domingo, janeiro 06, 2013

Joseph K. - J. R. GUZZO


REVISTA VEJA

Os leitores de O Processo, criação da mente tumultuada, enigmática e genial de Franz Kafka, conhecem bem a história de Joseph K. - ótimo rapaz, diretor de banco e cidadão que jamais tinha violado lei alguma em toda a sua vida. No dia em que completa 30 anos, Joseph K. recebe a visita de dois agentes que ele supõe serem da polícia, mas que não se identificam nem lhe mostram nenhum documento oficial. Estão a serviço de um departamento do governo, mas não revelam qual. Anunciam que ele deve responder a um processo, mas não informam qual é a acusação. Joseph K. fica intimado, apenas, a comparecer a um determinado endereço alguns dias depois, mas não sabe a que horas nem qual autoridade terá de procurar no local. Quando chega lá, encontra um pardieiro e, no sótão do prédio, o que parece ser o tribunal - mas ao ir embora continua sem saber qual o delito a que deve responder, quem vai julgá-lo e que lei autoriza o procedimento imposto a ele. Tudo o que consegue descobrir é que deve aguardar as instruções de um "Comitê de Questões", de cuja existência jamais tivera conhecimento. As coisas não melhoram quando Joseph K. vai se aconselhar com um tio, que lhe recomenda não "subestimar" a gravidade da situação e o encaminha a um advogado. Não adianta nada. O advogado diz que aceita fazer a sua defesa, mas não poderá apresentá-la ao magistrado, pois não sabe, nem nunca saberá, qual é a acusação - e, de qualquer forma, tudo seria inútil, pois em casos assim o fato de ser suspeito significa, automaticamente, ser culpado. Na verdade, informam a ele, nunca houve em toda a história do tribunal secreto que vai julgá-lo um único caso de absolvição. Um ano depois, na véspera de seu 31º aniversário, Joseph K. é preso, em seu apartamento, por dois agentes do "Comitê", levado a uma pedreira remota e executado - sem nunca ter tido a menor idéia do que fizera de errado.

Quase 100 anos depois de escrita, a narrativa de Kafka continua sendo um dos textos mais possantes que a literatura mundial jamais produziu sobre a negação absoluta da justiça - e a impotência do ser humano diante de forças que não entende, que podem tudo e contra as quais ele não pode nada. A desgraça de Joseph K. é algo que não faz nexo num mundo racional. Mas a moral da fábula de Kafka, como sempre acontece nas fábulas, não tem nada de absurdo. Ao contrário, é um aviso muito claro do que pode acontecer em conflitos em que um dos lados dispensa a si próprio de qualquer obrigação lógica - como pretende ter toda a razão, julga-se com direito a tudo. Não precisa explicar nada, nunca. Não tem de provar nenhuma das alegações que faz. Basta denunciar suspeitos e declarar que são culpados.

Há no Brasil de hoje um clima por trás do qual, quando se olha um pouco melhor, é possível perceber algo muito parecido com a história de Joseph K. Trata-se do esforço permanente, por parte das forças que comandam o governo, para indiciar todos os que discordam delas num processo em que os julgadores não aceitam nenhum argumento de defesa, ignoram quaisquer fatos que os acusados possam apresentar em seu favor e só assinam sentenças de condenação. O ex-presidente Lula, os marechais de campo do PT e sua máquina de propaganda funcionam como o "Comitê de Questões" imaginado por Kafka. Os que têm opiniões diferentes, sobretudo quando podem expressá-las em público, ou divulgam fatos incômodos para seus interesses, ficam no papel de Joseph K.

O tribunal secreto de Lula encerrou 2012 com as turbinas a toda. Enrolado, cada vez mais, em histórias tão feias quanto marcadas pela pequenez, o líder supremo do PT não disse até agora uma única palavra para explicar o que quer que fosse, nem citou nenhum fato capaz de atenuar as suspeitas. Como sempre, pegou o microfone e passou a gritar insultos contra inimigos que ninguém vê. Jamais menciona seus nomes. Não diz que crimes cometeram. Não informa quais as acusações concretas a que devem responder. Limitou-se, desta vez, a falar em "vagabundos" que estão em salas "com ar condicionado". Quem seriam? Há um vasto número de brasileiros nessa situação, quase sempre fazendo trabalho duro, indispensável e remunerado modestamente - nas UTIs hospitalares, torres de controle de aeroportos, usinas de energia elétrica, processadoras de alimentos e por aí afora. Vagabundos? Talvez. Se não há nomes, todos são suspeitos da acusação - especialmente infeliz quando feita por alguém que não trabalha desde os 29 anos de idade. E daí? Joseph K. não tem direito a nenhuma explicação.

Os leitores de O Processo, criação da mente tumultuada, enigmática e genial de Franz Kafka, conhecem bem a história de Joseph K. - ótimo rapaz, diretor de banco e cidadão que jamais tinha violado lei alguma em toda a sua vida. No dia em que completa 30 anos, Joseph K. recebe a visita de dois agentes que ele supõe serem da polícia, mas que não se identificam nem lhe mostram nenhum documento oficial. Estão a serviço de um departamento do governo, mas não revelam qual. Anunciam que ele deve responder a um processo, mas não informam qual é a acusação. Joseph K. fica intimado, apenas, a comparecer a um determinado endereço alguns dias depois, mas não sabe a que horas nem qual autoridade terá de procurar no local. Quando chega lá, encontra um pardieiro e, no sótão do prédio, o que parece ser o tribunal - mas ao ir embora continua sem saber qual o delito a que deve responder, quem vai julgá-lo e que lei autoriza o procedimento imposto a ele. Tudo o que consegue descobrir é que deve aguardar as instruções de um "Comitê de Questões", de cuja existência jamais tivera conhecimento. As coisas não melhoram quando Joseph K. vai se aconselhar com um tio, que lhe recomenda não "subestimar" a gravidade da situação e o encaminha a um advogado. Não adianta nada. O advogado diz que aceita fazer a sua defesa, mas não poderá apresentá-la ao magistrado, pois não sabe, nem nunca saberá, qual é a acusação - e, de qualquer forma, tudo seria inútil, pois em casos assim o fato de ser suspeito significa, automaticamente, ser culpado. Na verdade, informam a ele, nunca houve em toda a história do tribunal secreto que vai julgá-lo um único caso de absolvição. Um ano depois, na véspera de seu 31º aniversário, Joseph K. é preso, em seu apartamento, por dois agentes do "Comitê", levado a uma pedreira remota e executado - sem nunca ter tido a menor idéia do que fizera de errado.

Quase 100 anos depois de escrita, a narrativa de Kafka continua sendo um dos textos mais possantes que a literatura mundial jamais produziu sobre a negação absoluta da justiça - e a impotência do ser humano diante de forças que não entende, que podem tudo e contra as quais ele não pode nada. A desgraça de Joseph K. é algo que não faz nexo num mundo racional. Mas a moral da fábula de Kafka, como sempre acontece nas fábulas, não tem nada de absurdo. Ao contrário, é um aviso muito claro do que pode acontecer em conflitos em que um dos lados dispensa a si próprio de qualquer obrigação lógica - como pretende ter toda a razão, julga-se com direito a tudo. Não precisa explicar nada, nunca. Não tem de provar nenhuma das alegações que faz. Basta denunciar suspeitos e declarar que são culpados.

Há no Brasil de hoje um clima por trás do qual, quando se olha um pouco melhor, é possível perceber algo muito parecido com a história de Joseph K. Trata-se do esforço permanente, por parte das forças que comandam o governo, para indiciar todos os que discordam delas num processo em que os julgadores não aceitam nenhum argumento de defesa, ignoram quaisquer fatos que os acusados possam apresentar em seu favor e só assinam sentenças de condenação. O ex-presidente Lula, os marechais de campo do PT e sua máquina de propaganda funcionam como o "Comitê de Questões" imaginado por Kafka. Os que têm opiniões diferentes, sobretudo quando podem expressá-las em público, ou divulgam fatos incômodos para seus interesses, ficam no papel de Joseph K.

O tribunal secreto de Lula encerrou 2012 com as turbinas a toda. Enrolado, cada vez mais, em histórias tão feias quanto marcadas pela pequenez, o líder supremo do PT não disse até agora uma única palavra para explicar o que quer que fosse, nem citou nenhum fato capaz de atenuar as suspeitas. Como sempre, pegou o microfone e passou a gritar insultos contra inimigos que ninguém vê. Jamais menciona seus nomes. Não diz que crimes cometeram. Não informa quais as acusações concretas a que devem responder. Limitou-se, desta vez, a falar em "vagabundos" que estão em salas "com ar condicionado". Quem seriam? Há um vasto número de brasileiros nessa situação, quase sempre fazendo trabalho duro, indispensável e remunerado modestamente - nas UTIs hospitalares, torres de controle de aeroportos, usinas de energia elétrica, processadoras de alimentos e por aí afora. Vagabundos? Talvez. Se não há nomes, todos são suspeitos da acusação - especialmente infeliz quando feita por alguém que não trabalha desde os 29 anos de idade. E daí? Joseph K. não tem direito a nenhuma explicação.

Cadê Dilma, a administratora competente? - MARY ZAIDAN

BLOG DO NOBLAT


Administradora competente, gerente imbatível. Essa era a combinação projetada no tubo de ensaio dos marqueteiros para a presidente Dilma Rousseff. Mas algo saiu do esquadro e, ainda que goze de índices de popularidade recordes, a mítica figura de gestora de primeira de nada valerá para destravar a economia.

Investimento e PIB baixos, gastos públicos muito acima do razoável e inflação em elevação, especialmente para os mais pobres, vão exigir muito mais do que berros, autoritarismo e murros sobre a mesa, esses sim, ativos que a presidente tem de sobra.

A figura de gerente eficiente foi forjada ainda em 2008, quando o ex Lula, em campanha eleitoral antecipada, lhe conferiu o título de mãe do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Ao aceitar o agrado, Dilma disse que se tratava de um “título simbólico” para evidenciar sua capacidade de coordenação. O PAC, como se sabe, tanto o primeiro quanto o segundo, continua empacado, mesmo com Dilma na cadeira máxima do Planalto.

Melhor, então, era esquecer essa história de mãe do PAC. Daí não sairiam mais frutos.

No primeiro ano como presidente, com a avalanche de denúncias de corrupção sobre gente do governo que herdara do padrinho Lula, Dilma agregou a figura da faxineira, aquela que não tolera malfeitos.

Até demitiu meia dúzia de auxiliares diretos. Mas sem muita firmeza e convicção, já que protegeu o amigo Fernando Pimentel.

O ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio continua intocável mesmo depois de receber R$ 2 milhões por palestras fantasmas e de ser denunciado pela Procuradoria Geral da República por crimes de fraude em licitação e desvio de recursos quando era prefeito de Belo Horizonte.

Para encobrir o benquisto, Dilma interveio até na Comissão de Ética Pública, substituindo aqueles que queriam investigar o ministro.

Tal como a de gestora nota 10, apesar do PAC, a fama de faxineira pegou. Mas se a segunda é mais popular – faxina é algo que todo mundo entende - é a primeira que tem feito falta.

O ocaso na infraestrutura, as frequentes intervenções do Governo em empresas públicas, como na Caixa, BB, Petrobrás e Eletrobrás, que o digam.

A traquinagem contábil para cumprir a meta fiscal e a edição de Medida Provisória inconstitucional com créditos de mais de R$ 42 bilhões são elementos a mais para desmontar a lenda da competência de gestão.

Mantido o grau de eficácia do governo, Dilma terá de apelar para Saturno, regente de 2013, que, dizem os astrólogos, ensina tudo sobre “estrutura, responsabilidade e concentração”.

Ou para a serpente, símbolo de sorte, pelo menos para os chineses.

Bens de casais gays - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 06/01


O STJ vai, este ano, analisar a questão da divisão de bens relacionados a casos de união homoafetiva.
Um deles, procedente de Minas Gerais, refere-se à disputa pelo título de propriedade de um imóvel deixado por uma mulher. A briga é entre sua companheira e os irmãos da falecida.

Menino do Rio
O francês Vincent Cassel e a italiana Monica Bellucci, o casal de atores, estão mesmo morando no Rio.
Mais exatamente no Arpoador.

Engenheiro é macho
As novas tabulações no Censo do IBGE, de 2010, revelam que entre as 20 carreiras universitárias com maior número de recém-formados as mulheres só não são maioria em cinco delas... por enquanto.

Segue...
No curso de ciência da computação, apenas 22% são moças. No de engenharia civil e de construção, 28%, e no de engenharia e profissões de engenharia (cursos gerais), 30%. Nos de saúde (cursos gerais) e de economia, as mulheres já são quase a metade: 48% e 47%, respectivamente.

Já...
Nas demais, incluindo as carreiras de alta remuneração como medicina (54%) e odontologia (69%), as mulheres já superam os homens.

Câmbio da feira
O câmbio oficial de Cristina Kirchner, na Argentina, está tão doido que a maçã argentina custa mais caro em Buenos Aires que aqui, no Brasil.
Lá, com valores convertidos, o quilo da fruta equivale a R$ 7, valor bem mais alto do que o cobrado em muita quitanda do Rio.
Por detrás do palco O sucesso da MPB nos anos de chumbo foi feito por artistas
talentosos como Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas também com o trabalho, nos bastidores, de gente que não costuma subir ao palco.
Este é o tema de “A crista é a parte mais superficial da onda”, tese de doutorado em história pela UFF de Luisa Quarti Lamarão, que estudou o período entre 1968 e 1982. “O êxito simbólico e comercial da MPB deve-se também a outros elementos que permitiram a aproximação da música com o público”, diz Luisa.

Fascículos da Abril...
Luisa considera que os fascículos História da Música Popular Brasileira, que a Abril lançou a preços populares e vendia nas bancas entre 1970 e 1982, tiveram grande importância na divulgação da nossa música.
A equipe de assessores, nas primeiras edições da coleção, era formada por José Lino Grunewald, José Ramos Tinhorão, Júlio Medaglia e Tárik de Souza.

Nova onda...
Tárik também é citado, ao lado de Nelson Motta e Ana Maria Bahiana, como o crítico da chamada “nova onda”, que “auxiliou na construção, em alguns casos, de uma memória ufanista sobre a música brasileira e seus artistas”.

Circuito universitário...

E, finalmente, Luisa faz, em sua obra, uma louvação merecida ao chamado “circuito universitário”, que, no início da década de 1970, ajudou a formar plateia, ao levar shows a preços populares para escolas e
universidades em todo o país.

Cinebiografia
O filme sobre a vida do escritor Paulo Coelho, escrito por Carolina Kotscho, será dirigido por Daniel Augusto.

Aliás...
O uso do nome do ex-camisa 10 da Gávea e da seleção nestas embalagens americanas está sendo analisado por um advogado de Zico nos EUA.

Hotel francês
A gigante francesa Accor, cuja marca Sofitel deve deixar Copacabana, planeja assumir o Caesar Park, em Ipanema, outro tradicional hotel da orla carioca.

Coleguinhas
A BBC está procurando um escritório no Rio.
Fará uma sucursal para cobrir os próximos grandes eventos na cidade.

Secretário dos idosos
Cabral nomeia segunda o deputado estadual Marcus Vinicius, do PTB, secretário de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida.

Coroa Imperial
A Portela vai levar para a Marquês de Sapucaí um pouco do... Império Serrano, sua escola rival no bairro de Madureira.
É que a azul e branca terá um carro que vai homenagear figuras ilustres de cada uma das agremiações. Nele, estará Arlindo Cruz, representando a Coroa Imperial.


MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 06/01



Nova farmacêutica de biotecnologia do Brasil fechará primeiros contratos

A Bionovis, joint venture formada no ano passado pelas farmacêuticas Aché, EMS, Hypermarcas e União Química para o desenvolvimento de biotecnologia no Brasil, deve fechar seus dois primeiros contratos de transferência de tecnologia nos próximos três meses.

Os acordos, que estão em negociação, se referem aos primeiros produtos a serem lançados pela empresa.

A definição do local onde será construída a fábrica, por sua vez, deve ocorrer apenas no segundo trimestre, de acordo com Odnir Finotti, presidente da companhia.

Os Estados mais cotados pelo mercado para receberem a planta do laboratório são Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo.

O investimento de R$ 500 milhões, que foi anunciado no primeiro semestre de 2012, começará a ser aplicado a partir de julho, segundo Finotti. A maior parte será injetada na construção da unidade fabril.

O executivo espera um cenário de reação da economia brasileira para este ano, quando os projetos da Bionovis estiverem avançados.

A estimativa de Finotti é de crescimento do PIB entre 3% e 4%. "A economia brasileira deve apresentar em 2013 um dos melhores períodos dos últimos cinco anos."

Para o setor farmacêutico, espera alta de dois dígitos.

O otimismo depende, segundo o executivo, de que o governo e a Anvisa acelerem os processos para o desenvolvimento de pesquisas clínicas no Brasil, considerado essencial para o mercado de biotecnologia.

Carro por hora

A Hertz entrará em novos segmentos do mercado de locação de veículos em 2013. Neste mês, começará a alugar minivans para o transporte de cargas.

Os carros poderão ser locados por hora ou por dia. Por enquanto, a empresa testará o projeto com cinco veículos em São Paulo. A loja da companhia no aeroporto de Congonhas deverá ser uma das primeiras a disponibilizar esses automóveis.

A expectativa é que a frota de veículos de carga chegue a cem até o final deste ano. Rio de Janeiro e Salvador devem ser as próximas cidades a receber o serviço.

O produto já existe em outros países onde a empresa atua. O foco costuma ser o transporte de produtos como compras, de jardinagem e de festas.

O aluguel de transporte de carga faz parte de um projeto maior da companhia para o país. Nele, também está incluída a locação de carros comuns por hora, que começará a funcionar até setembro.

Nesse sistema, o cliente pega o veículo em uma universidade, por exemplo, e o destrava por meio do celular. A chave fica no interior do carro.

A empresa ainda não divulga quantos carros serão disponibilizados para o aluguel por hora. "O serviço depende de tecnologia específica para destravar o carro", diz o presidente da Hertz para o Brasil, Roy Ritentour.

US$ 2,2 bilhões foi a receita global no primeiro semestre de 2012; a empresa não divulga o dado brasileiro

134 é o número de lojas no país

20 mil são os veículos da companhia no Brasil

O QUE ESTOU LENDO

Gil Zanchi, diretor da Marriott no Brasil

O principal executivo no Brasil da rede de hotéis Marriott, o suíço Gil Zanchi, tem à sua cabeceira "Execução: A Disciplina para Atingir Resultados" (ed. Campus), de Larry Bossidy e Ram Charan.

Entre os comportamentos essenciais para o líder listados pelo livro, Zanchi destaca "conheça a si mesmo, o seu pessoal e o seu negócio".

Estabelecer metas claras, concluir planos e ampliar habilidades das pessoas também foram iniciativas lembradas. "E recompense os que fazem acontecer", acrescenta.

ESTRANGEIRAS COM CABEÇA DE BRASILEIRA

Marcas internacionais têm desenvolvido diferentes estratégias para se adaptar às demandas do mercado brasileiro.

A norte-americana Tory Burch criou a "Brazilian Swimwear", uma linha de biquínis com modelos menores do que os vendidos no exterior.

Antes, a italiana Gucci já havia desenhado a Coleção Pantanal, com bolsas e lenço estampados, apenas para o Brasil.

A britânica Burberry entrou na onda brasileira de usar branco no Réveillon para oferecer por aqui a "White Collection".

Também do Reino Unido, a marca Topshop foi ainda mais longe.

A companhia percebeu que havia mercado para lançar uma coleção paralela à europeia com peças leves que seguem as tendências, mas que podem ser usadas em países no hemisfério sul.

Além do Brasil, as peças da linha "End of the Road" estão à venda no Chile, na África do Sul e na Austrália.

"A grife coloca nesses países, com velocidade e a preços acessíveis, o que está na moda internacional", afirma Daniela Valadão, da Topshop.

"Os tecidos, a modelagem e as cores usadas, porém, são mais adequados ao nosso clima."

Em busca de caminhos - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 06/01


Ganha força entre os analistas a tese que o modelo de crescimento baseado no mercado interno de esgotou. Vai continuar dando o que já deu, e é muito, mas o recuo de outros setores de atividade econômica, revelado pelo PIB de 1%, este ano, mostra suas limitações. Há sempre espaço para aumentar o consumo, há o novo salario mínimo que injetará R$ 32 bilhões na economia, mas os outros setores não só não reagem, alguns recuam. A exceção é o automobilístico, aumento de 4,65% em 2013, mas por causa de incentivos provisório, com prazos para terminar. A produção geral da indústria diminuiu nos últimos meses apesar dos estímulos fiscais do governo.

Dos quatro grandes componentes da demanda interna, consumo privado e gasto geral do governo continuaram crescendo, mas os outros dois, investimento privado e exportação recuaram.

Em vários artigos publicados no Estado de economistas de expressão, entre os quais Luciano Coutinho e José Roberto Mendonça de Barros, a coluna dá especial atenção, ao diagnóstico unânime: a economia só volta a crescer se houver investimento. Poderíamos até dizer que ela recuou quando os investimentos caíram cinco meses consecutivos. Ninguém mais duvida, ninguém mais contesta, mas fica a pergunta: por que nem o setor privado nem o governo reagiram e investiram este ano?

Governo sem rumo. A impressão que vem de Brasília é que a equipe econômica está ainda em busca do caminho. Não sabe por onde seguir. Tentou muito, não deu certo. Os empresários relutam diante das incertezas mais internas do que externas. Falta confiança e há preocupação com as sucessivas intervenções no governo, tornando as regras menos claras e menos seguras. Há insegurança.

O ultimo relatório de inflação do Banco Central foi incisivo e diz textualmente: "A lenta recuperação da confiança (dos empresários) contribuiu para que os investimentos ainda não mostrassem reação após estímulos introduzidos na economia". Há sem dúvida outros fatores, câmbio, juros ainda mais altos do que os praticados pelos nossos competidores, subsídios, crédito generoso que eles oferecem à produção interna e exportação - mas certamente a falta de confiança do empresário tem sido o fator decisivo. Enquanto isso, ele prefere continuar utilizando a seu favor aqueles mesmos benefícios que os nossos competidores, principalmente a China, oferecem aos seus produtores e passam a importar a preços menores para atender à demanda interna. Ela cresce, sim, mas, ironicamente, acaba beneficiando nossos exportadores. Não é um fato novo, que deixou de levantar no correr do ano fortes protestos contra a desindustrialização de importantes setores. Agora pouco se fala disso. E produtores e consumidores continuam comprando produtos importados a preços menores, o que até ajuda a conter a inflação.

O que se espera. Até agora, pouco se sabe sobre o que a equipe econômica está preparando em Brasília. A presidente Dilma Rousseff afirmou que vamos iniciar o ano investindo, destravou o que poderia impedir a liberalização de recursos oficiais, fez mais dois apelos para que o setor privado confie e invista. O governo vai convocar reunião com os bancos e instituições financeiras para que ofereçam mais crédito - mas permanece a questão se haverá demanda para esses empréstimos nas condições atuais suficiente para reanimar a atividade econômica.

Há a ideia do que se poderia chamar novo modelo econômico baseada em juro menor e ideia de cambio, à qual o Banco Central reage porque real muito acima de R$ 2 - a indústria pede R$ 2,4 - acaba pressionando a inflação e anulando os benefícios do câmbio. O Banco Central manteve o dólar em torno de R$ 2 nos últimos dias do ano.

É este o cenário no início de um ano que vai ser difícil, com o Brasil tendo armado todas as condições para se defender da crise e da recessão externa, mas não dá ainda sinais de estar preparado para crescer. Como afirma o colega Rolf Kuntz, competente colunista econômico da imprensa brasileira, em artigo no do último dia 2, é preciso "mais voluntarismo" do governo, mais decisões.

Mas, para a coluna, parece que a equipe econômica está ainda em busca de caminhos.

Projeções do mercado mostraram poucas alterações no encerramento do ano passado, com o consenso para 2013 apontando para taxa de juros estável, câmbio praticamente constante, Produto Interno Bruto (PIB) crescendo 3,3%, e acelerando em relação ao ano passado, e IPCA subindo 5,47%, de acordo com o Relatório Focus - divulgado na última segunda-feira pelo Banco Central, com estimativas coletadas até o dia 28 de dezembro. A mediana das expectativas para o IPCA mostrou leve ajuste de alta para 2012, passando de 5,69% para 5,71%, ficando estável em 5,47% para 2013. Ao mesmo tempo, a estimativa de crescimento do PIB novamente recuou de 1% para 0,98% para 2012 e seguiu em 3,3% em 2013. A mediana da projeção para a taxa Selic ficou inalterada em 7,25% para este ano. Por fim, as projeções para a taxa de câmbio em 2013 apontaram para discreta desvalorização, passando de R$ 2,08 o dólar para R$ 2,09, considerando a expectativa para final de período.

Relações intrincadas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 06/01


As manobras contábeis feitas pelo governo brasileiro no fim do ano para tentar tapar o buraco que havia na formação do superávit primário, que serve para amortizar a dívida pública, envolvem os mesmos princípios de manipulação fiscal que vêm sendo adotados pelo Ministério da Fazenda desde a crise econômica internacional que teve início em 2007/2008. Mais uma vez o governo utilizou-se de bancos oficiais – Caixa Econômica Federal e BNDES – para, com a antecipação de dividendos ao Tesouro, cobrir parte do superávit que deveria ter sido poupado.
Apesar de só no mês de dezembro os dois bancos terem antecipado R$ 7 bilhões aos cofres do governo, o buraco continuava aberto e foi preciso utilizar pela primeira vez o Fundo Soberano, que transferiu para o tesouro mais R$ 12,4 bilhões. Na verdade, o governo não poupou esse dinheiro, apenas fez parecer contabilmente que o fizera, demonstrando que não está em condições de reduzir os gastos públicos.
O economista José Roberto R. Afonso, em artigo recente publicado na revista da Universidade Federal Fluminense (UFF) com base na sua tese de doutorado na UNICAMP, intitulado convenientemente “As intrincadas relações entre a política fiscal e creditícia no Brasil pós-2008”, demonstra como o BNDES e outros bancos públicos já vêm sendo utilizados em manobras fiscais para estimular a economia brasileira sem deixar registrado o aumento da dívida pública.
“A política fiscal brasileira em resposta à crise mundial foi tímida nos estímulos tradicionais, comparada à do resto do mundo, mas inovou ao conceder volumosos e crescentes empréstimos aos bancos públicos à custa da emissão de títulos governamentais”, explica Afonso, analisando “a forma peculiar” como passaram a interagir as políticas fiscal e creditícia no País, gerando “governo com um patamar alto de dívida (bruta) e uma carteira de crédito superior a dos maiores bancos do país, empresas cada vez mais líquidas e menos endividadas, e a taxa de investimento nacional que segue reduzida”.
Segundo o economista, ao contrário da grande maioria dos outros países, o Brasil não criou um novo programa de investimentos fixos governamentais a partir da crise de 2008, “apesar de ostentar das mais baixas taxas no mundo”. Nem mesmo reformas estruturais foram realizadas, mais uma vez destoando da tendência mundial recente de reestruturação dos sistemas tributários até os sociais, cujo caso mais emblemático é o da reforma da saúde pública nos Estados Unidos.
Esta atitude, ressalta o economista, contraria uma tradição nacional, pois o País enfrentou muitas crises no passado recente sempre promovendo mudanças estruturais, como foi o caso da desestatização no governo Fernando Henrique até um novo regime monetário e fiscal na segunda metade dos anos 90 do século passado. Em lugar de instrumentos fiscais tradicionais, pouco acionados na resposta do governo à crise mundial no Brasil, “outros menos conhecidos e analisados foram cruciais para a expansão do crédito que puxou a saída da recessão e moldou o crescimento posterior na economia brasileira”.
O mais importante foi a concessão de empréstimos pelo Tesouro a bancos públicos, custeados pela emissão de títulos governamentais. Segundo José Roberto Afonso, o crédito foi tão importante para a economia brasileira para sair da crise que se pode dizer que “o famoso tripé de política econômica (câmbio flutuante, metas de inflação e austeridade fiscal) virou um quatrilho (acrescido da expansão creditícia). Como no filme homônimo, tais pilares se misturam e interagem de forma intensa e permanente: um influencia o outro, mas, ao mesmo tempo, é pelos outros influenciado”.
Muito da retomada do crédito no país depois da crise foi liderada pelos bancos públicos, mas, para tanto, eles precisaram captar recursos excepcionalmente junto ao Tesouro Nacional, que, por sua vez, o fez à custa de expandir a dívida pública. Para o economista, o nível da dívida pública brasileira “é alto, muito acima da média dos países emergentes nos padrões internacionais, que contam a dívida bruta”.
Se esse quatrilho da política macroeconômica rendeu inegáveis resultados no curto prazo, por meio da sustentação e depois da forte expansão do consumo, e logrou sucesso em transformar recessão em crescimento acelerado, José Roberto Afonso destaca que ele “deixou, no entanto, novas armadilhas sem resolver antigos desafios como a baixa taxa de investimento, da economia e particularmente dos governos, e o elevado nível de endividamento público, no conceito internacional”.

A doutrina do "Local-Contentismo" - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 06/01


No momento em que a economia global tenta se recuperar, uma forte tendência ao "Conteúdo Local" mostra sua face


O mundo está menos plano. Neste instante em que a economia global tenta recuperar-se das crises financeiras de 2008 e 2011, uma forte tendência mostra sua face. Podemos chamá-la de "Local-Contentismo". Cada vez mais países vêm adotando práticas de política industrial amparadas na noção de "Conteúdo Local".

Na América Latina, o socialismo bolivariano ou o ultraliberalismo apresentaram nos últimos 20 anos ao menos uma característica semelhante. Não conceberam qualquer forma de política industrial. A tradução econômica do socialismo bolivariano tem sido a mera "estado-nacionalização" de ativos industriais. Combina um xenofobismo "além-América Latina" com o equivocado pressuposto de que a riqueza está nas instalações físicas, e não no know-how de pessoas e processos.

Ainda na América Latina, interpretou-se o Consenso de Washington como se o fluxo desimpedido de capitais levasse sempre a alocações "ótimas" também no setor manufatureiro. Formular políticas industriais seria algo "fora de moda". Aqueles países que adotaram mais organicamente essas diretrizes nos anos 90 experimentaram crises cambiais desestabilizantes e encolhimento de parques industriais.

No Brasil, o apagão de política industrial que se instalara desde os anos 80 foi interrompido apenas a partir de 2003. Seu principal componente: o Local-Contentismo. São marcantes as exigências de conteúdo local para a retomada de setores como indústria naval, software, semicondutores, eletroeletrônicos e outros. Já em âmbito mundial, a figura do mercado como instância "inteligente" para decisões industriais encontra-se em xeque. O Estado-Nação e os governos retomaram o status perdido em momentos de maior globalização.

Os EUA, o Japão e a Europa estão reformulando suas políticas de "Local-Contentismo". Nessa dinâmica, noções como a de "empresa-rede" -que espraia sua produção pelo mundo numa intricada combinação de logística, custos relativos e talentos- estão perdendo espaço para operações que se concentram num único mercado em que gozam dos benefícios de compras governamentais e outros incentivos "local-contentistas".

Mesmo a China, que nutriu seu crescimento à base da estratégia de "nação-comerciante", hoje seduz o mundo industrial com grandes contratos (em que o governo chinês, empresas e consumidores chineses são os compradores) desde que a atividade seja desenvolvida localmente, assim contratando mão de obra e gerando impostos na China.

Há claras diferenças entre "Local-Contentismo" e protecionismo tradicional. Ao passo que o segundo é marcado por escudos tarifários e quotas, o primeiro idolatra investimentos estrangeiros diretos e faz amplo uso do instrumento de compras governamentais.

O "Local-Contentismo" é também uma das formas com que os países buscam combater a hipercompetitividade chinesa. Eventuais perdas nos custos comparativos com congêneres chineses são compensadas pelos benefícios fiscais e de geração de empregos tornados possíveis por políticas "local-contentistas".

Para a economia global em seu conjunto, o "Local-Contentismo" representa perda de eficiência. Só se sustenta ao longo do tempo com margens de lucro artificialmente alimentadas em nome do investimento no aumento da competitividade. Assim, impactará negativamente a expansão do comércio internacional e as rodadas da OMC.

Para o Brasil, o "Local-Contentismo" só terá valido a pena a longo prazo se tiver gerado velozes ganhos de produtividade de modo que a indústria local harmonize sua capacidade internacional de competir.

O ano novo de Duda - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 06/01


Absolvido no julgamento do mensalão, o publicitário Duda Mendonça faz festa de Réveillon em sua mansão no litoral baiano, diz que 'tudo indica' que voltará a fazer campanhas e quer 'curtir o momento' em 2013


No jardim de sua propriedade de cerca de um milhão de metros quadrados em Taipus de Fora, na península de Maraú, no sul da Bahia, o publicitário Duda Mendonça comemorou a passagem do ano ao lado de seis de seus sete filhos, das três mulheres (as duas ex com seus maridos e a atual) e mais de 300 convidados. Entre eles, os advogados Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Luciano Feldens, que o defenderam no julgamento do mensalão, em que foi absolvido.

O baiano recebe o repórter Morris Kachani inicialmente no gazebo que fica no lado esquerdo da casa, na linha de 300 metros que dá de frente para as piscinas naturais que fazem a fama da região. A conversa só é interrompida pelo ir e vir de um dos dois helicópteros de Duda no heliponto.

O encontro começa com um café, evolui para um chope (Duda lembra que havia encomendado seis barris, mas já haviam acabado; vieram mais 12) e termina com champanhe Moët & Chandon, que ele abre à moda dos generais franceses -com um facão que faz voar o bico da garrafa, junto com a rolha.

Em um tour pela propriedade, Duda mostra os pirarucus importados da Amazônia que cria em um lago artificial, o horto com árvores nativas como o dendê, e a cachaça exclusiva envelhecida em carvalho, produzida e presenteada por Emílio Odebrecht. Conta que também tem cinco cavalos e duas vacas: "Para as crianças tirarem leite. Quem mora em São Paulo não faz ideia de o que é isso".

Algumas horas mais tarde aconteceria a festa de Réveillon, que teve como ponto alto o banho de champanhe dado pelos filhos em Duda, em Kakay e em Luciano, ao som da canção das vitórias de Ayrton Senna na Rede Globo. A banda do novo gênero musical arrocha universitário Kart Love animou a noite.

Os funcionários da casa, segundo Duda, participaram da festa como convidados. Ele conta que presenteia os que têm mais de dez anos de trabalho para a família com uma casa. "Já paguei umas dez", afirma.

Duda faz questão de exibir a tatuagem da letra "Ç" estilizado, no tórax. "É nossa marca registrada e está tatuada em todos meus filhos homens", diz. A cauda de seu helicóptero e canecos de chope também levam a espécie de monograma da família.

Quando a conversa envereda pelas campanhas políticas, o publicitário que criou o slogan do "Lula paz e amor" em 2002 levanta o que parece ser sua bandeira atual -a de que os custos precisam ser barateados, coibindo o caixa dois ou qualquer tipo de doação ilícita. "Fazer TV é muito caro. É preciso acabar com esse horrível formato do horário eleitoral. Deveria haver um debate semanal no horário nobre. A interferência do marketing diminuiria."

"O marqueteiro aumenta o potencial do candidato, mas não faz nenhum milagre. Você pode passar detalhes técnicos a ele, mas não ensina o cara a debater. Isso depende do repertório de cada pessoa. E o marqueteiro só conhece as coisas de forma superficial -a gente vende leite, cerveja, sabão em pó."

Em 2014, Duda acha que se Dilma Rousseff for candidata, será reeleita, em condições normais. "O governador Eduardo Campos [PSB-PE] é um candidato forte, mas Dilma demonstrou personalidade. E o povo, que é quem elege, quer é comida na mesa. Não tá nem aí para uma revista como a 'The Economist' [que criticou a política econômica brasileira]. Isso é conversa para intelectual."

Aos 68 anos se define politicamente como "mais de esquerda". "Hoje o eleitor é pragmático. Só quer saber qual voto pode melhorar sua vida. Não quer saber quem é mais ou menos correto, se é de direita ou esquerda."

Esse pensamento, segundo ele, faz com que hoje "você não encontre diferença entre os partidos. As alianças são feitas por interesses políticos". E quanto ao PT? "Quando chegou ao governo foi obrigado a cair na real. Aí, o discurso muda. Mas ninguém pode deixar de dizer que depois de Lula o Brasil melhorou", diz.

A certa altura o advogado Kakay, de óculos escuros e sunga vermelha, interrompe a conversa para lembrar que seu cliente está orientado a não falar sobre o julgamento do mensalão.

Duda e sua sócia Zilmar Fernandes foram acusados de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Parte dos

R$ 11 milhões que os dois receberam pela campanha de Lula em 2002 foi paga em um paraíso fiscal.

Kakay assume as rédeas da conversa quando o tema é mensalão. E critica a transmissão do julgamento feita pela TV Justiça, ao vivo. "Nenhuma TV no mundo transmite um julgamento penal feito pela corte suprema. Essa superexposição precisa ser revista", diz.

Sobre a teoria do domínio do fato, citada no julgamento, o advogado brinca: "Com a ampliação de seu alcance, de fato faltou o domínio da teoria".

Para ele, o caso mostrou uma sobreposição de prioridades. "Na medida em que o STF ficou paralisado por cinco meses, por conta de um processo penal, outros julgamentos importantes acabaram sendo adiados, inclusive com réus presos."

Kakay dá o último gole em seu chope. Avisa que precisa ir ao encontro da mulher e de seu filho de sete anos que estão na praia. "A pior coisa do mensalão foi a Globo não ter ganho [o direito de transmitir] as Olimpíadas. Isso deu mais espaço para o julgamento", conclui, antes de sair.

Duda busca a garrafa de champanhe. Aliviado com a absolvição do STF, afirma que em 2013 "quer curtir o momento" e levar adiante a agência Blackninja em parceria com o sócio, o sociólogo Antônio Lavareda.

"Tudo indica", diz, que voltará a fazer campanha política em 2014. Afirma que "pode até ser" junto com João Santana (marqueteiro das campanhas de Dilma e Fernando Haddad), com quem já trabalhou em parceria. "Somos complementares."

Quem quiser tê-lo no comando de uma campanha terá que desembolsar muito dinheiro. "Sou um cara caro. Mas ninguém pode se enganar: quando aparece que o custo de uma campanha foi de 20 ou 30 milhões, é preciso lembrar que só 10% ou 15% vão para o marqueteiro."

Com as contas bloqueadas há seis anos no Brasil, Duda abriu fronteiras e hoje atende a maior rede varejista portuguesa, o Pingo Doce. Recentemente, inaugurou uma agência na Polônia, por conta da expansão das atividades do grupo português. "Criar campanha em polonês é loucura. Na música, a métrica é completamente diferente, imagine rimar três cês com acento", ri.

"No final você percebe que o mundo é igual e o ser humano quer as mesmas coisas em todos os cantos."

Pipoquices - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 06/01


Certeiro no uso das palavras ao compor seus versos, meu amigo Pipoca (preservemos sua identidade por detrás do apelido de infância, pois é homem recatado) se atrapalha todo quando vai manejá-las na conversação. Quer dizer uma coisa e sai outra. Para você ter uma ideia: ao me abraçar, emocionado, no dia do meu casamento, limitou-se a um monossílabo carregado de involuntário mau agouro:

- Tchau!

***

Em Paris, numa roda de jovens casais, o Pipoca, revoltado, chegou contando a desfeita de que fora vítima minutos antes, da parte de um nativo de maus bofes, sem que tivesse podido responder, já que além de tímido lhe falta domínio da língua francesa. Não, sejamos justos: fala francês fluentemente (ele vai adorar a acidental aliteração), só que ninguém entende. Naquele episódio, nem isso, pois a grosseria congelou seu rarefeito vocabulário. Pipoca só foi estourar ali entre os amigos. Suprassumo da delicadeza, pediu: "Fechem os olhos, meninas!" - e, no português mais cru, entornou o caminhão de palavrões que em vernáculo não pudera endereçar ao agressor.

***

Em outra roda, majoritariamente francesa, o poeta aventurou-se a contar o que acabara de presenciar no metrô parisiense: um velho, surtado, baixou as calças e se pôs a chacoalhar os balangandãs. Como ao narrador sobrasse decoro e faltasse munição verbal, ninguém entendeu o que se passara. Tentou esclarecer, sem perder a finura jamais: o camarada tinha mostrado tous ses documents, sim, seus documentos, ses papiers - e aí a coisa se complicou de vez: seria como dizer, no Brasil, que o peladão mostrou o RG, o CPF, a carteira de motorista... Só a presença de um compatriota bilíngue pôde conferir sentido à narrativa pipocal.

***

Na cidade onde morava, no sul da França, meteu-se ele um dia a preparar para os amigos, de variadas nacionalidades, o que anunciou, aliás num verso alexandrino, como sendo "a joia negra da cozinha brasileira". Seus dotes culinários, a bem da verdade, iam pouco além dos ovos mexidos, o que de forma alguma lhe pareceu constituir problema. Problema, esse sim, foi achar os pertences da feijoada, a começar pelo feijão preto. Vá lá, deu de ombros, e, renunciando à negritude da joia, mandou embrulhar os grãos graúdos e branquelos docassoulet. Paio também não havia, nem lombo defumado, muito menos carne seca (causou espécie ao pedir "viande sèche"). Couve e pimenta malagueta, então...

Você pode imaginar o desastre que foi a pálida feijoada do Pipoca, a partir do instante em que ele irrompeu no recinto com um formidando e fumarento caldeirão, evocador das tragicômicas bodas de Dom Ratão. Servidos os pratos - a que não faltou, como sucedâneo da malagueta, uma pimenta vietnamita só comparável, em poder de fogo, ao napalm que os americanos despejavam sobre os vietcongues -, baixou entre os comensais um silêncio ainda mais espesso que o conteúdo do caldeirão. Na tentativa de deixá-lo à vontade, a dona da casa teve a infelicidade de louvar a feïjoadá brésilienne do Pipoca, o que, por cima do orgulho de chef, lhe feriu brios nacionalistas:

- Não, madame, isso aqui não tem nada a ver, lá é totalmente diferente - tartamudeou ele, acrescentando ao desastre o ingrediente que faltava.

***

Em outra ocasião, morando ainda na casa dos pais, foi despertado com a notícia, ao telefone, da morte de um amigo da família, e por pouco não ficou sem palavras. Antes tivesse ficado, pois a única que lhe veio aos lábios foi:

- Oba!

***

E houve também o dia em que, num encontro casual, ele soube da morte do pai de um amigo.

- Não me diga! Eu nem sabia que ele estava doente!

- Não estava - contou o outro -, mas veio uma pneumonia e...

- Ah - respirou o Pipoca -, ainda bem que não foi nada grave!

Brisa - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 06/01


Paquito, duplamente colega meu (já que compõe canções e mantém uma coluna semanal), a propósito da aprovação do novo PDDU pela câmara dos vereadores de Salvador (que, dizem, liberaria as empresas imobiliárias para construir sem respeitar a passagem da brisa), relembrou o divino poema de Bandeira (que Paquito mesmo musicou faz alguns anos):

Recebendo notícias do calor do Rio e curtindo o ventinho brando (é verdade que nem sempre tão brando) que entra por minha casa do Rio Vermelho, emocionei-me ao reler os versos desse pernambucano carioca que fazia poesia assim como quem não faz nada.

Brisa é uma linda palavra. Uma linda ideia expressa no som adequado. Fico pensando nos rappers paulistanos, sobretudo Mano Brown, de quem ouço com tanta frequência a palavra “brisa” ocupando área semântica especial, funcionando como metáfora para outras dimensões da vida. Mano Brown e os Racionais, aliás, é que escreveram a música sobre Marighella que soa como feita por quem sente real identificação com a guerrilha. Nada a ver com meu lento lamento semimonumental. Nelson Rodrigues dizia que “Caminhando” de Geraldo Vandré — a canção favorita dos que se queriam revolucionários — era “uma berceuse”. Felizmente ele não teve de viver para ouvir a minha “Um comunista”. Nelson era um tipo angelical de anticomunista (em geral uma malta desagradável). A brisa de Bandeira, Paquito, Brown e Salvador salva tudo.

As palavras se sentem bem na poesia. “Que a brisa do Brasil beija e balança”. Diretamente no épico de Castro Alves ou citado na soneterapia de Augusto de Campos, esse verso é tudo o que as palavras querem para se sentirem bem. Para exercerem sua função e seu destino.

Leio com certa preocupação que o “acordo” sobre a língua portuguesa ficará ainda em banho-maria até 2015. A preocupação não impede que haja alívio. O acordo é cheio de lacunas e é suspeito. Tantos livros corrigidos e reimpressos! Pra quê? Mas o que me interessa comentar aqui é a docilidade — não, não apenas docilidade, a verdadeira paixão — com que os brasileiros adotam essas normas que são anunciadas. Isso me impressiona. Sempre me impressionou. Nos anos 1970, quando caíram os acentos diferenciais e os que indicavam sílaba subtônica (antes, tínhamos de escrever, por exemplo, “fôra”, para diferençar de “fora”, e tínhamos de pôr um acento grave em, por exemplo, “ràpidamente”, para frisar que o advérbio vinha de um adjetivo proparoxítono). Todo mundo se guiou. Em editorial da “Folha”, leio que o “acordo” não é uma dessas leis brasileiras que “não pegam”. Ao contrário. A mim, esse respeito rápido (vejo-o nos jornais e nos e-mails, ouço perguntas sobre as mudanças mesmo de pessoas pouco letradas) me parece da mesma natureza do interesse pelos professores de gramática: o povo quer ordem na língua que fala. Quer saber o que é certo, como se deve escrever. Deseja, num plano mais superficial, exercer sua vaidade; num plano mais profundo, saber que sua língua é respeitada e respeitável, que ela é forte.

Claro que detesto que tenhamos passado a grafar “para” para “para” e para “pára”. Isso só cria confusão e não tem absolutamente nenhuma vantagem. Lendo o excelente “Marighella” de Mário Magalhães, me deparei com alguns casos em que tive de recomeçar a ler a frase para saber se a palavra incial era um “fora” ou um “fôra”. Isso, embora mis velho do que o acordo, tampouco é bom. Para nada. Mas é bom que os falantes procurem adequar-se o mais pronto possível ao que lhes chega anunciado como regra. Eles buscam a norma, assim como o assalariado busca o carro e a geladeira. A vanguarda revolucionária dos sociolinguistas é leninista: eles sabem melhor o que os falantes querem. Segundo eles, os falantes querem que lhes seja dito que está bom do jeito que eles já fazem (sem deixar de contar que existem a norma, o carro e a geladeira).

Não se enganem: gosto do Bagno. Mas ao pensar sobre essas coisas, prefiro voltar a Marighella, Mano Brown, Paquito e Manuel Bandeira. Brisa. Os poetas sabem que os acordos podem ser respeitados porque a poesia vencerá no fim. Eles se submetem sabendo que é coisa de somenos. Não sou poeta para postar-me tão alto. Chio um pouco. Sou um falante popular que sempre quis saber melhor. Por favor, não roubem minha brisa.

Vamos viver no Nordeste, Anarina.

Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.

Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.

Aqui faz muito calor.

No Nordeste faz calor também.

Mas lá tem brisa:

Vamos viver de brisa, Anarina


O que você estava fazendo? - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO


O Estado de S.Paulo - 06/01


O que você estava fazendo quando o mundo não acabou?

Estava embaixo de uma cama, imaginando se embaixo de uma cama era mesmo o melhor lugar para estar durante um tsunami?

Estava numa igreja, se confessando, esforçando-se para lembrar seus piores pecados e até inventando alguns, para a redenção da sua alma estar à altura do Apocalipse?

Pensando em ligar para os maias e dizer: "Se vocês têm algum palpite para o brasileirão - não interessa!"?

Lembrando sinais de revolução cósmica no passado, como a vez em que latas cheias de maconha começaram a dar na praia e muitos interpretaram como um prenúncio da segunda vinda do Messias?

Olhando pela janela de vez em quando, por via das dúvidas, para não perder nada caso acontecesse mesmo?

Gastando adoidado e pagando tudo com cheque pré-datado?

Saindo de casa e levando um choque ao ver aquela bola incandescente no céu, pensando no que fazer, para onde correr e se proteger, estranhando que ninguém mais na rua parecia estar em pânico - até se lembrar que era o Sol?

Achando muita infantilidade essa preocupação com o fim do mundo, quando está claro que o fim virá precedido de fenômenos anormais como ondas de frio intenso e calor inédito nos hemisférios Norte e Sul, o derretimento das calotas polares, furacões violentos, navios de cruzeiro deitando de lado e casamentos do mesmo sexo?

Preparando sua câmera para registrar tudo e mostrar para os amigos depois?

Suspirando e pensando: finalmente, alguma coisa de excitante na minha vida?

Se dando conta: o fim do mundo vai dar um toque especial na minha autobiografia?

Refletindo sobre a necessidade que as pessoas têm de que o universo seja previsível e o futuro conhecido, que nosso destino esteja escrito nos astros, que as civilizações antigas tinham o código do mundo e seus profetas a visão do que viria, o que explicava a sedução de todas as teorias improváveis e ridículas que muitos aceitam sem pensar - tudo isso sem sair debaixo da cama?

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O fim que nos espera, segundo a Bíblia, é terrível, mas do ponto de vista literário o Apocalipse bate qualquer outra versão ou previsão. Inclusive as dos poetas, como T.S. Eliot, que anteviu corretamente nosso desânimo final.

"É assim que termina o mundo

Não com um estouro mas um gemido."

A julgar pela reação geral ao palpite errado dos maias, poderia-se acrescentar: "E um bocejo".

Minha Turma - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA  - 06/01


Ela é uma amiga recente. Tem três filhos, sendo que um deles possui uma síndrome rara. É uma criança especial, como se diz. Acabei de ouvi-la palestrar a respeito de como é o envolvimento de uma mãe com um ser que necessita de tanta atenção. Eu estava preparada para ouvir um chororô, e não a acusaria, ela teria todo o direito se. Mas o “se” não veio.

O que vi foi uma mulher comovente e leve ao mesmo tempo, recorrendo ao humor para segurar a onda e para não se desconectar de si mesma. Ela deu uma choradinha, sim, mas de pura emoção e gratidão por passar por essa experiência que dá a ela e a esse filho uma cumplicidade também fora do comum. Quando ela terminou de falar, pensei: “Essa é da minha turma”.

E silenciosamente a inseri no rol dos meus afetos verdadeiros. Estranhei ter sido essa a expressão que me ocorreu, “minha turma”, e só então percebi que, durante a vida, a gente conhece um mundaréu de pessoas, estabelece variadas trocas de impressões, passeia por outras tribos e tal.

São homens e mulheres que chegam bem perto do nosso epicentro, nem sempre por escolha, mas porque são parentes de alguém, conhecidos de não sei quem, e que acabam sendo agregados à nossa agenda do celular. Até que o tempo vai mostrando uma dissimulação aqui, uma maldade ali, uma energia pesada, e você se dá conta de que alguns não são da sua turma.

Da série “Coisas que a gente aprende com o passar dos anos”: abra-se para o novo, mas na hora da intimidade, do papo reto, da confiança, procure sua turma. É fácil reconhecer os integrantes dessa comunidade: são aqueles que falam a sua língua, enxergam o que você vê, entendem o que você nem verbalizou.

São aqueles que acham graça das mesmas coisas, que saltam juntos para a transcendência, que possuem o mesmo repertório. São aqueles que não necessitam de legendas, que estão na mesma sintonia, e cujo histórico bate com o seu. Sua turma é sua ressonância, sua clonagem, é você acrescida e valorizada. Sua turma não exige nota de rodapé nem resposta na última página. Sua turma equaliza, não é fator de desgaste. Com ela você dança no mesmo compasso, desliza, cresce, se expande. Sua turma é sua outra família, aquela, escolhida.

Não tenho mais paciência com o que me exige atuação, com quem me obriga a usar palavras em excesso para ser compreendida. Não tenho mais energia para o rapapé, para o rococó, para o servilismo cortês, para o mise-en-scène social. Não tenho motivo para ser quem não sou, para adaptações de última hora, para adequações tiradas da manga. Não quero mais frequentar estranhos, em cujas piadas não vejo a mínima graça.

Não quero mais ser apresentada, muito prazer, e daí por diante ter que dissecar minha árvore genealógica, me explicar em nome dos meus tataravôs, defender posições que me farão passar por boa moça. Não quero mais ser uma convidada surpresa. Se você mandar eu procurar minha turma, acredite, tomarei como carinho.

Impressões de viagem - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 06/01


Espero rever Vavá Major, para novas lições de como não fazer nada que dê labuta


Nesta época do ano em que todo mundo viaja — inclusive eu, que estou saindo de férias — é bem possível que o distinto amigo e a cativante leitora estejam agora num aeroporto. Não menciono rodoviárias, ônibus ou carros por falta de experiência, pois as estradas me aterrorizam muito mais que os aviões, no que, aliás, acredito que tenho razão, diante da carnificina que costuma deflagrar-se nelas, nos períodos de maior movimento. Sinto grande inveja de quem lê em aeroportos. A única leitura que consigo fazer é a dos monitores que mostram informações e não posso me concentrar em nada, porque tenho certeza de que vão mudar a hora do embarque, depois o portão, depois ambos e, em seguida, vão cancelar o voo.

Já passei por tudo isso e, na convicção de que uma boa paranoiazinha tem seu lugar, continuo um praticante radical de atenção redobrada em aeroportos. Admito que foi um caso extremo, mas, faz muitos anos, no aeroporto de Frankfurt, cheguei a entrar na fila de embarque de um voo para um país oriental cujo nome é mais prudente não lembrar. Provavelmente não me deixariam viajar, mas também não teria sido impossível que eu embarcasse e, ao chegar sem visto, fosse condenado a vinte chibatadas e deportado de volta num compartimento de carga, ou qualquer coisa assim, como a gente sempre lê nos jornais. Outra vez, em Atlanta, me tiraram de dentro daquele tubo por onde se embarca no avião, me revistaram todo e botaram um cachorro para me cheirar de maneira injuriosa.

Volta e meia, assistimos a programas de televisão em que os direitos dos passageiros são enfatizados e nos conclamam a exercê-los sempre que julgarmos necessário. Que não restem dúvidas, temos direito a isso e aquilo, devemos exigir, reclamar, não sei o quê. Claro que é dessas coisas curiosas que acontecem bastante por aqui, ou seja, a gente ver na televisão uma realidade bastante diversa da que nos circunda. Para quem está enfrentando um pepino em aeroporto, o voo cancelado, a turba enfurecida, o “sistema” fora do ar, a mala extraviada para Sri Lanka, as escadas rolantes quebradas, os corredores intermináveis e demais causadores de apoplexia e crises histéricas, conhecer esses direitos é análogo à situação de um acidentado esperando atendimento numa maca de corredor durante horas, cercado por cartazes nas paredes que proclamam como é esplêndido o Sistema Único de Saúde.

A única diferença entre o que acontece hoje e acontecia antes é que os passageiros agora são chamados de “clientes”. É uma inovação intrigante. Pode dever-se a uma instrução normativa de um dos muitos órgãos que entre nós baixam instruções normativas com finalidades ignoradas, nunca se sabe. Mas o que quer que seja, até hoje me sinto meio esquisito, ao entrar numa fila de clientes, acho uma coisa meio hospitalar. E, dentro do avião, os tempos também são outros. Talvez haja espaço para ler, pelo menos antes que o cliente da poltrona à frente a recline e esmague os joelhos do cliente de trás. Num voo da Avianca em que me enfiaram outro dia, a cadeira tinha uma espécie de calombo no encosto, aproximadamente à altura da nuca do padecente, que me lembrou um garrote vil e deve ser criação de um gênio do desenho industrial. Pelo menos no meu caso, o resultado era forçar o queixo a encostar no peito, mais ou menos na postura dos cadetes de West Point que a gente vê nos filmes americanos. Fiz uma pequena queixa à comissária, ela veio até mim, pegou no calombo como se quisesse sacudi-lo, mostrou que ele era imóvel, me fitou e, por um segundo, achei que ia me dar uma cotovelada no olho, mas deve ter percebido que eu uso óculos e desistiu.

Podia ser pior, bastante pior. Aliás, piorará, porque o Brasil nunca cessa de juntar-se ao que há de mais moderno. Li sobre uns pioneiros europeus que vão inaugurar, ou já inauguraram, voos em que o cliente não se senta, mas fica mais ou menos em pé, amarrado a um encosto que lembra uma tábua de passar inclinada. Dá para empacotar muito mais gente, barateando o transporte. Eles acham que é o futuro dos voos de curta duração. Outras medidas de economia incluem cobrar pelo uso do banheiro, caso em que espero, em benefício dos companheiros de cabine dos apertados sem dinheiro, que sejam concedidos créditos de emergência, a juros razoáveis.

E, além de comida e bebida grátis, faltam aos voos de hoje certas amenidades, que já começam a ser esquecidas. Os mais veteranos haverão de lembrar, talvez com alguma saudade, de um personagem aéreo que nunca mais se viu, nem mais se verá. Era o camarada que, assim que os sinais de apertar o cinto e não fumar se apagavam, levantava-se, acendia um cigarro e ia conversar no corredor, às vezes sentando no braço da poltrona do interlocutor. Tinha sempre grande familiaridade com todo tipo de avião e comentava detalhes técnicos, às vezes descrevendo em pormenores o funcionamento de ailerons, flaps e lemes. Muito frequentemente, se o avião começava a balançar, ele sorria amarelo, comentava que “isso é muito comum” e voltava a amarrar-se no assento, um pouco pálido.

Apesar dessas e doutras, espero haver resistido à viagem que neste domingo já terei feito. Vou rever minha terra e amigos de infância e me inteirar das novidades. Espero rever também Vavá Major, para novas lições de como não fazer nada que dê labuta. E prestigiarei a instalação solene da mais recente iniciativa de Zecamunista — a Cococó, que só por acaso soa como cantiga de galinha, mas é a sigla da Cooperativa dos Cornos Convencidos, entidade dedicada a prestar assistência aos membros dessa sofrida classe, inclusive cuidando de suas deles senhoras. No dia 17 de fevereiro, Deus permitindo, eu volto.

A repetição - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 06/01


Dureza é chegar e abrir as malas: tirar as botas, os casacos de lã, e o pior: a readaptação à vida real


Uma viagem costuma ser assim: primeiro você inventa, depois se programa, acerta o roteiro, as datas, reserva o hotel e fica contando os dias para a partida. Ela chega, enfim.

O avião costuma sair à noite, e como já está tudo resolvido -malas fechadas, quem vai cuidar do gato etc. etc.-, você passa o dia inteiro sem fazer nada, pensando seriamente na razão pela qual vai viajar; a casa está tão boa, os amigos por perto, não faz sentido atravessar um oceano para se instalar num quarto que é a metade do seu e curtir.

Mas ficou combinado que não se pode desistir de uma viagem por nada, então, vai; se arrastando, com dor na coluna, mas vai.

Realidade, seu nome é aeroporto. Não é preciso falar das horas passadas no avião cheio de crianças barulhentas, da chegada arrasada, arrastando uma mala de rodinhas com o laptop que levou para poder ler os jornais do Brasil e saber como vai a política; vamos fazer de conta que foi tudo uma maravilha.

Até foi, se formos simplistas e acharmos que o fato de o avião ter chegado e as malas não terem sumido faz com que uma viagem seja uma maravilha.

Aí você toma um táxi, o motorista por acaso é simpático, e você vai indo para o hotel de sempre, com o qual sonha há meses, e durante o percurso pensa, como aliás em todas as viagens: "o que é que estou fazendo aqui?" e não encontra resposta satisfatória. É bem recebida, o pessoal do concierge te conhece há anos, larga as malas no quarto e sai para dar uma volta e se sentir na cidade. Afinal, Paris é Paris.

Percebe que não está com aquela coceira de comprar alguma coisa, seja o que for, só assim, para nada. Como está com fome, para num bistrot e pede uma coisa que adora: ostras com um copo de Chablis. Tá bom, não tá? Devia estar, mas não está. Enquanto toma o vinho, percebe o quanto já conhece esse filme, que é sempre o mesmo.

Amanhã vai estar melhor, no fim da semana melhor ainda, adorando tudo e pensando seriamente em se mudar de país para sempre. Digamos que não para sempre, mas por uns três meses. Pretende até ir ver uns studios para alugar, mas tem consciência de que não quer fundar um lar, gosta mesmo é de um hotel, e é isso que procura em uma viagem.

Ainda tendo pela frente três semanas para curtir sua querida Paris, curte, mas já sabendo como esse episódio vai terminar. Quando chegar de volta ao Rio, e vir seis sambistas no aeroporto às 4h da manhã (é véspera de Carnaval), com um calor de 38ºC, vai ter vontade de dar meia volta e ser moradora de rua em qualquer lugar onde não tenha tanto samba, tanta alegria, tanta animação, tanto sol.

Dureza é chegar em casa e abrir as malas: tirar as botas, os casacos de lã, mandar para o tintureiro, e o pior de tudo: a readaptação à vida real.

Para que isso aconteça, são necessárias de duas a três semanas, mas um dia acontece. Como felizmente temos o dom de esquecer, é exatamente nessa hora que se começa a pensar na próxima viagem, que vai ser, provavelmente, igual a essa e a todas as outras, e assim a vida continua.

De Paris: eu já sabia que a livraria La Hune, entre o Café de Flore e o Deux Magots ia se mudar. Mas saber é uma coisa; ver, outra. Quando me instalei na terrasse do Flore e olhei à esquerda, no lugar da antiga livraria, vi um espaço vazio, em obras; uma tristeza.

E quando vi os toldos já no lugar, com a marca Louis Vuitton, quase chorei. La Hune, símbolo de St. Germain des Près, cedeu seu lugar para que ali seja instalada uma loja LV? É o fim do mundo.

No dia 29 de dezembro, nas três lojas Hermès de Paris havia pouquíssimas agendas para vender, e só alguns poucos modelos; um verdadeiro choque, para quem não vive sem elas. As lojas Hermès sem agendas no final do ano? É o fim do mundo.

E enfim uma boa notícia: as coleções primavera/verão já chegam às vitrines, e tenho o prazer de anunciar que aqueles sapatos que parecem botas e sobem pelas pernas feito polvos, deixando as pernas das mulheres com cinco centímetros, já eram.

Não basta parecer novo - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 06/01


O novo não é uma criação a partir de nada, mas uma manifestação inusitada que surge do trabalho do artista


Falando francamente, nada me alegra mais do que deparar-me com uma obra de arte que, além de suas qualidades artísticas, seja inovadora. Não poderia ser de outro modo, pois costumo dizer que a arte existe porque a vida não basta. E quando digo vida, nela incluo, claro, também a arte que já existe. E queremos mais. Daí porque o surgimento do novo é inerente à própria criação artística. Nenhum artista quer fazer o que já fizeram ou o que ele próprio já fez. Por isso que fazer arte é fazer o novo.

Só que o novo não precisa ser um paletó de três mangas, que nunca ninguém se deu ao trabalho de fazer pelo simples fato de que as pessoas têm apenas dois braços. O novo, autenticamente novo, não é uma criação a partir de nada, mas, sim, uma manifestação inusitada que surge do trabalho do artista, do processo expressivo em que está mergulhado. Esse processo não tem a lógica comum ao trabalho habitual, já que o trabalho criador é, essencialmente, a busca do espanto. Falo das artes plásticas, uma vez que, na poesia, se dá o contrário, o espanto está no começo: é o novo inesperado que faz nascer o poema.

Sem dúvida, a história da arte mostra que houve momentos em que a necessidade do novo -o esgotamento do atual- levou a um salto qualitativo que determinou uma ruptura com a tendência em voga. Exemplo disso foi quando Claude Monet pintou a célebre tela "Impression, Soleil Levant", que determinou o surgimento do impressionismo.

Este foi um caso especial, já que para ele concorreram fatores diversos, que vão desde a implantação das estradas de ferro, que facilitaram a ida das pessoas ao campo, até a nova teoria das cores, que as explicava como resultado da vibração da luz solar sobre a superfície das coisas. O pintor, então, sai do ateliê, vai pintar ao ar livre e a pintura se torna também o registro do "devenir", da mudança cromática da paisagem com o passar das horas. Mas isso é a explicação teórica; na prática, a pintura impressionista revela uma nova beleza, um novo encantamento.

Essa é a visão geral, porque, na verdade, cada um daqueles pintores revelou alguma beleza nova a nossos olhos. Até que Paul Cézanne provoca uma nova ruptura nessa nova linguagem.

É a partir de então -particularmente com o cubismo- que a busca do novo se acelera, talvez até em consequência do dinamismo da vida moderna. A própria sociedade -a economia, a produção industrial, as descobertas científicas- muda a cada dia. E assim, de certo modo, o novo, que era consequência natural da criatividade artística, tornou-se o objetivo do artista. Mais do que fazer arte, ele deseja agora fazer o novo, que passou a ser um valor em si mesmo.

Sucede que a busca do novo pode conduzir à desintegração da linguagem artística, o que ocorreu com as artes plásticas durante o século 20. Não tendo mais linguagem, os que tomaram esse rumo passaram a usar as coisas mesmas como meio de expressão, bastando, para isso, deslocá-las de sua situação usual e pô-las num museu ou numa galeria de arte.

Mas há artistas que, sem voltar ao tradicional, criam novas linguagens, como, por exemplo, Alexandre Dacosta, que se vale de múltiplas relações formais e vocabulares para nos instigar a imaginação e nos divertir.

Ele atua nos mais diversos campos da expressão visual, mas aqui vou me ater aos dois livros que editou recentemente e que se intitulam "Tecnopoética" e "Adjetos". São criações de gratificante originalidade, em que ele mescla objetos, cores, palavras, signos visuais, postos todos a serviço de um senso de humor que explora o nonsense.

Ao contrário de outros artistas que tentam se impor pelo gigantismo das obras, Alexandre inventa pequenos objetos, às vezes "máquinas inúteis", à la Picabia.

Exemplo: O "receptor descartável de impropérios", e outro, chamado "suruba", feito de tomadas elétricas encaixadas umas nas outras. Há um outro, que consiste num sapato com rodas de patins e uma hélice que o faria levantar voo.

Ele define seus objetos como "utensílios capazes de deslocar a percepção para uma invertida reflexão do cotidiano". Trata-se de uma das manifestações mais inteligentes e criativas dentre as que vi ultimamente nesse gênero de arte.

Anjos e o Vasco - ALDIR BLANC

O GLOBO - 06/01


Vivo de direito autoral: caos e roubalheira



Não tenho coragem para desejar um feliz 2013. As especulações de Guido Manteguinha (esse sobrenome me lembra Marlon Brando de bruços...) com o “câmbio real” me apavoram. Vivo de direito autoral: caos e roubalheira. Enquanto isso, Bananobama promete fechar o abismo fiscal dos EUA, taxando as grandes fortunas. Rarará! Bananobama não cumpriu nada do que prometeu na primeira campanha, nem vai cumprir agora.

Não tenho metas para 2013, mas sei o que vocês não devem fazer: zapear pelos canais por assinatura. Fiz isso quando meu labrador morreu e o resultado foi trágico. Você bota no Animal Planet, e não aparece aquele encantador de cães. Estão passando “Anjos da Noite — A Evolução”, uma série de 2.578 filmes, cujos títulos de maior sucesso são “Anjos da Noite no Supremo”, e o recente “Anjos da Noite — Retorno a São Januário”. A série só acaba com o suicídio do espectador. Já o canal History mostra uma gravação provando a existência do Inferno... Logo depois, beleza, entra o episódio 12.736 sobre os Alienígenas de Rockwell, apoiado em fatos científicos. Todos têm o mesmo final: um perito examina fotos, filmes, e declara que são falsos. O National Geographic está em... Rockwell! Enquanto isso, o Sci-Fi caça fantasmas. Não acham nem o Pluft. Transtornado, o trouxa bota no Max, em busca de um filme, e dá de cara com o erótico “A Vaca e o Vagabundo”, seguido de “Até tu, Vaca?”. Com a noite avançando, o desespero faz o coitado lembrar do MGM. Tá lá o erótico “Anjos da Noite transando com Vacas Fantasmas em Rockwell”. Quando o quase catatônico pagante (é, essa porcaria é bem paga) se estica para desligar, adivinhem quem vem para a orgia? Winter, o Golfinho legalmente loiro, com os Caçadores de Mitos, que tentarão provar: o cetáceo não é tão bom em sexo oral, apesar de ter, como diria aquele personagem do Jô, um bocão!

O sentimento e a segundona anunciada

O Vasco deu de novo com os burros n’água. O pântano são as dívidas não esclarecidas desde a ditadura euricoide. Os burros estão na diretoria e na comissão técnica. A canoa virou porque o clube está cheio de pavões que não sabem remar. O Vasco perdeu, por estupidez, um dos pulmões do time, Juninho Pernambucano. Talvez o presidente devesse acordar. Começou a carreira como Dinamite, e corre o risco de terminá-la como Estalinho — para não falar bicha de rodeio, o que vinha escrito nas antigas caixas de bombinhas. O outro pulmão, Felipe, está sendo arrancado do corpo cruzmaltino por Henê Limões, gnomo e falso mágico de uma chanchada tipo Harry Potter dos falidos. Henê não é Bienvenido Granda, o bigode que canta. Henê fala pelos cotovelos, talvez porque o moustache lhe tape a boca. Em recente carta aos vascaínos, insistiu na ética. Péssimo exemplo. Existe ética também no ato de escrever e, nisso, Henê é ruim de bola. A carta é uma pixotada, um frangaço. Contém coisas como “gerar blábláblá para não gerar”. Volta pra Hogwarts, cara, e procura a varinha perdida que o bigodão compensou.

Universos em colisão - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 06/01


Imagine que outras porções do espaço, vizinhas da nossa, também sejam universos, como ilhas


Talvez alguns dos leitores se lembrem do best-seller de Immanuel Velikovsky, "Mundos em Colisão", publicado em 1950. Nele, Velikovsky tenta demonstrar a veracidade de várias catástrofes registradas nos mitos de culturas antigas usando supostos eventos astrofísicos.

Velikovsky imaginou que Vênus foi ejetada de Júpiter como um cometa no século 15 a.C., tal como, na mitologia grega, Atena é ejetada da cabeça de Zeus. A passagem do "cometa Vênus" perto da Terra em diversas ocasiões teria gerado uma série de catástrofes.

As ideias de Velikovsky foram sumariamente refutadas pela comunidade astronômica. Mas seu catastrofismo continua a tradição de várias religiões, como mostro no livro "O Fim da Terra e do Céu".

Embora dramáticos, os eventos imaginados por Velikovsky não se comparam ao que a cosmologia moderna anda propondo. Não falo dos efeitos da aproximação de cometas, mas de colisões de universos inteiros, inclusive o nosso. Bem-vindos ao catastrofismo cósmico.

O Universo surgiu 13,7 bilhões de anos atrás e vem se expandindo desde então. Porém, observações atuais indicam que essa expansão não foi sempre regular. Logo no início, o Cosmo aparentemente passou por um período de expansão acelerada, chamado de inflação.

Segundo essa teoria, o Universo inteiro teria se originado de uma pequena porção de espaço que foi estirada como uma tira de borracha por um fator de cem trilhões de trilhões em uma fração de segundo.

Nosso Universo cabe nessa região inflada, como uma ilha no oceano. Imagine que outras porções de espaço, vizinhas da nossa, tenham também sido estiradas, mas de maneiras diferentes. Teríamos, então, uma espécie de oceano repleto de universos-ilhas, cada qual com a sua origem, tipos de matéria etc. -é o chamado Multiverso.

Como a física é uma ciência empírica, qualquer hipótese precisa ser testada. Isso é tanto verdade para uma bola que rola ladeira abaixo quanto para o Universo todo.

No caso da bola, basta descrever como a gravidade e a fricção do solo agem sobre ela; no caso da inflação, ela prevê que nosso Universo seja geometricamente plano e repleto de radiação com a mesma temperatura em todas as direções -ambas previsões confirmadas.

Se não podemos receber informação de fora do nosso Universo (ou além do "horizonte", a esfera que delimita o quanto a luz pôde viajar em 13,7 bilhões de anos de expansão), como provar a existência de outros universos?

Tal como bolhas de sabão, que vibram quando colidem sem se destruir, se outro universo colidiu com o nosso no passado distante, a radiação dentro do nosso Universo teria vibrado devido às perturbações criadas pela colisão.

Essas perturbações estariam registradas na radiação que permeia o Cosmos e podem, em princípio, ser observadas: seriam anéis concêntricos onde a radiação teria temperatura um pouco mais alta ou baixa. A notícia ruim é que a probabilidade de colisão com outro universo aumenta com o tempo: podemos desaparecer a qualquer instante!

A boa é que os anéis ainda não foram encontrados. Mas sua possível existência demonstra a diferença entre ciência e especulação.

Estelionato fiscal - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/01


Pode levar anos para consertar o que a bagunça da atual administração da política econômica do Brasil tem feito. Aos poucos, está sendo dilapidado o patrimônio de solidez fiscal do país. Com truques contábeis, jeitinhos, mudanças de regras, invenções, o ministro Guido Mantega está minando o que o Brasil levou duas décadas para construir: a base da estabilização.

De todos os erros do ministro, esse é o pior. Mantega está tirando a credibilidade dos números das contas públicas. Mesmo quem acompanha o assunto já não sabe mais o valor de cada número que é divulgado.

O governo autorizou o resgate antecipado de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano. Isso é 81% de um dos fundos do FSB. Além disso, o BNDES pagou R$ 2,3 bilhões e a Caixa R$ 4,7 bilhões, definindo esse dinheiro como dividendo antecipado para o Tesouro.

Está fabricando dinheiro. O Tesouro se endivida, manda o dinheiro para os bancos públicos, depois extrai deles recursos antecipados, alegando serem dividendos de balanços ainda nem fechados. Os recursos são registrados como arrecadação no fechamento das contas do ano. É estelionato fiscal.

Foram tantos truques em que dívida do Tesouro virou receita do governo para fingir o cumprimento de metas fiscais que hoje ninguém sabe dizer qual parte é confiável dos números que o governo divulga. Só com truques, diferimentos, transformismos e abracadabras, o Ministério da Fazenda conseguiu chegar à meta do ano.

A Caixa recebeu dinheiro público recentemente, e agora está antecipando dividendos ao Tesouro. A capitalização foi feita para fortalecer a instituição centenária da fragilidade financeira em que ficou após operações como a compra de 49% de um banco falido, no qual teve depois que despejar mais dinheiro.

As transferências para o BNDES aproximam-se de R$ 300 bi. Nascem como dívida, viram empréstimo subsidiado, e depois dividendo antecipado para o Tesouro. Com manobras circulares assim que se montou o mais nefasto e inflacionário dos mecanismos do passado, a conta movimento.

O Fundo Soberano era para ser um fundo de longo prazo onde fosse feito um esforço extra de poupança para momentos de crise. Em 2012 o país não cresceu, mas não foi ano exatamente de crise.

A mudança da Lei de Responsabilidade Fiscal é um atentado à viga mestra do edifício que os brasileiros construíram para ter uma moeda estável. Se a Fazenda considera que o custo da dívida dos entes federados ficou incompatível com a atual taxa de juros no Brasil, precisa abrir um debate amplo, sério e transparente para se encontrar a saída sem fazer rachaduras na sustentação da estabilidade.

Na época da renegociação, foram oferecidas duas taxas de juros aos devedores: quem fizesse um ajuste prévio pagaria 6%, quem não quisesse fazer pagaria 9%. A prefeitura de São Paulo escolheu não se ajustar e pagar mais. Agora, o governo está oferecendo a todos os juros de 4%.

A conta dos desatinos fiscais da atual equipe econômica chegará, mas quando os autores das artimanhas contábeis não estiverem mais lá para responder. Como sempre, a conta cairá sobre a população. O governo militar inventou artefatos de fabricação de dinheiro que produziram inflação. A democracia consumiu uma década para desarmar essas bombas. Os riscos a que o governo tem exposto o país são enormes.

Era preferível o governo ter simplesmente admitido que em 2012 arrecadou menos do que previa e, por isso, não pôde cumprir a meta. Ao mesmo tempo, se comprometeria a fazer esforço extra em ano de maior crescimento.

Nossas tragédias cotidianas - GAUDÊNCIO TORQUATO


O ESTADÃO - 06/01


Por nossas plagas, tragédias acontecem todos os dias. Algumas com data marcada, como as avalanches que assolam, em inícios do ano, o Estado do Rio de Janeiro, deixando à mostra a omissão dos governantes. Quando se imagina, porém, que o arsenal de mazelas se encontra locupletado, surgem modalidades exóticas que parecem disparates a testar nossa capacidade de distinguir entre o crível e o incrível, ficção e realidade.

O neurocirurgião que faltou ao trabalho na noite de Natal, no Hospital Municipal Salgado Filho, na capital do mesmo Estado do Rio, deixando de prestar socorro a uma menina de 10 anos ali internada com uma bala na cabeça, teve o desplante de dizer que faltava aos plantões havia um mês por discordar do critério do estabelecimento: apenas ele era escalado, quando o Conselho Regional de Medicina (CRM) exigia que fossem dois os plantonistas da noite. Domingo passado, a garota Adrielly dos Santos Vieira, que esperou oito horas para ser atendida, teve morte cerebral. Era um desfecho bastante previsível, como se pode aduzir de situações em que a torrente de violência urbana esbarra no hábito do caradurismo, particularmente cultivado nos corredores da administração pública. A recusa do servidor a cumprir o dever de dar plantão desvenda o véu de vícios que corroem a qualidade dos serviços essenciais, particularmente em duas frentes sensíveis para a população: a saúde e a educação.

Teria o médico feito raciocínio sobre as consequências nefastas de fugir à missão à qual se obrigava como funcionário público? Não teria passado por sua mente a ideia de que, numa cidade não tão pacificada, uma decisão com foco em interesse exclusivamente pessoal lesaria os interesses coletivos? Será que com o gesto de contrariedade tencionava fazer ver ao hospital a necessidade de mudar os critérios de escalação de plantonistas? Não lhe ocorreu a hipótese de cumprir o dever, sem abdicar do direito de fazer chegar ao CRM a indignação com os métodos adotados pelo hospital? Por que a rebeldia não redundou em pedido de demissão do emprego?

Seja qual for a explicação, não escapa à análise a observação de que o socorro tempestivo à menina atingida por uma bala perdida poderia tê-la salvo. Não seriam necessários dois plantonistas, bastaria um para retirar o projétil. Mas o bom senso, nessas horas, é sempre esquecido. Pois a matéria-prima usada na administração pública, por mais que se usem tecnologia de ponta e quadros qualificados, é embalada por uma cultura de omissão e inércia, na qual se originam vícios como burla, desvios, incúria, desleixo, irresponsabilidade.

Na área médica, os aparatos tecnológicos nem sempre geram resultados correspondentes ao seu porte. Estabelecimentos chegam a possuir equipamentos sofisticados. O que falta é médico. Pesquisa do Ipea aponta a falta de médicos como o maior problema do Sistema Único de Saúde, seguido da demora no atendimento. Tanto que a Câmara dos Deputados quer incluir o médico veterinário no SUS para compor o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Piada? Não, é verdade. O subfinanciamento público da saúde é responsável direto pela deterioração dos serviços. No Brasil, o investimento público é de 44%, enquanto no Reino Unido é de 84% e na Argentina, 66%.

Como é fácil constatar, as mazelas da vida pública bebem em diversas fontes, dentre as quais sobressaem os feudos administrativos fundados sob o império da política, onde os abonados caciques e senhores de tais domínios tomam o lugar de perfis qualificados. A convicção de que a propriedade pública lhes pertence confere aos donatários dessas capitanias o poder de mandar e desmandar, nomear e expulsar e, por consequência, a imposição de um modelo personalista de gestão, sob o qual se propagam os "pedágios" para entrar, ganhar concorrências ou acelerar a burocracia que cerca processos. Mesmo estruturas modernas que agregam sistemas sofisticados de cobrança e controle de metas padecem da "cultura da arrumação".

Faz parte do "jeitinho brasileiro de ser" a falta ao trabalho. O absenteísmo espraia-se pelas mais variadas frentes da administração pública. Parcela ponderável dos faltosos usa o expediente do atestado médico fajuto. Na área educacional, essa situação chega a prejudicar (com aulas vagas) cerca de 15% do ano letivo das escolas públicas. A "cultura da embromação" (faz-se aqui um adendo em reconhecimento aos afastamentos por motivos supervenientes) compromete a aprendizagem de alunos e causa danos ao calendário escolar, eis que deflagra soluções capengas como ajuntamento de turmas, dispensa de grupos, extensão dos cursos, sobrecarga de professores, etc.

Essa é a moeda podre do custo Brasil nas malhas da administração, na qual práticas e maus costumes culminam na prestação de serviços deficitários ou de má qualidade, com efeitos perversos sobre a coletividade. Essa tem sido a batalha do presidente da Câmara de Gestão e Competitividade do governo federal, empresário Jorge Gerdau, o maior defensor da eficiência e qualidade da administração, que luta por um Brasil mais competitivo.

Por último, um olhar para outro aleijo no corpo produtivo, a burocracia. A imagem mais próxima que se tem é a do cartório. Há 17 mil cartórios, que processam cerca de 15 milhões de certidões diárias. O comércio do carimbo é dos mais fortes no País. O custo global da burocracia é estimado em cerca de R$ 100 bilhões por ano. Acelerar um processo na administração pública, só mesmo com jeitinho. Ou seja, dando pernas aos papéis.

A historinha é reveladora. O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve: "Ah, meu senhor, tem muitos outros na frente do seu. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas". Agastado, o interlocutor reage: "E quanto o senhor quer para pôr dois pés nesse papel?". Responde o esperto: "Depende, o senhor quer pernas de tartaruga ou de lebre?". A nota tirada da carteira era para uma corrida de lebre. Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho.