terça-feira, junho 25, 2013

A polêmica agenda do governo Dilma - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/06

Presidente acerta ao defender a responsabilidade fiscal, mas entra em terreno perigoso por avalizar Constituinte para a reforma política



Na sequência do pronunciamento feito em rede nacional na sexta-feira, a presidente Dilma deu ontem outro passo no enfrentamento da crise, ao se reunir com governadores e prefeitos e propor “pactos” em resposta às ruas. Agiu no timing correto, a fim de não correr o risco de novamente o Planalto passar a ideia de um governo aturdido, nas cordas. Além disso, por ter, na sexta à noite, aberto corretamente espaço para o diálogo — símbolo da disposição de receber propostas da população foi conceder ontem mesmo audiência a representantes do MPL —, era natural esperar toda sorte de demandas vindas de governadores, prefeitos e políticos em geral.

Talvez por isso, e por precaução, o primeiro pacto proposto por Dilma foi o da responsabilidade fiscal. No fim de semana já surgiram demandas por mais gastos, indícios de que as manifestações começavam a ser usadas como gazua para abrir de vez os cofres públicos, sob pretexto de melhorar os transportes públicos. E, pior, num momento em que a inflação ultrapassa, mais uma vez, o limite superior da meta (6,5%). Seria aumentar ainda mais a temperatura inflacionária.

Em contrapartida, Dilma acolheu antigo projeto das alas mais à esquerda do PT e converteu em um dos pactos um plebiscito para a convocação de uma Constituinte exclusiva, apenas para tratar da reforma política. A ideia é de inspiração chavista, pois foi Hugo Chávez quem se utilizou da artimanha de aprovar uma Constituinte, eleger sua maioria e, assim, fazer as reformas que necessitava para instalar o “socialismo do século XXI”.

Em meados de 2006, em audiência, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) levaram a proposta ao então presidente Lula, que a aceitou. Mas teve de recuar diante da enxurrada de críticas. Aproveitam-se, agora, os ataques a partidos e políticos feitos nas manifestações de rua, para se retirar da gaveta este projeto de alto risco.

O problema é que, ao se permitir, via Constituinte, que a legislação que rege a atuação dos políticos e dos partidos possa ser alterada por maioria simples, abre-se espaço para mudanças indevidas das regras do jogo democrático. Por exemplo, via aprovação de mecanismos de “democracia direta” que tornem o regime prisioneiro de grupos organizados da sociedade.

Sequer é certa a constitucionalidade da Constituinte exclusiva. Pois há juristas que consideram apenas ser possível alterar a Carta por meio do que estabelece o artigo 60 dela mesma: votações em dois turnos, em cada Casa, com aprovação por três quintos dos votos (60%). Afinal, Constituinte só se convoca em rupturas institucionais, para se formalizar um novo pacto político. Tem sido assim na História brasileira.

A presidente Dilma propõe, ainda, grande esforço conjunto para melhorar a mobilidade urbana. Acenou com R$ 50 bilhões para isso. Seria um grande avanço se anunciasse já a desistência do delirante projeto do trem-bala entre Rio e São Paulo, e desviasse as dezenas de bilhões previstos para o megalômano empreendimento a projetos de transporte sobre trilhos nas grandes regiões metropolitanas. Dispensa-se, ainda, a criação de um Conselho de Transporte Público, exemplo concreto da antiga mania nacional de, para cada problema, instituir-se uma comissão.

É louvável a preocupação da presidente em dar respostas às manifestações. Na Saúde e Educação, talvez não enfrente muitas resistências, a não ser da corporação dos médicos, contrários à vinda de profissionais do exterior. Mas, no combate à corrupção, enquadrar o crime no rol dos delitos hediondos, como deseja a presidente, não atacará o foco do problema, que é o fato de parte do ministério ter sido constituída na base do fisiológico toma lá da cá. Mas reconhece-se a dificuldade de ela enveredar por este caminho.

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