quarta-feira, setembro 18, 2013

O futuro da política monetária - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 18/09

As atenções estarão voltadas nesta quarta-feira para o Federal Reserve Bank (Fed), o banco central dos Estados Unidos, que pode iniciar, enfim, a desmontagem dos instrumentos não convencionais de política monetária, adotados nos últimos anos para enfrentar a mais grave crise financeira desde a Grande Depressão. Concluído esse processo, que ainda deve consumir alguns anos, a questão é saber como atuarão os bancos centrais daqui em diante.

Desde a eclosão do que já foi batizado como a Grande Recessão, são debatidas as possíveis falhas do regime de metas que teriam levado à crise de 2008. Um dos consensos é o de que, sob esse regime, os BCs se preocuparam apenas com a estabilidade de preços. Não teriam dado importância a eventos do mercado financeiro - particularmente à inflação de preços de ativos, fato que está na raiz da recente crise.

Estudioso do tema, o economista José Júlio Senna lembra que, antes de 2008, havia a concordância de que os bancos centrais deveriam pilotar a política monetária de olho na economia e não nos mercados de ativos. Em estudo de 2002, Ben Bernanke, presidente do Fed, argumentou que, para assegurar a estabilidade financeira, o BC deveria usar seus poderes de regulador, supervisor e emprestador de última instância.

Por esse raciocínio, a política monetária não deveria ser usada para furar ou impedir a formação de bolhas, como a do setor imobiliário, epicentro da crise tanto nos EUA quanto na Europa. Os americanos têm na memória a Grande Depressão de 1929, quando, para desfazer a bolha do mercado acionário, o Fed elevou os juros e jogou a economia numa crise sem precedentes.

Em 2007, um ano depois de deixar o comando do Fed, Alan Greenspan também concluiu que o BC deveria ater-se ao objetivo de estabilizar os preços de bens e serviços, procurando ao mesmo tempo adquirir força e flexibilidade necessárias para limitar o estrago de um crash . Na hipótese de turbulência, o BC agiria de forma agressiva, reduzindo juros e inundando o mercado de liquidez.

Senna está entre os que rejeitam a tese da causa única para explicar a crise de 2008. Juros muito baixos certamente constituíram uma causa fundamental da crise. Tal política estimulou a demanda por crédito e levou intermediários financeiros e administradores de recursos a correr mais risco, em busca de retornos mais expressivos , diz ele. Mas a política monetária pode ter contribuído para a crise de outra maneira, independentemente da questão relacionada com o nível de taxas de juro. O que tenho em mente é o problema da volatilidade de instrumento.

O economista, que chefia o Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e trata do tema no Monitor de Política Monetária a ser divulgado hoje, lembra que crises tendem a ocorrer na esteira de períodos dominados por otimismo excessivo. A Grande Moderação, período em que prevaleceu o regime de metas para inflação, derrubou o custo de vida a níveis historicamente baixos e diminuiu a volatilidade do produto e do emprego. As recessões se tornaram fenômenos mais suaves e menos frequentes. Ao se mostrar sempre disposto a reduzir juros ao primeiro sinal de arrefecimento da economia, o Fed teria concorrido para dar uma falsa sensação de segurança, levando muitos a acreditar que os ciclos econômicos teriam sido domados .
Senna considera simplista, entretanto, atribuir a crise a uma aparente má gestão da política monetária. Outros fatores concorreram para a turbulência. Um deles foi a política do governo americano de aumentar, a qualquer custo, o acesso da população, principalmente de baixa renda, à casa própria. Outro foi a criação do euro, que permitiu que economias periféricas do bloco europeu se beneficiassem de juros baixos e da eliminação do risco cambial, estimulando o consumo de governos, empresas e consumidores.

O que fazer daqui em diante para evitar a ocorrência de crises como a de 2008? Na opinião de Senna, o regime de metas não perdeu validade. A ideia de os BCs se comprometerem em manter a inflação baixa e estável, em torno de um objetivo numérico explícito, ao mesmo tempo em que preservam certa flexibilidade para considerar o comportamento da economia real no curto prazo - uma característica inerente a esse regime -, permanece adequada. A experiência tem demonstrado que as taxas de inflação flutuam, mas, havendo credibilidade, os agentes econômicos esperam que elas retornem à meta. À medida que as expectativas de inflação estejam bem ancoradas, choques como os associados a depreciação cambial e alta de preços de energia e commodities tendem a apresentar efeitos menos permanentes sobre a inflação , sustenta Senna.

Foi o que ocorreu no Brasil, por exemplo, em 2008. O câmbio saiu de R$ 1,50 e foi a R$ 2,62 no auge da crise, mas depois voltou.

Durante conferência em 2011, Bernanke afirmou que, antes de 2008, a política de estabilização financeira era vista como o parceiro júnior da política monetária. A crise deixou claro que ambas têm a mesma importância. De certo modo, o problema se resume a encontrar meios de evitar alavancagem e risco excessivos, bem como formação de bolhas de preços de ativos , observa Senna.

É nesse contexto que as medidas macroprudenciais assumiram relevância no instrumental usado para prevenir crises. Os BCs se adaptando à nova realidade. Nos EUA, o Fed ganhou obrigações na área de estabilidade financeira. O mesmo ocorreu no Banco da Inglaterra e no Banco Central Europeu. Todos criaram instâncias de avaliação de risco sistêmico, com status idêntico ao dos comitês de política monetária.

Há dúvidas quanto à eficácia dos novos instrumentos. Embora medidas de cunho macroprudencial já façam parte do arsenal de instrumentos de vários BCs, e possivelmente ganharão importância no futuro próximo, ainda não sabemos se elas conseguirão se tornar meios efetivos de lidar com desequilíbrios financeiros , pondera Senna, lembrando que estudiosos como Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, afirmam que ninguém sabe como essas medidas interagem com outras políticas. Para ele e outros especialistas, estamos muito longe de saber como usá-las de maneira confiável .

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