ZERO HORA - 25/08
Numa sociedade competitiva como a de hoje, não é de estranhar que o fator mais importante da vida seja o trabalho. Ele consome nosso tempo e nossas preocupações: temos que ganhar dinheiro, temos que ser os melhores, temos que superar a concorrência e só então... Só então o quê? Morrer?
Crianças mal atingem os cinco anos e já começam a ser sabatinadas sobre o futuro: “O que você vai ser quando crescer?”. E as coitadinhas entram no jogo. Em vez de responderem que pretendem ser surfistas, caroneiras, participantes de um coro ou defensoras da natureza, respondem com a primeira profissão que lhes vêm à cabeça: veterinário, professor, bombeiro. Na verdade, elas não têm a menor ideia do que querem ser – nem os vestibulandos têm – mas já intuem que sua identidade estará atrelada ao que fizerem para se sustentar.
Tanto isso é verdade que os anjinhos crescem, estudam, começam a trabalhar e um dia estão numa festa e são apresentados a alguém. Trocam um aperto de mãos e a primeira pergunta entre os dois desconhecidos será: “O que você faz?”.
E não se ouvirá como resposta “eu levo meus filhos ao estádio, eu participo de rallys aos domingos, eu sou campeão em palavras-cruzadas, eu saio com meu cachorro todo final de tarde, eu vou ao cinema às quintas-feiras, eu namoro a mulher mais incrível do mundo, eu corro maratonas”.
Você responderá que é professor, veterinário, bombeiro. Ou vão achar que você não tem uma vida.
Mas você também. Só que ela ocupa um lugar muito menor do que deveria na sua lista de prioridades. Você passa um terço do dia trabalhando, e outro terço pensando na reunião de amanhã cedo, nas tarefas que ainda não foram concluídas, no cliente que está ameaçando deixar a empresa, no funcionário que não está correspondendo. No terceiro terço você dorme. Mal.
Quem está viciado nesse esquema pode encontrar dificuldade em relaxar. Mas para quem está entrando agora no mercado de trabalho, vale adotar desde cedo uma postura mais equilibrada entre vida pessoal e profissional, começando por repensar essa questão da identidade: você não é o que você faz para ganhar dinheiro, você é o que você faz para ser feliz. As horas de lazer também são produtivas, uma vez que elas abastecem nossa imaginação, sonhos, ideias, reflexões, e sem isso, aí é que não se cria identidade alguma, viramos apenas um número a mais nas estatísticas de mão-de-obra.
Não sei o que o Brasil pretende ser quando crescer, mas tomara que ele cresça com pessoas que, ao chegarem perto da morte, não tenham tantos arrependimentos pelo que deixaram de fazer quando ainda tinham tempo para fazê-las.
domingo, agosto 25, 2013
A beleza doída - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 25/08
Não havia ali urubus engaiolados ou casais nus para constranger os visitantes da mostra
Se a vinda do papa Francisco ao Rio de Janeiro já foi, por si só, um presente à cidade, o Vaticano procurou ampliar essa dádiva enviando ao Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) uma coleção de obras de seu acervo e de outras instituições italianas que muito dificilmente teríamos a oportunidade de ver fora de lá e, menos ainda, vê-las reunidas no mesmo lugar.
No entanto, durante a visita do papa, um número relativamente pequeno de pessoas foi ver aquela mostra, não só porque preferiu ver o próprio papa e participar dos atos religiosos, realizados em vários pontos da cidade e particularmente na praia de Copacabana, mas também por não ser fácil, naquele período, deslocar-se para certos pontos da cidade e, pior ainda, de certos pontos.
Este foi o meu caso, residente em Copacabana, onde se concentrava verdadeira multidão de fiéis que vinham participar das cerimônias. Não eram, claro, 3 milhões de pessoas (já que isso equivaleria a mais de 40 estádios do Maracanã lotados). Mas era gente suficiente para me impedir de sair do bairro.
No primeiro domingo, após a partida do papa, porém, fui ao MNBA apreciar as obras-primas ali reunidas. Felizmente, havia um bom número de visitantes, mas não a multidão que temia encontrar ali. Pude, assim, percorrer as salas da exposição, criteriosamente montada, e viver a experiência única que só a verdadeira arte oferece.
Não havia ali urubus engaiolados, casais nus para constranger os visitantes nem penduricalhos de mau gosto flutuando sobre nossa cabeça. Não, nada disso: havia só pintura, imagens e cenas, criadas pelo talento e o domínio técnico da linguagem pictórica.
Foi uma experiência impactante, já que havia anos não via muitas daquelas obras, e nem foi a mesma impressão que me causaram agora. A figura de São Januário decapitado, de Caravaggio --que ainda não tinha visto--, teve sobre mim um impacto poderoso. O jogo de luz e sombra, próprio à linguagem desse pintor, já dramático por si mesmo, neste caso alcança especial dramaticidade.
Mas não só essa obra me atingiu naquela visita. Ainda que de outro modo, as pinturas de Da Vinci, Michelangelo e Ticiano, naquela tarde, na penumbra daquelas salas, atingiram-me, fosse com a sutileza das linhas e dos tons de cor, fosse pela expressão facial do Cristo, do apóstolo Pedro ou da Virgem Maria, a nos passar a sua dor profunda.
Até então, não havia me dado conta do sentimento de culpa que envolvia todas aquelas obras, todas aquelas cenas e figuras, como se a alegria, o prazer de viver, não coubesse naquele universo por ser contrário à fé nas palavras de Cristo e uma traição ao martírio a que se submetera para redimir a humanidade do pecado original. Ao terminar o percurso daquelas, e sair do ambiente das salas, senti-me aliviado, pois voltava à normalidade do mundo sem culpa.
E ocorreu que, ao sair da mostra, encontrei-me no hall interno do MNBA, onde estão várias cópias de obras-primas da escultura grega, a começar pela Vitória de Samotrácia. Assim foi que, ao sair do universo sofrido da arte cristã, deparei-me com a arte sem culpa dos escultores helênicos, os quais, ao contrário daqueles, exaltam a beleza e a sensualidade do corpo humano, seja da Vênus de Milo, seja dos atletas que lutam nus, ou de Apolo que exibe sem pudor a beleza de sua nudez.
Enfim, ali estava eu, diante de outra cultura, que não via o corpo humano como origem de nenhum pecado e, sim, pelo contrário, como fonte de felicidade e de prazer.
Curioso é observar que também foi nessa civilização sem culpa que nasceu a filosofia, ou seja, a tentativa de ver a existência como algo que podia ser entendido racionalmente. E foi essa confiança na possível ordem objetiva do mundo que, séculos mais tarde, deu origem à ciência.
Em meio a essas reflexões, lembrei-me de um pintor, Filippo Lippi, que, embora monge, não pintava com culpa, mas para exaltar a beleza tranquila dos santos e do mundo. Não por acaso, fugiu com uma bela noviça e com ela teve um filho, que se tornou pintor como o pai. Viveu e morreu sem culpa, amando a vida e as mulheres.
Mais uma razão para saudarmos o papa Francisco, que substitui a culpa pela solidariedade.
Não havia ali urubus engaiolados ou casais nus para constranger os visitantes da mostra
Se a vinda do papa Francisco ao Rio de Janeiro já foi, por si só, um presente à cidade, o Vaticano procurou ampliar essa dádiva enviando ao Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) uma coleção de obras de seu acervo e de outras instituições italianas que muito dificilmente teríamos a oportunidade de ver fora de lá e, menos ainda, vê-las reunidas no mesmo lugar.
No entanto, durante a visita do papa, um número relativamente pequeno de pessoas foi ver aquela mostra, não só porque preferiu ver o próprio papa e participar dos atos religiosos, realizados em vários pontos da cidade e particularmente na praia de Copacabana, mas também por não ser fácil, naquele período, deslocar-se para certos pontos da cidade e, pior ainda, de certos pontos.
Este foi o meu caso, residente em Copacabana, onde se concentrava verdadeira multidão de fiéis que vinham participar das cerimônias. Não eram, claro, 3 milhões de pessoas (já que isso equivaleria a mais de 40 estádios do Maracanã lotados). Mas era gente suficiente para me impedir de sair do bairro.
No primeiro domingo, após a partida do papa, porém, fui ao MNBA apreciar as obras-primas ali reunidas. Felizmente, havia um bom número de visitantes, mas não a multidão que temia encontrar ali. Pude, assim, percorrer as salas da exposição, criteriosamente montada, e viver a experiência única que só a verdadeira arte oferece.
Não havia ali urubus engaiolados, casais nus para constranger os visitantes nem penduricalhos de mau gosto flutuando sobre nossa cabeça. Não, nada disso: havia só pintura, imagens e cenas, criadas pelo talento e o domínio técnico da linguagem pictórica.
Foi uma experiência impactante, já que havia anos não via muitas daquelas obras, e nem foi a mesma impressão que me causaram agora. A figura de São Januário decapitado, de Caravaggio --que ainda não tinha visto--, teve sobre mim um impacto poderoso. O jogo de luz e sombra, próprio à linguagem desse pintor, já dramático por si mesmo, neste caso alcança especial dramaticidade.
Mas não só essa obra me atingiu naquela visita. Ainda que de outro modo, as pinturas de Da Vinci, Michelangelo e Ticiano, naquela tarde, na penumbra daquelas salas, atingiram-me, fosse com a sutileza das linhas e dos tons de cor, fosse pela expressão facial do Cristo, do apóstolo Pedro ou da Virgem Maria, a nos passar a sua dor profunda.
Até então, não havia me dado conta do sentimento de culpa que envolvia todas aquelas obras, todas aquelas cenas e figuras, como se a alegria, o prazer de viver, não coubesse naquele universo por ser contrário à fé nas palavras de Cristo e uma traição ao martírio a que se submetera para redimir a humanidade do pecado original. Ao terminar o percurso daquelas, e sair do ambiente das salas, senti-me aliviado, pois voltava à normalidade do mundo sem culpa.
E ocorreu que, ao sair da mostra, encontrei-me no hall interno do MNBA, onde estão várias cópias de obras-primas da escultura grega, a começar pela Vitória de Samotrácia. Assim foi que, ao sair do universo sofrido da arte cristã, deparei-me com a arte sem culpa dos escultores helênicos, os quais, ao contrário daqueles, exaltam a beleza e a sensualidade do corpo humano, seja da Vênus de Milo, seja dos atletas que lutam nus, ou de Apolo que exibe sem pudor a beleza de sua nudez.
Enfim, ali estava eu, diante de outra cultura, que não via o corpo humano como origem de nenhum pecado e, sim, pelo contrário, como fonte de felicidade e de prazer.
Curioso é observar que também foi nessa civilização sem culpa que nasceu a filosofia, ou seja, a tentativa de ver a existência como algo que podia ser entendido racionalmente. E foi essa confiança na possível ordem objetiva do mundo que, séculos mais tarde, deu origem à ciência.
Em meio a essas reflexões, lembrei-me de um pintor, Filippo Lippi, que, embora monge, não pintava com culpa, mas para exaltar a beleza tranquila dos santos e do mundo. Não por acaso, fugiu com uma bela noviça e com ela teve um filho, que se tornou pintor como o pai. Viveu e morreu sem culpa, amando a vida e as mulheres.
Mais uma razão para saudarmos o papa Francisco, que substitui a culpa pela solidariedade.
7 de Setembro - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 25/08
As paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo. Saíamos marchando com colegas de ginásio e apreciávamos a Cabocla em seu carro-charola, como se fosse uma santa pagã
No 2 de Julho Salvador esteve bonita como às vezes a gente pensa que ela não vai nunca mais voltar a ser. Ou pelo menos foi a impressão que me deram as fotos que Regina Casé me mandou de lá, tiradas de uma janela no Carmo. O desfile do Caboclo (com Maria Quitéria, Joana Angélica e vários outros personagens que viraram nomes de ruas de Ipanema) parece ter sido deslumbrante. As manifestações de junho contribuíram positivamente para isso.
As paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo. Em Santo Amaro saíamos marchando com os colegas de ginásio, enchíamos a cidade de guirlandas verde-amarelas e apreciávamos a Cabocla em seu carro-charola, como se fosse uma santa pagã. Aliás, a capela que há no Largo da Lapinha, em Salvador, onde ficam guardadas as imagens do casal de índios que simbolizam a Independência, tem portal verde-amarelo-azul-e-branco e é como se fosse um santuário. Há um gosto de igreja positivista nisso tudo. Mas o sentido geral é muito maior. Mangabeira Unger me conta que acompanhar o desfile do 2 de Julho com o avô, o ex-governador Otávio Mangabeira, foi experiência formativa do essencial em sua personalidade. Para mim, é coisa à beça. Pois bem, contam-me que esses desfiles, que passaram alguns anos um tanto desprezados, vinham voltando a crescer, tendo-lhes a série de passeatas iniciadas em junho injetado energia, o que fez a parada deste ano ser ainda mais concorrida. E sobretudo mais significativa. Manifestantes somaram às alegorias e às marchas escolares suas faixas e cartazes, sua revolta e sua esperança, como, aliás, convém a uma celebração de independência.
Procurem saber por que a festa da Independência na Bahia é mais intensa no 2 de julho do que no 7 de setembro. Ou leiam algum antigo artigo de Cesar Maia sobre o assunto (ele pôs uma estátua do corneteiro Lopes numa esquina de Ipanema porque conhece e ama essa história, e a narrou em texto publicado). Parece maluquice falar em Cesar Maia num artigo em que pretendo me dirigir a quem planeja enriquecer a comemoração do 7 de Setembro com reiterações das exigências espontaneamente expostas nas manifestações de junho/julho. Mas tenho de manter a minha fama de mau. O que desejo, no entanto, é tomar o 2 de Julho baiano deste ano como exemplo do que deve ser o 7 de Setembro nacional. Li no Jânio de Freitas (articulista cuja carreira inspirou Glauber Rocha e é exemplo do lugar que ocupa na grande imprensa o pensamento crítico de esquerda) palavras indignadas com a agressão à emergência do Hospital Sírio-Libanês perpetrada pelos grupos violentos que se tornaram um lugar-comum do estágio final de cada passeata. Já me referi aqui à arriscada simplificação que a mídia faz quando separa os protestos, que começam pacíficos, dos atos de “vandalismo” que em geral a eles se seguem: muita gente que não joga pedra se sente representado por quem joga — e muitos dos que saem sem esse intuito muitas vezes aderem, no calor da hora, aos atos agressivos. Todos sabem (a Globo mostrou os vídeos da Mídia Ninja) que a incitação à barbárie por vezes parte de policiais infiltrados e disfarçados do Guy Fawkes do filme daqueles irmãos chatos que fizeram “Matrix”. Mas as depredações de bancos e butiques responde a uma raiva anticapitalista que é parte do impulso político que fez nascer as manifestações. Também às formas meio filosóficas, meio literárias de expressão de tal sentimento engendradas por leitores de Deleuze e Foucault, como Antonio Negri e Michael Hardt (de quem, aliás, ganhei um livrinho, chamado “Declaration”, que, apesar do frufru de sempre, me pareceu, à luz dos recentes acontecimentos no Brasil, muito interessante e algo pertinente). Seja como for, um 7 de Setembro violento seria uma burrice. Meu colega Sidney Waismann me procurou para propor algum gesto público que prevenisse a hecatombe que o artigo de Jânio de Freitas esboça (a partir do que leu em redes sociais). Sidney sugere chamar Zuenir, Alba Zaluar, Francisco Bosco, quem sabe companheiros músicos e outros criadores e pensadores, e pedir audiência com Beltrame. Por outro lado, expor aos manifestantes a questão não formulada: a violência é mais eficaz? Ele lembrou que Zuenir evoca Gandhi, Luther King e Mandela como exemplos. Se sairmos pela paz na Independência, o país lerá concentradamente a pergunta “Cadê Amarildo?” e tentará respondê-la. O mundo passa por convulsão. Nós precisamos de sabedoria. Dizer que passeata pacífica é armação da mídia golpista é pobreza que ajudará os piores argumentos dos reacionários. O artigo de Francisco Bosco foi iluminador. Para mim, violência no 7 de Setembro seria simplesmente burrice.
As paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo. Saíamos marchando com colegas de ginásio e apreciávamos a Cabocla em seu carro-charola, como se fosse uma santa pagã
No 2 de Julho Salvador esteve bonita como às vezes a gente pensa que ela não vai nunca mais voltar a ser. Ou pelo menos foi a impressão que me deram as fotos que Regina Casé me mandou de lá, tiradas de uma janela no Carmo. O desfile do Caboclo (com Maria Quitéria, Joana Angélica e vários outros personagens que viraram nomes de ruas de Ipanema) parece ter sido deslumbrante. As manifestações de junho contribuíram positivamente para isso.
As paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo. Em Santo Amaro saíamos marchando com os colegas de ginásio, enchíamos a cidade de guirlandas verde-amarelas e apreciávamos a Cabocla em seu carro-charola, como se fosse uma santa pagã. Aliás, a capela que há no Largo da Lapinha, em Salvador, onde ficam guardadas as imagens do casal de índios que simbolizam a Independência, tem portal verde-amarelo-azul-e-branco e é como se fosse um santuário. Há um gosto de igreja positivista nisso tudo. Mas o sentido geral é muito maior. Mangabeira Unger me conta que acompanhar o desfile do 2 de Julho com o avô, o ex-governador Otávio Mangabeira, foi experiência formativa do essencial em sua personalidade. Para mim, é coisa à beça. Pois bem, contam-me que esses desfiles, que passaram alguns anos um tanto desprezados, vinham voltando a crescer, tendo-lhes a série de passeatas iniciadas em junho injetado energia, o que fez a parada deste ano ser ainda mais concorrida. E sobretudo mais significativa. Manifestantes somaram às alegorias e às marchas escolares suas faixas e cartazes, sua revolta e sua esperança, como, aliás, convém a uma celebração de independência.
Procurem saber por que a festa da Independência na Bahia é mais intensa no 2 de julho do que no 7 de setembro. Ou leiam algum antigo artigo de Cesar Maia sobre o assunto (ele pôs uma estátua do corneteiro Lopes numa esquina de Ipanema porque conhece e ama essa história, e a narrou em texto publicado). Parece maluquice falar em Cesar Maia num artigo em que pretendo me dirigir a quem planeja enriquecer a comemoração do 7 de Setembro com reiterações das exigências espontaneamente expostas nas manifestações de junho/julho. Mas tenho de manter a minha fama de mau. O que desejo, no entanto, é tomar o 2 de Julho baiano deste ano como exemplo do que deve ser o 7 de Setembro nacional. Li no Jânio de Freitas (articulista cuja carreira inspirou Glauber Rocha e é exemplo do lugar que ocupa na grande imprensa o pensamento crítico de esquerda) palavras indignadas com a agressão à emergência do Hospital Sírio-Libanês perpetrada pelos grupos violentos que se tornaram um lugar-comum do estágio final de cada passeata. Já me referi aqui à arriscada simplificação que a mídia faz quando separa os protestos, que começam pacíficos, dos atos de “vandalismo” que em geral a eles se seguem: muita gente que não joga pedra se sente representado por quem joga — e muitos dos que saem sem esse intuito muitas vezes aderem, no calor da hora, aos atos agressivos. Todos sabem (a Globo mostrou os vídeos da Mídia Ninja) que a incitação à barbárie por vezes parte de policiais infiltrados e disfarçados do Guy Fawkes do filme daqueles irmãos chatos que fizeram “Matrix”. Mas as depredações de bancos e butiques responde a uma raiva anticapitalista que é parte do impulso político que fez nascer as manifestações. Também às formas meio filosóficas, meio literárias de expressão de tal sentimento engendradas por leitores de Deleuze e Foucault, como Antonio Negri e Michael Hardt (de quem, aliás, ganhei um livrinho, chamado “Declaration”, que, apesar do frufru de sempre, me pareceu, à luz dos recentes acontecimentos no Brasil, muito interessante e algo pertinente). Seja como for, um 7 de Setembro violento seria uma burrice. Meu colega Sidney Waismann me procurou para propor algum gesto público que prevenisse a hecatombe que o artigo de Jânio de Freitas esboça (a partir do que leu em redes sociais). Sidney sugere chamar Zuenir, Alba Zaluar, Francisco Bosco, quem sabe companheiros músicos e outros criadores e pensadores, e pedir audiência com Beltrame. Por outro lado, expor aos manifestantes a questão não formulada: a violência é mais eficaz? Ele lembrou que Zuenir evoca Gandhi, Luther King e Mandela como exemplos. Se sairmos pela paz na Independência, o país lerá concentradamente a pergunta “Cadê Amarildo?” e tentará respondê-la. O mundo passa por convulsão. Nós precisamos de sabedoria. Dizer que passeata pacífica é armação da mídia golpista é pobreza que ajudará os piores argumentos dos reacionários. O artigo de Francisco Bosco foi iluminador. Para mim, violência no 7 de Setembro seria simplesmente burrice.
Capital afetivo - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 25/08
A esta altura dos acontecimentos, devo admitir que ainda não achei resposta para a pergunta com que o Caetano foi ao ponto: existirmos, a que será que se destina? Seremos, como dizia no fim o Cazuza, cobaias de Deus? Se você me permite a filosofada, desconfio que o sentido da vida se resume ao inconsequente prosseguimento da espécie, nessa absurda correia transportadora em cujo termo nos espera a queda no vazio. Resta saber o que faremos enquanto estamos por aqui. Se aceita sugestão, aqui vai esta: o melhor investimento é nos afetos.
Nada impede que a gente faça amigos até o último dia, mesmo como esforço de reposição, e espero que seja assim comigo. Alguns anos atrás, para comemorar uma idade redonda, dei uma festança, e me lembro da alegria que saboreei quando, ao descer uns degraus rumo ao espaço onde estava o povaréu, me bateu essa constatação: o que costurava aquelas 200 pessoas - muitas das quais nem se conheciam -, numa inédita e irrepetível configuração, era o afeto que me ligava a cada uma delas.
E não se tratava, benza Deus, de passageiros apenas do vagão de 1945, aquele em que desembarquei no mundo; ao contrário, estacionara ali uma composição de variadas gerações, dos 80 anos aos menos de 20. Foi gratificante me dar conta de que venho resistindo bem à tentação, reforçada pelo envelhecimento, de me refugiar nostalgicamente no vagão de origem. Bom saber que posso transitar por todos os demais até que chegue à estação final.
Lá estavam, claro, vindos de diversas partes, amores meus também chegados em 1945 e imediações; os "amigos fundamentais" a quem dediquei um livro e que me empenho em cultivar. Pois não é pouca coisa uma amizade capaz de atravessar, nem digo décadas, mas tantas solicitações à dispersão. É fácil ser amigo enquanto impera o socialismo da juventude, essa companheiragem - os mesmos sonhos, os mesmos gostos, o mesmo dinheiro curto - que nos mantém mancomunados até por volta dos 30, 30 e poucos anos, quando uma diáspora nos espalha por destinos nem sempre coincidentes e não raro inconciliáveis. É duro admitir, mas há em nossos corações (ou será no fígado?) um quarto de despejo para descarte de afetos vencidos.
Cada safra de amizades tem sua marca, mas só as mais antigas ostentam o privilégio de haverem compartilhado descobertas primordiais. Só na extrema juventude você tem direito de anunciar a seus parceiros, sem risco de ridículo, que descobriu um tal de Dostoievski, um tal de Brahms, um tal de Cézanne. Ou mesmo um tal de... não, não vou dizer o nome do romancista em questão. Mas entrego a cena cômica.
Ali pelos nossos 20 anos, um de meus comparsas literários, cujo nome também devo omitir, me apareceu um dia, exultante, com um livro nas mãos. Eu tinha que ler aquilo, tinha!, urgia ele, enfático. Bom assim?, perguntei, descrente de que por trás daquele título e daquela capa, ambos medonhos, pudesse haver o que se aproveitasse. Não - concedeu ele, antes de proferir essa maravilha: "É ruim, mas importante!". Pra quê! Estava criada em nossa roda, para todo o sempre, a categoria do ruim-mas-importante.
Mas convém ir devagar nos julgamentos, pessoais e literários inclusive. Era menino quando minha mãe me aplicou o Coração, do italiano Edmundo De Amicis, centenária coletânea de histórias que li e reli apaixonadamente, mas que no final da adolescência, sentindo-me não só homem feito como senhor de insubornável senso crítico, condenei à estante da subliteratura lacrimogênea. Já me aproximava dos 30 anos quando reencontrei o mesmo exemplar de Coração, que me pus a folhear, enquanto contava à amiga que me acompanhava: "Imagina que eu lia isso e chorava...". Abri o livro ao acaso e comecei a ler, em tom de mofa, a história do pequeno vigia lombardo, até que a voz engasgou e os olhos, como antigamente, boiaram em lágrimas.
(Epa, eu falava de amizade, enveredei pelas letras, cheguei às lágrimas... Espero que você perdoe o desconchavo. Amigo não é pra essas coisas?)
A esta altura dos acontecimentos, devo admitir que ainda não achei resposta para a pergunta com que o Caetano foi ao ponto: existirmos, a que será que se destina? Seremos, como dizia no fim o Cazuza, cobaias de Deus? Se você me permite a filosofada, desconfio que o sentido da vida se resume ao inconsequente prosseguimento da espécie, nessa absurda correia transportadora em cujo termo nos espera a queda no vazio. Resta saber o que faremos enquanto estamos por aqui. Se aceita sugestão, aqui vai esta: o melhor investimento é nos afetos.
Nada impede que a gente faça amigos até o último dia, mesmo como esforço de reposição, e espero que seja assim comigo. Alguns anos atrás, para comemorar uma idade redonda, dei uma festança, e me lembro da alegria que saboreei quando, ao descer uns degraus rumo ao espaço onde estava o povaréu, me bateu essa constatação: o que costurava aquelas 200 pessoas - muitas das quais nem se conheciam -, numa inédita e irrepetível configuração, era o afeto que me ligava a cada uma delas.
E não se tratava, benza Deus, de passageiros apenas do vagão de 1945, aquele em que desembarquei no mundo; ao contrário, estacionara ali uma composição de variadas gerações, dos 80 anos aos menos de 20. Foi gratificante me dar conta de que venho resistindo bem à tentação, reforçada pelo envelhecimento, de me refugiar nostalgicamente no vagão de origem. Bom saber que posso transitar por todos os demais até que chegue à estação final.
Lá estavam, claro, vindos de diversas partes, amores meus também chegados em 1945 e imediações; os "amigos fundamentais" a quem dediquei um livro e que me empenho em cultivar. Pois não é pouca coisa uma amizade capaz de atravessar, nem digo décadas, mas tantas solicitações à dispersão. É fácil ser amigo enquanto impera o socialismo da juventude, essa companheiragem - os mesmos sonhos, os mesmos gostos, o mesmo dinheiro curto - que nos mantém mancomunados até por volta dos 30, 30 e poucos anos, quando uma diáspora nos espalha por destinos nem sempre coincidentes e não raro inconciliáveis. É duro admitir, mas há em nossos corações (ou será no fígado?) um quarto de despejo para descarte de afetos vencidos.
Cada safra de amizades tem sua marca, mas só as mais antigas ostentam o privilégio de haverem compartilhado descobertas primordiais. Só na extrema juventude você tem direito de anunciar a seus parceiros, sem risco de ridículo, que descobriu um tal de Dostoievski, um tal de Brahms, um tal de Cézanne. Ou mesmo um tal de... não, não vou dizer o nome do romancista em questão. Mas entrego a cena cômica.
Ali pelos nossos 20 anos, um de meus comparsas literários, cujo nome também devo omitir, me apareceu um dia, exultante, com um livro nas mãos. Eu tinha que ler aquilo, tinha!, urgia ele, enfático. Bom assim?, perguntei, descrente de que por trás daquele título e daquela capa, ambos medonhos, pudesse haver o que se aproveitasse. Não - concedeu ele, antes de proferir essa maravilha: "É ruim, mas importante!". Pra quê! Estava criada em nossa roda, para todo o sempre, a categoria do ruim-mas-importante.
Mas convém ir devagar nos julgamentos, pessoais e literários inclusive. Era menino quando minha mãe me aplicou o Coração, do italiano Edmundo De Amicis, centenária coletânea de histórias que li e reli apaixonadamente, mas que no final da adolescência, sentindo-me não só homem feito como senhor de insubornável senso crítico, condenei à estante da subliteratura lacrimogênea. Já me aproximava dos 30 anos quando reencontrei o mesmo exemplar de Coração, que me pus a folhear, enquanto contava à amiga que me acompanhava: "Imagina que eu lia isso e chorava...". Abri o livro ao acaso e comecei a ler, em tom de mofa, a história do pequeno vigia lombardo, até que a voz engasgou e os olhos, como antigamente, boiaram em lágrimas.
(Epa, eu falava de amizade, enveredei pelas letras, cheguei às lágrimas... Espero que você perdoe o desconchavo. Amigo não é pra essas coisas?)
Um homem sentado em frente ao mar de Ipanema - ADRIANO CALCANHOTTO
O GLOBO - 25/08
Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita
Um homem sentado em frente ao mar de Ipanema, meia-noite e vinte, por aí, vestido de preto. De costas para Ipanema, olha o mar. Absorto no que quer que seja, esquece que tem costas, que existe dos olhos para trás, diante do que vê. Não teria como saber se é observado, por uma mulher no sétimo andar de uma varanda de frente para o mar. Mas ela está lá, seus olhos foram fisgados pelo homem de preto sentado na areia de frente para o mar. Feliz, infeliz, agradecido, traído, desenganado?
O mar avança na direção dele, que está imóvel, e ela, no sétimo andar, também. Parou o que estava fazendo, foi dar uma espiada no mar e deparou–se com o homem de costas, e deparou-se com essas perguntas inúteis sobre o que teria levado aquele homem a estar sentado ali na praia de madrugada. Estando sozinho poderá estar feliz?
A mulher tem muito que fazer e sabe disso, mas é difícil sair dali. Fica só mais um pouquinho e vai fazer o que precisa, mas no caminho pega uma maçã na mesa de centro e aí volta à varanda. À direita as luzes brilham no Vidigal. O mar não se faz de rogado. Ela não consegue, continua na varanda quando já devia estar dormindo, tem compromisso de manhã cedinho. E deveria fazer o que tem de fazer logo, sem ficar protelando assim, vigiando a praia e seus frequentadores noturnos e sozinhos.
Com ele a única coisa que acontece é ter os cabelos mais ouriçados pelo vento. Continua na mesma posição, que não indica se está pedindo alguma coisa. Ou pedindo alguma coisa de volta. Ou mais uma vez. Se está agradecendo. Se está tomando coragem para entrar mar adentro sem olhar pra trás. Veio dar um mergulho, mas não imaginava que estivesse frio? Todo de preto, terá um velho calção de banho por baixo da roupa escura feito um céu de madrugada? Ou vestiu-se de preto para vir tomar um banho de mar gelado, vestido?
Ela sabe que não pode continuar ali, mas como sair sem que ele saia antes? Quem sabe quando levante tenha um ar decidido, ou saia trôpego e cambaleante, que é como se sente diante de tantos problemas e quando lembra do pai severo e ríspido, ou talvez se desequilibre e caia de bunda na areia tendo que se sacudir todo feito um cachorro molhado.
O tempo dela está esgotado, mas não pode pensar em outra coisa. “Saia daí, criatura”, pensa ela, sem saber se fala com ele ou consigo mesma. Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita. Sabe que, enquanto ele não sumir do seu campo de visão, não vai conseguir fazer o que precisa, urgentemente, fazer. Ou ir pra cama logo, agora, descansar, para acordar ainda mais cedo amanhã e fazer o que não consegue fazer hoje, mas deveria. Está paralisada na varanda para o mar de Ipanema, embutida em um roupão de hotel, com uma maçã esquecida há horas na mão direita. À esquerda, as pedras do Arpoador, contra as quais o mar se bate como se não houvesse amanhã.
Os cabelos do homem e as folhas dos coqueiros se movem para a esquerda. Até os cabelos dela no sétimo andar esvoaçam com o sudoeste nervosinho. Pelo calçadão passa um casal, um apoiado no outro, ele leva uma garrafa de champanhe na mão, ela os sapatos de salto. Frouxos de rir, balançam mas não caem, doce balanço caminho do mar, ele apoiado nela que está apoiada nele, às gargalhadas. Ela não parece que vai desperdiçar um mergulho no mar com seu vestido de paetê curto demais, ele já tem o paletó no braço, a cada passo dela o vestido sobe mais.
O homem de preto agora... cadê? A mulher no sétimo andar do hotel perdeu o homem de preto, ele saiu sem avisar, será que um amigo veio buscá-lo? Será que tem amigos? Ou levantou e seguiu mesmo em frente sem olhar pra trás? Ela está livre, mas quem disse que queria estar? Como pode perder assim o homem distraída com um vestidinho mal cortado? Está livre, agora, sim, mas para quê? Dormir para conseguir ficar de pé durante o dia de amanhã, que vai ser duro, e assim perder ao invés de ganhar uma noite de lua de frente para as Cagarras, ou fazer o que precisa fazer. Está exausta, acabou de fazer um show solo no terraço do hotel, logo acima da sua varanda. Escolhe sentar-se, abrir o laptop e escrever a crônica para o jornal de domingo, ufa.
Na crônica ela não consegue escrever nada além de:
ONDE ESTÁ O AMARILDO?
Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita
Um homem sentado em frente ao mar de Ipanema, meia-noite e vinte, por aí, vestido de preto. De costas para Ipanema, olha o mar. Absorto no que quer que seja, esquece que tem costas, que existe dos olhos para trás, diante do que vê. Não teria como saber se é observado, por uma mulher no sétimo andar de uma varanda de frente para o mar. Mas ela está lá, seus olhos foram fisgados pelo homem de preto sentado na areia de frente para o mar. Feliz, infeliz, agradecido, traído, desenganado?
O mar avança na direção dele, que está imóvel, e ela, no sétimo andar, também. Parou o que estava fazendo, foi dar uma espiada no mar e deparou–se com o homem de costas, e deparou-se com essas perguntas inúteis sobre o que teria levado aquele homem a estar sentado ali na praia de madrugada. Estando sozinho poderá estar feliz?
A mulher tem muito que fazer e sabe disso, mas é difícil sair dali. Fica só mais um pouquinho e vai fazer o que precisa, mas no caminho pega uma maçã na mesa de centro e aí volta à varanda. À direita as luzes brilham no Vidigal. O mar não se faz de rogado. Ela não consegue, continua na varanda quando já devia estar dormindo, tem compromisso de manhã cedinho. E deveria fazer o que tem de fazer logo, sem ficar protelando assim, vigiando a praia e seus frequentadores noturnos e sozinhos.
Com ele a única coisa que acontece é ter os cabelos mais ouriçados pelo vento. Continua na mesma posição, que não indica se está pedindo alguma coisa. Ou pedindo alguma coisa de volta. Ou mais uma vez. Se está agradecendo. Se está tomando coragem para entrar mar adentro sem olhar pra trás. Veio dar um mergulho, mas não imaginava que estivesse frio? Todo de preto, terá um velho calção de banho por baixo da roupa escura feito um céu de madrugada? Ou vestiu-se de preto para vir tomar um banho de mar gelado, vestido?
Ela sabe que não pode continuar ali, mas como sair sem que ele saia antes? Quem sabe quando levante tenha um ar decidido, ou saia trôpego e cambaleante, que é como se sente diante de tantos problemas e quando lembra do pai severo e ríspido, ou talvez se desequilibre e caia de bunda na areia tendo que se sacudir todo feito um cachorro molhado.
O tempo dela está esgotado, mas não pode pensar em outra coisa. “Saia daí, criatura”, pensa ela, sem saber se fala com ele ou consigo mesma. Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita. Sabe que, enquanto ele não sumir do seu campo de visão, não vai conseguir fazer o que precisa, urgentemente, fazer. Ou ir pra cama logo, agora, descansar, para acordar ainda mais cedo amanhã e fazer o que não consegue fazer hoje, mas deveria. Está paralisada na varanda para o mar de Ipanema, embutida em um roupão de hotel, com uma maçã esquecida há horas na mão direita. À esquerda, as pedras do Arpoador, contra as quais o mar se bate como se não houvesse amanhã.
Os cabelos do homem e as folhas dos coqueiros se movem para a esquerda. Até os cabelos dela no sétimo andar esvoaçam com o sudoeste nervosinho. Pelo calçadão passa um casal, um apoiado no outro, ele leva uma garrafa de champanhe na mão, ela os sapatos de salto. Frouxos de rir, balançam mas não caem, doce balanço caminho do mar, ele apoiado nela que está apoiada nele, às gargalhadas. Ela não parece que vai desperdiçar um mergulho no mar com seu vestido de paetê curto demais, ele já tem o paletó no braço, a cada passo dela o vestido sobe mais.
O homem de preto agora... cadê? A mulher no sétimo andar do hotel perdeu o homem de preto, ele saiu sem avisar, será que um amigo veio buscá-lo? Será que tem amigos? Ou levantou e seguiu mesmo em frente sem olhar pra trás? Ela está livre, mas quem disse que queria estar? Como pode perder assim o homem distraída com um vestidinho mal cortado? Está livre, agora, sim, mas para quê? Dormir para conseguir ficar de pé durante o dia de amanhã, que vai ser duro, e assim perder ao invés de ganhar uma noite de lua de frente para as Cagarras, ou fazer o que precisa fazer. Está exausta, acabou de fazer um show solo no terraço do hotel, logo acima da sua varanda. Escolhe sentar-se, abrir o laptop e escrever a crônica para o jornal de domingo, ufa.
Na crônica ela não consegue escrever nada além de:
ONDE ESTÁ O AMARILDO?
(M?)(H?)otel - ANTONIO PRATA
FOLHA DE SP - 25/08
A única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão
A pergunta que me faço sempre que passo pelo luminoso, há anos, é se estamos diante de um M disfarçado de H ou de um H que finge ser M. Embora as duas hipóteses encontrem argumentos, tendo a me inclinar em direção à primeira: trata-se de um motel envergonhado.
O estabelecimento fica quase na Raposo Tavares --e é esse "quase", acredito, que explica sua indecisão. Logo ali, menos de três quilômetros adiante, os Ms já não terão pudor de exibir seus rubros decotes à beira da estrada: Motel L'Amour, Motel Belle, Sedutti e Fox Trot Motel. Uma estrada, contudo, é uma estrada, uma cidade é uma cidade. O ambíguo luminoso brilha entre uma imobiliária e uma casa de família: suas piscadelas vão para os trabalhadores no ponto de ônibus, para os estudantes da USP, para a secretária que, a caminho do metrô, compra uns chocolates do ambulante. É melhor que as lâmpadas brancas não esclareçam totalmente os contornos da moldura vermelha: assim, só quem sabe o que busca verá, no sorriso discreto do H, o púbis desnudo do M.
Ou não --como diria o poeta. Afinal, por que teria de se esconder, um motel? Um motel não é um bordel. Ninguém se choca com sua existência. Não atrai "gente diferenciada". Associações de bairro não tentam evitar sua construção. O Feliciano, a bispa Sônia ou o papa, até onde eu sei, jamais fizeram dele o alvo de seus recalques. Será que, em vez de um motel envergonhado, estamos diante de um hotel atrevido? Um pequeno hotel cujo peso das contas a pagar, todo mês, acabou por flexibilizar o austero H, levando-o a ampliar seu público? Se o caminhoneiro cansado quiser dormir algumas horas antes de seguir para Sorocaba, encontrará uma cama limpa. Se o casal afobado não aguentar chegar à Raposo, terá uma cama redonda.
Motel acanhado ou hotel saidinho, a mesma dúvida me traz: como lidará a clientela com tal indecisão gráfica e mercadológica? Convenhamos, a única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão: afora isso, tudo os separa. Uns aspiram ao silêncio decorativo, no qual espelharão a tranquilidade domiciliar, os outros desejam exatamente o contrário, o estímulo excêntrico que os faça esquecer do tédio do lar.
Tentar unir roncos e gemidos parece uma receita para o fracasso e, no entanto, o negócio resiste, há anos. Ocorre-me agora que ele talvez perdure não apesar da ambiguidade, mas justamente por causa dela. As lâmpadas brancas, sem esclarecer totalmente os contornos da moldura vermelha, não são a senha para quem sabe o que busca, mas um convite aos trabalhadores no ponto de ônibus, à secretária comprando chocolates, ao ambulante, aos estudantes da USP, ao caminhoneiro a caminho de Sorocaba. Quem sabe se as promessas de aventura do motel, somadas ao lastro de segurança de um hotel, não trazem vez por outra certas ideias a esses incautos pedestres que, atraídos pelo sorriso discreto do H, acabam seguindo a seta do M? Talvez as duas letras, mais do que divergentes, sejam consoantes.
A única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão
A pergunta que me faço sempre que passo pelo luminoso, há anos, é se estamos diante de um M disfarçado de H ou de um H que finge ser M. Embora as duas hipóteses encontrem argumentos, tendo a me inclinar em direção à primeira: trata-se de um motel envergonhado.
O estabelecimento fica quase na Raposo Tavares --e é esse "quase", acredito, que explica sua indecisão. Logo ali, menos de três quilômetros adiante, os Ms já não terão pudor de exibir seus rubros decotes à beira da estrada: Motel L'Amour, Motel Belle, Sedutti e Fox Trot Motel. Uma estrada, contudo, é uma estrada, uma cidade é uma cidade. O ambíguo luminoso brilha entre uma imobiliária e uma casa de família: suas piscadelas vão para os trabalhadores no ponto de ônibus, para os estudantes da USP, para a secretária que, a caminho do metrô, compra uns chocolates do ambulante. É melhor que as lâmpadas brancas não esclareçam totalmente os contornos da moldura vermelha: assim, só quem sabe o que busca verá, no sorriso discreto do H, o púbis desnudo do M.
Ou não --como diria o poeta. Afinal, por que teria de se esconder, um motel? Um motel não é um bordel. Ninguém se choca com sua existência. Não atrai "gente diferenciada". Associações de bairro não tentam evitar sua construção. O Feliciano, a bispa Sônia ou o papa, até onde eu sei, jamais fizeram dele o alvo de seus recalques. Será que, em vez de um motel envergonhado, estamos diante de um hotel atrevido? Um pequeno hotel cujo peso das contas a pagar, todo mês, acabou por flexibilizar o austero H, levando-o a ampliar seu público? Se o caminhoneiro cansado quiser dormir algumas horas antes de seguir para Sorocaba, encontrará uma cama limpa. Se o casal afobado não aguentar chegar à Raposo, terá uma cama redonda.
Motel acanhado ou hotel saidinho, a mesma dúvida me traz: como lidará a clientela com tal indecisão gráfica e mercadológica? Convenhamos, a única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão: afora isso, tudo os separa. Uns aspiram ao silêncio decorativo, no qual espelharão a tranquilidade domiciliar, os outros desejam exatamente o contrário, o estímulo excêntrico que os faça esquecer do tédio do lar.
Tentar unir roncos e gemidos parece uma receita para o fracasso e, no entanto, o negócio resiste, há anos. Ocorre-me agora que ele talvez perdure não apesar da ambiguidade, mas justamente por causa dela. As lâmpadas brancas, sem esclarecer totalmente os contornos da moldura vermelha, não são a senha para quem sabe o que busca, mas um convite aos trabalhadores no ponto de ônibus, à secretária comprando chocolates, ao ambulante, aos estudantes da USP, ao caminhoneiro a caminho de Sorocaba. Quem sabe se as promessas de aventura do motel, somadas ao lastro de segurança de um hotel, não trazem vez por outra certas ideias a esses incautos pedestres que, atraídos pelo sorriso discreto do H, acabam seguindo a seta do M? Talvez as duas letras, mais do que divergentes, sejam consoantes.
O eterno redescobrir - ANA DUBEUX
CORREIO BRAZILIENSE - 25/08
Brasília nasceu para mim há 26 anos. Se eu pudesse escolher um verbo para traduzir a minha relação com a cidade, arriscaria este aqui: redescobrir. Porque ruas, quadras, vazios, verdes e céus de tantas cores proporcionam surpresas diárias. E esta sensação do novo que teima em aparecer no meio do caminho se estende além das paisagens, miragens da seca, reflexos das poças de água na chuva. Está também no comportamento das pessoas, nos paradoxos de uma cidade planejada que revela beleza até quando se desorganiza, nos extremos de um centro urbano com qualidade de vida ímpar e favela na porta do poder.
Talvez sejam esses contrastes que a presidente Dilma tenha enxergado ao sair por aí, com uma Harley Davidson emprestada, pregando uma peça na segurança e submetendo-se ao risco calculado - e bem agradável - de enxergar a capital sob outro prisma, longe do trono do Palácio do Planalto ou dos jardins monumentais do Alvorada. Se não é mais uma história do folclore político, sou capaz de apostar que Dilma também redescobriu Brasília.
Mesmo quem nasceu ou vive há longo tempo por aqui sabe que a cidade guarda o encanto de surpreender. Não é à toa que, dias depois de a polícia ter solucionado mais um crime que chocou a capital, quando três jovens atearam fogo e mataram um mendigo, ressuscitando a dor e o estarrecimento do caso Galdino, aparece o morador de rua Adeílson para colocar um ponto final na agonia de uma família. Foi dele a iniciativa de alertar as autoridades de que o rapaz que dormia embaixo de uma árvore na Rodoferroviária era Felipe Dourado, o estudante que estava sumido e mobilizou por dias boa parte da cidade para procurá-lo. Apontado como herói ou anjo, Adeílson também terá uma nova chance. A família de Felipe vai ajudá-lo a sair da mendicância, condição imposta pelo vício em drogas, um flagelo visível por todos os cantos do quadradinho.
Brasília proporciona histórias assim. De vez em quando, uma notícia terrível nos pega de sopetão, agride nossa autoestima, derruba nossa moral e nos faz ficarmos reféns do preconceito, que os moradores ainda sentem na pele. Em outros momentos, a cidade se redime, se une, mostra sua força e seu valor.
Aqui no Correio, temos a grata satisfação de contar essas histórias, sabendo que assim estamos escrevendo e reescrevendo a biografia de uma capital que segue seu curso de metrópole, mas não perde sua singularidade e continua a proporcionar uma sensação única de aconchego aos seus moradores. Ou você nunca ouviu a expressão "não troco Brasília por nada"?
Talvez sejam esses contrastes que a presidente Dilma tenha enxergado ao sair por aí, com uma Harley Davidson emprestada, pregando uma peça na segurança e submetendo-se ao risco calculado - e bem agradável - de enxergar a capital sob outro prisma, longe do trono do Palácio do Planalto ou dos jardins monumentais do Alvorada. Se não é mais uma história do folclore político, sou capaz de apostar que Dilma também redescobriu Brasília.
Mesmo quem nasceu ou vive há longo tempo por aqui sabe que a cidade guarda o encanto de surpreender. Não é à toa que, dias depois de a polícia ter solucionado mais um crime que chocou a capital, quando três jovens atearam fogo e mataram um mendigo, ressuscitando a dor e o estarrecimento do caso Galdino, aparece o morador de rua Adeílson para colocar um ponto final na agonia de uma família. Foi dele a iniciativa de alertar as autoridades de que o rapaz que dormia embaixo de uma árvore na Rodoferroviária era Felipe Dourado, o estudante que estava sumido e mobilizou por dias boa parte da cidade para procurá-lo. Apontado como herói ou anjo, Adeílson também terá uma nova chance. A família de Felipe vai ajudá-lo a sair da mendicância, condição imposta pelo vício em drogas, um flagelo visível por todos os cantos do quadradinho.
Brasília proporciona histórias assim. De vez em quando, uma notícia terrível nos pega de sopetão, agride nossa autoestima, derruba nossa moral e nos faz ficarmos reféns do preconceito, que os moradores ainda sentem na pele. Em outros momentos, a cidade se redime, se une, mostra sua força e seu valor.
Aqui no Correio, temos a grata satisfação de contar essas histórias, sabendo que assim estamos escrevendo e reescrevendo a biografia de uma capital que segue seu curso de metrópole, mas não perde sua singularidade e continua a proporcionar uma sensação única de aconchego aos seus moradores. Ou você nunca ouviu a expressão "não troco Brasília por nada"?
O canto dos pássaros - BRUNO QUINTELLA
O GLOBO - 25/08
Informar é nosso dever e direito. Mais do que isso: é nossa paixão
O escritor canadense Farley Mowat, em seu livro “And no birds sang” (“E nenhum pássaro cantou”), narra a história de um jovem soldado de infantaria ansioso pelo combate contra os nazistas na Itália, em 1942. A realidade da guerra é mostrada em detalhes. Do tédio dos acampamentos à agonia nas trincheiras. A selvageria dos ataques e a solidariedade dos que sangraram juntos nos campos de batalha. Mowat era segundo tenente do exército canadense, no Reino Unido. Ele conta o que testemunhou.
Durante o combate nas trincheiras, os soldados podiam se valer de um artifício como defesa: fingir-se de morto. Essa era uma estratégia característica para atrair o inimigo, que, na linha de frente, podia considerar a possibilidade de, em havendo o cessar fogo do outro lado, avançar e ganhar o território disputado. Requer o devido preparo – psicológico e físico -, porque não é para qualquer um manusear armas de fogo, matar ou ferir.
Na Segunda Guerra, a ordem de ataque poderia vir via rádio, telefone ou telégrafo. Do posto de comando à linha de frente, para que houvesse a certeza de que a mensagem chegaria à tropa, alguns soldados eram incumbidos de transmitir pessoalmente as ordens. Era preciso, portanto, que o encarregado se mantivesse vivo para que a mensagem chegasse; era necessário que soubesse como chegar à área de confronto; como sair dela; também era primordial ter noção da importância de sua missão: informar e trazer de volta à base os registros e impressões das trincheiras. Ir e voltar intacto, sabendo que seu trabalho era o mais arriscado: buscar e levar informação. Eram os únicos que não podiam se fazer de mortos-vivos.
Atualmente, muitos jornalistas brasileiros são correspondentes de guerra, mas em território nacional. Dos tiroteios em favelas às recentes manifestações. Repórteres assassinados por retaliação, durante confronto armado ou feridos na cobertura dos protestos. Mas a violência contra jornalistas nem sempre é física. Não basta desviar de balas de borracha, fugir do gás lacrimogêneo ou evitar o spray de pimenta. Violência, antes de tudo, para um jornalista, é não poder trabalhar na rua. É não poder transmitir a mensagem. É trabalhar quase incógnito, temer pela repressão policial e considerar a possibilidade de ser acuado por um grupo intolerante – ou ignorante –, com ares fascistas.
Das barreiras policiais às barricadas feitas com lixeiras em chamas, assisti a muitas equipes de televisão serem expulsas por manifestantes exaltados e mascarados. Testemunhei repórteres sendo agredidos. Mas estar entre trincheiras, relatar fatos, ou seja, informar, é nosso dever e direito. Mais que isso: é nossa paixão.
Mowat, durante a Moro River Campaign, sofreu de estresse de batalha, agravado após um incidente com o amigo e tenente Allan Park, baleado na cabeça. Mowat ficou aos pés do companheiro, chorando, tentando entender o sentido daquilo tudo. É dele a frase: “poucos leitores se mantêm neutros”.
Tornou-se escritor.
Informar é nosso dever e direito. Mais do que isso: é nossa paixão
O escritor canadense Farley Mowat, em seu livro “And no birds sang” (“E nenhum pássaro cantou”), narra a história de um jovem soldado de infantaria ansioso pelo combate contra os nazistas na Itália, em 1942. A realidade da guerra é mostrada em detalhes. Do tédio dos acampamentos à agonia nas trincheiras. A selvageria dos ataques e a solidariedade dos que sangraram juntos nos campos de batalha. Mowat era segundo tenente do exército canadense, no Reino Unido. Ele conta o que testemunhou.
Durante o combate nas trincheiras, os soldados podiam se valer de um artifício como defesa: fingir-se de morto. Essa era uma estratégia característica para atrair o inimigo, que, na linha de frente, podia considerar a possibilidade de, em havendo o cessar fogo do outro lado, avançar e ganhar o território disputado. Requer o devido preparo – psicológico e físico -, porque não é para qualquer um manusear armas de fogo, matar ou ferir.
Na Segunda Guerra, a ordem de ataque poderia vir via rádio, telefone ou telégrafo. Do posto de comando à linha de frente, para que houvesse a certeza de que a mensagem chegaria à tropa, alguns soldados eram incumbidos de transmitir pessoalmente as ordens. Era preciso, portanto, que o encarregado se mantivesse vivo para que a mensagem chegasse; era necessário que soubesse como chegar à área de confronto; como sair dela; também era primordial ter noção da importância de sua missão: informar e trazer de volta à base os registros e impressões das trincheiras. Ir e voltar intacto, sabendo que seu trabalho era o mais arriscado: buscar e levar informação. Eram os únicos que não podiam se fazer de mortos-vivos.
Atualmente, muitos jornalistas brasileiros são correspondentes de guerra, mas em território nacional. Dos tiroteios em favelas às recentes manifestações. Repórteres assassinados por retaliação, durante confronto armado ou feridos na cobertura dos protestos. Mas a violência contra jornalistas nem sempre é física. Não basta desviar de balas de borracha, fugir do gás lacrimogêneo ou evitar o spray de pimenta. Violência, antes de tudo, para um jornalista, é não poder trabalhar na rua. É não poder transmitir a mensagem. É trabalhar quase incógnito, temer pela repressão policial e considerar a possibilidade de ser acuado por um grupo intolerante – ou ignorante –, com ares fascistas.
Das barreiras policiais às barricadas feitas com lixeiras em chamas, assisti a muitas equipes de televisão serem expulsas por manifestantes exaltados e mascarados. Testemunhei repórteres sendo agredidos. Mas estar entre trincheiras, relatar fatos, ou seja, informar, é nosso dever e direito. Mais que isso: é nossa paixão.
Mowat, durante a Moro River Campaign, sofreu de estresse de batalha, agravado após um incidente com o amigo e tenente Allan Park, baleado na cabeça. Mowat ficou aos pés do companheiro, chorando, tentando entender o sentido daquilo tudo. É dele a frase: “poucos leitores se mantêm neutros”.
Tornou-se escritor.
A dengue na Copa - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 25/08
Existe uma epidemia de incompetência, para as pequenas e grandes coisas, no futebol e na sociedade
Tudo o que fiz e faço poderia e deveria ter feito melhor. Minha consciência crítica me marca de perto. Não consigo driblá-la. Quando acho que está tudo bem, ela mostra minha limitação e incompetência.
Apesar das facilidades e amplas possibilidades que a tecnologia e o mundo atual nos proporcionam, tenho a impressão, e posso estar enganado, que existe uma epidemia de incompetência, para as pequenas e as grandes coisas, no futebol e em todos os lugares. Felizmente, há muitas exceções.
As pessoas realizam muito, trabalham muito, criam muitas novidades, mas poucas têm preocupação, prazer e responsabilidade em fazer bem feito.
O trânsito é caótico, o serviço de saúde, de educação e de transporte não funcionam, a pizza que peço pelo telefone chega fria, restaurantes caríssimos costumam atender mal, as pessoas compram ingressos para o jogo, pela internet, e ainda têm de enfrentar longa fila para pegá-lo, o gramado do estádio novo de Brasília, de mais de R$ 1 bilhão, está péssimo, e milhares de outras incompetências diárias.
A falta de competência surge também em surtos. O competente técnico Mano Menezes, depois de cometer um erro contra o São Paulo, reconhecido por ele, errou novamente contra o Cruzeiro, ao escalar o jovem Samir de lateral-zagueiro. Ele ficou perdido. Não fez uma coisa nem outra. Fechava para o meio e deixava o corredor aberto para alguém do Cruzeiro entrar livre e cruzar. Assim saiu um gol e poderiam ter acontecido outros.
Espero que o técnico Tata Martino e o Barcelona tenham competência para escalar Neymar desde o início --ele é mil vezes melhor que Pedro e Alexis Sánches--, tratar bem as seguidas e preocupantes contusões de Messi, contratar um ótimo zagueiro, fazer o time sofrer menos gols de jogadas aéreas e, de vez em quando, marcar também gols feios. Se corrigir tudo isso, o time voltará a reinar no mundo.
Tiraram o salário e a casa (Engenhão) dos jogadores do Botafogo, mas não tiraram a dignidade e a competência do time, mesmo sem Seedorf.
O secretário de Saúde de Minas Gerais, Antônio Jorge de Souza, disse ao jornal "O Tempo" que Minas terá nova epidemia de dengue às vésperas da Copa.
Já imaginou dezenas de turistas com dengue? Ou um grande craque fora da final?
Antes, a epidemia era apenas em alguns meses. Agora, em todo o ano. Em 2013, já foram 255 mil casos apenas no Estado, 12 vezes mais que em todo ano passado. Uma calamidade.
Todos sabem as causas (negligência do estado e dos cidadãos, interrupção de prevenção, chegada do vírus 4, falta de verbas, de agentes, e outras), mas nada se resolve. Tudo piora. É muita incompetência.
Seria um novo vírus a causa de tanta incompetência? Ou seria algo maior, que tenha a ver com o declínio do ser humano, cada dia mais vaidoso, contraditório, ambicioso, inseguro e violento?
Existe uma epidemia de incompetência, para as pequenas e grandes coisas, no futebol e na sociedade
Tudo o que fiz e faço poderia e deveria ter feito melhor. Minha consciência crítica me marca de perto. Não consigo driblá-la. Quando acho que está tudo bem, ela mostra minha limitação e incompetência.
Apesar das facilidades e amplas possibilidades que a tecnologia e o mundo atual nos proporcionam, tenho a impressão, e posso estar enganado, que existe uma epidemia de incompetência, para as pequenas e as grandes coisas, no futebol e em todos os lugares. Felizmente, há muitas exceções.
As pessoas realizam muito, trabalham muito, criam muitas novidades, mas poucas têm preocupação, prazer e responsabilidade em fazer bem feito.
O trânsito é caótico, o serviço de saúde, de educação e de transporte não funcionam, a pizza que peço pelo telefone chega fria, restaurantes caríssimos costumam atender mal, as pessoas compram ingressos para o jogo, pela internet, e ainda têm de enfrentar longa fila para pegá-lo, o gramado do estádio novo de Brasília, de mais de R$ 1 bilhão, está péssimo, e milhares de outras incompetências diárias.
A falta de competência surge também em surtos. O competente técnico Mano Menezes, depois de cometer um erro contra o São Paulo, reconhecido por ele, errou novamente contra o Cruzeiro, ao escalar o jovem Samir de lateral-zagueiro. Ele ficou perdido. Não fez uma coisa nem outra. Fechava para o meio e deixava o corredor aberto para alguém do Cruzeiro entrar livre e cruzar. Assim saiu um gol e poderiam ter acontecido outros.
Espero que o técnico Tata Martino e o Barcelona tenham competência para escalar Neymar desde o início --ele é mil vezes melhor que Pedro e Alexis Sánches--, tratar bem as seguidas e preocupantes contusões de Messi, contratar um ótimo zagueiro, fazer o time sofrer menos gols de jogadas aéreas e, de vez em quando, marcar também gols feios. Se corrigir tudo isso, o time voltará a reinar no mundo.
Tiraram o salário e a casa (Engenhão) dos jogadores do Botafogo, mas não tiraram a dignidade e a competência do time, mesmo sem Seedorf.
O secretário de Saúde de Minas Gerais, Antônio Jorge de Souza, disse ao jornal "O Tempo" que Minas terá nova epidemia de dengue às vésperas da Copa.
Já imaginou dezenas de turistas com dengue? Ou um grande craque fora da final?
Antes, a epidemia era apenas em alguns meses. Agora, em todo o ano. Em 2013, já foram 255 mil casos apenas no Estado, 12 vezes mais que em todo ano passado. Uma calamidade.
Todos sabem as causas (negligência do estado e dos cidadãos, interrupção de prevenção, chegada do vírus 4, falta de verbas, de agentes, e outras), mas nada se resolve. Tudo piora. É muita incompetência.
Seria um novo vírus a causa de tanta incompetência? Ou seria algo maior, que tenha a ver com o declínio do ser humano, cada dia mais vaidoso, contraditório, ambicioso, inseguro e violento?
Hipócritas - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 25/08
Quem diria que toda a história recente do mundo caberia numa letra de bolero?
Vivemos sob o signo da hipocrisia. A volta da democracia no Egito, com a queda do Mubarak e a primeira eleição livre em muitos anos, foi saudada por todo o mundo como um desabrochar primaveril. Só uma coisa deu errado: ganhou a eleição quem não deveria. A Irmandade Muçulmana no poder só deu razão a quem diz que islã e democracia são incompatíveis, ou aos que dizem que a democracia é linda, mas não pode ser suicida. Veio o golpe dos militares, que nunca deixaram de ser a única força política consequente no Egito, e cujo objetivo declarado não é só substituir os muçulmanos no poder, mas acabar, literalmente, com eles. Os líderes muçulmanos estão presos e seus seguidores sendo assassinados nas ruas, à vista do mundo inteiro, que faz sons protocolares de reprovação, mas não quer se meter. Os Estados Unidos, que sustentavam a ditadura Mubarak e há anos sustentam, com dinheiro e material, o exército egípcio, enquanto pregam democracia para todos — sem exageros, claro —, não sabem até onde levar sua “realpolitik”, que é o nome pomposo da hipocrisia.. Mas se, num acesso de autocrítica, os americanos cortarem a ajuda para o massacre, não faltará ajuda das petromonarquias da região, como aquele outro exemplo de democracia relativa apoiada pelos Estados Unidos, a Arábia Saudita. Enfim, as primaveras, como a democracia, são lindas, mas também podem ser vésperas de verões infernais.
Essa meleca — e a meleca maior que é toda a situação no Oriente Médio, incluindo a questão Israel/palestinos — é fruto de muitos anos de hipocrisia, começando com a hipocrisia das potências imperialistas, que pilharam meio mundo disfarçadas de evangelizadoras e civilizadoras, e, no caso do Oriente Médio, chegaram a impor fronteiras e inventar países. A própria geografia da interminável crise em que vive a região é uma herança da passagem dos ingleses, que deixaram o lixo da sua farra para trás. Mas tanto os países artificiais quanto os históricos, como o Egito, tiveram culpa pela sua desgraça atual. Nos anos 60 e 70 ensaiou-se a criação de uma nova ordem econômica mundial, independente da ordem sacramentada pelo neoimperialismo anglo-americano. Os dólares do petróleo financiariam essa tentativa de emancipação dos pobres. Mas não aproveitaram a abertura. Os emires apoiavam a ideia da revolta em tese, mas continuaram aplicando seus lucros no sistema bancário dominante. E o neoimperialismo, enquanto exaltava a democracia liberal, se encarregava de impedir qualquer alternativa para o seu domínio. No Egito, agora, os hipócritas se impõem criminosamente. Quem diria que toda a história recente do mundo caberia numa letra de bolero?
Quem diria que toda a história recente do mundo caberia numa letra de bolero?
Vivemos sob o signo da hipocrisia. A volta da democracia no Egito, com a queda do Mubarak e a primeira eleição livre em muitos anos, foi saudada por todo o mundo como um desabrochar primaveril. Só uma coisa deu errado: ganhou a eleição quem não deveria. A Irmandade Muçulmana no poder só deu razão a quem diz que islã e democracia são incompatíveis, ou aos que dizem que a democracia é linda, mas não pode ser suicida. Veio o golpe dos militares, que nunca deixaram de ser a única força política consequente no Egito, e cujo objetivo declarado não é só substituir os muçulmanos no poder, mas acabar, literalmente, com eles. Os líderes muçulmanos estão presos e seus seguidores sendo assassinados nas ruas, à vista do mundo inteiro, que faz sons protocolares de reprovação, mas não quer se meter. Os Estados Unidos, que sustentavam a ditadura Mubarak e há anos sustentam, com dinheiro e material, o exército egípcio, enquanto pregam democracia para todos — sem exageros, claro —, não sabem até onde levar sua “realpolitik”, que é o nome pomposo da hipocrisia.. Mas se, num acesso de autocrítica, os americanos cortarem a ajuda para o massacre, não faltará ajuda das petromonarquias da região, como aquele outro exemplo de democracia relativa apoiada pelos Estados Unidos, a Arábia Saudita. Enfim, as primaveras, como a democracia, são lindas, mas também podem ser vésperas de verões infernais.
Essa meleca — e a meleca maior que é toda a situação no Oriente Médio, incluindo a questão Israel/palestinos — é fruto de muitos anos de hipocrisia, começando com a hipocrisia das potências imperialistas, que pilharam meio mundo disfarçadas de evangelizadoras e civilizadoras, e, no caso do Oriente Médio, chegaram a impor fronteiras e inventar países. A própria geografia da interminável crise em que vive a região é uma herança da passagem dos ingleses, que deixaram o lixo da sua farra para trás. Mas tanto os países artificiais quanto os históricos, como o Egito, tiveram culpa pela sua desgraça atual. Nos anos 60 e 70 ensaiou-se a criação de uma nova ordem econômica mundial, independente da ordem sacramentada pelo neoimperialismo anglo-americano. Os dólares do petróleo financiariam essa tentativa de emancipação dos pobres. Mas não aproveitaram a abertura. Os emires apoiavam a ideia da revolta em tese, mas continuaram aplicando seus lucros no sistema bancário dominante. E o neoimperialismo, enquanto exaltava a democracia liberal, se encarregava de impedir qualquer alternativa para o seu domínio. No Egito, agora, os hipócritas se impõem criminosamente. Quem diria que toda a história recente do mundo caberia numa letra de bolero?
Melhorando sempre - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 25/08
Como vemos o tempo todo, o Estado, entre nós identificado ilegitimamente com o governo, cada vez mais interfere em nossa vida pessoal. Falta pouco para baixarem regras sobre o que devemos comer em casa (nas cantinas escolares, já baixaram e em breve algum alegre aí vai propor que os restaurantes só sirvam sobremesa se o freguês apresentar certidão negativa de diabetes), fundarem o programa Mesada Mínima para proteger nossos filhos de nossa eventual mesquinharia e instalarem câmeras nos banheiros domésticos, para pilhar possíveis deslizes em nossa higiene, consumo de água excessivo, uso do vaso em padrões anômalos e assim por diante, dessa forma colhendo dados preciosos para melhor nos proteger e aprimorar nossa qualidade de vida.
Ingratos que somos, nem suspeitamos do alcance de certas medidas. Agora mesmo, nós, os felizes residentes da cidade do Rio de Janeiro, estamos prestes a ter a cidade mais limpa do mundo. Com grande severidade, agentes públicos acionam maquinetas moderníssimas e já multaram até quem jogou na calçada um palito de fósforo. Aplausos, aplausos, todos os brasileiros querem o Rio de Janeiro limpinho. Mas logo uma contestação chegará aos tribunais, que vão encarar sérios problemas epistemológicos, como, por exemplo, se a cinza espalhada pelo vento que deu na ponta de um cigarro constitui lixo jogado na rua, mesmo que não haja resquício visível dela. Em termos genéricos, o vento, em casos de lenços ou guardanapos de papel arrebatados de supetão, exclui o ilícito? Em área mais delicada, se o cidadão tem um engasgo no meio da rua e cospe antes de poder pegar um lenço ou chegar perto de uma cesta, paga multa por cuspir, digamos, em legítima defesa? Nos casos de dúvida fundada sobre quem jogou a guimba fora, prevalece o testemunho de quem? A quantos segundos tem direito quem joga fora algo, para se arrepender e pegar o objeto de volta? Quem cronometra? Haverá lixo doloso e lixo culposo?
São graves questões, para cuja dilucidação certamente se requererá a participação de vários setores profissionais e da sociedade civil. Mas, na verdade, a política de tolerância zero quanto ao lixo é apenas uma fachada. Como a gente via nos filmes de detetive, é indispensável olhar além das aparências e talvez os cariocas encarem como uma bomba a notícia que vou dar. A notícia, claro, é que, por trás dessa aparentemente inócua medida, está um plano de grande astúcia, para reduzir quase a zero os crimes por arma de fogo, no Rio de Janeiro. Pensem aí. Pois é, a mim também só ocorreu depois de matutar bastante. As armas de fogo mais potentes costumam cuspir fora as cascas das balas, que geralmente caem no chão. Sacaram? Isso mesmo, caiu no chão, vira lixo! No momento em que o vagabundo der o primeiro tiro e a casca da bala cair no chão, o fiscal do lixo vai lá e dá um "guentaí, mermão" no meliante, tacando-lhe a multa logo em seguida. Muito sagaz, essa medida, temos que tirar o chapéu. Não pode papel de embrulhar bala de chupar, claro que não pode também casca de bala de atirar. Se tivessem feito uma campanha de tolerância zero à violência, a bandidagem ficaria em alerta. Com a campanha do lixo, ela é colhida de surpresa. Dar-se-á fenômeno análogo ao que aconteceu em São Paulo, com a zelosa campanha pela abolição do cigarro em locais públicos, até mesmo debaixo de uma marquise. Hoje os assaltos aumentaram, mas o número de assaltantes fumantes caiu vertiginosamente, porque eles sabem que, se fumarem, a cana pega. Querem ver, botem um cigarro aceso no bico e vão fazer arrastão num restaurante paulistano. Não passarão da porta de entrada, qualquer assaltante sabe disso. No Rio, dar tiro vai sair os olhos da cara, com certeza levando o bandido a pensar duas vezes, antes de atirar.
Muitas das últimas novidades têm a ver com o futebol. A gente aceita tudo o que nos impõem não se sabe de onde, ou mesmo que se saiba, até chamar os estádios de arena isso ou aquilo. Em nossa língua, é "estádio" ou "campo" e arena é do Coliseu romano ou é picadeiro, mas todos cedem a essa imposição descabida. Que é que o autor dessas mudanças faria, se a imprensa continuasse a chamar as "arenas" de estádios? Punir os jornais e a tevê, proibir a transmissão e a cobertura de jogos? Mas aceitamos ovinamente até mesmo que algum paspalho invente e depois nos impinja palavras grotescas, como "Paralimpíadas" - e dá saudade de Ary Barroso, porque tenho certeza de que ele a denunciaria como uma burrice traidora da pátria e se recusaria a usá-la.
Nossa conduta como torcedores também está sendo objeto de normatização. Já soube que ninguém vai poder entrar com instrumentos musicais numa arena, acabaram de matar de vez a charanga. Os torcedores também deverão observar uma série de regras, entre as quais não usar palavrões. Como os palavrões diferem regionalmente, tanto em vocábulos quanto em seus significados e usos, creio que será necessária a elaboração de um glossário de turpilóquios para cada cidade onde há arenas, com um 0800 e um site na internet, a fim de esclarecer o torcedor sobre a linguagem admissível em determinado local. E será também inevitável a proibição de epítetos que ofendam qualquer categoria, inclusive as prostitutas, tão injustamente presentes nos atuais xingamentos. Mas os avanços reais estarão nas conquistas contra a exclusão, a discriminação e a injustiça. Cada time terá um limite máximo de torcedores, excedido o qual haverá cotas para os de torcida muito pequena. Chega à casa do torcedor uma mensagem do governo: "Comunicamos que o Flamengo já preencheu sua cota de torcedores e, nos termos da Lei de Igualdade Desportiva e do programa Torcida para Todos, V.S. passa agora a torcer obrigatoriamente pelo Fluminense de Feira de Santana". Não tem jeito, mas talvez devamos até pôr as mãos para o céu, enquanto eles se contentarem com o futebol.
Como vemos o tempo todo, o Estado, entre nós identificado ilegitimamente com o governo, cada vez mais interfere em nossa vida pessoal. Falta pouco para baixarem regras sobre o que devemos comer em casa (nas cantinas escolares, já baixaram e em breve algum alegre aí vai propor que os restaurantes só sirvam sobremesa se o freguês apresentar certidão negativa de diabetes), fundarem o programa Mesada Mínima para proteger nossos filhos de nossa eventual mesquinharia e instalarem câmeras nos banheiros domésticos, para pilhar possíveis deslizes em nossa higiene, consumo de água excessivo, uso do vaso em padrões anômalos e assim por diante, dessa forma colhendo dados preciosos para melhor nos proteger e aprimorar nossa qualidade de vida.
Ingratos que somos, nem suspeitamos do alcance de certas medidas. Agora mesmo, nós, os felizes residentes da cidade do Rio de Janeiro, estamos prestes a ter a cidade mais limpa do mundo. Com grande severidade, agentes públicos acionam maquinetas moderníssimas e já multaram até quem jogou na calçada um palito de fósforo. Aplausos, aplausos, todos os brasileiros querem o Rio de Janeiro limpinho. Mas logo uma contestação chegará aos tribunais, que vão encarar sérios problemas epistemológicos, como, por exemplo, se a cinza espalhada pelo vento que deu na ponta de um cigarro constitui lixo jogado na rua, mesmo que não haja resquício visível dela. Em termos genéricos, o vento, em casos de lenços ou guardanapos de papel arrebatados de supetão, exclui o ilícito? Em área mais delicada, se o cidadão tem um engasgo no meio da rua e cospe antes de poder pegar um lenço ou chegar perto de uma cesta, paga multa por cuspir, digamos, em legítima defesa? Nos casos de dúvida fundada sobre quem jogou a guimba fora, prevalece o testemunho de quem? A quantos segundos tem direito quem joga fora algo, para se arrepender e pegar o objeto de volta? Quem cronometra? Haverá lixo doloso e lixo culposo?
São graves questões, para cuja dilucidação certamente se requererá a participação de vários setores profissionais e da sociedade civil. Mas, na verdade, a política de tolerância zero quanto ao lixo é apenas uma fachada. Como a gente via nos filmes de detetive, é indispensável olhar além das aparências e talvez os cariocas encarem como uma bomba a notícia que vou dar. A notícia, claro, é que, por trás dessa aparentemente inócua medida, está um plano de grande astúcia, para reduzir quase a zero os crimes por arma de fogo, no Rio de Janeiro. Pensem aí. Pois é, a mim também só ocorreu depois de matutar bastante. As armas de fogo mais potentes costumam cuspir fora as cascas das balas, que geralmente caem no chão. Sacaram? Isso mesmo, caiu no chão, vira lixo! No momento em que o vagabundo der o primeiro tiro e a casca da bala cair no chão, o fiscal do lixo vai lá e dá um "guentaí, mermão" no meliante, tacando-lhe a multa logo em seguida. Muito sagaz, essa medida, temos que tirar o chapéu. Não pode papel de embrulhar bala de chupar, claro que não pode também casca de bala de atirar. Se tivessem feito uma campanha de tolerância zero à violência, a bandidagem ficaria em alerta. Com a campanha do lixo, ela é colhida de surpresa. Dar-se-á fenômeno análogo ao que aconteceu em São Paulo, com a zelosa campanha pela abolição do cigarro em locais públicos, até mesmo debaixo de uma marquise. Hoje os assaltos aumentaram, mas o número de assaltantes fumantes caiu vertiginosamente, porque eles sabem que, se fumarem, a cana pega. Querem ver, botem um cigarro aceso no bico e vão fazer arrastão num restaurante paulistano. Não passarão da porta de entrada, qualquer assaltante sabe disso. No Rio, dar tiro vai sair os olhos da cara, com certeza levando o bandido a pensar duas vezes, antes de atirar.
Muitas das últimas novidades têm a ver com o futebol. A gente aceita tudo o que nos impõem não se sabe de onde, ou mesmo que se saiba, até chamar os estádios de arena isso ou aquilo. Em nossa língua, é "estádio" ou "campo" e arena é do Coliseu romano ou é picadeiro, mas todos cedem a essa imposição descabida. Que é que o autor dessas mudanças faria, se a imprensa continuasse a chamar as "arenas" de estádios? Punir os jornais e a tevê, proibir a transmissão e a cobertura de jogos? Mas aceitamos ovinamente até mesmo que algum paspalho invente e depois nos impinja palavras grotescas, como "Paralimpíadas" - e dá saudade de Ary Barroso, porque tenho certeza de que ele a denunciaria como uma burrice traidora da pátria e se recusaria a usá-la.
Nossa conduta como torcedores também está sendo objeto de normatização. Já soube que ninguém vai poder entrar com instrumentos musicais numa arena, acabaram de matar de vez a charanga. Os torcedores também deverão observar uma série de regras, entre as quais não usar palavrões. Como os palavrões diferem regionalmente, tanto em vocábulos quanto em seus significados e usos, creio que será necessária a elaboração de um glossário de turpilóquios para cada cidade onde há arenas, com um 0800 e um site na internet, a fim de esclarecer o torcedor sobre a linguagem admissível em determinado local. E será também inevitável a proibição de epítetos que ofendam qualquer categoria, inclusive as prostitutas, tão injustamente presentes nos atuais xingamentos. Mas os avanços reais estarão nas conquistas contra a exclusão, a discriminação e a injustiça. Cada time terá um limite máximo de torcedores, excedido o qual haverá cotas para os de torcida muito pequena. Chega à casa do torcedor uma mensagem do governo: "Comunicamos que o Flamengo já preencheu sua cota de torcedores e, nos termos da Lei de Igualdade Desportiva e do programa Torcida para Todos, V.S. passa agora a torcer obrigatoriamente pelo Fluminense de Feira de Santana". Não tem jeito, mas talvez devamos até pôr as mãos para o céu, enquanto eles se contentarem com o futebol.
Ueba! Semana do Selinho! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 25/08
STF quer dizer Supremo Telecatch Federal! Aliás, o Bravobosa podia dar um selinho no Lesmandowski!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Festival de Piadas Prontas!
1) "Seguranças da Câmara barram protesto da saúde porque recinto já estava ocupado com protesto dos policiais." Sugiro rodízio de protestos. Segundas, quartas e sextas: protesto da saúde, ex-BBBs e "Fora Cabral". Terças, quintas e sábados: protesto de professores, anões de jardim e "Fora Alckmin". Domingo: selinho na Dilma! Selinho na Dilma é trombada! Rarará!
2) "Delegado do Piauí pede prisão do cantor Belo." Nome do delegado: Ademar CANABRAVA! Tá feio pro Belo! E o nome do advogado do Belo: Peralta! Um peralta defendendo outro!
3) "Ninguém encarna melhor o espírito das ruas do que eu, diz Maluf." Rarará. Adoro! Se o Maluf for o espírito das ruas, nunca mais saio sozinho à noite!
E o Egito? Acabou a primavera: o presidente eleito tá preso e o ex-ditador solto. Até a esfinge gritou!
E a nova dupla cômica: Bravobosa e Lesmandowski. STF quer dizer Supremo Telecatch Federal! Aliás, o Bravobosa podia dar um selinho no Lesmandowski! Agora é tudo selinho! Depois do Sheik Camargo, a nova Rainha do Selinho.
Esse Sheik acordou o Gigante de novo. Só se falou nisso no Brasil. O Sheik devia fazer hoje um Selaço no Itaquerão! Pra calar a boca dos manos revoltados!
E o Sensacionalista: "Sheik irrita novamente a torcida do Corinthians, postou uma foto lendo um livro". Isso é uma afronta à torcida. Tá abusando! Rarará! E o Futirinhas: "Sabe qual a diferença entre o São Paulo e a Mega-Sena? Ambos custam dois reais, mas na Mega ainda há chances de ganhar!". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é Lúdico! Placa no Wal-Mart de São Bernardo: "Home TEACHER Samsung, 10 X R$ 89,80". Tão vendendo professor em supermercado! Vanguarda de tecnologia, professor particular por R$ 898,00.
Esse é o salário que os prefeitos pagam pros professores em carne e osso, ops, em carne viva! Esse home teacher deve ser pra assistir telecurso segundo grau.
E essa no muro duma igreja evangélica: "Deu é Amor". Há controvérsias. Tem gente que dá por dar mesmo. Rarará. E o dólar sobe e Miami fica mais longe! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
O cavalo no bar - LUIS VERNANDO VERÍSSIMO
O Estado de S.Paulo - 25/08
Cena: um asilo de velhos. Quatro velhinhos sentados, num círculo. Os quatro dormindo, apoiados na sua bengala.
Velhinho 1 (Acordando) - O que é que o barman diz para um cavalo que entra no bar?
Velhinho 2 (Acordando) - O quê?
Velhinho 1 - Um cavalo entra num bar. O que é que diz o barman?
Velhinho 2 - Por que um cavalo entraria num bar?
Velhinho 1 - Não interessa. É uma piada. Entra o cavalo no bar...
Velhinho 3 (Acordando, para o Velhinho 4, que é surdo) - O que foi?
Velhinho 4 (Acordando) - Algo sobre cavaco lombar.
Velhinho 3 - Cavaco lombar? Acho que já tive isso.
Velhinho 1 - Um cavalo entra num bar. Não interessa por quê. O barman diz o quê?
Velhinho 2 - Quem?
Velhinho 1 - O barman.
Velhinho 4 - O Batman?
Velhinho 1 - O barman. O barman. O cara que serve no bar.
Velhinho 2 - Boa, boa. Também tem aquela do padre, do pastor protestante e do rabino que entram num elevador. O que é que diz o cabineiro?
Velhinho 3 (Para o Velhinho 3) - Quem?
Velhinho 4 - Acho que é mineiro.
Velhinho 2 - O cabineiro. O ascensorista.
Velhinho 1 - Isso não existe mais. Hoje, num elevador só tem botão. E eu ainda não terminei de contar a minha piada!
Velhinho 2 - Ah, não tinha terminado? Então conta, conta.
Velhinho 1 - Um cavalo entra num elevador. Não! Um cavalo entra num bar. O barman lhe diz uma coisa. O que é?
Velhinho 2 - O barman pergunta ao cavalo onde está o seu dono e o cavalo diz: "Deixei ele amarrado lá fora".
Velhinho 1 - Não!
Velhinho 2 - O barman diz: "Esta é a primeira vez que entra um cavalo neste bar" e o cavalo diz: "E com estes preços, será a última".
Velhinho 1 - Não!
Velhinho 2 - Você não quer saber o que o ascensorista diz para o padre, o pastor protestante e o rabino que entraram no seu elevador?
Velhinho 1 - Não!
Velhinho 2 - Diz: "Sabem que isso daria uma anedota?".
Velhinho 1 - Está bem. Boa. Mas vamos lá: o que o barman pergunta para o cavalo que entra no bar?
Velhinho 2 - Não sei.
Velhinho 1 - "Por que essa cara comprida?"
Velhinho 2 - Como é?
Velhinho 1 - O cavalo. Cara comprida.
Silêncio. Depois:
Velhinho 3 - Onde é que entra o Batman?
Cena: um asilo de velhos. Quatro velhinhos sentados, num círculo. Os quatro dormindo, apoiados na sua bengala.
Velhinho 1 (Acordando) - O que é que o barman diz para um cavalo que entra no bar?
Velhinho 2 (Acordando) - O quê?
Velhinho 1 - Um cavalo entra num bar. O que é que diz o barman?
Velhinho 2 - Por que um cavalo entraria num bar?
Velhinho 1 - Não interessa. É uma piada. Entra o cavalo no bar...
Velhinho 3 (Acordando, para o Velhinho 4, que é surdo) - O que foi?
Velhinho 4 (Acordando) - Algo sobre cavaco lombar.
Velhinho 3 - Cavaco lombar? Acho que já tive isso.
Velhinho 1 - Um cavalo entra num bar. Não interessa por quê. O barman diz o quê?
Velhinho 2 - Quem?
Velhinho 1 - O barman.
Velhinho 4 - O Batman?
Velhinho 1 - O barman. O barman. O cara que serve no bar.
Velhinho 2 - Boa, boa. Também tem aquela do padre, do pastor protestante e do rabino que entram num elevador. O que é que diz o cabineiro?
Velhinho 3 (Para o Velhinho 3) - Quem?
Velhinho 4 - Acho que é mineiro.
Velhinho 2 - O cabineiro. O ascensorista.
Velhinho 1 - Isso não existe mais. Hoje, num elevador só tem botão. E eu ainda não terminei de contar a minha piada!
Velhinho 2 - Ah, não tinha terminado? Então conta, conta.
Velhinho 1 - Um cavalo entra num elevador. Não! Um cavalo entra num bar. O barman lhe diz uma coisa. O que é?
Velhinho 2 - O barman pergunta ao cavalo onde está o seu dono e o cavalo diz: "Deixei ele amarrado lá fora".
Velhinho 1 - Não!
Velhinho 2 - O barman diz: "Esta é a primeira vez que entra um cavalo neste bar" e o cavalo diz: "E com estes preços, será a última".
Velhinho 1 - Não!
Velhinho 2 - Você não quer saber o que o ascensorista diz para o padre, o pastor protestante e o rabino que entraram no seu elevador?
Velhinho 1 - Não!
Velhinho 2 - Diz: "Sabem que isso daria uma anedota?".
Velhinho 1 - Está bem. Boa. Mas vamos lá: o que o barman pergunta para o cavalo que entra no bar?
Velhinho 2 - Não sei.
Velhinho 1 - "Por que essa cara comprida?"
Velhinho 2 - Como é?
Velhinho 1 - O cavalo. Cara comprida.
Silêncio. Depois:
Velhinho 3 - Onde é que entra o Batman?
Assim caminha a Humanidade - DORRIT HARAZIM
O GLOBO - 25/08
Ao longo dos últimos dias a imagem de centenas de crianças sem vida, alinhadas num chão de cimento, assombra a comunidade internacional.
Algumas estão enfileiradas ao lado dos pais, também envoltos em lençóis brancos, deixando à vista apenas seus rostos. Todos têm fisionomia serena - perderam a agonia crispada que marcou as últimas horas de suas vidas. Chama a atenção, na improvisada alameda de cadáveres, a ausência de qualquer gota de sangue. Aquelas vidas atingidas por algum agente químico numa madrugada em Damasco parecem ter se apagado sozinhas.
Na guerra civil que há três anos estraçalha a Síria e já fez mais de 100 mil mortos, a ONU, os Estados Unidos e potências mundiais se deparam com indícios cada vez mais consistentes, embora conflitantes quanto à autoria, de que mais ataques químicos estejam nos planos de quem controla este arsenal no país. "Precisamos nos certificar de que não haverá uma proliferação de armas de destruição em massa", advertiu pela primeira vez o presidente americano Barack Obama.
Por feliz coincidência, o Centro Belfer para Assuntos Internacionais e Científicos, da Universidade de Harvard, acaba de tornar público um relatório que serve de reflexão também para o atual imbróglio sírio. O estudo tem 40 páginas. E apesar do título árido - Plutonium Mountain: Inside the 17-Year Mission to Secure a Legacy of Soviet Nuclear Testing (A montanha de plutônio - por dentro da missão de 17 anos para isolar um legado de testes nucleares soviéticos), o caso narrado nada tem de tedioso.
Ele reconstitui a determinação de um grupo de cientistas de três países que levaram 17 anos para nos presentear com algo que somente agora sabemos existir. Trata-se de um modesto monumento de três faces, em pedra escura, fincado no pé de uma remota colina rochosa do Cazaquistão, com uma inscrição trilíngue, em inglês, russo e cazaque: "1996-2012. O mundo se tornou mais seguro." A inscrição resume o êxito da maior e mais complexa operação de desativação de material nuclear desde a Guerra Fria.
Sabia-se que a União Soviética realizara quase todos os seus testes nucleares numa área despovoada do Cazaquistão oriental. Equivalente, em tamanho, ao estado de Alagoas, o Centro de Semipalatinsk fora palco de 456 explosões, 116 das quais na atmosfera e 340 subterrâneas no interior da Montanha Degelen.
Algumas eram explosões atômicas; outras, experiências para estudar o impacto de explosivos convencionais sobre o plutônio e o urânio enriquecido, ou para testar a segurança de armas nucleares durante acidentes simulados.
Com o colapso da União Soviética, em 1991, e sua retirada do Cazaquistão, tudo foi abandonado à própria sorte - o centro de testes, equipamentos, um emaranhado de 180 túneis não lacrados, silos repletos de resíduos de plutônio.
O saque às instalações não tardou.
Para os moradores das localidades vizinhas, trilhos que antes transportavam artefatos nucleares valiam pelo metal, cabos elétricos, pelo cobre.
Ninguém parecia se interessar pelo material nuclear. Uma verba militar do Pentágono que financiara a construção de barreiras de acesso aos túneis de pouco servira.
Em 1998, o cientista Siegfried Hecker se aposentara da direção do Laboratório Nacional de Los Alamos e decidiu fazer uma périplo de nove dias por Semipalatinsk. Alarmou-se ao ver predadores fazerem escavações mecanizadas à procura de metais vendáveis. No relatório de viagem que elaborou ao final, comparou a Montanha Degelen a uma mina de plutônio em potencial para terroristas e bucaneiros.
Visto que apenas os russos tinham o mapa dessa mina e sabiam o tipo de material tóxico ali enterrado, decidiu estabelecer uma ponte de confiança científica à margem da política e das respectivas burocracias governamentais.
Encontrou em Radi Ilkaev, o diretor do laboratório nuclear Arzamas- 16, o interlocutor certo.
Apesar da desconfiança e da cautela do lado russo, formaram-se duas equipes com o mesmo propósito de blindar o centro de testes abandonado.
A eles se juntou o governo do Cazaquistão, ávido por limpar seu território da indigesta contaminação soviética.
Não sabiam, então, que custaria 150 milhões de dólares nem que levaria 17 anos.
Começaram por encontrar uma solução para um campo de explosões em silos verticais, onde resíduos de plutônio haviam se acumulado quase na superfície do solo: copiaram a fórmula adotada para o reator de Chernobyl, encobrindo a área com um gigantesco sarcófago de concreto. Os Estados Unidos entraram com o dinheiro; a Rússia com a tecnologia; o Cazaquistão com a mão de obra. O colosso foi concluído em 2003.
Para blindar a Montanha Degelen, a poucos quilômetros de distância, foi preciso esperar até 2005. Só então os russos entregaram os dados mais comprometedores sobre o que ficara no seu interior: mais de 100 quilos de plutônio recuperável, o suficiente para fabricar uma dúzia de bombas nucleares.
Três dos sítios eram de altíssimo risco. Num só local, além de plutônio de alta qualidade ficara também todo o equipamento usado para fabricar uma bomba.
Foram necessários outros sete anos para que a última caverna da montanha fosse considerada vedada e os cientistas inaugurassem a singela plaqueta.
Neste caso, a Humanidade avançou um passo em 17 anos. No caso da Síria, podemos estar recuando 25 anos - o último ataque maciço com armas químicas foi obra de Saddam Hussein, em 1988.
Holocausto, versão árabe - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 25/08
Dois anos e meio de guerra é tempo mais que suficiente para que se inventasse uma saída
Todo o mundo sabe a sensibilidade com que os judeus lidam com a palavra holocausto. Relutam muito em usá-la para outra tragédia que não seja a sua própria, de meados do século passado.
Por isso, ganha especial significado o fato de um judeu ter tratado a guerra civil em curso na Síria como "um holocausto". E não foi um judeu qualquer, mas um membro do Parlamento, o trabalhista Binyamin Ben-Eliezer. Ainda por cima, ex-ministro de Defesa, o que significa que tem experiência em avaliar conflitos, de vez que a história de Israel é uma história de conflitos.
Em entrevista à rádio do Exército, Ben-Eliezer acrescentou que, "se fosse um cidadão sírio, estaria chocado com o silêncio internacional e da Europa". "Não o entendo", completou.
De fato, é incompreensível a passividade da chamada comunidade internacional ante o que ocorre na Síria. O presidente Barack Obama, por exemplo, disse meses atrás que o uso de armas químicas seria ultrapassar o sinal vermelho, o que, em tese, forçaria uma reação.
Ora, 100 mil mortos por armas convencionais já não deveriam bastar como sinal vermelho?
Já não deveria bastar o fato de que agências da ONU anunciaram, na sexta-feira, que o número de crianças forçadas a deixar a Síria alcançou 1 milhão, "um marco vergonhoso", segundo a Unicef? As crianças desalojadas no interior da própria Síria são o dobro, 2 milhões.
Em um país de 23 milhões de habitantes, é muito mais que "um marco vergonhoso". É de fato um holocausto infantil.
O único argumento para que o mundo assista passivamente a um massacre de tais proporções é a dificuldade notória de adotar qualquer ação.
Como escreve Avi Issacharoff, analista de Oriente Médio para o sítio "The Times of Israel", "na Síria não há uma escolha entre bom' e ruim'. O regime de Assad é ruim, mas a oposição aparente é também ruim --talvez até pior no que diz respeito ao Ocidente. Gangues estilo Al Qaeda estão tomando o controle de mais e mais territórios, inclusive de áreas nas grandes cidades do país."
Digamos que seja assim mesmo. Mas já são dois anos e meio de guerra, tempo mais que suficiente para que diplomatas pusessem de pé alguma ideia, uma que fosse, capaz de permitir acabar com a carnificina, sem necessariamente provocar a vitória de um bando ou outro.
Com o "holocausto" infantil em marcha, o ódio marcará mais de uma geração síria, o que torna improvável, para dizer o mínimo, que se possa estabelecer no futuro uma convivência democrática.
Por fim, se razões humanitárias não comovem a comunidade internacional para uma intervenção, que seja pelo menos sensibilizada pela seguinte pregação de Patricia Lewis, diretora de pesquisas sobre segurança internacional da Chatham House, centro britânico de pesquisas:
"Qualquer que seja a verdade sobre quem usou ou não armas químicas no conflito sírio, a grande questão é prevenir o uso maciço e, adicionalmente, tornar seguro o estoque de armas químicas em uma Síria pós-conflito."
Dois anos e meio de guerra é tempo mais que suficiente para que se inventasse uma saída
Todo o mundo sabe a sensibilidade com que os judeus lidam com a palavra holocausto. Relutam muito em usá-la para outra tragédia que não seja a sua própria, de meados do século passado.
Por isso, ganha especial significado o fato de um judeu ter tratado a guerra civil em curso na Síria como "um holocausto". E não foi um judeu qualquer, mas um membro do Parlamento, o trabalhista Binyamin Ben-Eliezer. Ainda por cima, ex-ministro de Defesa, o que significa que tem experiência em avaliar conflitos, de vez que a história de Israel é uma história de conflitos.
Em entrevista à rádio do Exército, Ben-Eliezer acrescentou que, "se fosse um cidadão sírio, estaria chocado com o silêncio internacional e da Europa". "Não o entendo", completou.
De fato, é incompreensível a passividade da chamada comunidade internacional ante o que ocorre na Síria. O presidente Barack Obama, por exemplo, disse meses atrás que o uso de armas químicas seria ultrapassar o sinal vermelho, o que, em tese, forçaria uma reação.
Ora, 100 mil mortos por armas convencionais já não deveriam bastar como sinal vermelho?
Já não deveria bastar o fato de que agências da ONU anunciaram, na sexta-feira, que o número de crianças forçadas a deixar a Síria alcançou 1 milhão, "um marco vergonhoso", segundo a Unicef? As crianças desalojadas no interior da própria Síria são o dobro, 2 milhões.
Em um país de 23 milhões de habitantes, é muito mais que "um marco vergonhoso". É de fato um holocausto infantil.
O único argumento para que o mundo assista passivamente a um massacre de tais proporções é a dificuldade notória de adotar qualquer ação.
Como escreve Avi Issacharoff, analista de Oriente Médio para o sítio "The Times of Israel", "na Síria não há uma escolha entre bom' e ruim'. O regime de Assad é ruim, mas a oposição aparente é também ruim --talvez até pior no que diz respeito ao Ocidente. Gangues estilo Al Qaeda estão tomando o controle de mais e mais territórios, inclusive de áreas nas grandes cidades do país."
Digamos que seja assim mesmo. Mas já são dois anos e meio de guerra, tempo mais que suficiente para que diplomatas pusessem de pé alguma ideia, uma que fosse, capaz de permitir acabar com a carnificina, sem necessariamente provocar a vitória de um bando ou outro.
Com o "holocausto" infantil em marcha, o ódio marcará mais de uma geração síria, o que torna improvável, para dizer o mínimo, que se possa estabelecer no futuro uma convivência democrática.
Por fim, se razões humanitárias não comovem a comunidade internacional para uma intervenção, que seja pelo menos sensibilizada pela seguinte pregação de Patricia Lewis, diretora de pesquisas sobre segurança internacional da Chatham House, centro britânico de pesquisas:
"Qualquer que seja a verdade sobre quem usou ou não armas químicas no conflito sírio, a grande questão é prevenir o uso maciço e, adicionalmente, tornar seguro o estoque de armas químicas em uma Síria pós-conflito."
O Patrocinador do Mal - MARIO VARGAS LLOSA
O Estado de S.Paulo - 24/08
A série da TV colombiana Escobar, o Patrocinador do Mal teve muito sucesso no seu país de origem e não há dúvida que terá em todos os lugares onde for exibida. Foi muito bem produzida, escrita e dirigida. Ángel Parra, ator que encarna o narcotraficante, o faz com enorme talento. Contudo, diferentemente do que ocorre com outras grandes séries de TV, como The Wire ou 24, dos EUA, ela é acompanhada com desconforto, um mal-estar difuso provocado pela sensação de que, ao contrário do que relatam, é a descrição mais ou menos fidedigna de um pesadelo que acometeu a Colômbia durante os anos em que viveu sob o império do narcotráfico.
Os 74 episódios aos quais acabei de assistir, embora algumas liberdades tenham sido tomadas com relação à história real e alguns nomes próprios tenham sido mudados, são um testemunho autêntico, fascinante e instrutivo da violenta modernização econômica e social - um verdadeiro terremoto, que sofreu a letárgica sociedade colombiana, que se converteu, por obra do gênio empresarial de Escobar, de uma indústria artesanal, nos anos 70, na capital mundial da produção e do comércio de cocaína.
Infelizmente, a trajetória de Escobar está apenas resumida na série, que se concentra mais na experiência familiar do narcotraficante, sua vida pública e clandestina, seus delírios e seus crimes horrendos. Sua ambição era tão grande quanto sua falta de escrúpulos e os delírios e ataques de ira que o induziam a exercer a crueldade com o refinamento e a frieza de um personagem do Marquês de Sade, contrastavam curiosamente com seu complexo de Édipo mal resolvido que o transformava num cordeiro diante da rígida matriarca que foi sua mãe e sua condição de marido modelo e pai muito afetuoso.
Quando lhe apetecia uma "virgenzinha", seus sequazes procuravam uma e depois era assassinada para apagar as pistas. Sempre se considerou um "homem de esquerda" e quando oferecia casas de presente para os pobres construía também zoológicos e proporcionava grandes espetáculos esportivos, como quando mandava explodir carros-bomba que deixavam centenas de inocentes em pedaços.
Ele estava convencido de estar lutando por justiça e direitos humanos. Como criou milhares de empregos - lícitos e ilícitos -, era pródigo e perdulário e personificou a ideia de que uma pessoa pode enriquecer da noite para o dia usando uma arma. Foi ídolo nos bairros marginais de Medellín e, por isso, quando morreu, milhares de pobres choraram por ele, chamando-o de santo, um segundo Jesus Cristo. Ele, como sua família e seu exército de rufiões, era católico praticante e devoto de Santo Niño de Atocha.
Sua fortuna foi gigantesca, embora ninguém tenha conseguido calcular o valor com precisão e não tenha sido exagero quando, em determinado momento, se afirmou que ele era o homem mais rico do mundo. O personagem mais poderoso da Colômbia podia transgredir todas as leis, comprar políticos, militares, funcionários, juízes, torturar, sequestrar e assassinar todos aqueles (e suas famílias) que ousavam se opor a ele.
O notável é que, diante da alternativa em que Pablo Escobar transformou a vida dos colombianos - "prata ou chumbo" -, havia pessoas, como o jornalista Guillermo Cano, dono e diretor do jornal El Espectador, sua heroica família e alguns juízes, militares e políticos que não se deixaram comprar nem intimidar, e preferiram morrer. Foi o caso de Luis Carlos Galán e do ministro Rodrigo Lara Bonilla.
O que dá calafrios ao ver essa série é a impressão que fica de que, se o poder e afortuna não o tivessem empurrado, nos anos finais da sua vida, para excessos patológicos e a se desentender com os próprios sócios, que ele extorquia e mandava assassinar, e tivesse se resignado a um papel menos histriônico e exibicionista, Escobar poderia ter sido presidente da Colômbia ou talvez dono do país.
O que o arruinou foi a soberba, o fato de se acreditar o todo-poderoso, criar tantos inimigos no seu próprio meio e provocar tanto medo e terror com os assassinatos coletivos de carros-bomba, que mandava explodir nas cidades nas horas de pico para que o Estado se submetesse a suas ordens, que seus próprios cúmplices se juntaram contra ele e foram o principal fator de seu fim.
Se um romancista inserisse em sua obra alguns dos episódios protagonizados por Pablo Escobar, a história fracassaria estrondosamente, considerada inverossímil. Talvez o mais delirante e jocoso seja o episódio da sua "entrega" ao governo colombiano, depois de ter dado a satisfação para ele de assinar decretos garantindo que nenhum colombiano jamais seria extraditado para os EUA - a Justiça americana era o pesadelo dos narcotraficantes - e construir para ele um cárcere privado, "La Catedral", de acordo com suas exigências e necessidades.
Ou seja: mesas de bilhar, piscina, discoteca, um chefe de cozinha de prestígio, equipamentos sofisticados de rádio e televisão, o direito de escolher e vetar a guarda encarregada de vigiar o exterior da prisão. Escobar instalou-se na Catedral com suas armas, seus sicários e continuou dirigindo, dali, seu negócio transnacional. Quando queria, ia para Medellín para se divertir e, outras vezes, organizava orgias no suposto cárcere, com músicos e prostitutas que eram trazidos por seus capangas.
Na mesma prisão, permitiram o assassinato de dois dos seus destacados sócios no Cartel de Medellín por não terem deixado que os extorquissem. Como o escândalo foi enorme e a opinião pública reagiu com indignação, o governo tentou transferi-lo para uma prisão de verdade. Então, Escobar e seus pistoleiros, alertados pelos próprios guardas, que estavam em sua folha de pagamento, fugiram. Ainda conseguiu desencadear uma série de assassinatos, mas ele já estava mentalmente perturbado. Os Pepes (Perseguidos por Pablo Escobar) haviam começado a agir.
Quem eram os Pepes? Uma associação de rufiões, vários deles ex-sócios de Escobar no tráfico de cocaína, o Cartel de Cali, que sempre foi adversário do de Medellín, os guerrilheiros da ultradireita (comitês de autodefesa) de Antioquia e outros inimigos do universo do banditismo que Escobar fora criando com seus caprichos e prepotências ao longo de sua carreira. Eles compreenderam que a visibilidade alcançada por esse personagem punha em risco todo o narcotráfico.
Assassinaram seus colaboradores, prepararam emboscadas, converteram-se em informantes das autoridades. Em menos de um ano, o império de Pablo Escobar desintegrou-se. Seu final não podia ser mais patético: acompanhado por um único guarda-costas - todos os outros estavam mortos, presos ou haviam passado para o lado do inimigo - escondido em uma casinha muito modesta e delirando com seu projeto de refugiar-se em algum grupo guerrilheiro nas montanhas, por fim, foi caçado por um comando policial e militar que o abateu a tiros.
A morte de Escobar, esse pioneiro dos tempos heroicos, não acabou com a indústria do narcotráfico. Nos nossos dias, ela se tornou muito mais moderna, sofisticada e invisível do que naqueles tempos. A Colômbia já não detém a hegemonia de então. O tráfico se descentralizou e campeia também no México, na América Central, Venezuela, Brasil e nos países antes exclusivamente produtores da pasta básica, como Peru, Bolívia e Equador.
Hoje, eles competem na área do refino e na comercialização e, como na Colômbia, têm guerrilheiros e exércitos privados a seu serviço. A fonte principal da corrupção, a grande ameaça para o processo de democratização política e modernização econômica vivido pela América Latina, continua sendo e será cada vez mais o narcotráfico.
Até que, por fim, se abra totalmente o caminho para a ideia de que a repressão à droga serve apenas para criar obras destrutivas como a construída por Escobar e a delinquência associada a ela desaparecerá somente quando o seu consumo for legalizado e as enormes somas atualmente investidas em combatê-la forem gastas em campanhas de reabilitação e prevenção. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO E ANNA CAPOVILLA
A série da TV colombiana Escobar, o Patrocinador do Mal teve muito sucesso no seu país de origem e não há dúvida que terá em todos os lugares onde for exibida. Foi muito bem produzida, escrita e dirigida. Ángel Parra, ator que encarna o narcotraficante, o faz com enorme talento. Contudo, diferentemente do que ocorre com outras grandes séries de TV, como The Wire ou 24, dos EUA, ela é acompanhada com desconforto, um mal-estar difuso provocado pela sensação de que, ao contrário do que relatam, é a descrição mais ou menos fidedigna de um pesadelo que acometeu a Colômbia durante os anos em que viveu sob o império do narcotráfico.
Os 74 episódios aos quais acabei de assistir, embora algumas liberdades tenham sido tomadas com relação à história real e alguns nomes próprios tenham sido mudados, são um testemunho autêntico, fascinante e instrutivo da violenta modernização econômica e social - um verdadeiro terremoto, que sofreu a letárgica sociedade colombiana, que se converteu, por obra do gênio empresarial de Escobar, de uma indústria artesanal, nos anos 70, na capital mundial da produção e do comércio de cocaína.
Infelizmente, a trajetória de Escobar está apenas resumida na série, que se concentra mais na experiência familiar do narcotraficante, sua vida pública e clandestina, seus delírios e seus crimes horrendos. Sua ambição era tão grande quanto sua falta de escrúpulos e os delírios e ataques de ira que o induziam a exercer a crueldade com o refinamento e a frieza de um personagem do Marquês de Sade, contrastavam curiosamente com seu complexo de Édipo mal resolvido que o transformava num cordeiro diante da rígida matriarca que foi sua mãe e sua condição de marido modelo e pai muito afetuoso.
Quando lhe apetecia uma "virgenzinha", seus sequazes procuravam uma e depois era assassinada para apagar as pistas. Sempre se considerou um "homem de esquerda" e quando oferecia casas de presente para os pobres construía também zoológicos e proporcionava grandes espetáculos esportivos, como quando mandava explodir carros-bomba que deixavam centenas de inocentes em pedaços.
Ele estava convencido de estar lutando por justiça e direitos humanos. Como criou milhares de empregos - lícitos e ilícitos -, era pródigo e perdulário e personificou a ideia de que uma pessoa pode enriquecer da noite para o dia usando uma arma. Foi ídolo nos bairros marginais de Medellín e, por isso, quando morreu, milhares de pobres choraram por ele, chamando-o de santo, um segundo Jesus Cristo. Ele, como sua família e seu exército de rufiões, era católico praticante e devoto de Santo Niño de Atocha.
Sua fortuna foi gigantesca, embora ninguém tenha conseguido calcular o valor com precisão e não tenha sido exagero quando, em determinado momento, se afirmou que ele era o homem mais rico do mundo. O personagem mais poderoso da Colômbia podia transgredir todas as leis, comprar políticos, militares, funcionários, juízes, torturar, sequestrar e assassinar todos aqueles (e suas famílias) que ousavam se opor a ele.
O notável é que, diante da alternativa em que Pablo Escobar transformou a vida dos colombianos - "prata ou chumbo" -, havia pessoas, como o jornalista Guillermo Cano, dono e diretor do jornal El Espectador, sua heroica família e alguns juízes, militares e políticos que não se deixaram comprar nem intimidar, e preferiram morrer. Foi o caso de Luis Carlos Galán e do ministro Rodrigo Lara Bonilla.
O que dá calafrios ao ver essa série é a impressão que fica de que, se o poder e afortuna não o tivessem empurrado, nos anos finais da sua vida, para excessos patológicos e a se desentender com os próprios sócios, que ele extorquia e mandava assassinar, e tivesse se resignado a um papel menos histriônico e exibicionista, Escobar poderia ter sido presidente da Colômbia ou talvez dono do país.
O que o arruinou foi a soberba, o fato de se acreditar o todo-poderoso, criar tantos inimigos no seu próprio meio e provocar tanto medo e terror com os assassinatos coletivos de carros-bomba, que mandava explodir nas cidades nas horas de pico para que o Estado se submetesse a suas ordens, que seus próprios cúmplices se juntaram contra ele e foram o principal fator de seu fim.
Se um romancista inserisse em sua obra alguns dos episódios protagonizados por Pablo Escobar, a história fracassaria estrondosamente, considerada inverossímil. Talvez o mais delirante e jocoso seja o episódio da sua "entrega" ao governo colombiano, depois de ter dado a satisfação para ele de assinar decretos garantindo que nenhum colombiano jamais seria extraditado para os EUA - a Justiça americana era o pesadelo dos narcotraficantes - e construir para ele um cárcere privado, "La Catedral", de acordo com suas exigências e necessidades.
Ou seja: mesas de bilhar, piscina, discoteca, um chefe de cozinha de prestígio, equipamentos sofisticados de rádio e televisão, o direito de escolher e vetar a guarda encarregada de vigiar o exterior da prisão. Escobar instalou-se na Catedral com suas armas, seus sicários e continuou dirigindo, dali, seu negócio transnacional. Quando queria, ia para Medellín para se divertir e, outras vezes, organizava orgias no suposto cárcere, com músicos e prostitutas que eram trazidos por seus capangas.
Na mesma prisão, permitiram o assassinato de dois dos seus destacados sócios no Cartel de Medellín por não terem deixado que os extorquissem. Como o escândalo foi enorme e a opinião pública reagiu com indignação, o governo tentou transferi-lo para uma prisão de verdade. Então, Escobar e seus pistoleiros, alertados pelos próprios guardas, que estavam em sua folha de pagamento, fugiram. Ainda conseguiu desencadear uma série de assassinatos, mas ele já estava mentalmente perturbado. Os Pepes (Perseguidos por Pablo Escobar) haviam começado a agir.
Quem eram os Pepes? Uma associação de rufiões, vários deles ex-sócios de Escobar no tráfico de cocaína, o Cartel de Cali, que sempre foi adversário do de Medellín, os guerrilheiros da ultradireita (comitês de autodefesa) de Antioquia e outros inimigos do universo do banditismo que Escobar fora criando com seus caprichos e prepotências ao longo de sua carreira. Eles compreenderam que a visibilidade alcançada por esse personagem punha em risco todo o narcotráfico.
Assassinaram seus colaboradores, prepararam emboscadas, converteram-se em informantes das autoridades. Em menos de um ano, o império de Pablo Escobar desintegrou-se. Seu final não podia ser mais patético: acompanhado por um único guarda-costas - todos os outros estavam mortos, presos ou haviam passado para o lado do inimigo - escondido em uma casinha muito modesta e delirando com seu projeto de refugiar-se em algum grupo guerrilheiro nas montanhas, por fim, foi caçado por um comando policial e militar que o abateu a tiros.
A morte de Escobar, esse pioneiro dos tempos heroicos, não acabou com a indústria do narcotráfico. Nos nossos dias, ela se tornou muito mais moderna, sofisticada e invisível do que naqueles tempos. A Colômbia já não detém a hegemonia de então. O tráfico se descentralizou e campeia também no México, na América Central, Venezuela, Brasil e nos países antes exclusivamente produtores da pasta básica, como Peru, Bolívia e Equador.
Hoje, eles competem na área do refino e na comercialização e, como na Colômbia, têm guerrilheiros e exércitos privados a seu serviço. A fonte principal da corrupção, a grande ameaça para o processo de democratização política e modernização econômica vivido pela América Latina, continua sendo e será cada vez mais o narcotráfico.
Até que, por fim, se abra totalmente o caminho para a ideia de que a repressão à droga serve apenas para criar obras destrutivas como a construída por Escobar e a delinquência associada a ela desaparecerá somente quando o seu consumo for legalizado e as enormes somas atualmente investidas em combatê-la forem gastas em campanhas de reabilitação e prevenção. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO E ANNA CAPOVILLA
Fé, esperança e caridade - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 25/08
Governo espera que baixadinha do dólar desestimule empresários a elevar preços
GENTE DO GOVERNO ficou muito animada com o tombo do dólar na sexta-feira, cortesia do plano do Banco Central de oferecer oxigênio a quem estiver com a língua de fora por causa da desvalorização do real, o que por enquanto limita as oportunidades de especulação.
Esse pessoal do governo espera que, "com a volta de alguma racionalidade ao mercado", as empresas brasileiras se sintam menos inclinadas a repassar a alta de custos (devida ao dólar mais caro) aos preços de seus produtos. Uhm.
As empresas já estão repassando a alta de custos para os preços, não é lá muito segredo. Estão dizendo isso aos jornais. Está evidente nos índices de preços (de inflação). Trata-se aqui do passado, de altas de custos derivadas dos saltos do dólar da época das festas juninas, por assim dizer.
Por que não o fariam de novo, repassariam os custos para preços, com essa nova rodada de desvalorização? Porque a economia então estaria tão lerda que não haveria como encontrar consumidor para os preços novos, é elementar.
Não é difícil perceber que estamos numa situação "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" no que diz respeito a inflação e juros. Afora acidentes e efeitos de tumultos externos, a inflação será um tanto menor ou subirá menos quanto mais lerda a economia, com o que a escalada dos juros em tese seria menor; e vice-versa.
A torcida do governo pela caridade empresarial corrobora a ideia de que o controle da inflação neste "ano-calendário" foi meio para o vinagre. Ora não há instrumento de política econômica (a não ser os doidivanas) capaz de controlar o efeito do dólar ou de outras pressões sobre preços.
Isso não quer dizer que a "inflação vai explodir". Quer dizer que a inflação pode escorregar de, digamos, 6% para 6,6% ao ano em dezembro mesmo que o governo e/ou Banco Central mexa direito os pauzinhos. A diferença em si mesma não seria enfim grande coisa, fossem outros os tempos e o ambiente, mas haveria um carnaval político.
A meta de inflação estourada desmoralizaria ainda mais a política econômica do governo e levaria a taxa de juros de volta a "dois dígitos", uma frase besta, mas que daria pano para a manga, pouco importando que a situação não estivesse muito melhor caso a Selic parasse em 9,75%. O ti-ti-ti do "descontrole inflacionário" causaria mais desânimo na praça, talvez talhando mais uns décimos de crescimento econômico pífio.
Resumo da ópera, o governo conta com a sorte e com o pacote do Banco Central a fim um tropeço adicional no curto prazo, que teria algum custo político-eleitoral.
Dado o tamanho da confusão e de incerteza, de São Paulo a Nova York, não é impossível que a alta dos juros americanos e, pois, a do dólar, deem para trás. É apenas bem improvável.
Isto posto, em vez de jogar suas fichas na mesa do cassino da finança e contar com a caridade empresarial, por que o governo enfim não antecipa um programa de política econômica mais racional? Sim, haveria custos, sociais e políticos. Porém, dado o tamanho dos estragos atuais, talvez pouca gente percebesse a diferença. Mas o governo acredita que o Brasil cresce 4% em 2014. Pode ser. É apenas bem improvável.
É o turismo saúde - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 25/08
São Paulo nunca foi balneário nem estação de águas. E, no entanto, começa a se notabilizar como o maior destino para tratamento de saúde no Brasil.
É uma qualidade que começou a aparecer em 1986, quando da doença do então presidente eleito, Tancredo Neves. Na ocasião, foi repetida a frase de que o melhor hospital de Brasília é a ponte aérea para São Paulo.
São cerca de 340 mil visitantes por ano que desembarcam na cidade para se submeter a análises clínicas e procedimentos médicos ou para acompanhar quem vem para tratamento.
A São Paulo Turismo (SPTuris, que atua como Secretaria Municipal de Turismo) calcula que, apenas no primeiro semestre deste ano, esse universo cresceu 63% a partir das 237 mil viagens motivadas por tratamento de saúde no mesmo período de 2012.
São Paulo é o maior polo médico do Brasil, com cerca de 25 mil leitos distribuídos em 105 hospitais, entre públicos e privados. Entre esses, 32 instituições ostentam certificados internacionais de qualidade. A procura cada vez maior de serviços de saúde por brasileiros de outras cidades e por estrangeiros da América Latina é o principal incentivo para investimentos destinados à ampliação e construção de unidades hospitalares.
Dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde, de 2006, indicam que a infraestrutura do chamado turismo de saúde no mundo fatura cerca de US$ 60 bilhões por ano. O Brasil ainda não passa de US$ 1,2 bilhão, calcula a organização especializada Patients Beyond Borders. Em São Paulo, o segmento correspondeu a 1,9% dos visitantes em 2012.
A SPTuris dá conta de que as principais motivações das visitas a São Paulo continuam sendo negócios (51%) e eventos (25,4%), seguidos por lazer (10,5%). Para o presidente do São Paulo Convention & Visitors Bureau (SPCVB), Toni de Sando, embora outros segmentos venham se destacando, São Paulo permanece sendo um destino proeminentemente corporativo. "Esse foco não mudará, a diferença é que temos uma integração cada vez maior com outros setores, o que leva o visitante a permanecer mais tempo usufruindo outros serviços da cidade ", diz.
O levantamento da SPTuris confirma a tendência. No primeiro semestre deste ano sobre igual período em 2012, a permanência dos turistas em São Paulo passou de 2,7 para 3,4 dias e seus gastos foram de R$ 1.354,46 para R$ 1.745,96.
O São Paulo Convention & Visitors Bureau estima que o turismo de negócios movimente R$ 9 bilhões por ano em São Paulo, com média de 90 mil eventos. "Em alguns picos temos dificuldades de agenda. Se tivéssemos uma oferta maior de espaços para eventos e hotéis, seríamos mais competitivos", afirma o presidente do SPCVB.
Os investimentos, no entanto, esbarram na dificuldade de financiamento e no alto custo de terrenos para novas construções. Para o especialista Ricardo Mader, da consultoria Jones Lang LaSalle, o setor hoteleiro passa por um período de estagnação, sem previsão de ampliação nos próximos três anos. Não deixa de ser um limitador para o turismo de saúde, que não precisa só de hospitais./COLABOROU DANIELLE VILLELA
São Paulo nunca foi balneário nem estação de águas. E, no entanto, começa a se notabilizar como o maior destino para tratamento de saúde no Brasil.
É uma qualidade que começou a aparecer em 1986, quando da doença do então presidente eleito, Tancredo Neves. Na ocasião, foi repetida a frase de que o melhor hospital de Brasília é a ponte aérea para São Paulo.
São cerca de 340 mil visitantes por ano que desembarcam na cidade para se submeter a análises clínicas e procedimentos médicos ou para acompanhar quem vem para tratamento.
A São Paulo Turismo (SPTuris, que atua como Secretaria Municipal de Turismo) calcula que, apenas no primeiro semestre deste ano, esse universo cresceu 63% a partir das 237 mil viagens motivadas por tratamento de saúde no mesmo período de 2012.
São Paulo é o maior polo médico do Brasil, com cerca de 25 mil leitos distribuídos em 105 hospitais, entre públicos e privados. Entre esses, 32 instituições ostentam certificados internacionais de qualidade. A procura cada vez maior de serviços de saúde por brasileiros de outras cidades e por estrangeiros da América Latina é o principal incentivo para investimentos destinados à ampliação e construção de unidades hospitalares.
Dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde, de 2006, indicam que a infraestrutura do chamado turismo de saúde no mundo fatura cerca de US$ 60 bilhões por ano. O Brasil ainda não passa de US$ 1,2 bilhão, calcula a organização especializada Patients Beyond Borders. Em São Paulo, o segmento correspondeu a 1,9% dos visitantes em 2012.
A SPTuris dá conta de que as principais motivações das visitas a São Paulo continuam sendo negócios (51%) e eventos (25,4%), seguidos por lazer (10,5%). Para o presidente do São Paulo Convention & Visitors Bureau (SPCVB), Toni de Sando, embora outros segmentos venham se destacando, São Paulo permanece sendo um destino proeminentemente corporativo. "Esse foco não mudará, a diferença é que temos uma integração cada vez maior com outros setores, o que leva o visitante a permanecer mais tempo usufruindo outros serviços da cidade ", diz.
O levantamento da SPTuris confirma a tendência. No primeiro semestre deste ano sobre igual período em 2012, a permanência dos turistas em São Paulo passou de 2,7 para 3,4 dias e seus gastos foram de R$ 1.354,46 para R$ 1.745,96.
O São Paulo Convention & Visitors Bureau estima que o turismo de negócios movimente R$ 9 bilhões por ano em São Paulo, com média de 90 mil eventos. "Em alguns picos temos dificuldades de agenda. Se tivéssemos uma oferta maior de espaços para eventos e hotéis, seríamos mais competitivos", afirma o presidente do SPCVB.
Os investimentos, no entanto, esbarram na dificuldade de financiamento e no alto custo de terrenos para novas construções. Para o especialista Ricardo Mader, da consultoria Jones Lang LaSalle, o setor hoteleiro passa por um período de estagnação, sem previsão de ampliação nos próximos três anos. Não deixa de ser um limitador para o turismo de saúde, que não precisa só de hospitais./COLABOROU DANIELLE VILLELA
A queda do real - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 25/08
Não há uma corrida do real, mas um retorno ao dólar, com preservação do valor do euro e da moeda chinesa
Desde 3 de maio, há um processo de ajustamento na cotação de diversas moedas de economias emergentes ou fortemente dependentes da exportação de commodities. O câmbio ante o dólar americano de países tão diferentes como Austrália, Brasil, Índia e Turquia desvalorizou-se, respectivamente, entre 3 de maio e quarta-feira passada, em 13%, 22%, 19% e 10%.
Dado que as moedas da União Europeia, do Reino Unido e da China não se desvalorizaram ante a americana, há depreciação das moedas de pouco menos de metade da economia mundial em relação a EUA, Europa e China. Este último grupo representa, segundo o dado do FMI para 2011, 54% do produto mundial.
O fator que detonou e explica o movimento das diversas moedas foi a elevação da taxa de juros paga pelos títulos longos emitidos pelo Tesouro americano. Em 3 de maio, a taxa dos títulos de dez anos fechou 0,11% acima da cotação do dia anterior, que fora de 1,63% ao ano. Desde então, a partir dessa mínima no dia 2 de maio, a taxa subiu até 2,88% na quinta-feira passada.
A correlação simples entre a taxa de câmbio do real (ante o dólar) e a taxa de juros paga pelos títulos de dez anos do Tesouro americano foi, desde 3 de maio, de 97%. Historicamente, a correlação é de 34%. Ou seja, há nos últimos meses uma associação muito maior entre a cotação de nossa moeda e os juros de longo prazo nos EUA do que normalmente.
O fato que justifica a elevação da taxa de juros longa na maior economia é a aproximação do momento no qual a política monetária americana será normalizada. Desde a eclosão da crise das hipotecas americanas, em setembro de 2008, a taxa básica de juros fixada pelo banco central americano está em zero. Dado que a taxa longa é a composição das taxas curtas, a perspectiva da aproximação do momento de normalização da política monetária eleva a taxa longa imediatamente.
A normalização das condições monetárias passou a ser uma realidade em maio, quando tivemos duas ótimas notícias sobre a economia americana. Como já tive oportunidade de tratar neste espaço, os Estados Unidos estão atravessando bastante bem o "abismo fiscal", isto é, o conjunto de medidas que entraram em vigor em janeiro e em março e que elevou a receita pública, descontada do gasto, em aproximadamente dois pontos percentuais do PIB americano.
Ou seja, provavelmente a economia americana crescerá, em 2013, 1,5% em termos reais, simultaneamente a uma redução do deficit do setor público da ordem de 2,5 pontos percentuais do produto. Já se projeta para 2014 deficit de aproximadamente 4% do PIB.
A boa notícia é que o custo, em termos de crescimento, para obter o ajuste das contas públicas tem sido muito favorável para a economia americana, particularmente em comparação com a experiência recente dos países europeus.
Esse conjunto de boas notícias foi suficiente para o mercado antecipar (com relação ao que imaginava) o momento de elevação dos juros curtos americanos, o que teve impacto sobre os juros longos. Essa avaliação do mercado foi corroborada em 22 de maio, quando Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), em um pronunciamento ao Congresso, mencionou a possibilidade de iniciar o processo de redução das compras de ativos.
Do que vimos até agora podemos depreender algumas conclusões. Primeiro, a passagem no Brasil da desvalorização aos preços domésticos, e destes para a inflação, será menor que no episódio de 2002, quando houve forte corrida do real em razão do risco político percebido.
Hoje não há uma corrida do real, mas sim um retorno à moeda americana, com preservação do valor do euro e da moeda chinesa. Parte do ajustamento de preços será pela redução do preço de diversos bens quando expressos em dólares.
A segunda conclusão é que, se houver ao longo do segundo semestre uma frustração maior em relação ao desempenho da economia americana, que jogue para adiante o momento de elevação da taxa básica de juros nos EUA, o câmbio no Brasil deve voltar um pouco.
Resta entender melhor as especificidades locais do fenômeno. Por que motivo a desvalorização foi de 20% para nós e de 7% para a moeda peruana, por exemplo. Fica para uma futura coluna, se eu conseguir entender melhor o fenômeno.
Não há uma corrida do real, mas um retorno ao dólar, com preservação do valor do euro e da moeda chinesa
Desde 3 de maio, há um processo de ajustamento na cotação de diversas moedas de economias emergentes ou fortemente dependentes da exportação de commodities. O câmbio ante o dólar americano de países tão diferentes como Austrália, Brasil, Índia e Turquia desvalorizou-se, respectivamente, entre 3 de maio e quarta-feira passada, em 13%, 22%, 19% e 10%.
Dado que as moedas da União Europeia, do Reino Unido e da China não se desvalorizaram ante a americana, há depreciação das moedas de pouco menos de metade da economia mundial em relação a EUA, Europa e China. Este último grupo representa, segundo o dado do FMI para 2011, 54% do produto mundial.
O fator que detonou e explica o movimento das diversas moedas foi a elevação da taxa de juros paga pelos títulos longos emitidos pelo Tesouro americano. Em 3 de maio, a taxa dos títulos de dez anos fechou 0,11% acima da cotação do dia anterior, que fora de 1,63% ao ano. Desde então, a partir dessa mínima no dia 2 de maio, a taxa subiu até 2,88% na quinta-feira passada.
A correlação simples entre a taxa de câmbio do real (ante o dólar) e a taxa de juros paga pelos títulos de dez anos do Tesouro americano foi, desde 3 de maio, de 97%. Historicamente, a correlação é de 34%. Ou seja, há nos últimos meses uma associação muito maior entre a cotação de nossa moeda e os juros de longo prazo nos EUA do que normalmente.
O fato que justifica a elevação da taxa de juros longa na maior economia é a aproximação do momento no qual a política monetária americana será normalizada. Desde a eclosão da crise das hipotecas americanas, em setembro de 2008, a taxa básica de juros fixada pelo banco central americano está em zero. Dado que a taxa longa é a composição das taxas curtas, a perspectiva da aproximação do momento de normalização da política monetária eleva a taxa longa imediatamente.
A normalização das condições monetárias passou a ser uma realidade em maio, quando tivemos duas ótimas notícias sobre a economia americana. Como já tive oportunidade de tratar neste espaço, os Estados Unidos estão atravessando bastante bem o "abismo fiscal", isto é, o conjunto de medidas que entraram em vigor em janeiro e em março e que elevou a receita pública, descontada do gasto, em aproximadamente dois pontos percentuais do PIB americano.
Ou seja, provavelmente a economia americana crescerá, em 2013, 1,5% em termos reais, simultaneamente a uma redução do deficit do setor público da ordem de 2,5 pontos percentuais do produto. Já se projeta para 2014 deficit de aproximadamente 4% do PIB.
A boa notícia é que o custo, em termos de crescimento, para obter o ajuste das contas públicas tem sido muito favorável para a economia americana, particularmente em comparação com a experiência recente dos países europeus.
Esse conjunto de boas notícias foi suficiente para o mercado antecipar (com relação ao que imaginava) o momento de elevação dos juros curtos americanos, o que teve impacto sobre os juros longos. Essa avaliação do mercado foi corroborada em 22 de maio, quando Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), em um pronunciamento ao Congresso, mencionou a possibilidade de iniciar o processo de redução das compras de ativos.
Do que vimos até agora podemos depreender algumas conclusões. Primeiro, a passagem no Brasil da desvalorização aos preços domésticos, e destes para a inflação, será menor que no episódio de 2002, quando houve forte corrida do real em razão do risco político percebido.
Hoje não há uma corrida do real, mas sim um retorno à moeda americana, com preservação do valor do euro e da moeda chinesa. Parte do ajustamento de preços será pela redução do preço de diversos bens quando expressos em dólares.
A segunda conclusão é que, se houver ao longo do segundo semestre uma frustração maior em relação ao desempenho da economia americana, que jogue para adiante o momento de elevação da taxa básica de juros nos EUA, o câmbio no Brasil deve voltar um pouco.
Resta entender melhor as especificidades locais do fenômeno. Por que motivo a desvalorização foi de 20% para nós e de 7% para a moeda peruana, por exemplo. Fica para uma futura coluna, se eu conseguir entender melhor o fenômeno.
Razões para um mundo fora do eixo - LUIZ WERNECK VIANNA
O ESTADO DE S. PAULO - 25/08
Afinal a política nos voltou, em cima, por baixo, em toda parte, nas ruas e fora delas, no Congresso, no Judiciário, em todas as mídias, mas retoma, como se vê, fora do eixo, descentrada, horizontalizada e descrente do papel das instituições. Duas décadas de empenho das lideranças políticas e sociais, principalmente do partido hegemônico na esquerda brasileira, o Partido dos Trabalhadores (PT), em instituir os objetivos da modernização econômica e da expansão da renda como determinantes na política estatal toldaram a vista para a percepção do que mudava nas esferas da política e da sociedade civil.
O econômico tomou-se o foco privilegiado de todas as atenções, de que é exemplar o número de publicações especializadas a ele dedicadas e a expansão desse tema no noticiário de todas as mídias. O bordão de um publicitário americano - "é a economia, estúpido" - usado na campanha presidencial de Bill Clinton ganhou foro de verdade incontroversa também entre nós nas interpretações sobre as disputas eleitorais, pretendendo significar que um bom resultado em termos de indicadores econômico-financeiros bastaria para atestar a aprovação do eleitorado a uma candidatura ao governo.
O economicismo, antes malsinado como uma perspectiva reducionista e empobrecedora na analise dos fenômenos sociais, ganhou, no curso desses anos, galas acadêmicas e prestígio entre os analistas da cena pública, com os mais afoitos concebendo a irrupção de uma nova classe média a partir de critérios de renda e de consumo, mesmo que nesses cálculos incluíssem rendimentos auferidos em razão de programas sociais, como os do Bolsa Família, e fossem ignorados outros marcadores clássicos, como educação e acesso a bens culturais.
Sob a inspiração desastrada dessa sociologia, que, a bem da verdade, não nos veio de sociólogos, criou-se uma nova classe média de disneylândia, legião multitudinária na imaginação dos seus formuladores, incrustada em posição dominante no centro político, vindo a garantir ponto seguro de estabilização ao nosso sistema político. Ao operador político, legatário dessa presumida descoberta, cumpria garantir, quiçá ampliar, os programas assistenciais e promover de modo contínuo o consumo de massas, à custa de exonerações fiscais da indústria de determinados bens, e usufruir o retomo, a cada sucessão presidencial, dos votos desse centro político criado pela literatura.
As jornadas de junho e as que se seguem, prometendo encorpar nas festas de celebração do 7 de Setembro, jogaram por terra essas fabulações. E a esta altura vai procurar em vão quem quiser localizar, nesse mundo fora do eixo, o paradeiro do centro político brasileiro e a quantas anda o comportamento do que seriam as novas classes médias brasileiras, com a emergência de protestos especificamente populares com seus temas próprios, como habitação e mobilidade urbana, muitos deles - não se pode ignorar o fato, que se tem preferido esconder embaixo do tapete - sob a influência de partidos e grupos da ultra esquerda brasileira.
O deslocamento da razão política pelas artes calculadoras da economia, resultado a que chegamos quase sem sentir, embalados pelo pragmatismo sem princípios que se fez dominante, deixou em sua esteira uma conseqüência nefasta: a ruptura com a cultura política que medro unas lutas pela democratização do País e se encorpouno processo constituinte da Carta de 88. Aquele foi um tempo de reflexão e de tomada de decisões acerca de sob que instituições deveríamos viver, quando decidimos que nossa democracia política deveria combinar as formas de representação com as de participação, criando, a fim de efetivar esta última, um rico repertório, indo do controle de constitucionalidade das leis por provocação de entidades da sociedade civil aos conselhos, entre outros, os de saúde e os de educação, em que a vida social se deveria fazer presente.
Tais conselhos estão aí, embotados, entregues a um marasmo burocrático, sem luz própria, quase invisíveis, a maioria prisioneira das políticas do Poder Executivo, federal, estadual ou municipal, destituídos de autonomia. O próprio Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, uma criação do governo Lula a fim de envolver amplos setores da sociedade civil na esfera pública, caiu no vazio, convertido numa instituição de carimbo da política oficial, longe de ser uma arena de deliberação.
Tais resultados não podem ser atribuídos à fraqueza da sociedade civil, pois são decorrentes de uma política de governo que deliberadamente evitou esse caminho promissor. Por definição, a política de modernização pelo alto é decisionista e refratária à auto-organização da vida social.
Nada mais esclarecedor do que um fato produzido no mundo sindical, território de origem do PT, quando, em fevereiro de 2005, o ministro do Trabalho, o sindicalista e militante do PT Ricardo Berzoini, encaminhou à Presidência da República, após deliberações do Fórum Nacional do Trabalho, uma proposta de emenda constitucional de reforma sindical fundamentada na necessidade de tomar "a organização sindical livre e autônoma em relação ao Estado". Essa emenda, inspirada no sentido de animar a vida associativa dos trabalhadores, não só foi engavetada, como sucedida pela lei que destinou parte da contribuição compulsória às centrais sindicais, fortalecendo seus vértices diante de suas bases.
As jornadas de junho não se voltaram contra as instituições da nossa democracia, mas contra políticas públicas, em especial as de transportes, saúde e educação, problemas palpáveis que remetem ao anacronismo desse Estado que aí está, postado assimetricamente diante da sua sociedade, simulando encarnar em si seus anseios e expectativas, e que entregou sua alma a potências que não controla, na ilusão de que, quando quiser, pode retomá-la.
Câmbio, risco e confiança - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 25/08
Os fatos mais relevantes hoje na economia e nos mercados são a volatilidade cambial e a valorização do dólar diante de várias moedas, incluindo o real. Isso causa a elevação da expectativa de inflação, o que impacta as taxas de juros.
O Banco Central brasileiro vem tomando medidas para conter os exageros possíveis numa crise de liquidez nos mercados cambiais, mas elas não visam controlar o câmbio.
Todo esse processo em curso têm razões externas e internas. Seu catalisador foi o sinal do BC dos EUA de que reduzirá as medidas de estímulo monetário contra a crise. Elas elevaram muito a oferta de dólares, e sua reversão fortalece a moeda americana e redireciona capitais aos EUA.
É importante notar, e isso tem sido pouco enfatizado, que o fluxo em direção ao dólar é consequência da retomada do crescimento americano. Outra mudança relevante nesse rearranjo global é a percepção do risco em várias economias, inclusive a brasileira.
O Brasil vem apresentando deficits crescentes nas contas externas. Caso a tendência dos últimos meses fosse mantida, o deficit poderia ir a 4% do PIB, quase o dobro do que prevaleceu nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a confiança de empresários e consumidores no crescimento da economia recua. Tudo isso contribui para a alta do risco Brasil.
Como confiança e risco têm grande peso na decisão de investir, o quadro atual pode reduzir o investimento estrangeiro de longo prazo no país, fundamental ao equilíbrio das contas externas.
É preciso ter em mente que o Brasil não caminha para um cenário de crise como as dos anos 1980 a 2002. Hoje, a dívida pública externa é muito baixa, uma fração das reservas internacionais, e os fundamentos econômicos são superiores.
Há, porém, um ajuste cambial em curso no Brasil, com raízes no crescimento maior dos custos de trabalho, transporte e fiscal em relação aos de nossos competidores. O ritmo do ajuste, contudo, é incerto. Dependerá do ritmo da recuperação americana.
Anteontem, o anúncio do índice mais fraco de venda de casas nos EUA, por exemplo, provocou alta moderada das moedas recém-depreciadas, o que ajudou a amplificar no mercado o anúncio de leilões do BC brasileiro.
Mas a mudança da política monetária americana certamente ocorrerá em algum momento. É um processo que levará o dólar a um patamar mais elevado que o dos últimos anos e que provocará um necessário ajuste das contas brasileiras para padrões de deficit consistentes com nossa capacidade de atração de investimentos de longo prazo.
O que temos, então, não é uma crise à moda antiga, mas um processo de ajuste com consequências importantes para toda a economia.
Os fatos mais relevantes hoje na economia e nos mercados são a volatilidade cambial e a valorização do dólar diante de várias moedas, incluindo o real. Isso causa a elevação da expectativa de inflação, o que impacta as taxas de juros.
O Banco Central brasileiro vem tomando medidas para conter os exageros possíveis numa crise de liquidez nos mercados cambiais, mas elas não visam controlar o câmbio.
Todo esse processo em curso têm razões externas e internas. Seu catalisador foi o sinal do BC dos EUA de que reduzirá as medidas de estímulo monetário contra a crise. Elas elevaram muito a oferta de dólares, e sua reversão fortalece a moeda americana e redireciona capitais aos EUA.
É importante notar, e isso tem sido pouco enfatizado, que o fluxo em direção ao dólar é consequência da retomada do crescimento americano. Outra mudança relevante nesse rearranjo global é a percepção do risco em várias economias, inclusive a brasileira.
O Brasil vem apresentando deficits crescentes nas contas externas. Caso a tendência dos últimos meses fosse mantida, o deficit poderia ir a 4% do PIB, quase o dobro do que prevaleceu nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a confiança de empresários e consumidores no crescimento da economia recua. Tudo isso contribui para a alta do risco Brasil.
Como confiança e risco têm grande peso na decisão de investir, o quadro atual pode reduzir o investimento estrangeiro de longo prazo no país, fundamental ao equilíbrio das contas externas.
É preciso ter em mente que o Brasil não caminha para um cenário de crise como as dos anos 1980 a 2002. Hoje, a dívida pública externa é muito baixa, uma fração das reservas internacionais, e os fundamentos econômicos são superiores.
Há, porém, um ajuste cambial em curso no Brasil, com raízes no crescimento maior dos custos de trabalho, transporte e fiscal em relação aos de nossos competidores. O ritmo do ajuste, contudo, é incerto. Dependerá do ritmo da recuperação americana.
Anteontem, o anúncio do índice mais fraco de venda de casas nos EUA, por exemplo, provocou alta moderada das moedas recém-depreciadas, o que ajudou a amplificar no mercado o anúncio de leilões do BC brasileiro.
Mas a mudança da política monetária americana certamente ocorrerá em algum momento. É um processo que levará o dólar a um patamar mais elevado que o dos últimos anos e que provocará um necessário ajuste das contas brasileiras para padrões de deficit consistentes com nossa capacidade de atração de investimentos de longo prazo.
O que temos, então, não é uma crise à moda antiga, mas um processo de ajuste com consequências importantes para toda a economia.
Outro gigante acordou - GUSTAVO FRANCO
O Estado de S.Paulo - 25/08
Como se não bastasse o que despertou em junho de 2013, e transformou a Copa das Confederações numa espécie de maio de 1968, há outro gigante acordado, na verdade dois deles.
O gigante americano parecia prostrado desde a crise de 2008, mas contrariando muitos prognósticos, e depois de muito esforço para arrumar a casa, a recuperação americana vem provocando um banho de sangue nas moedas, títulos públicos e commodities, especialmente em mercados emergentes. Trata-se apenas de uma reação inicial, talvez exagerada, talvez modesta, não há como dizer, à normalização da política monetária americana; um exemplo extraordinário da máxima segundo a qual, nos mercados financeiros, boas notícias são sempre más notícias para muita gente.
Firmou-se a sensação de que há uma data para acabar a abundância de liquidez de que se beneficiou amplamente o Brasil nos últimos anos. Tolamente, confrontamos as políticas do Fed (banco central dos Estados Unidos) com a tese da "guerra cambial", um raciocínio conspiratório segundo o qual os americanos estavam desvalorizando deliberadamente a sua moeda para ficarem mais competitivos do que nós. Como se eles precisassem disso! Curioso que no botequim em Havana, Caracas ou Campinas, onde essa gracinha foi inventada, nada semelhante fosse dito sobre a China, que o Brasil trata generosamente como uma "economia de mercado".
Nosso ministro da Fazenda chegou a apresentar slides em inglês onde mostrava a desvalorização da moeda nacional, que ele agora quer evitar, ilustrada pelo título "Ganhando a guerra cambial". Mario Henrique Simonsen tinha uma regra de ouro a esse respeito: jamais falar mal do Brasil em inglês.
O fato é que tivemos muito de uma coisa boa durante vários anos, e não aproveitamos esse bom momento para fazer reformas e desenvolver a nossa competitividade. A produtividade da economia brasileira está estagnada; como demonstra o trabalho do professor Regis Bonelli, o valor adicionado por trabalhador no Brasil em 2012 permanece no mesmo nível de 2000 e equivalente a 19% da produtividade americana. Sim, o trabalhador americano produz cinco vezes mais que o brasileiro por hora trabalhada, e não retiramos um centímetro do atraso nesses 12 anos. Pior, recuamos em alguns indicadores de ambiente de negócios, qualidade da infraestrutura e liberdade econômica.
A teoria de que o câmbio mais desvalorizado resolve o problema da falta de reformas politicamente complexas é, para usar palavras presidenciais, primitiva. O câmbio não tapa buracos nas estradas, nem diminui filas nos portos e aeroportos ou interfere no que se passa dentro da fábrica.
O câmbio é flutuante, como se sabe, o que é outra maneira de dizer que é efêmero, portanto algo do qual não se deve depender. Quem trabalha com câmbio se acostumou a proteger-se das flutuações de curto prazo e olhar os fundamentos, vale dizer, para o conjunto de fatores que compõem a real competitividade de um empreendimento.
Como as autoridades não trabalharam nesses temas associados ao que se chamava antigamente de "custo Brasil", em boa medida por que entendiam que esta era uma agenda neoliberal, ficamos para trás em todos esses temas. Concentrou-se a atenção nos programas sociais, mas a competitividade foi esquecida. Uma coisa não exclui a outra, como tardiamente parecem perceber as autoridades.
Mas o fato é que, além dos ianques, e diante do acima exposto, outro gigante acordou, um personagem sinistro e muito temido: o mercado, ou para ser mais preciso, o mau humor do mercado, perto do qual os "black blocs" são meninos de igreja. As autoridades sabem como é assustador quando se formam as manadas, os ataques especulativos, sem controle e sem lógica, ao menos na aparência. Talvez exatamente como as multidões envolvidas nos protestos, o mercado demorou a reagir diante das inconsistências na política econômica.
Tratando-se do público em geral, a dona de casa inclusive, a Copa das Confederações pode ter servido para fornecer uma metáfora ampla do que há de errado nas nossas políticas públicas. Não creio que os economistas, e mesmo as raposas políticas e os marqueteiros, atinaram para o imenso poder de representação que possui o futebol, um retrato tão rico quanto amargo do modo como o País sabe organizar o seu talento, sua riqueza e seu imaginário dentro e fora do campo. É este o assunto do magnífico livro do mestre Roberto Da Matta, cujo título - A bola anda mais do que os homens - bem resume a tese.
A Copa serviu para organizar a cabeça do brasileiro sobre o modo como os cartolas, incluídos os ministros, usam o dinheiro público em projetos de desenvolvimento. Diferentemente da tese de que o futebol é o ópio do povo, a Copa mostrou que o futebol é o teatro por onde enxergamos a nós mesmos, de modo que, ao montar um megaespetáculo, nos arriscamos a revelações inconvenientes.
A igualdade diante das regras, ou a meritocracia e o "fair-play" dentro de campo, é o que uniu esse jogo, na sua complexa simplicidade, às cores nacionais, e assim serviu para disseminar a cidadania.
Com a seleção em campo, cantamos o hino a plenos pulmões, e nunca tão alto como nesta Copa que revelou muito sobre o que se passa fora de campo. Sendo anfitriões, passamos a acompanhar o desenrolar das obras dos estádios e assim o horário nobre passou a explicar em miniatura o modo como as autoridades conduzem grandes programas públicos de desenvolvimento econômico.
O futebol está mesclado com a nacionalidade, a bandeira e o hino, símbolos nacionais que precisam ser honrados, e o mesmo vale para a moeda. O dinheiro é a pátria num papel pintado com nossas cores, é um pedaço de nós. Rasgar dinheiro em estádios de futebol é como queimar a bandeira; uma imagem fácil de entender, e que leva o público para os protestos. Não era por conta dos 20 centavos do ônibus de São Paulo; é claro que era o futebol, o que mais podia ter tanto impacto?
O futebol fez o brasileiro entender que o trem-bala é uma espécie de Itaquerão, e que as prioridades estão totalmente equivocadas para quem se espreme em ônibus ou em filas de hospitais. Pessoas normalmente pacatas vão para a rua sem saber bem por que, animadas, mas os que são vaiados sabem que estão devendo.
Os profissionais do mercado financeiro são cobradores muito mais frios e exigentes, e sobretudo, muito mais violentos, como o célebre personagem de Rubem Fonseca. As ruas mobilizam milhares ou milhões, o "protesto" do mercado financeiro mexe com bilhões. O dinheiro não leva desaforo. O ministro rasga dinheiro através do déficit nas contas públicas e humilha a nossa moeda ao dizer que ganhamos uma guerra ao desvalorizá-la.
A movimentação no mercado de câmbio não está distante da que se passa nas ruas, os gigantes são primos, quem sabe a mesma pessoa, a sombra um do outro.
Como se não bastasse o que despertou em junho de 2013, e transformou a Copa das Confederações numa espécie de maio de 1968, há outro gigante acordado, na verdade dois deles.
O gigante americano parecia prostrado desde a crise de 2008, mas contrariando muitos prognósticos, e depois de muito esforço para arrumar a casa, a recuperação americana vem provocando um banho de sangue nas moedas, títulos públicos e commodities, especialmente em mercados emergentes. Trata-se apenas de uma reação inicial, talvez exagerada, talvez modesta, não há como dizer, à normalização da política monetária americana; um exemplo extraordinário da máxima segundo a qual, nos mercados financeiros, boas notícias são sempre más notícias para muita gente.
Firmou-se a sensação de que há uma data para acabar a abundância de liquidez de que se beneficiou amplamente o Brasil nos últimos anos. Tolamente, confrontamos as políticas do Fed (banco central dos Estados Unidos) com a tese da "guerra cambial", um raciocínio conspiratório segundo o qual os americanos estavam desvalorizando deliberadamente a sua moeda para ficarem mais competitivos do que nós. Como se eles precisassem disso! Curioso que no botequim em Havana, Caracas ou Campinas, onde essa gracinha foi inventada, nada semelhante fosse dito sobre a China, que o Brasil trata generosamente como uma "economia de mercado".
Nosso ministro da Fazenda chegou a apresentar slides em inglês onde mostrava a desvalorização da moeda nacional, que ele agora quer evitar, ilustrada pelo título "Ganhando a guerra cambial". Mario Henrique Simonsen tinha uma regra de ouro a esse respeito: jamais falar mal do Brasil em inglês.
O fato é que tivemos muito de uma coisa boa durante vários anos, e não aproveitamos esse bom momento para fazer reformas e desenvolver a nossa competitividade. A produtividade da economia brasileira está estagnada; como demonstra o trabalho do professor Regis Bonelli, o valor adicionado por trabalhador no Brasil em 2012 permanece no mesmo nível de 2000 e equivalente a 19% da produtividade americana. Sim, o trabalhador americano produz cinco vezes mais que o brasileiro por hora trabalhada, e não retiramos um centímetro do atraso nesses 12 anos. Pior, recuamos em alguns indicadores de ambiente de negócios, qualidade da infraestrutura e liberdade econômica.
A teoria de que o câmbio mais desvalorizado resolve o problema da falta de reformas politicamente complexas é, para usar palavras presidenciais, primitiva. O câmbio não tapa buracos nas estradas, nem diminui filas nos portos e aeroportos ou interfere no que se passa dentro da fábrica.
O câmbio é flutuante, como se sabe, o que é outra maneira de dizer que é efêmero, portanto algo do qual não se deve depender. Quem trabalha com câmbio se acostumou a proteger-se das flutuações de curto prazo e olhar os fundamentos, vale dizer, para o conjunto de fatores que compõem a real competitividade de um empreendimento.
Como as autoridades não trabalharam nesses temas associados ao que se chamava antigamente de "custo Brasil", em boa medida por que entendiam que esta era uma agenda neoliberal, ficamos para trás em todos esses temas. Concentrou-se a atenção nos programas sociais, mas a competitividade foi esquecida. Uma coisa não exclui a outra, como tardiamente parecem perceber as autoridades.
Mas o fato é que, além dos ianques, e diante do acima exposto, outro gigante acordou, um personagem sinistro e muito temido: o mercado, ou para ser mais preciso, o mau humor do mercado, perto do qual os "black blocs" são meninos de igreja. As autoridades sabem como é assustador quando se formam as manadas, os ataques especulativos, sem controle e sem lógica, ao menos na aparência. Talvez exatamente como as multidões envolvidas nos protestos, o mercado demorou a reagir diante das inconsistências na política econômica.
Tratando-se do público em geral, a dona de casa inclusive, a Copa das Confederações pode ter servido para fornecer uma metáfora ampla do que há de errado nas nossas políticas públicas. Não creio que os economistas, e mesmo as raposas políticas e os marqueteiros, atinaram para o imenso poder de representação que possui o futebol, um retrato tão rico quanto amargo do modo como o País sabe organizar o seu talento, sua riqueza e seu imaginário dentro e fora do campo. É este o assunto do magnífico livro do mestre Roberto Da Matta, cujo título - A bola anda mais do que os homens - bem resume a tese.
A Copa serviu para organizar a cabeça do brasileiro sobre o modo como os cartolas, incluídos os ministros, usam o dinheiro público em projetos de desenvolvimento. Diferentemente da tese de que o futebol é o ópio do povo, a Copa mostrou que o futebol é o teatro por onde enxergamos a nós mesmos, de modo que, ao montar um megaespetáculo, nos arriscamos a revelações inconvenientes.
A igualdade diante das regras, ou a meritocracia e o "fair-play" dentro de campo, é o que uniu esse jogo, na sua complexa simplicidade, às cores nacionais, e assim serviu para disseminar a cidadania.
Com a seleção em campo, cantamos o hino a plenos pulmões, e nunca tão alto como nesta Copa que revelou muito sobre o que se passa fora de campo. Sendo anfitriões, passamos a acompanhar o desenrolar das obras dos estádios e assim o horário nobre passou a explicar em miniatura o modo como as autoridades conduzem grandes programas públicos de desenvolvimento econômico.
O futebol está mesclado com a nacionalidade, a bandeira e o hino, símbolos nacionais que precisam ser honrados, e o mesmo vale para a moeda. O dinheiro é a pátria num papel pintado com nossas cores, é um pedaço de nós. Rasgar dinheiro em estádios de futebol é como queimar a bandeira; uma imagem fácil de entender, e que leva o público para os protestos. Não era por conta dos 20 centavos do ônibus de São Paulo; é claro que era o futebol, o que mais podia ter tanto impacto?
O futebol fez o brasileiro entender que o trem-bala é uma espécie de Itaquerão, e que as prioridades estão totalmente equivocadas para quem se espreme em ônibus ou em filas de hospitais. Pessoas normalmente pacatas vão para a rua sem saber bem por que, animadas, mas os que são vaiados sabem que estão devendo.
Os profissionais do mercado financeiro são cobradores muito mais frios e exigentes, e sobretudo, muito mais violentos, como o célebre personagem de Rubem Fonseca. As ruas mobilizam milhares ou milhões, o "protesto" do mercado financeiro mexe com bilhões. O dinheiro não leva desaforo. O ministro rasga dinheiro através do déficit nas contas públicas e humilha a nossa moeda ao dizer que ganhamos uma guerra ao desvalorizá-la.
A movimentação no mercado de câmbio não está distante da que se passa nas ruas, os gigantes são primos, quem sabe a mesma pessoa, a sombra um do outro.
Biruta de aeroporto - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/08
As empresas aéreas não precisam de ajuda do governo, precisam de boa gestão, atenta regulação e boa infraestrutura aeroportuária. Mas foram pedir ajuda ao governo porque Brasília é o caminho favorito das empresas brasileiras de terra, mar e ar. Números da Anac mostram um crescimento espantoso de passageiros e de receita líquida desde 2004. Agora, o vento é contra.
Vento contra sempre haverá. É da vida das voadoras. Elas têm a maior parte das suas despesas em dólar porque fazem leasing de avião em empresa estrangeira, têm dívida externa e a Petrobras não perdoa: de 15 em 15 dias tem reajuste de querosene de aviação.
Quando o dólar ficou baixo, tão baixo que o ministro Guido Mantega levantava imposto de importação e punha IOF em entrada de capital, as empresas tiveram uma baixa de custo. Isso durou bastante tempo. Coincidiu com o período de maior crescimento da renda e da ampliação da classe média no governo Lula. Após uma queda de 5,9% no ano do ajuste de 2003 (no qual houve, apesar disso, aumento de receita de 7,6%), a demanda por transporte aéreo de passageiro cresceu todos os anos a nível chinês. Eu disse chinês? Foi mais. Em 2010, a medida do setor, RPK, que é bilhetes vendidos multiplicado por quilômetros voados, chegou a aumentar 23,8%. Naquele ano superou a China. O número de passageiros transportados atingiu a marca dos 100 milhões, informou a Anac.
Veja o gráfico abaixo do aumento ano a ano da demanda de transporte aéreo de passageiro. Na receita líquida das companhias aéreas também o saldo é positivo. Houve de 2003 para cá três anos negativos (2006: -8,1%; 2007: -0,6% e 2009: -7,6%), mas a queda foi totalmente superada. Em 2004, o crescimento foi de 12,3%; 2005, 3,3%; 2008, espantosos 27%; 2010, 25%; 2011, 14%; 2012, 12,7%. Na receita líquida, a Anac agrega o transporte de passageiros, carga e mala postal, mas não o táxi-aéreo.
Os números são sólidos: o mercado cresceu, a receita aumentou na maioria dos anos na última década e o número de empresas do mercado é muito pequeno e concentrado. É praticamente um duopólio que começa a perder participação pelo crescimento das menores, mas houve fatos como a compra da Webjet pela Gol. A empresa comprada foi fechada logo depois. Em qualquer país do mundo, a lei antitruste impediria isso. O mercado é restrito para as estrangeiras.
Elas podem reclamar que a Petrobras tem duas políticas de preço: um de reajuste quinzenal para os preços não visíveis, e outra de preços que só sobem quando o governo deixa. Mas numa época em que o imposto sobre carbono começa a recair sobre algumas voadoras do mundo, principalmente na Europa, não faz sentido incentivar querosene de aviação. Aliás, subsídio a combustível fóssil não faz sentido algum, apesar de o Brasil usar em outras modalidades de transportes e até no automóvel por puro populismo.
Quem voa no Brasil tem do que reclamar. Espaços encurtaram, lanches ficaram raros e na Gol só água é de graça. Quem compra passagem e se arrepende meia hora depois tem que esperar três meses para receber o dinheiro de volta. Quem antecipar a viagem paga mais, quem quer postergar também. A milhagem raramente pode ser usada. Os voos atrasam e nada acontece. Tudo aguentamos, mas dar dinheiro público no ano de vento contrário, após anos de vento de cauda, é pedir demais aos senhores passageiros.
As empresas aéreas não precisam de ajuda do governo, precisam de boa gestão, atenta regulação e boa infraestrutura aeroportuária. Mas foram pedir ajuda ao governo porque Brasília é o caminho favorito das empresas brasileiras de terra, mar e ar. Números da Anac mostram um crescimento espantoso de passageiros e de receita líquida desde 2004. Agora, o vento é contra.
Vento contra sempre haverá. É da vida das voadoras. Elas têm a maior parte das suas despesas em dólar porque fazem leasing de avião em empresa estrangeira, têm dívida externa e a Petrobras não perdoa: de 15 em 15 dias tem reajuste de querosene de aviação.
Quando o dólar ficou baixo, tão baixo que o ministro Guido Mantega levantava imposto de importação e punha IOF em entrada de capital, as empresas tiveram uma baixa de custo. Isso durou bastante tempo. Coincidiu com o período de maior crescimento da renda e da ampliação da classe média no governo Lula. Após uma queda de 5,9% no ano do ajuste de 2003 (no qual houve, apesar disso, aumento de receita de 7,6%), a demanda por transporte aéreo de passageiro cresceu todos os anos a nível chinês. Eu disse chinês? Foi mais. Em 2010, a medida do setor, RPK, que é bilhetes vendidos multiplicado por quilômetros voados, chegou a aumentar 23,8%. Naquele ano superou a China. O número de passageiros transportados atingiu a marca dos 100 milhões, informou a Anac.
Veja o gráfico abaixo do aumento ano a ano da demanda de transporte aéreo de passageiro. Na receita líquida das companhias aéreas também o saldo é positivo. Houve de 2003 para cá três anos negativos (2006: -8,1%; 2007: -0,6% e 2009: -7,6%), mas a queda foi totalmente superada. Em 2004, o crescimento foi de 12,3%; 2005, 3,3%; 2008, espantosos 27%; 2010, 25%; 2011, 14%; 2012, 12,7%. Na receita líquida, a Anac agrega o transporte de passageiros, carga e mala postal, mas não o táxi-aéreo.
Os números são sólidos: o mercado cresceu, a receita aumentou na maioria dos anos na última década e o número de empresas do mercado é muito pequeno e concentrado. É praticamente um duopólio que começa a perder participação pelo crescimento das menores, mas houve fatos como a compra da Webjet pela Gol. A empresa comprada foi fechada logo depois. Em qualquer país do mundo, a lei antitruste impediria isso. O mercado é restrito para as estrangeiras.
Elas podem reclamar que a Petrobras tem duas políticas de preço: um de reajuste quinzenal para os preços não visíveis, e outra de preços que só sobem quando o governo deixa. Mas numa época em que o imposto sobre carbono começa a recair sobre algumas voadoras do mundo, principalmente na Europa, não faz sentido incentivar querosene de aviação. Aliás, subsídio a combustível fóssil não faz sentido algum, apesar de o Brasil usar em outras modalidades de transportes e até no automóvel por puro populismo.
Quem voa no Brasil tem do que reclamar. Espaços encurtaram, lanches ficaram raros e na Gol só água é de graça. Quem compra passagem e se arrepende meia hora depois tem que esperar três meses para receber o dinheiro de volta. Quem antecipar a viagem paga mais, quem quer postergar também. A milhagem raramente pode ser usada. Os voos atrasam e nada acontece. Tudo aguentamos, mas dar dinheiro público no ano de vento contrário, após anos de vento de cauda, é pedir demais aos senhores passageiros.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 25/08
Grupo terá mais de 300 hotéis no Brasil em 2016
A rede hoteleira Accor acelerou seu projeto de expansão no país.
Em setembro do ano passado, a empresa previa ter aproximadamente 250 unidades até 2016. O número passou agora para 311.
Investidores deverão injetar cerca de R$ 1,4 bilhão nesses novos hotéis, cujos contratos já foram fechados. A maioria dos projetos serão destinados a cidades grandes e capitais.
Dos 20 mil novos quartos que serão construídos nos próximos anos, metade ficará em cidades que receberão jogos da Copa.
Uma possível menor taxa de ocupação após 2014, porém, não preocupa o diretor-geral da rede na América Latina, Roland de Bonadona.
"A visão é de longo prazo. Não estamos pensando em 2014 ou 2016. O crescimento do setor no país é sustentável", afirma.
"Hoje, o Brasil tem apenas dois quartos para cada mil habitantes. No México, são 3,5. Nos países com maiores equipamentos hoteleiros, como Itália e EUA, chega a 18."
Os cortes de custos anunciados no início deste ano pelo grupo não atingirão os negócios no Brasil e deverão ser concentrados na Europa, ainda segundo Bonadona.
"Os hotéis de lá estão sendo transferidos a parceiros ou transformados em franquias. Aqui sempre foi assim."
A rede é dona de 15 unidades no país --de um total de 181 em operação-- e apenas um dos projetos previstos para serem instalados até 2016 será de propriedade da Accor.
O Brasil é responsável por quase 10% do volume de negócios da companhia e é o quarto país com maior número de quartos, depois de França, Alemanha e China.
181
é o atual número de hotéis da empresa no Brasil
130
são os contratos fechados para novas unidades
Indústria do CE vai construir nova fábrica de R$ 140 milhões
A Durametal, indústria cearense que fabrica peças para veículos, como tambores de freio e cubos de roda, vai construir uma nova fábrica no Estado, com investimento de R$ 140 milhões.
O projeto está previsto para a ZPE (Zona de Processamento de Exportações) localizada na área do complexo industrial e portuário do Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante.
A nova unidade da empresa, que tem entre os acionistas o grupo espanhol Cie Automotive, terá foco na produção de peças para venda ao mercado externo.
Na fábrica atual, localizada em Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, os embarques para outros países equivalem hoje a cerca de 5% da produção.
"No passado, as exportações já representaram 60%, mas caíram por causa do câmbio. Agora, com o dólar mais alto, a gente volta a ter condições", diz o presidente Fernando Cirino Gurgel.
A empresa é a terceira aprovada pelo governo do Estado para integrar a área de exportações do Ceará, de acordo com Cesar Ribeiro, diretor-presidente da ZPE.
As demais são a Companhia Siderúrgica do Pecém e uma unidade da Vale.
LEGIÃO ESTRANGEIRA
O número de estrangeiros em visita ao Brasil cresceu 4,4% no ano passado na comparação com 2011 e chegou a 5,6 milhões, segundo pesquisa que será divulgada pelo Ministério do Turismo.
O Estado de São Paulo respondeu por 48,3% do turismo internacional, mais que o dobro do Rio de Janeiro, que teve 23,9% de participação.
O fluxo em São Paulo é puxado principalmente pelas viagens de negócios.
O gasto per capita desse tipo de turista foi de U$ 1.600 no ano passado, quase o dobro em relação aos que viajaram por lazer, que desembolsaram US$ 878 por pessoa.
A diversão, no entanto, foi o que mais motivou a vinda ao Brasil, com 46,8% do total, seguida de negócios e eventos (25,3%) e de visitas a parentes e amigos (24,4%).
MICRO-OPERAÇÕES BANCÁRIAS
O Santander terá liberado, até setembro, R$ 2 bilhões em recursos no microcrédito desde o início de sua atuação no segmento, em 2002.
O trabalho do banco nessa área se acentuou no ano passado, quando foram desembolsados R$ 433 milhões --quase 25% do total.
A previsão é que R$ 490 milhões sejam liberados em 2013. O ticket médio dessas operações é de R$ 2.031.
O Bradesco, por sua vez, tem hoje uma carteira de R$ 560 milhões em microcrédito. Para ofertar o produto, o banco tem agentes de crédito em 12 comunidades de São Paulo, como Heliópolis, Paraisópolis e Guaianases.
No Itaú Unibanco, que está no segmento desde 2003, 42 mil clientes já foram atendidos. Números do total desembolsado até 2013 não são divulgados, mas a entidade disponibiliza R$ 330 milhões mensais para o microcrédito.
INDÚSTRIA SEM GÁS
O gasto energético no mercado livre cresceu 0,85% em julho ante junho, mas este foi um "falso aumento", segundo a Comerc (gestora independente de energia).
"Em julho, tivemos três dias úteis a mais do que o mês anterior. Isso expande a produção, mas não significa que a economia está aquecida", afirma o presidente, Cristopher Vlavianos.
"O consumo de energia elétrica industrial segue estagnado no país. Enquanto a expansão no setor comercial é de quase 7,5% e no residencial é de 5%, o gasto das indústrias cresce a uma taxa de apenas 0,27% ao ano."
O levantamento é feito com base no consumo das 450 empresas sob gestão da Comerc.
VALE ENERGIA SOLAR
A Vale trocou parte do consumo de diesel por energia solar e reduziu 65% das emissões em projeto de pesquisa de cobre no Atacama (Chile).
A empresa começou a usar painéis fotovoltaicos no projeto Némesis para substituir uma parcela do diesel usado em geradores no acampamento, onde trabalham cerca de 70 pessoas.
"À noite, como é muito alto e frio, precisa complementar com gerador", diz Márcio Souza, diretor da empresa. "Economizamos no diesel e gastamos menos com o seu transporte até a montanha."
A redução de emissões de CO2 foi de 66%. Foram consumidos 2,6 mil litros de óleo diesel. Sem os painéis fotovoltaicos, o consumo chegaria a 7,7 mil litros.
Iniciado em 2011, o projeto foi suspenso em razão do inverno e será retomado em novembro. A Vale faz sondagens de viabilidade do cobre em três áreas no Chile. As pesquisas podem durar dez anos.
Cadeira
A Nissin-Ajinomoto, de macarrão instantâneo e temperos prontos, tem novo presidente. Toru Okazaki, gerente-geral de marketing desde 2009, assume o cargo.
Café
O Grupo De'Longhi vai inaugurar no próximo mês uma loja em São Paulo, onde os clientes poderão aprender receitas. Há planos de unidades no Rio e em Ribeirão Preto.
Inovação...
A Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás) lançou edital para subvenção econômica a pesquisas de inovação desenvolvidas por micro e pequenas empresas.
...goiana
Serão investidos R$ 14,8 milhões em recursos da própria fundação e da Finep. Empresas beneficiadas terão de participar com uma contrapartida de 10% do valor solicitado.
Grupo terá mais de 300 hotéis no Brasil em 2016
A rede hoteleira Accor acelerou seu projeto de expansão no país.
Em setembro do ano passado, a empresa previa ter aproximadamente 250 unidades até 2016. O número passou agora para 311.
Investidores deverão injetar cerca de R$ 1,4 bilhão nesses novos hotéis, cujos contratos já foram fechados. A maioria dos projetos serão destinados a cidades grandes e capitais.
Dos 20 mil novos quartos que serão construídos nos próximos anos, metade ficará em cidades que receberão jogos da Copa.
Uma possível menor taxa de ocupação após 2014, porém, não preocupa o diretor-geral da rede na América Latina, Roland de Bonadona.
"A visão é de longo prazo. Não estamos pensando em 2014 ou 2016. O crescimento do setor no país é sustentável", afirma.
"Hoje, o Brasil tem apenas dois quartos para cada mil habitantes. No México, são 3,5. Nos países com maiores equipamentos hoteleiros, como Itália e EUA, chega a 18."
Os cortes de custos anunciados no início deste ano pelo grupo não atingirão os negócios no Brasil e deverão ser concentrados na Europa, ainda segundo Bonadona.
"Os hotéis de lá estão sendo transferidos a parceiros ou transformados em franquias. Aqui sempre foi assim."
A rede é dona de 15 unidades no país --de um total de 181 em operação-- e apenas um dos projetos previstos para serem instalados até 2016 será de propriedade da Accor.
O Brasil é responsável por quase 10% do volume de negócios da companhia e é o quarto país com maior número de quartos, depois de França, Alemanha e China.
181
é o atual número de hotéis da empresa no Brasil
130
são os contratos fechados para novas unidades
Indústria do CE vai construir nova fábrica de R$ 140 milhões
A Durametal, indústria cearense que fabrica peças para veículos, como tambores de freio e cubos de roda, vai construir uma nova fábrica no Estado, com investimento de R$ 140 milhões.
O projeto está previsto para a ZPE (Zona de Processamento de Exportações) localizada na área do complexo industrial e portuário do Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante.
A nova unidade da empresa, que tem entre os acionistas o grupo espanhol Cie Automotive, terá foco na produção de peças para venda ao mercado externo.
Na fábrica atual, localizada em Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, os embarques para outros países equivalem hoje a cerca de 5% da produção.
"No passado, as exportações já representaram 60%, mas caíram por causa do câmbio. Agora, com o dólar mais alto, a gente volta a ter condições", diz o presidente Fernando Cirino Gurgel.
A empresa é a terceira aprovada pelo governo do Estado para integrar a área de exportações do Ceará, de acordo com Cesar Ribeiro, diretor-presidente da ZPE.
As demais são a Companhia Siderúrgica do Pecém e uma unidade da Vale.
LEGIÃO ESTRANGEIRA
O número de estrangeiros em visita ao Brasil cresceu 4,4% no ano passado na comparação com 2011 e chegou a 5,6 milhões, segundo pesquisa que será divulgada pelo Ministério do Turismo.
O Estado de São Paulo respondeu por 48,3% do turismo internacional, mais que o dobro do Rio de Janeiro, que teve 23,9% de participação.
O fluxo em São Paulo é puxado principalmente pelas viagens de negócios.
O gasto per capita desse tipo de turista foi de U$ 1.600 no ano passado, quase o dobro em relação aos que viajaram por lazer, que desembolsaram US$ 878 por pessoa.
A diversão, no entanto, foi o que mais motivou a vinda ao Brasil, com 46,8% do total, seguida de negócios e eventos (25,3%) e de visitas a parentes e amigos (24,4%).
MICRO-OPERAÇÕES BANCÁRIAS
O Santander terá liberado, até setembro, R$ 2 bilhões em recursos no microcrédito desde o início de sua atuação no segmento, em 2002.
O trabalho do banco nessa área se acentuou no ano passado, quando foram desembolsados R$ 433 milhões --quase 25% do total.
A previsão é que R$ 490 milhões sejam liberados em 2013. O ticket médio dessas operações é de R$ 2.031.
O Bradesco, por sua vez, tem hoje uma carteira de R$ 560 milhões em microcrédito. Para ofertar o produto, o banco tem agentes de crédito em 12 comunidades de São Paulo, como Heliópolis, Paraisópolis e Guaianases.
No Itaú Unibanco, que está no segmento desde 2003, 42 mil clientes já foram atendidos. Números do total desembolsado até 2013 não são divulgados, mas a entidade disponibiliza R$ 330 milhões mensais para o microcrédito.
INDÚSTRIA SEM GÁS
O gasto energético no mercado livre cresceu 0,85% em julho ante junho, mas este foi um "falso aumento", segundo a Comerc (gestora independente de energia).
"Em julho, tivemos três dias úteis a mais do que o mês anterior. Isso expande a produção, mas não significa que a economia está aquecida", afirma o presidente, Cristopher Vlavianos.
"O consumo de energia elétrica industrial segue estagnado no país. Enquanto a expansão no setor comercial é de quase 7,5% e no residencial é de 5%, o gasto das indústrias cresce a uma taxa de apenas 0,27% ao ano."
O levantamento é feito com base no consumo das 450 empresas sob gestão da Comerc.
VALE ENERGIA SOLAR
A Vale trocou parte do consumo de diesel por energia solar e reduziu 65% das emissões em projeto de pesquisa de cobre no Atacama (Chile).
A empresa começou a usar painéis fotovoltaicos no projeto Némesis para substituir uma parcela do diesel usado em geradores no acampamento, onde trabalham cerca de 70 pessoas.
"À noite, como é muito alto e frio, precisa complementar com gerador", diz Márcio Souza, diretor da empresa. "Economizamos no diesel e gastamos menos com o seu transporte até a montanha."
A redução de emissões de CO2 foi de 66%. Foram consumidos 2,6 mil litros de óleo diesel. Sem os painéis fotovoltaicos, o consumo chegaria a 7,7 mil litros.
Iniciado em 2011, o projeto foi suspenso em razão do inverno e será retomado em novembro. A Vale faz sondagens de viabilidade do cobre em três áreas no Chile. As pesquisas podem durar dez anos.
Cadeira
A Nissin-Ajinomoto, de macarrão instantâneo e temperos prontos, tem novo presidente. Toru Okazaki, gerente-geral de marketing desde 2009, assume o cargo.
Café
O Grupo De'Longhi vai inaugurar no próximo mês uma loja em São Paulo, onde os clientes poderão aprender receitas. Há planos de unidades no Rio e em Ribeirão Preto.
Inovação...
A Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás) lançou edital para subvenção econômica a pesquisas de inovação desenvolvidas por micro e pequenas empresas.
...goiana
Serão investidos R$ 14,8 milhões em recursos da própria fundação e da Finep. Empresas beneficiadas terão de participar com uma contrapartida de 10% do valor solicitado.