sábado, setembro 21, 2013

Estamos cegos - CRISTOVAM BUARQUE

O GLOBO - 21/09

Endividados, ‘desbussolados’, sitiados e indiferentes, não vemos o tamanho,nem as causas, nem a força da indignação



Os políticos brasileiros estão endividados com os eleitores, sem bússola para o futuro, sitiados pela população e indiferentes diante da indignação.

Endividados pelo passivo acumulado por décadas de descaso com os interesses do povo, por ações, omissões ou incompetência. Depois de mais de cem anos de república, construímos um país rico na renda nacional, mas pobre na renda per capita e injusto na sua distribuição; dividido entre privilegiados e excluídos; ineficiente em seus serviços públicos, como saúde e transporte; atrasado na educação de suas crianças; um país violento, onde 100 mil compatriotas morrem por ano na violência das ruas, assaltos ou acidentes de trânsito. E, não menos grave, uma imensa dívida financeira e moral pelo desvio de bilhões de reais drenados pela corrupção. A dívida vem da insensibilidade social e ética que leva à corrupção nas prioridades da política e no comportamento dos políticos.

A população percebeu esta dívida, indignou-se e está nas ruas cobrando o passivo de décadas, sobretudo dos governos mais recentes, que prometeram pagar a dívida dos anteriores. Esta indignação mantém os políticos sitiados, metafórica e literalmente, pela desconfiança, pelo desprezo, pela ocupação de prédios e ruas. Isto não teria sido possível sem a autonomia das pessoas e movimentos sociais que não precisam mais de líder, partido, sindicato, jornal, rádio ou televisão. Com a democratização propiciada pela internet, a população, especialmente os jovens, é capaz de fazer uma guerrilha cibernética que ocupa pontos estratégicos e inviabiliza o bom funcionamento da sociedade. A dívida e a indignação, por meio da internet, sitiaram os políticos.

Isso seria menos grave se diante deste quadro os políticos tivessem um rumo a apontar, em direção ao futuro distante e ao atendimento das reivindicações imediatas.

Mas além de endividados e sitiados estão perplexos, desarvorados, sem bússola, “desbussolados”. Percebe-se que o rumo do crescimento econômico não é sustentável ecologicamente, não satisfaz ao bem-estar da população, nem engana mais a consciência da opinião pública; as propostas utópicas de direita ou de esquerda faliram; a democracia passa imagem de corrupção; as demandas cresceram e os recursos fiscais ficaram insuficientes.

Este quadro assustador ainda poderia merecer algum otimismo, se apesar de endividados, sitiados e “desbussolados”, os líderes não estivessem indiferentes. Mas a sensação é de que há uma total insensibilidade dos que fazem a política, em relação à dimensão do que acontece nas ruas. Cada manifestação é vista como única, de grupos restritos em ações isoladas; não se percebe que há uma dinâmica e uma lógica, com base em profunda raiva e instrumentos mobilizadores de extrema eficiência.

Talvez o maior problema é que, além de endividados, “desbussolados”, sitiados e indiferentes, não vemos o tamanho, nem as causas, nem a força da indignação. Estamos cegos.

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