quarta-feira, setembro 25, 2013

O que trava as concessões de infraestrutura? - ARMANDO CASTELAR

CORREIO BRAZILIENSE - 25/09
Meu pai gostava de um ditado que, segundo ele, dizia muito do Brasil: "Aos amigos, tudo; aos indiferentes, a lei; aos inimigos, a lei e seus regulamentos". Em um país com um emaranhado sem-fim de leis, nunca é bom brigar com a burocracia.
O risco de litígio com o governo é um dos entraves a se investir em infraestrutura. No Brasil, esse risco é alto. Nos últimos anos, ficou maior.

Quatro características tornam a infraestrutura mais sensível a esse risco. Primeiro, ela exige altos investimentos em ativos específicos, isto é, ativos cujo valor, quando usado em outra atividade, é relativamente baixo. Pense-se numa estrada: se ela não puder ser usada por veículos que desejam por ela trafegar, ela não vale nada.

Segundo, na infraestrutura investe-se primeiro para obter receitas depois, ao longo de décadas. Terceiro, nos setores de infraestrutura há pouca concorrência, de forma que é preciso um regulador público para evitar a exploração dos consumidores. Quarto, como muita gente consome serviços de infraestrutura, o setor é politicamente sensível.

Dadas essas características, há grande tentação para que o governo prometa mundos e fundos para o setor privado investir, mas também para que, feito o investimento, o governo renegue suas promessas. Sabedores disso, os investidores resistem às promessas e ficam longe desses setores.

A solução tradicional para o problema foi o setor público investir diretamente. Nos últimos anos, porém, viu-se que era melhor o setor privado cuidar dos investimentos e da operação, enquanto se limitava a capacidade do governo de renegar suas promessas.

Esse modelo foi implantado no governo FHC. O resultado foi bom, especialmente quando se considera que o modelo era novidade. Telecomunicações e ferrovias experimentaram um salto nos investimentos e na capacidade de atender a demanda. Em ferrovias e rodovias, melhoraram as vias e o número de acidentes caiu. Infelizmente, quando o investimento privado aumentou, o público caiu, em meio ao ajuste fiscal iniciado em 1998. Na média de 2001-2002, investimos apenas 2,6% do PIB em infraestrutura.

O governo Lula reverteu em parte esse modelo, reduzindo a independência das agências e interferindo nos setores. Inicialmente, tentou substituir o modelo anterior por parceiras público-privadas (PPPs), criadas pela Lei nº 11.079, de 2004. Mas não foi capaz de colocar esse modelo em prática: até hoje o governo federal não realizou nenhuma PPP.

Abandonadas as PPPs, voltou-se ao modelo antigo, de investir diretamente via setor público. O PAC é a expressão maior desse esforço. Alguns investimentos aconteceram, mas os resultados agregados foram insuficientes. Em ferrovias, o investimento público foi uma fração do privado. Em rodovias, as estradas sob gestão pública continuam bem piores que as privadas.

O fracasso em alavancar a infraestrutura via investimento público fez o governo voltar a tentar atrair o investidor privado. Ainda no governo Lula, várias estradas foram privatizadas. Mas com foco demais na modicidade tarifária: os pedágios foram baixos, mas os investimentos também. Em algumas dessas estradas, o número de acidentes aumentou e os pedágios depois subiram à frente da inflação.

Passados 10 anos, o atual governo ainda não encontrou um equilíbrio que permita deslanchar o investimento em infraestrutura. O fracasso com a privatização da BR-262 deixou isso claro. Em especial, o atual modelo de concessão e a prática regulatória carregam elevado risco político-regulatório.

É preciso mudar isso, ou ficaremos à base de sucessos pontuais, enquanto o investimento em infraestrutura continua baixo. É preciso adotar uma estratégia em três frentes. Em projetos com interesse comercial, deve-se seguir com a privatização, como planeja o governo. Quando não for possível viabilizar o projeto apenas com as tarifas, devem-se usar as PPPs. Um modelo interessante é fazer um leilão e dar a concessão para quem pedir menos subsídio público. Isso é mais transparente e eficiente, e embute menos risco, do que subsidiar via juros baixos do BNDES ou compras da Valec. E, para projetos sem cobrança de tarifas, recorrer ao investimento público.

Mas também se precisa de melhorias de gestão e fortalecimento do aparato regulatório. É irrealista achar que teremos grandes investimentos em infraestrutura sem a devida proteção à rentabilidade dos projetos, mesmo quando as concessionárias não gozarem da amizade da burocracia do momento.

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