sexta-feira, novembro 01, 2013

Avacalhadores da política - RHODRIGO DEDA

GAZETA DO POVO - PR - 01/11

A frase da semana é a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Na história desse país, se a juventude lesse a biografia de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitschek e outras biografias, provavelmente não iria desprezar a política, e muito menos a imprensa ia avacalhar a política como avacalha hoje”. A primeira parte da frase até pode ser verdade – há políticos cuja reputação transcende o tempo em que viveram e que inspiram as pessoas a trilhar os caminhos da vida pública. A segunda parte, porém, é apenas mais uma das críticas genéricas e corrosivas que o ex-presidente faz à imprensa.

A gestão do ex-presidente Lula trouxe inegáveis avanços na área social e esse fato está registrado na história recente do Brasil. Mas a negação do papel da imprensa tem feito muito mal à democracia do país.

Sempre que pode, Lula coloca a si mesmo, seus companheiros e seu partido – o PT – como vítimas de uma conspiração midiática. O comportamento lembra o do senador Roberto Requião (PMDB), que, quando governou o Paraná, frequentemente atacava a imprensa e se dizia perseguido pela mídia. Comportamentos dessa natureza nada mais são que estratégia argumentativa – “a imprensa não gosta de mim, portanto, o que ela publica é mentira”. E assim, a vitimização livra-os de explicar quaisquer fatos embaraçosos ou erros cometidos. Esse modelo de discurso pode até fazer a cabeça dos militantes apaixonados, mas é facilmente desconstruído, especialmente quando alguém se dá o trabalho de acompanhar o que a mídia divulga cotidianamente.

A imprensa desempenha diversos papéis. Promove o debate público. Fiscalização as instituições. Ela exerce uma função essencial à democracia. Isso não quer dizer que ela esteja isenta de erros, porém, não é possível atribuir à imprensa a responsabilidade pela negação da política e pelo surgimento de grupos radicais.

Até mesmo um exame superficial dos fatos mostra que não é a imprensa que “avacalha a política”. Quem tem “avacalhado” a política nos últimos 25 anos são os grandes e os pequenos mandarins dos partidos brasileiros. Não foi a mídia que livrou o deputado Natan Donadon da cassação na Câmara. A mídia não inventou acusações contra a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo Rosemary Noronha, investigada por venda de pareceres e tráfico de influência no governo federal. A mídia tampouco é responsável pelas diversas denúncias de aparelhamento de ministérios por aliados do governo Dilma, o que levou à queda de alguns ministros.

Os protagonistas dessas histórias são políticos ou pessoas que possuem alguma forma de relacionamento com figurões da política brasileira. Uma mentira dita mil vezes jamais vai se tornar verdade.

O ex-presidente Lula tem razão, entretanto, quando diz que “não há nenhum momento da história em nenhum lugar do mundo que a negação da política tenha trazido algo melhor que a política”. Preferir se distanciar do mundo da vida pública não irá melhorar a política. Pelo contrário. Ao fazer isso está aberto o caminho para que as instituições continuem a ter sua imagem deteriorada. Emprestando o vocabulário usado por Lula, dá até para dizer que o cidadão que deixa de participar da política também está ajudando a “avacalhá-la”, ainda que por omissão.

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