FOLHA DE SP - 13/01
Para cumprir meta fiscal, governo federal adiou pagamentos de despesas que deveriam ter ocorrido em 2013, prática preocupante
A última tentativa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de mostrar austeridade nas contas públicas só evidenciou que os problemas são maiores que o esperado.
No dia 3 de janeiro, Mantega antecipou a divulgação dos resultados de 2013 para tentar acalmar os "nervosinhos" com o (mau) estado das finanças do governo. Soube-se então que o superavit primário (o saldo entre receitas e despesas antes do pagamento dos juros da dívida pública) foi de R$ 75 bilhões, R$ 2 bilhões acima da meta.
O calmante ministerial durou poucos dias. Primeiro, porque já se sabia que 45% dessa poupança decorreu de receitas atípicas oriundas do leilão do campo de petróleo de Libra e do pagamento de débitos tributários de empresas.
Em segundo lugar, e principalmente, pelo que se descobriu depois: que outro percentual, ainda incerto, derivou de adiamentos para 2014 de despesas que deveriam ter sido pagas em 2013, os chamados restos a pagar.
Estes podem ser de dois tipos: processados e não processados. Os primeiros são gastos com serviços já efetuados e reconhecidos pelo governo, restando apenas o desembolso do dinheiro. No outro caso, ainda não se reconheceu a entrega dos serviços e o valor pode até vir a ser cancelado.
Reportagem do jornal "Valor Econômico", baseada em dados da ONG Contas Abertas, mostrou que os restos a pagar processados teriam chegado a R$ 51 bilhões no ano passado, frente a R$ 26,2 bilhões ao final de 2012. A Fazenda apresentou outro número, R$ 33,5 bilhões, o que ainda representaria uma alta de 27% no ano.
O montante preciso só será conhecido com o fechamento das contas. Mas ao que parece houve manobras para superar a meta, como o adiamento de repasses a Estados e municípios no fim do ano.
Mais preocupantes que o resultado pontual são as tendências. Nos últimos tempos, os restos a pagar vêm crescendo de forma acelerada, atingindo em conjunto R$ 235,5 bilhões ao fim de 2013 (segundo a Contas Abertas) ou R$ 218,3 bilhões (conforme a Fazenda).
Diferenças à parte, tais cifras são tudo menos "restos". Representam verdadeiro orçamento paralelo, que o governo executa conforme conveniência, e evidenciam a perda de transparência das contas.
Especialistas alertam que bom pedaço do custo dos financiamentos subsidiados do BNDES e do Minha Casa Minha Vida ainda não apareceu, o que pode explicar parte do aumento dos restos a pagar.
Assim surgem os esqueletos no armário, que um dia sairão para assombrar os gestores encarregados de arrumar a bagunça.
O governo mina cada vez mais a credibilidade da política econômica. Não parece perceber que já não engana ninguém. A consequência dessa gestão temerária das contas públicas está à vista de todos --inflação e juros em alta.
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