadora Roseana Sarney, a quem cabe cuidar do presídio. Por quê?

Quem herdará a Terra? - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 10/02

A emancipação feminina tornou as mulheres inférteis por escolha. Estranho? Nem tanto


A sociedade secular moderna está condenada. E por quê? Por uma razão muito simples: as mulheres seculares (sem prática religiosa cotidiana) não querem ter filhos. Quando têm, têm um ou dois no máximo.

A emancipação feminina tornou as mulheres inférteis por escolha. Estranho? Nem tanto, vejamos.

Quem herdará a Terra? Os religiosos fundamentalistas cristãos, judeus e muçulmanos. Suas mulheres têm muitos filhos, e as nossas não. Para as nossas mulheres, filhos só depois dos 35, depois da pós, com maternagem terceirizada caríssima. O individualismo moderno nos deixou a todos estéreis e histéricos.

Não, não estou criticando a vida secular nem defendendo a vida religiosa radical. Parafraseando o dito popular, "não é política, imbecil, é demografia".

Nós, seculares, que em grande parte temos simpatia pela teoria evolucionista, esquecemos que seleção natural é demografia. Podemos ter muitas ideias de como o mundo deve ser, mas os fundamentalistas têm mais bebês. E quem decide no final das contas é a população de bebês. Mulheres férteis implicam civilização poderosa.

Essa é a hipótese do livro escrito pelo canadense Eric Kaufmann, professor de política da Universidade de Londres. Claro que os "progressistas" o criticam e acusam a ideia de ser propaganda fundamentalista --como é comum em nosso mundo em que a inteligência cedeu lugar às políticas da difamação.

As suspeitas de que riquezas e conforto (causas culturais e econômicas, e não biológicas) diminuem a fertilidade feminina estão presentes desde a Grécia e Roma (Cícero já falava disso). Adam Smith, no século 18, chamava a atenção para o fato de que o "luxo e a moda" tornam o sexo frágil desinteressado na maternidade.

Já por volta do ano 300 da Era Cristã, os cristãos somavam 6 milhões, enquanto no ano 40 eles eram uns poucos hereges coitados. Logo conquistaram o Império Romano. E não só por conta das mulheres romanas serem vaidosas, ricas e interessadas em sexo, mas não em filhos (exatamente como as nossas). Os homens pagãos eram mais violentos e menos atentos a mulheres e filhos enquanto os cristãos eram do tipo família.

O fator fertilidade não é o único, claro, mas é um fator que em nossos debates inteligentinhos não tem sido levado em conta com a devida reverência.

Enquanto as mulheres seculares hoje têm cerca de 0,5 filho por mulher pronta para maternidade (a partir dos 15 anos), as religiosas (no caso aqui específico de grupos como evangélicos fundamentalistas, amish, menonitas, huteritas e judeus haredi ou ortodoxos) variam de 2,1 a 2,4.

No caso do Estado de Israel, por exemplo, a cada três crianças matriculadas no jardim da infância, uma é haredi. Depois do Holocausto, os haredi eram uma população quase insignificante. Em países do leste do mundo, como Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Austrália e Nova Zelândia, o quadro é muito próximo do Ocidente moderno.

A medicina, o saneamento, a tecnologia e Estados mais organizados diminuíram a mortalidade tanto das parturientes quanto das crianças. O efeito imediato foi o crescimento populacional na geração dos "baby boomers". Mas, já no final dos anos 60, as mulheres americanas, canadenses e europeias ocidentais começavam e declinar em fertilidade.

Por quê? A causa são os "valores" seculares. Nós investimos na vida aqui e agora e na realização de desejos imediatos. E, para piorar, as universidades ficam publicando pesquisas dizendo que casais sem filhos são mais felizes. Além de não termos filhos, ainda fazemos passeatas para matá-los no ventre das mães com ares de "direitos humanos".

Família cansa, filho dá trabalho, custa caro, dura muito. Os seculares escolhem não ter filhos, os religiosos escolhem tê-los.

Mas não é só a fertilidade que coloca os religiosos em vantagem. Os grupos mais fechados detêm uma alta retenção da sua prole: colégios comunitários, shoppings, redes sociais, colônias de férias, casamentos endógenos, calendários festivos, baladinhas de Jesus (ou similares). Sempre juntos.

Enfim, a pílula vai destruir a civilização que a criou. Risadas?

Motoboys do espaço aéreo - LULI RADFAHRER

FOLHA DE SP - 10/02

Drones comerciais vieram para ficar e deverão ser empregados nas mais diversas áreas


O paulistano tem uma relação de amor, temor e horror com a frota de motoboys que percorre a cidade. Amor, mesmo que não reconhecido ou inconfesso, pelo alívio que suas cargas trazem a um trânsito superlotado. Temor pelos riscos que os autodenominados "cachorros loucos" trazem com sua condução imprudente, ameaçando pedestres e retrovisores. Horror pela intensidade e pelo volume dos acidentes de que muitos são vítimas, quando não morrem na contramão, atrapalhando o tráfego.

Uma nova tecnologia deverá, nos próximos anos, automatizar os ares das cidades, agilizando entregas e transformando a profissão de motoboy em curiosidade remota, similar ao condutor de riquixá.

Veículos aéreos autônomos, ou drones, já existem há algum tempo, e vêm ocupando a mídia com notícias de ataques remotos a populações de países distantes. Mas, como a internet, o GPS e outras tecnologias militares que migraram para a arena civil, esses aviõezinhos independentes estão cada vez mais baratos, eficientes e populares. Já é possível encontrá-los em ação no acompanhamento de rebanhos em fazendas, monitoração de reservas florestais e auxílio em situações de risco. Até fotógrafos andam brincando com esses aviõezinhos para conseguir ângulos incomuns.

Não tardará para que avanços na tecnologia transformem o céu em arena de inovação. Os desafios ainda são grandes, tanto nos aparelhos quanto no espaço em que trafegam, mas as ideias são promissoras.

Surpreendentemente, uma das empresas com iniciativas mais concretas na área não é um dos gigantes em novidades tecnológicas, uma empresa de robôs ou companhia aérea, mas a Amazon. No final do ano passado, a megaloja digital anunciou planos para começar a usá-los em 2015 para acelerar suas entregas.

A princípio a notícia soaria como golpe publicitário se UPS e FedEx não tivessem pesquisas na mesma linha. Mas enquanto as empresas de courier buscam o transporte de grandes volumes de pacotes entre seus armazéns, a Amazon quer utilizá-los para entregar pacotes para o destinatário final.

O motivo é claro: no mundo inteiro as compras on-line vêm crescendo em um volume não acompanhado pela capacidade na entrega. Descobrir uma forma segura e ágil de entregar mercadorias se tornou uma vantagem estratégica.

Da mesma forma que impressoras 3D podem substituir fábricas em regiões distantes para poupar custos de logística, pequenos caminhões de entrega podem hospedar meia dúzia de aviõezinhos e despachá-los, automaticamente, do meio do trânsito, quando estiverem próximos de seus destinos. Feita a entrega, eles retornariam para pegar o próximo pacote.

Mas isso por enquanto é só especulação. A empresa não é muito transparente em suas práticas e essa forma de entrega requer a criação de algoritmos complexos de otimização de rota, correção de erros e aviso em caso de avaria ou furto.

De qualquer forma, a tecnologia é conhecida e o progresso é inevitável. Drones comerciais vieram para ficar e deverão ser empregados nas mais diversas áreas.

Isso, é claro, traz novas complicações. A principal delas é a de segurança. Mas também há riscos de privacidade e de ocupação do espaço aéreo. Sem contar com eventuais questões de poluição sonora e atmosférica que tornem esse novo zumbido mais ameaçador do que a velha conhecida --e tão detestada-- buzininha das motos.

Demolir é preciso - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 10/02

Uma façanha correu mundo no fim de semana, durante os Jogos de Inverno de Sochi, e não se passou numa montanha coberta de neve ou num rinque de patinação. A imagem viral era de um banheiro na vila olímpica onde o atleta americano Johnny Quinn, depois de tomar um chuveiro, enfrentou a maçaneta travada. Munido de seu bobsled, o latagão texano demoliu a porta do banheiro. Sua primeira providência, claro, foi pegar o celular e registrar a vitória fora da competição.

Temos sido brindados com imagens de latrinas russas, algumas construídas lado a lado, na inacabada vila olímpica de Vladimir Putin. Hahahahaha, pipocam as gargalhadas digitais em todo o mundo. Esses russos são mesmo uns incompetentes, corruptos e o que mais? O que mais, não importa.

A certa altura, o ex-campeão mundial de xadrez Gary Kasparov, hoje um importante ativista de direitos humanos na Rússia, passou um sabão na imprensa estrangeira. Kasparov perguntou se iam sair do humor de banheiro para cobrir o que se passa em seu país, como a repressão violenta e a corrupção exemplificada nos preparativos para Sochi.

Enquanto desperdiçava tempo olhando um blog sobre os exóticos banheiros, eu me lembrei de um cômico anarquista, um cineasta que satisfez sua obsessão com a Rússia de Guerra e Paz e Os Irmãos Karamazov. Em A Última Noite de Boris Grushenko (Love and Death), de 1975, o protagonista vivido por Woody Allen é um patriota russo que filosofa muito mais do que defende a pátria. Ele acaba executado.

O que me leva ao pelotão de fuzilamento organizado por parte da mídia americana para receber Woody Allen assim que terminar seu sumário julgamento no tribunal da opinião pública, um poder letal na era da mídia social. Um poder que, como lembrou a romancista Joyce Carol Oates, existe apenas para satisfazer os juízes e não para fazer justiça.

Aqui uma pausa necessária. Escrevi reportagens para este jornal desde que, no dia 1o de fevereiro, o colunista Nicholas Kristof, do The New York Times, cedeu seu blog para publicar a dolorosa carta de Dylan Farrow acusando seu pai adotivo de abuso sexual quando ela tinha 7 anos, em 1992. Notei leitores cuja opinião respeito especulando on-line se defendo Woody Allen. E respondo que não conheço a verdade, ninguém, além de Dylan Farrow e Woody Allen, sabe o que se passou entre os dois, o que torna o papel da mídia ainda mais perturbador.

Quanto mais me informei sobre o triste caso, mais repelente me pareceu o comportamento dos dois principais adultos envolvidos, Woody Allen e Mia Farrow. Li transcrições de depoimentos de psicólogos e testemunhas, a decisão de 33 páginas do juiz nova-iorquino que espinafrou Allen e negou a custódia de seus filhos com Mia Farrow. Ao final, tive vontade de tomar uma chuveirada.

Mas a mídia norte-americana se investiu do papel de criminalizar a imoralidade. Passou a semana jogando lenha na fogueira de uma caça às bruxas instalada na imaginação coletiva, horrorizada com a carta de uma jovem detalhando não só um crime, mas a quebra de um tabu, o incesto. Muitos defenderam, se não Woody Allen, um comportamento civil diante de um homem que, afinal, foi investigado há 21 anos e nunca acusado formalmente. Mas essa postura por natureza reflexiva é afogada pelo ruído dos que precisam punir o diretor, como se destruir sua carreira fosse devolver a dignidade a Dylan, que sem dúvida é uma vítima, embora não se possa saber do quê.

O problema é que, no ecossistema da mídia de hoje, é preciso tomar partido, se alinhar a um de dois extremos. Reconhecer a impossibilidade de chegar a uma conclusão não parece mais ser uma escolha. O próprio Nicholas Kristof é um jornalista afinado com esse novo sistema. Sua coluna é um palanque de cruzadas humanitárias, o que o levou a se aproximar e se tornar amigo da ativista Mia Farrow. Como ninguém é a favor da fome, do tráfico humano ou do abuso sexual de mulheres, alguns dos seus temas constantes, ninguém há de ser "contra" Kristof, um veterano ganhador de prêmios Pulitzer que decidiu se especializar no que os norte-americanos chamam de jornalismo de advocacia. Seu papel instigador no triste espetáculo da semana passada foi severamente criticado por leitores do The New York Times, não importa a verdade de Dylan Farrow. Ela poderia ter divulgado a sua carta, escrito um livro, se manifestado por conta própria.

Depois de tentar se blindar lembrando que Woody Allen proclama inocência, Kristof se referiu ao tributo ao diretor no Globo de Ouro com esta declaração extraordinária: "O Globo de Ouro ficou do lado de Allen, de fato acusando Dylan de, ou mentir, ou não ter importância". A ignorância e a hipocrisia dessa afirmação desafiam a credulidade por ter saído no mais importante jornal da língua inglesa. Mas, ainda que se dê o desconto - apenas a opinião de um colunista -, acho que o comentário é emblemático desse episódio em que instituições, seja o poder judiciário ou a imprensa independente, são tratadas como a porta do banheiro de Sochi.

Alheio ao Fla-Flu - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 10/02

Após o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir a condenação do deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a 22 anos de prisão no mensalão mineiro, o relator do processo no STF, ministro Luís Roberto Barroso, aguarda manifestação da defesa para concluir seu voto. "Vou estudar o processo com empenho e isenção. Ninguém é condenado ou absolvido de véspera. Farei o que for justo no caso concreto. Eu sirvo à Justiça e ao Brasil. Nenhum outro interesse me mobiliza."

Fala, Azeredo Tucanos instaram o ex-governador de Minas a quebrar o silêncio que mantinha desde sexta-feira. Ele também deve usar a tribuna da Câmara nesta semana para rebater a manifestação do Ministério Público.

Trégua A AGU (Advocacia-Geral da União) determinou a abertura de um estudo sobre a adequação de sua polêmica portaria 303, de 2012, à decisão do STF no julgamento dos embargos de declaração da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol.

Idas... A portaria, que regulamenta a atuação de advogados públicos e procuradores em processos de demarcação, tinha sido suspensa após protestos de entidades de defesa dos índios.

... e vindas Quando o STF deu a decisão sobre Raposa Serra do Sol, em outubro do ano passado, a AGU anunciou que a norma voltaria a valer, mas, diante de novas manifestações contrárias, decidiu pedir novos estudos.

Fila A médica Ramona Matos, que abandonou o programa Mais Médicos, não é a única cubana à espera de asilo no país. Outros quatro cubanos, que não integram o programa, esperam resposta do Ministério da Justiça.

É sua Depois de lançar, sem empolgar, o nome do ex-ministro Fernando Bezerra (PMDB) ao governo do Rio Grande do Norte, o presidente da Câmara, Henrique Alves, sofre pressão de aliados para disputar a sucessão de Rosalba Ciarlini (DEM).

Enquete Alves fez no sábado consulta a 22 dos 53 prefeitos do PMDB potiguar. Todos foram a favor de sua candidatura. Ele prefere, no entanto, tentar se reeleger presidente da Câmara em 2015 caso Dilma Roussseff vença.

A volta... A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), remarcou para esta semana dois pregões para abastecer as geladeiras das residências oficiais. A compra havia sido suspensa em janeiro, depois que a coluna informou que a lista incluía 80 kg de lagosta e 2,4 toneladas de camarão.

... da lagosta? A nova data foi omitida no site da Comissão Central de Licitação, mas os fornecedores foram reconvocados pelo "Diário Oficial". Os pregões ocorrem amanhã e quinta-feira.

Menu surpresa Não é possível saber se todos os itens foram mantidos na lista, porque os editais não foram publicados no site da Casa Civil. Procurada, a assessoria disse que os documentos só podem ser retirados na comissão de licitações.

Visitinha Os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) tiveram um encontro discreto na semana passada, no apartamento do tucano em Brasília.

Mais café? Numa longa conversa, repassaram a estratégia eleitoral nos Estados e afinaram a sintonia do pacto de não-agressão que firmaram no ano passado.

Longo prazo A decisão de Geraldo Alckmin de não tirar PSB e PV do governo, mesmo que lancem candidatos a sua sucessão, é uma tentativa de amarrar o apoio dos dois partidos a ele num eventual segundo turno.

tiroteio
"A fuga de Pizzolato, planejada por seis anos, destrói a fantasia do julgamento político. Daí por que a solidariedade seletiva do PT."
DO SENADOR PEDRO TAQUES (PDT-MT), sobre o fato de o partido não arrecadar recursos nem fazer desagravo ao ex-presidente do BB, que foi preso na Itália.

contraponto


Perda de tempo
No fim de 1991, quando já começava a crise que levaria à queda de seu governo, Fernando Collor emagreceu tanto que a repórter Sônia Carneiro, da Rádio Jornal do Brasil, perguntou se o então presidente estava com Aids.
Em audiência com o governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, Collor confessou que tinha feito um regime.
-Ronaldo, fiz uma dieta e perdi 12kg!
O governador retrucou:
-Presidente, também fiz uma dieta.
-Perdeu quanto? -perguntou Collor.
-Trinta dias -encerrou Cunha Lima.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 10/02

Acordos atraem investimento na Colômbia, diz agência
Atraídos pelos benefícios decorrentes de acordos bilaterais da Colômbia com vários países, empresas brasileiras devem aumentar os investimentos em solo colombiano em ao menos 45% neste ano, segundo projeção da agência Proexport.

Em 2013, o país recebeu recursos de quatro empresas do Brasil, que somaram US$ 55 milhões (aproximadamente R$ 130 milhões), conforme a agência colombiana que promove turismo e negócios.

Para este ano, a expectativa é de aporte de US$ 80 milhões (cerca de R$ 190 milhões), e de US$ 15 bilhões em recursos globais.

"Quase todos os investimentos do Brasil são feitos por causa de acordos bilaterais da Colômbia. Produtos da União Europeia entram com zero de imposto", diz Alejandro Peláez, cônsul econômico da Colômbia e diretor da Proexport.

"Com a Aliança do Pacífico [bloco comercial com Chile, Colômbia, México e Peru], os brasileiros podem, da Colômbia, fornecer aos mercados membros, com custo de produção e de recursos humanos mais competitivo que no Brasil", afirma Peláez.

O país também possui acordos de livre comércio com União Europeia, Canadá, México e países do triângulo do norte (El Salvador, Guatemala e Honduras).

A Duratex foi uma das companhias brasileiras que aportaram recursos na Colômbia recentemente.

Flavio Donatelli, CFO da Duratex, disse que, apesar de a Tablemac, cujo controle foi adquirido por cerca de US$ 64 milhões em janeiro, priorizar o mercado local, a Colômbia tem grande potencial de exportação.

"Precisamos expandir a produção e depois exportaremos." Além dos acordos e da proximidade com Caribe, México e até EUA, o país atrai por ter estabilidade jurídica, crescimento econômico, baixa inflação e políticas econômicas "bem claras", disse.

Cor branca sai de moda entre eletrodoméstico de alto padrão
Chamada de linha branca, a categoria de eletrodomésticos que reúne geladeiras, fogões e lavadoras tem cada vez menos produtos naquela cor.

Entre os artigos mais sofisticados, pela primeira vez neste ano as peças em inox deverão responder pela metade das unidades fabricadas pela Electrolux, dividindo o espaço com o branco.

"Outros revestimentos, como o vidro, já começaram a ser empregados", lembra Fábio Machado, executivo da companhia.

Na Whirlpool, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, o segmento "top" também registra metade da produção em cores diversas.

"Não só inox, mas vermelho, azul, amarelo e até uma linha toda preta", afirma o executivo Gustavo Melo.

A diversificação segue tendências de arquitetura e decoração de interiores.

As duas empresas dizem, no entanto, que no segmento considerado de entrada, com produtos mais básicos, o branco ainda predomina.

Entre os itens da linha branca, a LG fabrica só lavadoras e secadoras no Brasil. "O inox responde por 50% do total e, com os novos produtos que serão lançados neste ano, o percentual vai subir", diz a executiva Kati Dias.

Os refrigeradores da marca são importados da Coreia do Sul, de onde não vêm mais peças brancas.

O QUE ESTOU LENDO
Bernardo Gradin, presidente da GranBio

Nada de livros de literatura à vista por ora.

À cabeceira do empresário Bernardo Gradin está uma obra sobre genética, "Metabolic Engineering: Principles and Methodologies", escrito por Gregory Stephanopoulous, professor do MIT.

"Voltei a estudar genética para decidir melhor sobre os investimentos da GranBio", diz Gradin. A empresa produz etanol e bioquímicos, além de enzimas e microrganismos para uso industrial.

Onze centros de tecnologia serão instalados em Santa Catarina
Com aporte de cerca de R$ 100 milhões, centros de inovação serão instalados em onze cidades de Santa Catarina até o fim do próximo ano.

Serão construídas unidades em Florianópolis, Blumenau, Joinville, Chapecó, Tubarão, Criciúma, Itajaí, São Bento do Sul, Jaraguá do Sul, Joaçaba e Lages.

Juntas, elas terão capacidade para receber os escritórios de 300 empresas.

O projeto é desenvolvido pelo governo do Estados em parceria com universidades particulares, incubadoras tecnológicas e com as prefeituras dos municípios que terão os centros.

"Seguimos um modelo semelhante ao de um projeto existente na região da Catalunha, na Espanha", afirma o secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável, Paulo Bornhausen,

Os empreendimentos deverão concentrar start-ups (empresas iniciantes de base tecnológica) e salas de aula para treinamento.

Do valor que será investido, 50% será aportado pelo Estado e 20% pelas prefeituras. O restante será proveniente de emenda parlamentar.

NÚMEROS DO PROJETO
R$ 100 milhões
será o valor aproximado investido no projeto

50%
dos recursos serão aplicados pelo governo de SC

11
cidades do Estado receberão os centros tecnológicos

300
empresas poderão se instalar nesses centros

SEM ESCOLHA
O Brasil caiu uma posição no ranking que analisa os 20 países com maior liberdade para escolha de fornecedores de energia elétrica. A lista é elaborada pela Abraceel (associação brasileira de comercializadores de energia).

O país desceu para o 13º lugar em 2013, posição antes ocupada pelo Japão.

"Enquanto alguns locais incentivam a liberalização do setor varejista de energia, o Brasil caminha no sentido oposto, com intervenções estatais e baixa competitividade no mercado livre energético", diz Reginaldo Medeiros, presidente da associação.

"Neste ano, haverá uma portaria que vai mudar os modelos de contratos do mercado livre e elevar o preço da energia em torno de 5%."

O ranking é baseado em uma média ponderada entre o percentual do mercado livre praticado nos 20 países e o número de consumidores.

Custos da guinada populista - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 10/02

Os movimentos de subida e descida dos preços são a essência do funcionamento das economias de mercado. Se algo se mostra escasso, os preços devem subir. Se abundante, devem cair. Os preços são os sinalizadores básicos para a movimentação de recursos e determinação das quantidades produzidas e consumidas. Por isso precisam deslocar-se o mais livremente possível. Interferir no processo implica, em geral, desvirtuar o sistema de mercado para agradar a alguns e impor custos a outros segmentos da sociedade que, mais cedo ou mais tarde, pagarão a conta.

Quando os governos e os dirigentes políticos em geral entram na estória, a lógica do mercado se vai. Visando à eleição, a palavra de ordem da grande maioria é agradar aos eleitores no prazo relevante para a duração dos mandatos, ainda que isso se dê à custa do comprometimento dos objetivos de longo prazo. Assim, enquanto alguns são paparicados no presente, os que serão prejudicados no futuro quase nunca são consultados.

Para os políticos, a velha saída é buscar alinhar as demandas sociais às mudanças inevitáveis de preços relativos. Ou seja, defende-se a suavização do efeito das subidas dos preços de determinados bens ou serviços relativamente aos demais, basicamente à custa do orçamento público ou, no pior caso, da desorganização da economia.

São várias as instâncias em que isso ocorre no nosso dia a dia. Há países que levam esse processo a extremos e, sem muita demora, acabam entrando em colapso. Ao longo de vários anos em que parecia ir bem, a Argentina tanto abusou de medidas populistas, e agora se vê diante de uma de suas mais sérias crises econômicas. Com tarifas de energia elétrica muito abaixo de onde deveriam estar, o consumo desse insumo fundamental está completamente fora da realidade do país. A ponto de quase ninguém se preocupar em fechar janelas de salas onde o ar-condicionado está ligado. Quem vai investir nesse setor sabendo que dependerá de subsídios prometidos por um governo em grave crise financeira? Em países em que o preço da gasolina está muito abaixo do custo real, como na Venezuela, os engarrafamentos gigantescos são corriqueiros e as ruas estão cheias de carrões bebedores de combustível. Ou seja, não são exemplos a serem seguidos.

Mesmo assim, em que pese certo sucesso obtido em anos recentes, o Brasil acaba de ser incluído por um banco internacional num time pouco recomendável: o dos “cinco frágeis”, juntamente com Indonésia, Turquia, África do Sul e Índia. Esses países apresentam déficits altos no setor público e nas contas externas, além de outras mazelas macroeconômicas. Diariamente, os jornais publicam informações sobre saídas de recursos e a consequente subida das taxas do risco Brasil. Muito disso tem a ver com a guinada populista que o país deu nos últimos anos.

Nas concessões de transportes, a palavra de ordem no ambiente governamental tem sido perseguir as menores tarifas imagináveis — e não as menores possíveis. As próprias tarifas-teto dos leilões de concessões, que deveriam ser bem altas para permitir forte competição do máximo possível de candidatos, foram achatadas ao limite, levando a eventos completamente vazios de postulantes. Após um ano de conversas com o setor privado, o governo acabou recuando e montando certames minimamente eficientes. Agora canta vitória com a sucessão de leilões que ficaram em pé, vencidos por candidatos tradicionais desse mercado.

O mesmo ocorre em energia elétrica, onde, levada ao extremo, a busca excessiva de modicidade tarifária no curto prazo tem estimulado o consumo além da conta e, ao mesmo tempo, comprometido a justa remuneração dos investidores e, por consequência, sua capacidade de investimento. Além disso, prejudica-se a qualidade do serviço e a universalização do atendimento, enquanto outros objetivos em tese são perseguidos. Sem falar na obtenção de ganhos de produtividade, fundamentais para viabilizar a modicidade tarifária a longo prazo.

No momento, diante dos equívocos da política oficial e da escassez hidrológica, que reduz a capacidade de produção das hidrelétricas, usinas de custo cada vez mais alto vêm sendo acionadas, elevando fortemente os custos energéticos. Como o governo não quer o desgaste de repassar esses aumentos aos consumidores, resolveu bancar a manutenção das tarifas atuais por meio do orçamento federal, vale dizer, dos contribuintes em geral, agravando o problema de queda da credibilidade fiscal, em que também está imerso. Outro sério problema é a decisão de não reajustar as tarifas de ônibus e os pedágios, um claro desrespeito aos contratos respectivos. A virtual derrocada das economias da Argentina e da Venezuela e a deterioração do cenário internacional deveriam acender uma luz amarela nos radares do governo. Por mais que o Brasil disponha de estoque inédito de reservas em divisas, é hora de repensar o modelo populista em vigor e preparar o País para uma nova fase. As políticas que fazem sentido devem assumir a linha de frente do processo, incluindo as tão propaladas, mas nunca implementadas, reformas estruturais.

Instabilidade institucional - BERNARD APPY

O Estado de S.Paulo - 10/02

Nos 25 anos que vão do final de 1988 (logo após a promulgação da Constituição federal) até o final de 2013, foram aprovadas no Brasil 5.237 leis ordinárias federais. Isso dá uma média de 209 leis por ano, ou mais de uma lei por dia efetivo de trabalho do Congresso Nacional (que normalmente se reúne das terças às quintas-feiras, exceto nos recessos). O mais interessante é que esse padrão vem sendo mantido de forma regular, com cerca de 200 leis sendo aprovadas a cada ano.

Outro exemplo de instabilidade institucional são as 79 emendas constitucionais aprovadas desde 1988. A título de comparação, a Constituição dos Estados Unidos, de 1789, tem apenas 27 emendas.

Mais que o excesso de leis em si, preocupa a baixa qualidade do debate na elaboração da legislação e, principalmente, a excessiva mudança de normas que afetam o funcionamento das empresas e do setor público e a vida das pessoas.

Obviamente o problema não é apenas federal, e não diz respeito apenas ao excesso de leis, mas também de normas infralegais. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, nos 25 anos posteriores à promulgação da Constituição de 1988 foram editados 4,7 milhões de normas legais e infralegais no Brasil, sendo 158 mil federais e as demais estaduais e municipais. Neste artigo tratarei, no entanto, apenas das leis federais.

Para alguns - inclusive para parte da imprensa brasileira -, a aprovação de um número elevado de leis é um indicador de que o Congresso Nacional está trabalhando. Para mim, é um indicador de falta de prioridades e instabilidade institucional.

Correndo o risco de ser superficial, pois não sou um especialista em ciência política, gostaria de fazer alguns comentários sobre este padrão de atividade legislativa no Brasil.

O que mais me preocupa é que a agenda legislativa não guarda nenhuma relação com um projeto de aprimoramento institucional ou com diretrizes que apontem claramente para objetivos de longo prazo. Ao contrário, as leis aprovadas são o resultado de discussões fragmentadas (e quase sempre superficiais), originadas da pressão de grupos organizados ou de setores econômicos.

Não é incomum que leis aprovadas na mesma legislatura (ou mesmo dispositivos de uma mesma lei) sejam contraditórias, ou que as diretrizes estabelecidas na legislação sejam ambíguas. Essa é a forma encontrada para acomodar interesses de diferentes grupos de pressão, na ausência de uma direção clara a ser seguida.

O excesso e a imprecisão das leis têm consequências relevantes para o funcionamento da economia. Não apenas são criadas constantemente exigências burocráticas, que implicam custos para as empresas e para os demais agentes econômicos, como as contradições e imprecisões levam a um elevado grau de contencioso e de judicialização das discussões. Esse padrão é extremamente comum nas questões tributárias (tema para um próximo artigo), mas se reflete também em outras áreas de regulamentação da atividade privada.

O dispêndio de energia das empresas no cumprimento de obrigações burocráticas que estão constantemente mudando, nos contenciosos e na defesa de seus interesses num ambiente de intensa atividade legislativa (que gera riscos e oportunidades relevantes para as empresas), certamente afeta o potencial de crescimento do País.

Além do peso morto que a burocracia e o contencioso trazem para as empresas, a necessidade de se protegerem num ambiente de instabilidade institucional acaba absorvendo boa parte da energia da alta direção das empresas, deslocando o foco de questões mais importantes para seu crescimento, como a inovação ou o aumento de produtividade.

Setor público. O excesso de legislação amarra não somente o setor privado, mas também o setor público. Além da excessiva rigidez orçamentária, medidas como o estabelecimento de pisos salariais nacionais para determinadas categorias de servidores dificultam a gestão fiscal de Estados e municípios. A consequência, já comentada em artigo anterior, é uma trajetória de carga tributária crescente e baixo investimento público.

Não é o objetivo deste artigo (nem sequer tenho competência para isso) identificar claramente os motivos que levam à aprovação de tantas leis no Brasil. Certamente, a fragmentação política (com um número excessivo de partidos) e a falta de identidade ideológica da maioria dos partidos favorecem a captura dos parlamentares por grupos de interesse específicos.

O Poder Executivo também tem parte importante da responsabilidade, em consequência de um excesso de ativismo que se reflete na publicação de um volume excessivo de medidas provisórias. Nos últimos 25 anos, publicaram-se em média 50 medidas provisórias por ano (sem contar as reedições) - número que corresponde a cerca de um quarto de todas as leis aprovadas no período.

Qualquer que seja a causa, parece-me que é essencial buscar um ambiente de maior estabilidade institucional no País, com mudanças menos frequentes nas normas, um debate de maior qualidade sobre cada uma das mudanças e, na medida do possível, uma definição mais clara das diretrizes de longo prazo que orientem as mudanças institucionais. Embora o tema seja em grande medida político, deveria integrar qualquer agenda séria de reformas microeconômicas, por seu impacto extremamente relevante sobre a eficiência e o potencial de crescimento da economia.

Talvez seja ingenuidade achar que é possível mudar o padrão de gestão política do Brasil com base em motivações econômicas, mas também me parece um erro assumir que este padrão não pode ser alterado, mesmo que represente um entrave relevante para o desenvolvimento do Brasil.

Falta transparência na administração pública - JOSÉ MATIAS-PEREIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 10/02

É relevante alertar que o Brasil - diante da gravidade da informação de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não repassa dados necessários para permitir que o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF) possam aferir suas operações mais volumosas - está caminhando para inquietante e iminente cenário de conflitos políticos e institucionais.

Conforme se depreende das informações veiculadas pela mídia, o BNDES - que recebeu, desde o início da crise econômica mundial, volume superior a R$ 400 bilhões do Tesouro Nacional - vem dificultando de forma sistemática, desde junho de 2013, o acesso a informações detalhadas que permitam ao TCU realizar auditoria para verificar a regularidade do uso de recursos do banco na construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, bem como em outras duas obras de concessionárias de serviços públicos: uma linha de transmissão para distribuir energia no Centro-Oeste e um terminal portuário em Salvador.

No caso específico da hidrelétrica de Belo Monte, conforme assinala o presidente do TCU, não foram disponibilizadas informações básicas, como relatórios de análise, fontes de publicações e sites especializados que serviram de base para o orçamento e a análise da capacidade de pagamento do consórcio. O total do empréstimo concedido pelo BNDES para o consórcio Norte Energia S.A. para a construção da usina é de R$ 22,5 bilhões.

É sabido que onde existe fumaça há fogo. A resistência do BNDES em facilitar o acesso aos dados solicitados pelo MPF e pela auditoria do TCU sinaliza a possibilidade da existência de indícios que podem revelar desvios e irregularidades na concessão de grandes empréstimos subsidiados.

Frente a esse contexto obscuro, torna-se recomendável fazer duas perguntas. A primeira é se a recusa do BNDES em dar informações detalhadas para permitir uma avaliação da consistência dos megaempréstimos concedidos a diversas empresas atenta contra os dispositivos constitucionais que tratam do controle e da transparência na administração pública. A segunda, se essa postura da instituição é indício de que, por trás das operações, teria havido eventual colaboração, parceria ou conivência de dirigentes, políticos e empresários para viabilizar as transações.

A notícia de que a Procuradoria da República enviou ofício ao BNDES para saber, entre outros dados, quais os 10 maiores valores de projetos de financiamento aprovados revela, em princípio, que as instituições brasileiras, notadamente as da área de controle, estão empenhadas em cumprir suas funções constitucionais.

Registre-se que a recusa do BNDES, considerando a pouca relevância que um dirigente de uma instituição financeira tem na estrutura hierárquica do governo, evidencia indícios de que a ordem para dificultar o acesso às informações vem de autoridades que estão no topo da estrutura governamental.

Assim, em que pese a retórica dos discursos oficiais - favoráveis ao acesso às informações das ações e atividades do Estado, sem restrições, facilitando o controle social -, a recusa do BNDES em responder de forma detalhada e tempestiva os questionamentos do MPF, alegando que os atos referentes à sua gestão bancária, exceto em casos previstos em lei, devem ser mantidos privados, indica que, na prática, prevalece um preocupante desprezo dos dirigentes pelas instituições, em especial, pelos órgãos de controle.

Deve-se recordar que os esquemas montados pelo governo para viabilizar grandes projetos com recursos públicos, tendo como principal financiador o BNDES, começou a desmoronar com o pedido de falência, em 2013, das empresas X. A recusa do banco em fornecer os dados revela fortes indícios de que existe uma preocupação por parte dos dirigentes em resguardar o governo, os políticos e os empresários beneficiados por esses volumosos - e até o momento obscuros - empréstimos.

É relevante alertar: caso os governantes e os políticos continuem nessa escalada insana - recusando-se a se submeterem à Constituição e aos órgãos de controle e negando-se a dar maior transparência às ações e atividades da administração pública -, vislumbra-se, em horizonte não muito distante, uma crise de governabilidade que pode levar o país a vivenciar indesejada situação de impasse na gestão pública.

Revolução Em curso - PAULO GUEDES

O GLOBO - 10/02
Para garantir aumentos de produtividade, o grande desafio à frente é a universalização da educação de qualidade
A prosperidade de um país reflete a produtividade de sua população. São as duas faces de um mesmo fenômeno econômico. A expansão do consumo de uma classe média emergente deve estar lastreada em aumentos de produtividade dos trabalhadores, sob pena de ter fôlego curto. Se o aumento de consumo se baseia apenas em crédito farto, transferências de renda e subsídios aos mais pobres, torna-se financeiramente insustentável ao se descolar dos aumentos de produtividade. Vem daí a importância de investimentos maciços em educação e treinamento, ampliando capacitações e habilitações do trabalhador brasileiro para sustentar o aumento contínuo de nossa produtividade. Garantindo mais empregos, melhores salários e maior competitividade de nossas empresas nos mercados globais.
A revolução educacional brasileira está em curso. As primeiras inovações ocorreram mais próximas dos mercados de trabalho. A busca por melhores salários e mobilidade profissional fez emergir um colossal mercado de reciclagem e treinamento em temas especializados. A criação dos cursos de MBA latu sensu foi uma inovação brasileira, com o DNA das grandes inovações disruptivas. Existem inovações que melhoram produtos em mercados convencionais. São aperfeiçoamentos de produtos bem definidos para consumidores habituais. Mas de tempos em tempos um tipo diferente de inovação surge em uma indústria: a inovação disruptiva. Em vez de melhorar o que existe, a inovação causa uma ruptura, trazendo ao mercado um produto diferente, mais acessível a um novo universo de consumidores, que até então não tinham como usar o antigo produto , diagnostica o especialista Clayton Christensen.

Milhões de crianças participam das Olimpíadas de Matemática promovidas anualmente pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Bilhões de reais foram levantados nos mercados de capitais para o financiamento de fusões, aquisições e investimentos em novas tecnologias por empresas educacionais privadas. A universalização da educação de qualidade através das novas plataformas tecnológicas é o grande desafio à frente. Com a reforma do marco regulatório do ensino superior (choque de oferta) e os programas Fies, ProUni e Pronatec (choque de demanda), vamos transformar o país pela educação.

O círculo vicioso - DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo - 10/02

Os fatos são aterradores. Três moradores de Humaitá (AM) foram sequestrados e, posteriormente, assassinados por um grupo de indígenas da etnia tenharim. Foram mortos com armas de fogo, segundo a Polícia Federal, que conduz as investigações, com o auxílio, decisivo, do Exército Brasileiro.

Paira sobre esse fato, porém, um silêncio, mais que constrangedor, da Funai e dos ditos movimentos sociais, embora noticiado pelos principais meios de comunicação. Quando há uma manifestação, como a da presidente da Funai, é de que esse órgão não está bem a par do que aconteceu. Como assim? Desconhecimento, omissão ou má-fé?

Houve, anteriormente, a morte de um cacique num acidente de moto, algo, infelizmente, banal no País. Contudo um responsável da Funai na região se apressou a dizer que essa morte se devia a questões obscuras, não elucidadas. Tal declaração foi o estopim para que um grupo de indígenas sequestrasse três habitantes da região - um técnico da Eletrobrás, um representante comercial e um professor - que simplesmente trafegavam por uma rodovia.

Lá, sem nada saber, o responsável da Funai dizia saber o que havia acontecido, apesar de todas as evidências em contrário. Agora que as evidências são expostas à luz do Sol, ninguém sabe nada. Diga-se de passagem que esse funcionário, dada a sua irresponsabilidade, foi exonerado de suas funções. O estrago, no entanto, já estava feito. E a irresponsabilidade perdura!

A dita represália indígena por um ato criminoso inexistente terminou suscitando a revolta dos moradores da região, que, clamando por justiça e exigindo a busca dos desaparecidos, acabaram ameaçando os indígenas, queimando os postos de pedágio e atacando algumas aldeias, sem que ninguém tenha saído ferido ou morto. Tampouco isso deve ser tolerado. Aliás, os "pedágios" queimados nem deveriam existir, porque são ilegais. Há muito as autoridades indigenistas deveriam ter tomado medidas para removê-los. Nada fizeram e acirraram os conflitos.

A Secretaria de Direitos Humanos, sempre tão pronta a reagir quando acontece qualquer coisa a um grupo que considera privilegiado do ponto de vista de sua atuação, guarda um silêncio obsequioso. A atitude não deixa de ser paradoxal. Em sua peculiaríssima concepção do humano, exclui todos os que são assassinados por uma questão das mais torpes, tendo como autores seus "humanos" escolhidos. Será que os assassinados não são humanos?

Se um indígena morre num acidente de moto, temos uma comoção nacional e mesmo internacional. Se três não indígenas são assassinados, é como se fosse irrelevante. Há assassinos brancos e indígenas e todos devem ser tratados com o mesmo rigor da lei. Já dizia Darcy Ribeiro que os indígenas não são melhores nem piores que os não indígenas. São simplesmente iguais, humanos nesse sentido. Não pode haver dois pesos e duas medidas.

A Comissão Pastoral da Terra, órgão esquerdizante vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vem, aliás, de publicar um relatório sobre as mortes de indígenas no Brasil listando entre os mortos o cacique Ivan Tenharim, que, sim, morreu, mas, como mencionado, num acidente de moto, o que foi reconhecido por seu próprio filho. Ou seja, o filho do cacique reconhece que o pai morreu num acidente!

O abuso ideológico parece, todavia, não ter limite algum. Trata-se simplesmente de sua exploração política. "Estatísticas" desse tipo, de pouquíssima credibilidade, como se pode ver, têm o objetivo de sempre culpar os empreendedores rurais, o "latifúndio", a "monocultura", e assim por diante. Eis outra forma de "estatística criativa"!

Há todo um panorama de fundo que revela, para além dos assassinatos, o fracasso da política indigenista em vigor. Uma coisa é a imagem vendida, voltada para capturar a simpatia dos incautos que vivem nas grandes cidades, outra é a realidade, que resiste ferozmente a esse tipo de exploração da opinião púbica.

Segundo a Funai, o Conselho Indigenista Missionário e as ONGs indigenistas, os indígenas viveriam reclusos, à margem da civilização, sobrevivendo de caça e pesca. Esse é o discurso vendido à mídia em geral e amplamente comprado. Note-se que os indígenas da região possuem terras suficientes. O problema não é fundiário, ao contrário do que é corriqueiramente alardeado.

Ora, cada casa na aldeia tem uma moto em frente e elas são dotadas de TV e internet. Os indígenas vivem a maior parte do tempo, mesmo trabalhando, em cidades, como Humaitá. São, pois, aculturados - embora a Funai deteste esse nome, que contraria tudo o que faz. Querem, isso sim, as comodidades da civilização e não sua subtração. Querem o bem-estar que almeja todo brasileiro. Deveriam ser contemplados em suas demandas, com políticas sociais (educação, saúde, emprego, moradia e luta contra o preconceito) que atendessem às suas exigências. Trata-se do seu direito!

Mais importante ainda foi a declaração de um cacique de que o modelo indigenista da Funai está ultrapassado. Um cacique do Norte do Brasil tem a mesma posição dos "ruralistas", ambos coincidindo na ideia de que o País deve sofrer uma profunda revisão de sua política indigenista.

Mas a Funai procura aproveitar-se da situação, dizendo que o problema geral do País é meramente fundiário. Ou seja, esse órgão estatal vive da ficção ideológica de fazer do Brasil uma espécie de museu indigenista, na verdade, uma forma de zoológico. Não são os interesses dos indígenas que são atendidos, mas as posições ideológicas verbalizadas em escala nacional e global pelos ditos movimentos sociais e pelas ONGs indigenistas.

O círculo é totalmente vicioso. Os indígenas responsabilizam a Funai, que, por sua vez, culpa os produtores rurais, que reagem às provocações, que repercutem na mídia como se fossem eles os responsáveis pelos conflitos indígenas. O status quo só favorece os semeadores de conflitos e de violência.

Batalhas de 2014 - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 10/02

BRASÍLIA - Volto das férias, circulo pela Esplanada dos Ministérios e encontro um clima de apreensão no ar. O ano começa com uma onda de pessimismo que preocupa a equipe da presidente Dilma Rousseff.

Um assessor presidencial, muito próximo da chefe, diz que esta será a eleição mais difícil para o PT desde que Lula ganhou a Presidência da República pela primeira vez.

Nem 2006, pós-mensalão, aponta ele, foi tão complicado. Há muitas batalhas pela frente. Da Copa, da energia, da violência, mas tudo pode ser superado se a maior de todas, da economia, não jogar contra.

Aí, um outro assessor graúdo da presidente diz que a bola está com o governo. Primeiro, recomenda que não é hora de, a cada notícia boa da inflação, "correr para o alambrado" e ficar comemorando como se a batalha já estivesse superada.

Mesmo porque, depois do número bom de janeiro, a inflação deve voltar a subir em fevereiro, mês de nova decisão sobre taxa de juros.

O momento, diz esse auxiliar, é de mudar, definitivamente, o discurso na economia. Não há mais espaço para declarações que deixem escapar certa tolerância com a inflação.

O fato é que, até pouco tempo, este governo sinalizava estar satisfeito com uma inflação roçando os 6%, sempre apregoando que ela estava abaixo do teto da meta oficial.

Avaliação recorrente que contaminou os agentes econômicos, que passaram a trabalhar como se esse fosse o patamar mínimo de alta dos preços no país. Resultado, uma inflação cada vez mais resistente.

Agora, há um trabalho para unificar o discurso no governo, na linha de que a meta é levar a inflação, sim, para 4,5%. Focar não só a fala neste objetivo, mas principalmente as ações, sem deixar dúvidas no ar.

Enfim, o primeiro teste para checar se a a ficha, de fato, caiu no Planalto será no anúncio do tamanho do ajuste fiscal para ajudar no combate à inflação. O problema é que este governo adora dar tiro no pé.

Brasil maravilha - RUBEM AZEVEDO LIMA

CORREIO BRAZILIENSE - 10/02
Queira-se ou não, os artigos do ex-presidente Fernando Henrique, publicados em O Globo, não podem merecer melhor título para os leitores e eleitores brasileiros, sejam eles do partido que forem. O ex-presidente, professor de sociologia, foi mestre de textos puros na sua lusitanidade, em seu brasilismo, na política ativa pós-desmilitarizada.
Sua elegância, na política, vi no Senado, repelindo uma jornalista em cobrança amorosa, no fim, aceita por ele. Sua mulher, ex-aluna, exigiu-lhe indenização para a jornalista. Ele assumiu tal compromisso e pagou o processo. Mas, na revisão processual, foi vitorioso contra a jornalista, que tinha gasto o primeiro pagamento e não teve dinheiro para lhe devolver. Fernando Henrique perdoou-a. Ela não tinha como pagar-lhe, pois mudara-se para a Espanha.

Itamar Franco, vice-presidente de Collor, com a cassação deste, assumiu o mandato e organizou novo ministério. Fernando Henrique, então senador, foi chamado para o Itamaraty. O senador Jamil Haddad, médico, foi depois indicado por Itamar a FHC, como seu grande amigo, para ministro da Saúde. Esse, como auxiliar de Itamar, faria o mesmo a Fernando Henrique.

O exemplo não impediu FHC de aceitar o cargo que Itamar lhe ofereceu, longe do Itamaraty, para gerir a economia brasileira com economistas mineiros. Tudo gente nova, em cuja capacidade Fernando Henrique logo viu que era gente boa. Itamar, em política, tinha grande experiência, indicando, também para ajudar Fernando Henrique, Pedro Simon (PMDB-RS), com o qual o ministro já lidava cordialmente, no plenário do Senado, para a coordenadoria política.

Fernando, em O Globo sobre o PT (2/2), fala do lulismo após 12 anos, fazendo difamações pagas pelos cofres públicos. O Brasil, com o PT, diz que fez um país maravilhoso. Para FHC, são "incongruências cognitivas" desse partido, que não sabe o que faz.

Francamente: os petistas provocaram o Supremo tribunal Federal, dando bananas aos ministros, coisa de quem não tem respeito à democracia. Enfim, salve-se tudo no STF. A começar pelos ministros. A primeira página do Superesportes do Correio Braziliense de domingo 2/2 trouxe a imagem de uma mulher, na Rússia: protestou-se, em São Petersburgo, mas sem ofensa, nas manifestações populares mundiais contra uma lei. Mas nada como fez o PT e sua gente, com a banana. FHC jamais chegará a esse ponto em seus escritos.

Zero a zero é goleada - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 10/02

SÃO PAULO - Quem brinca com a Fifa acaba chamuscado. O governo federal e uma dúzia de Estados e municípios pagaram para ver e agora tentam reduzir os danos.

A Copa deixaria benfeitorias urbanas permanentes nas cidades brasileiras que sediassem os jogos. Estádios caríssimos seriam erguidos nos cafundós da pátria, e as receitas que obtivessem ao longo dos anos cobririam o investimento.

Na hora do desembolso, o bom e velho BNDES compareceu com o grosso da verba. Não fosse o banco estatal, não haveria Copa no Brasil --ou teríamos de reduzir o gigantismo do projeto para torná-lo compatível com o apetite privado.

Mas os subsídios não pararam aí. Uma cidade que vive da mão para a boca como São Paulo ofereceu cerca de meio bilhão de reais em renúncia fiscal para o estádio do Corinthians. Outros governos municipais e estaduais também absorveram sua parcela da conta pela festa.

O resultado era previsível. O esforço de endividamento e gasto exigido direta e indiretamente do poder público para custear os jogos redundaria em menos, e não mais, capacidade de investir na depauperada e esgarçada infraestrutura urbana.

Apesar dos apertos pontuais, bancar a Copa não terá sido despesa comprometedora para as finanças do sétimo maior PIB do mundo. O indesculpável foi os governos terem vendido ao público a farsa do "legado", abrindo mão de racionalizar e reduzir a ambição obreira do evento.

O Planalto gastou mais alguns trocados do nosso dinheiro numa pesquisa para concluir exatamente isso. A população percebeu que o discurso das benfeitorias nas cidades era conversa para boi dormir.

Futebol deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como meio de melhorar a vida urbana, sugeriram os pesquisadores. A capitã Dilma mudou de tática e vai entrar em campo nesta Copa para segurar o empate. Zero a zero é goleada.

Nada de novo no front - EDSON JOSÉ RAMON

GAZETA DO POVO - PR - 10/02

Para todas as pessoas e para o empresário em particular, a chegada de um novo ano é sempre motivo de preocupação diante dos desafios e problemas inesperados. Por mais esmerado que seja o planejamento empresarial, é razoável manter um leque de alternativas para contornar, ou minimizar, o efeito negativo dos obstáculos no campo da política econômica.

O ano de 2014, para não contrastar com a realidade, não será um ano fácil para o empresariado, a começar pela tímida expectativa de crescimento da economia (2%), numa repetição dos pífios resultados dos últimos três anos. Assim, o cenário repleto de dúvidas e incertezas leva o empreendedor a manter-se na defensiva, o que é perfeitamente natural, retardando a execução de planos de investimentos na atividade produtiva.

Para que o investidor, incluindo o estrangeiro interessado em investir no Brasil, sinta-se estimulado a dinamizar o ritmo de seus negócios, em qualquer economia equilibrada é imprescindível contar com a firmeza de um arcabouço cujas linhas fundamentais não se abalem com adversidades momentâneas, como ocorre de forma recorrente em nosso país.

O exemplo gritante continua sendo a perversa carga tributária imposta sobre a parcela da sociedade que contribui diuturnamente para a produção da riqueza nacional. No exercício de 2013, a soma arrecadada pela União, estados e municípios chegou a R$ 1,8 trilhão, dos quais R$ 1,1 trilhão em impostos e tributos federais. A quantia é sem precedentes, embora governadores e prefeitos continuem com o chapéu nas mãos, apelando desesperadamente aos governantes de Brasília pela maior transferência de verbas destinadas à melhoria da qualidade de vida de seus concidadãos.

O grupo político no poder há mais de dez anos não teve capacidade ou discernimento político-administrativo para propor e aprovar um novo Pacto Federativo e, apesar da esmagadora maioria no Congresso, não produziu uma reforma tributária apropriada. Os tributos necessários à prestação de serviços básicos de responsabilidade do Estado, nem mesmo cumprem seu papel, haja vista o escândalo abusivo das filas nos hospitais públicos e beneficentes, no precário sistema educacional, na quimérica mobilidade urbana e na mais flagrante de todas as deficiências, a segurança do indivíduo e seus familiares, além da defesa dos bens patrimoniais.

E a infraestrutura? A cidadania constatou com espanto o investimento feito pelo governo num porto cubano com recursos liberados pelo BNDES, em detrimento de médias empresas brasileiras que dificilmente têm acesso aos financiamentos do banco estatal, dada a preferência deste pela concessão de privilégios às grandes corporações.

O empresário também não consegue ver a modernização das leis trabalhistas adotadas nos anos 40, cuja defasagem incrementou a informalidade. Por outro lado, há a sombra onipresente da burocracia, teia indevassável de normas, prescrições e regulamentos – que mudam ao sabor da corrente – onerando a atividade empresarial, sobretudo de micro, pequenos e médios empresários, justamente os que dão a maior contribuição à geração de empregos e renda.

Há, ainda, um ângulo da floresta de nocividades a destacar. Trata-se do elevadíssimo valor dos spreads (dentre os mais altos do mundo) que, apesar dos constantes apelos do setor produtivo, os bancos cobram na concessão de empréstimos a pessoas físicas e jurídicas, dificultando as intenções de investimento em inovação e desenvolvimento da capacidade produtiva.

Assistimos a um combate desigual entre o setor produtivo e o Estado que não produz um centavo de riqueza, mas se apropria regaladamente da riqueza produzida pelo capital e o trabalho. Precisamos sair da inércia e virar o jogo!

Corrupção e serviço público - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 10/02

Este ano, farei 30 anos de BNDES. Como seu funcionário e como cidadão, tenho as minhas opiniões próprias e sei que, não raras vezes ao longo da sua trajetória, as críticas que o Banco recebeu foram justas. Há um elemento, porém, que é fator de orgulho para os que trabalham na instituição: a imagem em matéria de lisura pessoal no relacionamento com as empresas. Em quase três décadas na casa, nunca soube de nenhum funcionário da instituição em relação ao qual, em voz baixa, os demais colegas opinassem que fosse corrupto e propenso a favorecer A ou B por receber dinheiro de alguma empresa.

Há duas razões para o trato adequado com a coisa pública. Uma é a natureza das pessoas e a forma em que entendem a ética. A outra é o conjunto de procedimentos internos de uma organização, na qual, no caso do BNDES, destaca-se a existência de decisões colegiadas através dos diversos comitês e comissões que se tornaram parte da cultura da casa e foram incorporadas às suas normas.

Para que uma compra, por exemplo, seja passível de irregularidade ética numa empresa, a decisão muito provavelmente deve ser tomada por apenas uma ou duas pessoas ou por um círculo muito fechado. Se, porém, uma licitação envolve uma comissão formada por diversos indivíduos, de várias áreas, criteriosamente escolhidos e com reputação de honestidade, é praticamente impossível que a corrupção tenha chance de se esgueirar, pela mesma razão que é pouco provável encontrar um inseto em uma área dedetizada: o corrupto e os corruptores tendem a evitar lugares onde sabem que não têm espaço para agir.

A reflexão vem a propósito da repetição de escândalos na vida política do país, em diversos períodos, com os mais diversos partidos no poder e em todas as esferas administrativas de governo.

Uma análise desapaixonada da evolução do país ao longo dos últimos 30 anos mostrará grandes avanços. Em termos gerais e tratando das questões mais importantes, a partir de 1985 o Brasil se tornou uma democracia sólida, conquistamos a estabilização e as melhoras sociais são inequívocas: a redução da pobreza, o aumento da renda dos mais pobres, a elevação do salário mínimo, o Bolsa Família e a redução do desemprego estão aí a mostrar que o país se aproximou dos países desenvolvidos.

O brasileiro sabe que, em matéria de inflação, não vive na Suíça, mas tem razões para ter orgulho, por exemplo, do nosso Banco Central, como uma instituição séria e vigilante no controle da inflação, assim como do nosso sistema eleitoral, da urna eletrônica, da eficiência de algumas das suas instituições, da liberdade de imprensa etc. Onde, claramente, o país falha é na relação existente entre os partidos e as políticas públicas. A exposição das vísceras de como se operam algumas negociações entre os partidos para pressionar o Executivo no preenchimento de diversos cargos, nos diferentes níveis da Federação, feita recorrentemente a cada escândalo noticiado na mídia, indica claramente onde reside o mal a ser extirpado. Isso passa pela maior profissionalização do serviço público e por uma redução drástica do número de cargos ocupados por indicação política. Acostumamo-nos, com o passar dos anos, com coisas que invadem nosso cotidiano com ares de normalidade, mas é evidente que um partido brigar para indicar o diretor financeiro ou o responsável pela área de compras de uma estatal é um completo disparate em matéria de gestão.

Albert Camus dizia que “quando as elites traem, as sociedades morrem”. É preciso que nossa classe política esteja atenta para o significado da frase, porque a reforma da gestão pública é a grande tarefa pendente na nossa sociedade. O país avançou, há liberdade, temos inflação baixa e uma sociedade mais justa, mas a pilhagem de recursos por uma classe voraz ameaça se tornar um câncer e minar as bases da democracia. A solução passa pela redução do grau de discricionalidade do Estado, para que quem decide não tenha uma soma de poderes como a que é citada na epígrafe deste artigo. Quem compreender isso será o grande líder do Brasil futuro.

Credibilidade perdida - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 10/02

Não são poucos os fatos que indicam, a meu juízo, a ocorrência de acontecimentos que podem adquirir feições desagradáveis. Por ora, limitar-me-ei a apontar dados de certa forma preliminares, mas incontroversos quanto à sua ocorrência e notórios no que pertine à autenticidade, uma vez que têm a chancela insuspeita do Ministro da Fazenda. O douto sucessor de Murtinho, a partir da metade do ano passado, falou na crise da credibilidade e proclamou a necessidade da campanha pela “restauração de credibilidade”. Não externou esse juízo de evidente gravidade na concha do ouvido de alguém de sua estrita confiança, mas o fez de maneira pública, divulgada pelos meios de publicidade. Se o eminente ministro falou em “restaurar a credibilidade”, ele parte do fato de que a credibilidade do governo foi perdida, pois não se restaura senão o perdido; o conservado se guarda e bem guardado. Ora, o ministro não é um boquirroto, pode alguém entender que ele não seja um talento fulgurante, mas ninguém dirá que seja um retardado. Aos demais, nenhum de seus 38 colegas, salvo engano, tornaram públicas eventuais divergências a respeito com o gestor das finanças e mais, a senhora presidente não disse uma palavra que importasse em reserva à ideia ministerial no sentido de “restaurar a credibilidade”, e da pasta remover seu imediato colaborador. Isto posto, sou obrigado a apontar uma ou duas decorrências que podem ser ilustrativas.
Os 15 países que concertaram operações financeiras com o Brasil mediante o BNDES, tiveram a divulgação sem reserva dos seus termos, inclusive quanto aos seus preliminares; no entanto, a dois contratos, e seus papéis preparatórios, foi imposto o segredo; Cuba e Angola tiveram esse tratamento diferenciado. Só em 2027, dizem as notícias a respeito, cessará a secrecidade envolvendo Cuba e Angola, e o Brasil, obviamente. Curiosamente, essa decisão discrepante foi imposta um mês depois da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação. Este o fato, nu e cru.
Treze das 15 nações celebraram com o Brasil contratos de financiamento acessíveis a qualquer um, pois “é assegurado a todos o acesso à informação”, reza o art. 5º, XIV, da Constituição, cujo inciso LXXIII, do mesmo artigo estipula, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural…”, complementados pela Lei de Acesso à informação e, no entanto, até 2027, o segredo acompanhará como a pele ao corpo as avenças com Cuba e Angola. Ora, diante dessa situação qualquer pessoa pode intuir ou deduzir o que sugira a imaginação, a criação ou a comparação, com razão ou sem ela, e desse modo poluir ainda mais a credibilidade da nação e de sua política, no tocante às duas nações discriminadas das demais 13, Cuba e Angola. A simples denominação de ambas basta para irmaná-las à ideologia estampada na “cortina de ferro”, uma das mais visíveis e tangíveis frases do totalitarismo no século 20.
Por este ou aquele motivo a senhora presidente vem de visitar uma das nações, e nada discreta foi nas referências ao que o Brasil fizera e estava por fazer, inclusive quanto a doação a Cuba lá anunciada, também serão segredos ou não. Mas o assunto está a merecer exame em espaço especial, o que agora me falta.

Vulnerável - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 10/02

Discussões em torno da importância do planejamento e da capacidade de gestão dos governos tendem a ser consideradas áridas e distantes dos interesses da população.

No entanto, são cruciais e a atual crise do sistema de energia é um exemplo concreto da falta que fazem ao país.

A semana começa sem resposta para mais um apagão que deixou às escuras 6 milhões de pessoas em 13 Estados brasileiros.

Para efeito de análise de conjuntura, mais importante que o fator pontual, específico, que justifique a interrupção, é constatar a evidente vulnerabilidade do sistema, exposto à pressão das altas temperaturas registradas, ao declínio dos níveis dos reservatórios e à alta do consumo.

A demanda média do período está 8% acima das previsões feitas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico. Para se ter uma ideia mais clara do quadro, 75% da nossa produção energética vêm de fonte hidráulica e os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste terminarão fevereiro com menos de 40% da capacidade.

Não pode ser simplesmente negligenciado ou reduzido a uma mera coincidência o fato de que, na terça-feira, o Sul atingiu seu recorde de carga apenas três minutos antes da falha no sistema de transmissão que causou o apagão.

Sintoma que expõe, em princípio, a hipótese de estar começando a haver desequilíbrio estrutural entre a capacidade de oferta e a demanda de energia no país, que o governo, a todo custo, tenta descartar, fazendo piadas diversionistas com descargas elétricas, ou sugerindo mais terceirização de responsabilidades.

Como parece ser menos provável que haja problema de geração, tudo converge para uma eventual precariedade das linhas de transmissão. Mais de dois terços das que estão em construção sofrem atrasos (média de 13,5 meses) e pode estar havendo investimento muito menor que o previsto na manutenção, em face da atabalhoada mudança de regulação, que provocou incertezas, desconfianças e --quem sabe-- até um investimento menor que o necessário.

Poderíamos estar contando com os parques eólicos para compensar os problemas no segmento hidroelétrico. Infelizmente isso também não é possível, porque simplesmente não foram concluídas até hoje as respectivas linhas de transmissão.

Para o governo, o espaço para manobras vai se reduzindo e restam poucas alternativas: se reajustar tarifas, alimenta a inflação; se subsidiar ainda mais o custo, amplia o deficit nas contas públicas.

No geral, são erros imperdoáveis, para quem passou praticamente uma década inteira à frente do sistema energético nacional, advogando a excelência da gestão.

A realidade sempre cobra o seu preço. Pena que, mais uma vez, a conta pelo improviso seja paga pelos brasileiros.

Os frutos da privatização - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 10/02

Políticas públicas balizadas pelo interesse dos cidadãos, e não por renitente apego a ideias ultrapassadas, explicam o imenso contraste entre a qualidade alcançada pelas estradas de São Paulo e o estado precário em que permanece a maioria das rodovias de outras regiões do País, sobretudo as de responsabilidade federal. Enquanto o governo federal, depois da chegada do PT ao poder, retardou o quanto pôde a entrada de capital privado no setor de infraestrutura, há muito tempo o governo paulista tomou a decisão de transferir para empresas ou grupos particulares a gestão de importantes rodovias estaduais. As diferenças resultantes dessas políticas são notórias para os usuários.

Pesquisas da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostram como é desconfortável, caro e arriscado trafegar pelas rodovias do País, pois mais de 60% delas têm problemas de sinalização, pavimentação e traçado. A malha rodoviária do Estado de São Paulo é a exceção. Em São Paulo estão todas as dez melhores estradas do País. E, não por acaso, todas elas são operadas e conservadas, no regime de concessão, por empresas privadas, que, por imposição contratual, as mantêm em boas condições de utilização. Das dez melhores, só uma é de responsabilidade federal (a Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro), mas ela foi privatizada em 1995, ainda no governo FHC.

Estudo que acaba de ser divulgado pela Fundação Seade, vinculada ao governo paulista, mostra que, de 1998 a 2012, dos US$ 235,9 bilhões investidos em infraestrutura no Estado de São Paulo, US$ 141,3 bilhões (60% do total) foram aplicados por empresas particulares. Especificamente na área de transportes, essas empresas investiram US$ 71,6 bilhões no período, o dobro do montante aplicado pelo governo ou por empresas estatais (US$ 35,6 bilhões). O dinheiro público destinou-se basicamente ao transporte metropolitano sobre trilhos, enquanto o investimento privado se concentrou nas rodovias.

Recorde-se de que, em 1998, o governo paulista concedeu a empresas particulares as principais vias de acesso à capital (os sistemas Anhanguera/Bandeirantes, Anchieta/Imigrantes, Castelo Branco/Raposo Tavares, além de diversas ligações viárias no interior). O programa estadual teve novo impulso entre 2007 e 2010, com a concessão das Rodovias Ayrton Senna, Carvalho Pinto, Dom Pedro I, Raposo Tavares e Marechal Rondon, além dos trechos Oeste, Sul e Leste do Rodoanel. Os resultados práticos estão na qualidade dessas rodovias.

Nesse período, o governo federal concedeu as rodovias Régis Bittencourt e Fernão Dias, de acordo com critérios bem diferentes dos adotados nas concessões estaduais (as federais foram baseadas no critério da menor tarifa de pedágio) e, por isso, os resultados em termos de melhoria do sistema demoraram mais para surgir.

A forte presença do capital privado, diz o estudo, foi essencial para impulsionar os investimentos em infraestrutura no Estado de São Paulo e evitar gargalos, embora em algumas áreas sob responsabilidade federal, como a de portos e aeroportos, o risco ainda persista.

No setor de energia, que recebeu investimentos de US$ 67,4 bilhões entre 1998 e 2012, os aportes dividiram-se entre empresas privadas e públicas. Os investimentos estatais somaram US$ 34,3 bilhões, dos quais a Petrobrás respondeu por dois terços. As empresas privadas investiram basicamente em serviços de eletricidade (US$ 26,2 bilhões), seguindo-se as aplicações em gás e na produção de etanol e biodiesel.

No setor de comunicações, privatizado em nível nacional na gestão FHC, os investimentos totais de US$ 35,2 bilhões compilados pela Fundação Seade foram todos de origem particular, e concentrados no ano de 1998, quando as estatais vinculadas ao Sistema Telebrás passaram para o controle privado.

Também vultosos foram os investimentos em saneamento básico (US$ 26,2 bilhões), mas, nessa área, a presença do capital privado ainda é tímida, em razão do atraso na definição do marco legal (de 2007) e das dificuldades das prefeituras para estabelecer parcerias com o capital privado.

A primeira fugitiva - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 10/02

Graças à médica cubana Ramona Matos, foi possível comprovar com documentos o que todos já consideravam certo


Quando Cuba resolveu exportar médicos para a Venezuela, milhares deles aproveitaram a chance e fugiram para os Estados Unidos. Assim que o governo brasileiro admitiu que havia enganado a população e confirmou a vinda de médicos cubanos para o Brasil (medida que havia sido “descartada” em julho do ano passado), já houve quem antecipasse que, aqui, eles também tentariam escapar. Pouco mais de cinco meses depois da chegada dos primeiros profissionais, surge a primeira fugitiva: Ramona Matos Rodríguez, que atuava no Pará, encontrou refúgio no gabinete da liderança do Democratas na Câmara dos Deputados. Ela fugiu ao verificar que recebia muito menos que seus pares de outras nacionalidades que integram o programa Mais Médicos – Ramona recebia US$ 400, menos de 10% do salário-padrão do programa, de R$ 10 mil.

Desde agosto de 2013 já se apontavam inúmeros problemas nesta parceria do governo brasileiro com Cuba, em uma violação clara de nossas leis trabalhistas. Os médicos cubanos eram os únicos que não ganhavam o salário diretamente: seu contrato exigia uma triangulação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que receberia o dinheiro do Brasil e repassaria apenas parte dele aos médicos – além dos US$ 400 pagos ao profissional, outros US$ 600 seriam depositados em uma conta cubana que o médico poderia supostamente sacar quando voltasse a seu país. Do restante do dinheiro, nem sinal. Graças às informações de Ramona, surgiu o nome de outra entidade, a Sociedade Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos – um nome apropriado, já que a ditadura vende os serviços de seus profissionais e embolsa parte do dinheiro. Essa “sociedade mercantil” era desconhecida até a fuga de Ramona: urge investigar sua natureza e descobrir quem está por trás dela.

A denúncia de Ramona levou o Ministério Público do Trabalho a dar mais atenção ao caso dos médicos cubanos. O procurador Sebastião Caixeta já disse que Ramona tem, sim, direito aos R$ 36 mil que pede pelo tempo de trabalho não pago a ela. Graças à médica, o MPT finalmente teve acesso ao contrato de trabalho dos cubanos, que o governo escondia sob absurdas cláusulas de confidencialidade. “Todos foram recrutados para o que seria um curso de pós-graduação e especialização nas modalidades ensino, pesquisa e extensão. E não é isso que nós vimos. Há uma relação de trabalho e o que eles recebem é salário e não uma bolsa”, disse Caixeta ao jornal O Globo.

O procurador, que se encontrará hoje com Ramona, ainda acrescentou: “Mesmo recebendo entre 25% a 40% já seria uma distorção, uma discriminação que não é aceita pelo ordenamento jurídico nacional. E nem pela Constituição e tratados internacionais. (...) O tratamento que os cubanos estão recebendo viola o Código de Práticas para Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde, que é da Organização Mundial da Saúde”. Convenhamos: dadas todas as informações e reportagens publicadas sobre a atuação dos cubanos, já era evidente desde o início que eles não estavam aqui para fazer cursos, mas para trabalhar como qualquer outro médico. O surgimento do contrato é apenas a prova irrefutável do que todos já sabiam: havia muita coisa errada na vinda dos médicos cubanos.

Ramona ainda explicou outras restrições que só se aplicam aos médicos cubanos: ao contrário dos profissionais de outros países, os cubanos não podem trazer a família (Ramona tem uma filha, também médica, em Cuba) e, se querem visitar alguma outra cidade, precisam avisar um “supervisor”. Com o direito de ir e vir cerceado e suas famílias mantidas praticamente como reféns em Cuba, os médicos se encontram em uma situação de quase coação no Brasil. Ramona decidiu quebrar essa dinâmica.

A médica não se contentou em pedir asilo ao Brasil: fez o mesmo pedido aos Estados Unidos, que têm um programa específico para médicos cubanos desde 2006. Foi a decisão mais inteligente. Afinal, há precedentes para que cubanos não confiem no governo petista. Em 2007, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara fugiram durante os Jogos Pan-Americanos, no Rio. Foram caçados, encontrados e devolvidos a Fidel Castro. E, em agosto do ano passado, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse explicitamente o que aconteceria a médicos cubanos que resolvessem pedir asilo no Brasil: “Nesse caso me parece que não teriam direito a essa pretensão. Provavelmente seriam devolvidos”. Ramona ouviu de uma amiga que a Polícia Federal já esteve na cidade onde a médica trabalhava, no Pará, para saber do seu paradeiro. Que o Brasil não dê a ela o mesmo fim que deu a Rigondeaux e Lara.

Poucas e boas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/02

Na reinstalação dos trabalhos no Congresso, semana passada, início do ano legislativo, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), propôs incluir numa “pauta positiva” a reforma política, tema eterno na agenda de deputados e senadores. Foi aconselhado a esquecer, pois ano eleitoral não é adequado a temas sensíveis como este.

Mais do que isso, está-se longe de algum consenso mais amplo em torno de pontos essenciais, como sistema de votação, por exemplo. O PT é um dos poucos partidos que têm um projeto, mas sem condições de receber o apoio necessário em plenário. E como alguns aspectos da legislação estão protegidos por quórum qualificado, a fragmentação torna impossível alterações mais profundas.

Não é ruim esta barreira, ao contrário, pois normas legais precisam estar protegidas da formação de maiores eventuais nas Casas legislativas, muitas vezes devido a interesses corporativistas e derivadas de outras motivações subalternas. Daí dispositivos constitucionais e leis complementares não poderem ser modificados por decisões tomadas por maioria simples. Não é peculiaridade brasileira. Essas exigências existem em toda democracia.

Dois dos pontos centrais da proposta petista — votação em lista fechada e financiamento público de campanha — não transitam com facilidade junto à opinião pública, segundo pesquisas, o que influencia o plenário. As duas mudanças estão relacionadas entre si, porque o financiamento público integral de campanha depende, para ser praticado, da lista fechada, em que há número fixo de candidatos.

A desaprovação majoritária, nas ruas, das duas mudanças é justificável. Afinal, a lista fechada aumenta bastante o poder já elevado das cúpulas partidárias, responsáveis por formatá-la. Diretamente ou por meio da definição de critérios para o seu preenchimento.

Enquanto o financiamento total das campanhas, por representar mais um ataque ao bolso do contribuinte, é rejeitado por motivos evidentes. Não bastasse o Brasil ser um dos recordistas em carga tributária.

Outro aspecto é que se trata de ilusão esperar que a estatização completa das finanças das eleições seja eficaz antídoto ao caixa dois, ao dinheiro “por fora”.

É o bastante lembrar dos artifícios usados para lavar dinheiro no esquema do mensalão para se concluir que há ampla tecnologia disponível para injetar ilegalmente recursos no cofre de partidos e bolso de candidatos.

Tudo isso não significa que não sejam necessárias mudanças na legislação. Mas nada heroico. Tópicas alterações para acabar com a coligação em eleições proporcionais e instituir, enfim, uma cláusula de acesso de partidos às Casas legislativas já patrocinariam melhorias substanciais no quadro político. Poucas e boas alterações.