sexta-feira, novembro 29, 2013

Batata quente - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 29/11

SÃO PAULO - É uma bela batata quente. O Supremo terá de decidir se as fórmulas usadas para calcular a correção da caderneta de poupança em planos econômicos das décadas de 80 e 90 são constitucionais.

Se disser que não são e mandar os bancos devolverem a diferença, beneficiará milhares de investidores que podem de fato ter sido prejudicados. A dificuldade é que a operação tem um custo. O BC estima que a brincadeira teria um impacto de R$ 150 bilhões nos balanços de instituições financeiras públicas e privadas e implicaria uma retração de R$ 1 trilhão no mercado de crédito. O Idec, entretanto, contesta os cálculos do BC e apresenta uma conta bem mais modesta, de R$ 8,4 bilhões.

Não sei quem tem razão e considero até temerário o STF apreciar a matéria sem que haja clareza quanto ao tamanho da encrenca. A diferença entre as duas contas é daquelas que modifica a natureza do problema.

Para intérpretes do direito mais afeitos às ideias kantianas, só o que importa é fazer justiça. Se o poupador tem razão em seu pleito, deve ser atendido, não importando os resultados. "Fiat iustitia, pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), escreveu o filósofo alemão.

Receio, entretanto, que não possamos abraçar tão alegremente os postulados kantianos. Sistemas judiciários, principalmente quando tratam de temas de repercussão geral, precisam de pitadas de consequencialismo. Se é verdade que o reconhecimento de perdas na poupança teria um grande impacto negativo para a economia, o STF não pode se dar ao luxo de ignorar esse aspecto (o que não implica que juízes devam julgar olhando só para os resultados).

A pergunta, no fundo, é o que caracteriza uma nação: o passado comum, como queriam os românticos, ou a vontade de construir um futuro, como advogava o filósofo francês Ernest Renan? Creio que as sociedades que apostam na segunda fórmula tendem a ser mais dinâmicas.

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