terça-feira, outubro 29, 2013

É cedo para sepultar a era K - CLOVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 29/10

Mesmo na crise, Cristina mantém um terço do eleitorado, contra uma oposição fragmentada



O governo de Cristina Kirchner perdeu as eleições legislativas de domingo, mas é prematuro dar por sepultada a era dos K, iniciada com a Presidência de Néstor Kirchner (2003/2007).

Prematuro porque a maioria relativa dos votos (cerca de 32%) ainda foi para o kirchnerismo e seus aliados, que preservam, com isso, a sua maioria no Congresso. Até aumentou a bancada da FpV (Frente para a Vitória, o conglomerado governista), que passou de 111 para 116 deputados, aos quais se somam 17 de partidos aliados (eram 21).

A oposição faz uma conta diferente: diz que quase sete de cada dez argentinos votaram contra o governo. É fato. Mas é igualmente fato que esses quase 70% que foram para a oposição dividiram-se em pelo menos cinco correntes, da direita representada pelo prefeito de Buenos Aires Mauricio Macri a uma ultraesquerda que conseguiu três lugares na Câmara.

É razoável somar os votos desses grupos quando seus líderes apressaram-se, mal divulgados os resultados da eleição, a lançar-se, cada um deles, como candidatos presidenciais em 2015?

"A vitória nos obriga a cruzar a fronteira [da província de Buenos Aires] e percorrer a Argentina", disse Sergio Massa, prefeito do pequeno município de Tigre, kirchnerista dissidente. "Temos uma proposta para a nação", cantou de seu lado o socialista Hermes Binner.

"O radicalismo abre suas portas para construir um espaço tanto na província como na nação", proclamou Julio Cobos, que fora vice de Cristina, até romper com ela, e é o mais destacado líder da centenária União Cívica Radical, partido centrista descafeinado, porque dois dos presidentes que elegeu (Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa) tiveram que renunciar por pressão popular.

"Vou ser o presidente da mudança em 2015", vaticinou Macri.

Com tantos pré-candidatos, mesmo os magros 32% obtidos agora pelo kirchnerismo bastariam para assegurar a passagem para o segundo turno em 2015, se o governismo lograr pelo menos mantê-los.

Difícil discordar de Horacio Verbitsky, um dos grandes nomes do jornalismo argentino, mesmo que se dê um desconto para seu apoio incondicional ao kirchnerismo, quando ele escreve que a "oposição [está] fragmentada em alternativas de alcance provincial que até agora não logrou projetar-se além de seus respectivos bastiões nem alcançar acordos entre elas para compor uma aliança com capacidade eleitoral e viabilidade governativa".

A esse cenário mais ou menos claro, ainda que provisório, é fundamental acrescentar uma incógnita: Cristina Kirchner poderá voltar a governar? Se sim, estará na plenitude de suas condições físicas? Se sim, entronizará Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires, como candidato do kirchnerismo, apesar de ter sido um dos grandes derrotados, talvez o maior, na eleição de domingo?

Ou procurará um outro nome capaz de tentar prorrogar a era K, que, com todos os problemas conjunturais ou estruturais, deixou a Argentina melhor do que estava quando Néstor assumiu em 2003?

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