quinta-feira, janeiro 09, 2014

As lamúrias de Haddad - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo -09/01

Que um governante se mostre triste por não poder fazer tudo o que queria para melhorar as condições de vida da população que o elegeu, é coisa louvável. Mas não é bem esse o caso das lamúrias do governo de Fernando Haddad, que não para de se queixar da falta de recursos que vai enfrentar em 2014 e talvez até mesmo no restante de seu mandato, ao mesmo tempo que procura desculpas nada convincentes para a incapacidade de cumprir promessas de campanha feitas para agradar à plateia, sem pensar nos dados da realidade.

O aumento frustrado do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o adiamento, sabe-se lá para quando, da renegociação da dívida da Prefeitura com o governo federal são apontados como os principais culpados pelas agruras da atual administração municipal. Sem os R$ 800 milhões que esperava receber a mais com o reajuste do IPTU, por exemplo, barrado pela Justiça, a Prefeitura alega que não terá recursos para oferecer a contrapartida necessária para receber alguns bilhões prometidos pelo governo federal.

A presidente Dilma Rousseff se comprometeu a repassar ao governo Haddad R$ 5,7 bilhões para investimentos na capital. A contrapartida da Prefeitura deve ser de R$ 1,5 bilhão. Segundo o secretário municipal de Finanças, Marcos Cruz, em declarações ao jornal Valor, uma parte desse total - R$ 700 milhões - deve resultar de medidas que estão sendo adotadas pela Prefeitura. Os restantes R$ 800 milhões viriam da arrecadação extra esperada do IPTU. O culpado pelo fracasso do esquema seria a Justiça.

"O Judiciário", diz Cruz, "está acabando com o imposto sobre propriedade. As prefeituras vão ficar com medo de fazer uma coisa legítima que é (reajustar) o imposto sobre propriedade pela Planta Genérica de Valores (PGV)." Para ele, a impossibilidade de reajustar o IPTU aumenta a regressividade do sistema tributário e afeta a autonomia dos municípios. Essa é uma interpretação grosseira e irresponsável dos fatos, que não corresponde à verdade e por isso não fica bem para uma autoridade.

Em primeiro lugar, a decisão da Justiça - por meio de liminar - nem é definitiva, podendo, em princípio, vir a ser favorável à Prefeitura, quando do julgamento do mérito. E, mesmo se a liminar for mantida, isto não representará o que afirma Cruz. Continuará sendo possível, sim, reajustar o IPTU pela revisão da PGV, só que não da forma feita pela Prefeitura paulistana. O erro de Haddad foi a ganância, o exagero, o aumento claramente além do razoável. Foi pensar que podia usar o IPTU para, sem mais nem menos, conseguir os R$ 800 milhões que queria. Se fosse mais contido, não perderia tudo.

Quanto à renegociação da dívida - que prefeitos das orientações as mais diversas também tentaram -, o erro de Haddad foi o mesmo cometido pela ex-prefeita Marta Suplicy. Ela apostou na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República e na ajuda que ele lhe poderia dar para renegociar a dívida. Este foi o principal elemento - apesar de sua insistência na tese de que não tinha recursos para isso - que a levou a não fazer a amortização de R$ 3 bilhões, em novembro de 2002, conforme exigia o acordo.

O resultado desastroso dessa decisão foi que os juros da dívida subiram de 6% mais o IGP-DI para 9% mais o IGP-DI. A nova taxa incidiu retroativamente e levou a um crescimento de R$ 17 bilhões da dívida desde 2000, quando ocorreu a negociação, até o primeiro trimestre de 2012, segundo cálculos da Secretaria Municipal de Finanças. E a esperada renegociação não saiu.

Haddad também apostou que a presidente Dilma Rousseff patrocinaria a renegociação, em termos que resultariam em alívio de R$ 24 bilhões na dívida. Mas outras considerações relativas à sua preocupação com o equilíbrio fiscal a levaram a adiar a questão.

Em resumo, Haddad contou temerariamente com dinheiro incerto - do IPTU e da dívida - para prometer o que não podia e agora quer achar culpados por cortes nos programas irrealistas que traçou. Ele não está sem dinheiro. Tem basicamente o mesmo que tiveram seus antecessores e tem que se esforçar, como eles, para vencer as dificuldades.

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