O Estado de S.Paulo - 06/01
A imagem difundida pelas elites partidárias lembra o quadro clássico de Almeida Júnior: o brasileiro seria uma espécie de Jeca político. Fica sentado ao pé da porta picando fumo, e só se mexe de dois em dois anos para ir votar - isso porque o voto é obrigatório. Nada mais superado, para não dizer falso.
O estudo do Estadão Dados publicado ontem sobre as filiações partidárias mostra que essas elites precisam rever os seus conceitos, sob o risco de serem atropeladas pelos fatos - de novo. Em junho, os protestos da juventude urbana em busca de uma causa já passaram por cima do jequismo político de gabinete.
O Brasil tem 18 milhões de filiados a partidos políticos, e crescendo: 77% dessas filiações ocorreram a partir de 1995. Hoje, 11 em cada 100 eleitores são membros de uma agremiação. Pouco? É o triplo da proporção na Alemanha. Se estivesse na Europa, a taxa brasileira seria a terceira maior do continente.
De onde vem tanta partidarização? Das disputas pelo poder local.
Estudando 18 milhões de registros, o Estadão Dados descobriu que o ciclo eleitoral brasileiro tem sete anos de duração e começa sempre no ano anterior a um pleito municipal. É quando os pré-candidatos a prefeito e a vereador se mobilizam para filiar mais eleitores. Só assim eles se viabilizam no partido e na urna.
Quanto maior é a proporção de filiados a um partido numa cidade, maior a chance de aquela legenda lançar candidato a prefeito. Mais candidaturas, mais prefeituras ganhas. Quanto mais máquinas municipais, mais deputados federais a legenda tende a eleger dois anos depois. Mais deputados eleitos significa mais tempo de propaganda na TV. Sem minutos de TV não se elege um presidente.
Esse ciclo eleitoral de sete anos é um fato histórico. Foi a explosão de filiações ao PT em 2003 que permitiu ao partido aumentar o número de prefeitos eleitos em 2004, que, por sua vez, foram essenciais para formar a bancada petista na Câmara em 2006, o que garantiu tempo de propaganda necessário para Dilma Rousseff se eleger em 2010.
O ciclo se comprova quando analisado na ordem inversa. A candidatura presidencial de Eduardo Campos em 2014 só é possível porque o PSB cresceu em deputados federais em 2010 - e isso se deveu, em boa parte, ao aumento das prefeituras ganhas pelo partido em 2008, o que foi fruto da filiação em massa de 2007.
PT e PSB são os dois únicos partidos grandes que têm aumentado seu poder municipal. Os petistas se beneficiaram da conquista do poder federal e triplicaram seus prefeitos desde 2000. No caso do PSB, o crescimento só começou depois da retomada do controle do partido por Miguel Arraes e seu neto, em 2003. Desde então, o partido conquistou 232% mais prefeituras.
No sentido inverso, desde 2000 o PSDB tem cada vez menos prefeitos e influência na política local. Os tucanos se ressentem da perda da máquina federal para o PT e da falta de uma ação municipalista como a do PSB. Mantêm-se no jogo pela inércia, mas o embalo dos anos 90 está mais fraco a cada eleição. Caciques demais e índios de menos encolhem o partido.
O PMDB é campeão de filiados, e, por isso, de prefeitos. Mas é outro que vive das conquistas do passado. Perde prefeituras e, em seguida, deputados federais. Como confederação de caciques regionais, mantém a hegemonia no Congresso, e seu tempo de TV é o mais cobiçado nas eleições presidenciais. Tudo isso depende, porém, das filiações nos anos que antecedem as eleições municipais. Mas também aí o PMDB tem perdido força.
O próximo ciclo de poder começa logo após esta eleição: as siglas que filiarem mais gente, principalmente nas pequenas cidades, tendem a crescer nos sete anos seguintes. Os demais correm risco de encolher. Assim, 2014 definirá o próximo presidente, mas 2015 determinará quem vai mandar no longo prazo.
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