domingo, agosto 25, 2013

A queda do real - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 25/08

Não há uma corrida do real, mas um retorno ao dólar, com preservação do valor do euro e da moeda chinesa


Desde 3 de maio, há um processo de ajustamento na cotação de diversas moedas de economias emergentes ou fortemente dependentes da exportação de commodities. O câmbio ante o dólar americano de países tão diferentes como Austrália, Brasil, Índia e Turquia desvalorizou-se, respectivamente, entre 3 de maio e quarta-feira passada, em 13%, 22%, 19% e 10%.

Dado que as moedas da União Europeia, do Reino Unido e da China não se desvalorizaram ante a americana, há depreciação das moedas de pouco menos de metade da economia mundial em relação a EUA, Europa e China. Este último grupo representa, segundo o dado do FMI para 2011, 54% do produto mundial.

O fator que detonou e explica o movimento das diversas moedas foi a elevação da taxa de juros paga pelos títulos longos emitidos pelo Tesouro americano. Em 3 de maio, a taxa dos títulos de dez anos fechou 0,11% acima da cotação do dia anterior, que fora de 1,63% ao ano. Desde então, a partir dessa mínima no dia 2 de maio, a taxa subiu até 2,88% na quinta-feira passada.

A correlação simples entre a taxa de câmbio do real (ante o dólar) e a taxa de juros paga pelos títulos de dez anos do Tesouro americano foi, desde 3 de maio, de 97%. Historicamente, a correlação é de 34%. Ou seja, há nos últimos meses uma associação muito maior entre a cotação de nossa moeda e os juros de longo prazo nos EUA do que normalmente.

O fato que justifica a elevação da taxa de juros longa na maior economia é a aproximação do momento no qual a política monetária americana será normalizada. Desde a eclosão da crise das hipotecas americanas, em setembro de 2008, a taxa básica de juros fixada pelo banco central americano está em zero. Dado que a taxa longa é a composição das taxas curtas, a perspectiva da aproximação do momento de normalização da política monetária eleva a taxa longa imediatamente.

A normalização das condições monetárias passou a ser uma realidade em maio, quando tivemos duas ótimas notícias sobre a economia americana. Como já tive oportunidade de tratar neste espaço, os Estados Unidos estão atravessando bastante bem o "abismo fiscal", isto é, o conjunto de medidas que entraram em vigor em janeiro e em março e que elevou a receita pública, descontada do gasto, em aproximadamente dois pontos percentuais do PIB americano.

Ou seja, provavelmente a economia americana crescerá, em 2013, 1,5% em termos reais, simultaneamente a uma redução do deficit do setor público da ordem de 2,5 pontos percentuais do produto. Já se projeta para 2014 deficit de aproximadamente 4% do PIB.

A boa notícia é que o custo, em termos de crescimento, para obter o ajuste das contas públicas tem sido muito favorável para a economia americana, particularmente em comparação com a experiência recente dos países europeus.

Esse conjunto de boas notícias foi suficiente para o mercado antecipar (com relação ao que imaginava) o momento de elevação dos juros curtos americanos, o que teve impacto sobre os juros longos. Essa avaliação do mercado foi corroborada em 22 de maio, quando Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), em um pronunciamento ao Congresso, mencionou a possibilidade de iniciar o processo de redução das compras de ativos.

Do que vimos até agora podemos depreender algumas conclusões. Primeiro, a passagem no Brasil da desvalorização aos preços domésticos, e destes para a inflação, será menor que no episódio de 2002, quando houve forte corrida do real em razão do risco político percebido.

Hoje não há uma corrida do real, mas sim um retorno à moeda americana, com preservação do valor do euro e da moeda chinesa. Parte do ajustamento de preços será pela redução do preço de diversos bens quando expressos em dólares.

A segunda conclusão é que, se houver ao longo do segundo semestre uma frustração maior em relação ao desempenho da economia americana, que jogue para adiante o momento de elevação da taxa básica de juros nos EUA, o câmbio no Brasil deve voltar um pouco.

Resta entender melhor as especificidades locais do fenômeno. Por que motivo a desvalorização foi de 20% para nós e de 7% para a moeda peruana, por exemplo. Fica para uma futura coluna, se eu conseguir entender melhor o fenômeno.

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