quarta-feira, setembro 18, 2013

Dia decisivo para a economia argentina - DANIEL ALTMAN

O GLOBO - 18/09

Os governos nem sempre sobrevivem até as eleições, especialmente quando a economia passapor dificuldades



A maratona está no fim e a única questão é se o corredor aguentará até a linha de chegada ou entrará em colapso alguns quilômetros antes dela. Com dois anos mais de governo, Cristina Kirchner levou a economia argentina à beira de uma crise monetária. O peso sobreviverá até a chegada de um novo presidente?

Há algum tempo, eu descrevi o agravamento dos problemas da política econômica argentina. O governo Cristina tem gastado dinheiro em abundância como efeito colateral de uma inflação acima de 20% ao ano, que ela tem repetidamente negado, de forma quase cômica. Como a demonstrar que a inflação não poderia ser tão elevada, o Banco Central tem defendido o peso a uma taxa artificialmente valorizada frente ao dólar. Esta política exaure as reservas ao vender dólares para sustentar o peso. Enquanto isso, o governo limitou estritamente a capacidade de os argentinos comprarem dólares a uma taxa favorável e os enviarem para fora do país.

Inevitavelmente, surgiu um mercado negro de dólares na Argentina. A taxa oficial é de cerca de 5,7 pesos por dólar; já a cotação no negro, suficientemente aberto a ponto de ser veiculado na imprensa, está a 9,2 pesos. A diferença é enorme, sugerindo que o fim das intervenções do Banco Central levaria a uma desvalorização maciça.

Nos últimos anos, o Banco Central tem se valido dos superávits comerciais para elevar suas reservas. Mas os superávits, que chegaram a 2,5% do PIB em 2009, desapareceram. Na verdade, o FMI prevê que a Argentina começará a ter déficits comerciais de 2013 a 2018.

Os déficits continuarão a consumir as reservas, assim como o pagamento de juros sobre as dívidas argentinas ainda não liquidadas, para o qual o governo tem ultimamente se valido do Banco Central. Investimento externo na Argentina ajudaria a trazer mais divisas, mas o país tem ficado atrás de vizinhos como Chile e Uruguai na atração de dinheiro do exterior.

No atual estado de coisas, a rede de segurança do peso está se esgarçando rapidamente, o que se torna óbvio pela comparação das reservas do Banco Central com o tamanho da base monetária. Em 2009, as reservas valiam quase duas vezes mais que a base à taxa oficial de câmbio. Desde então, a relação tem caído consistentemente, e este mês é de 0,65.

Talvez ironicamente, este valor está pouco abaixo do nível de 0,67 que era exigido do Banco Central antes da desastrosa crise que começou em 2001. De fato, a relação nunca baixou dos 0,82 naquele ano, mas ainda assim uma enorme desvalorização ocorreu quando o governo finalmente desistiu de manter a paridade entre o peso e o dólar. O peso caiu 25% em duas semanas e mais de 70% em seis meses.

Claramente, a atual taxa de câmbio também é insustentável a longo prazo. Mas aguentará até 2015?

Se o Banco Central consegui-lo, a Argentina poderá conseguir uma rara suave aterrissagem. Todos os possíveis candidatos a presidente — Mauricio Macri, Sergio Massa, Daniel Scioli e Elisa Carrió (ou um de seus aliados) — condenaram a inflação excessiva que destrói o valor do peso. Em graus variáveis, todos estão comprometidos em converter a economia, de laboratório de um cientista louco, numa parte mais transparente e integrada do sistema financeiro internacional.

Como resultado, uma eleição bem-sucedida deverá contribuir para uma enchente de capital estrangeiro que revigorará a economia, contribuindo para elevar as reservas do Banco Central e o peso. O gasto do governo deverá cair; a emissão de moeda, desacelerar; e a inflação, ceder. Preço de ações e valores de ativos deverão subir. Apenas uma gradual desvalorização do peso seria necessária, talvez nem isso.

Mas governos argentinos nem sempre sobrevivem até as eleições, especialmente quando a economia está em dificuldades. Se a distância entre o câmbio oficial e o negro continuar a crescer nos próximos meses, aumentará a fuga de capitais que o governo tenta obstinadamente restringir. A perda de liquidez poderia levar a uma corrida aos bancos e ao caos nas ruas.

Um gatilho poderá ser acionado muito antes, contudo. No dia 30, a Corte Suprema dos EUA decidirá se vai considerar o recurso da Argentina na ação interposta por detentores de títulos da dívida que ainda têm contas da última crise a acertar com o país. Segundo um sumário submetido à Corte pelos advogados da Argentina, uma decisão contrária poderá custar ao país mais US$ 15 bilhões em reservas, o que ameaçaria provocardefault e uma desvalorização quase imediatos.

Nessa situação, não só a aterrissagem suave, mas também a transição para um regime economicamente são, estariam ameaçadas. Na transição que se seguiu à última crise, o país chegou a ter cinco presidentes em duas semanas. Agora, a situação está madura para mãos menos escrupulosas tomarem o controle do navio do Estado. Com um mau resultado político, a promessa de um melhor clima de negócios poderá desaparecer, assim como qualquer chance de um influxo de capital externo.

Há informações que Cristina Kirchner sonha com uma reforma constitucional que lhe assegure um terceiro mandato, tal como Carlos Menem fez em 1999. Na verdade, ela terá sorte se terminar o segundo. Ainda assim, se moderar agora sua condenada política econômica, ainda terá condições de proteger o futuro econômico de seus compatriotas e seu próprio legado.

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