sábado, junho 22, 2013

Pânico em SP - ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

FOLHA DE SP - 22/06

Surgidos em uma butique de Londres, punks ainda vivem e vão para confronto até nas ruas do Brasil


King's Road, 430, Londres. Nesse endereço, havia uma butique. E nesse endereço nasceu o punk.

A butique se chamava Sex. Seus donos eram o dândi Malcolm McLaren e a estilista Vivienne Westwood.

A Sex, dizia McLaren, tinha como objetivo "não vender absolutamente nada". Servia como ponto de encontro de desocupados e párias em geral.

Filhinho de papai criado pela avó --senhora judia muito chique, mas impiedosamente ausente--, McLaren (1946-2010) tinha sonhos de grandeza. Fez escola de arte. Suas raízes estavam no surrealismo, nos dadaístas e, principalmente, nos situacionistas de Guy Debord (1931-1994). Via a existência humana como um grande acontecimento radical, uma sucessão de situações extremas, vida e arte indistinguíveis.

No início, eram os Ramones e os New York Dolls. Canções rápidas e cruas, antítese do rock grandioso e autoindulgente que se praticava na época. Os Ramones e os Dolls eram de Nova York, não de Londres. Numa viagem aos EUA, McLaren os viu tocar e enxergou o futuro. Só faltava formatar aquela cena, que não tinha nem nome.

De volta à capital inglesa, McLaren se sentia corroído pelo tédio. Queria passar a Sex para frente, não conseguia. Queria formar uma banda, mas não saía do lugar.

Em uma carta para uma amiga, transcrita no livro "England's Dreaming", do jornalista Jon Savage, contou: "Escrevi letras para duas canções, uma delas chamada Too Fast to Live Too Young to Die'. Imagino um cantor parecido com Hitler, aqueles gestos, aquele formato dos braços, e falando sobre a própria mãe em frases incestuosas".

Em um certo momento, McLaren foi abordado por um dos inúmeros vagabundos que passavam o dia na Sex. Era o delinquente juvenil Steve Jones, autor de pequenos e grandes furtos, muito bom na guitarra.

As memórias obsessivas de McLaren a respeito do novo rock visto em Nova York, mais a ambição de Jones por arrumar um otário que bancasse sua banda: foi essa a fagulha do punk como hoje o conhecemos.

Juntaram-se à dupla o baterista Paul Cook, melhor amigo de Jones, e, no baixo, Glen Matlock (que depois seria substituído por Sid Vicious, um analfabeto musical por quem McLaren era obcecado).

Depois de muito procurarem um vocalista, escolheram outro vadio da trupe frequentadora da Sex, o mais intratável e arrogante de todos: John Lydon, futuro Johnny Rotten.

Por mais que a iniciativa de formar o grupo tenha sido de Steve Jones, os Sex Pistols eram um experimento de McLaren. Vinham da mente de McLaren e sua sócia/parceira Westwood a atitude agressiva, o visual de roupas rasgadas e alfinetes pendurados, as camisetas com mensagens e desenhos ofensivos (inclusive suásticas, pura provocação). A polícia chegou a invadir a Sex para apreender roupas com estampas homoeróticas.

Era 1976. Os Sex Pistols --e a mística deles-- consolidavam, aos empurrões, seu lugar no "zeitgeist".

Corte rápido para São Paulo, junho de 2013.

À beira de rios fétidos, em meio à arquitetura opressiva, militantes de esquerda, playboys de sapatênis, universitários de faculdades boas e ruins, patricinhas deslumbradas, manos casca-grossa, skatistas, tiozinhos descolados, até alguns petistas vacilantes, todo mundo protesta contra não se sabe bem o quê.

E, é claro, eles também estão lá: os punks. Bandeiras anarquistas, coturnos, camisetas dos Ramones e Dead Kennedys, jaquetas do GBH. Nas franjas do tumulto, encarando a polícia, botando para quebrar.

São a ponta final de um fenômeno que começou logo depois do sucesso dos Pistols.

Na Londres da butique Sex, o punk nasceu como experimento estético. Mas, à medida que sua irradiação crescia, o movimento ganhava outros contornos.

No interior da Inglaterra, o punk foi abraçado por trabalhadores de baixa renda, brancos, revoltados contra estrangeiros que podiam tomar seus empregos. Daí foi só um passo para alguns interpretarem literalmente a simbologia original. Derraparam para o nazismo.

De modo geral, o punk transferido ao Terceiro Mundo bebeu mais nessa fonte caipira inglesa do que no experimentalismo londrino. Como regra geral, os punks do hemisfério Sul adotaram uma rigidez quase militar, distante da atitude libertária de McLaren e discípulos.

Mas todas as ramificações do punk mantêm traços comuns, como o inconformismo e a rejeição à política institucional. Há quase 40 anos, um dos pôsteres mais famosos dos Sex Pistols já previa: "Nós somos o futuro. O seu futuro."

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