segunda-feira, fevereiro 25, 2013

À sombra do autoritarismo - MARCELO COUTINHO

O GLOBO - 25/02

Duas décadas após o fim da Guerra Fria, tornou-se lugar comum dizer que a democracia virara um regime consolidado em toda a América Latina, com exceção de Cuba. Não haveria mais golpe preventivo de direita, e a esquerda finalmente aderira ao regime democrático.

Episódios como o golpe de Fujimori no Peru e de Chávez na Venezuela, ambos em 1992, seriam os estertores de um passado de atentados institucionais já superado. Agora haveria apenas um jogo sob regras democráticas: The Only Game in Town , como chama a literatura especializada no assunto.

Aliás, 1992 foi mesmo um divisor de águas. Alguns países como o Brasil pós-impeachment institucionalizaram sua democracia e economia ano a ano. Outros como a Venezuela enveredaram por uma sequência de crises de institucionalidade política e econômica, recuando um passo atrás do outro.

Seria possível assegurar que a região é hoje mais democrática do que há dez anos? Há razões para duvidar.

Neste momento, a Venezuela é a principal marca do retrocesso que aflige a região. O golpe de 10 de janeiro de 2013 ungiu ao poder uma pessoa que simplesmente não recebeu voto algum. Nicolás Maduro se transformou no primeiro presidente biônico de fato do século 21 na América Latina. Chávez voltou para Caracas, mas o problema continua. Nada apaga o golpe. Além disso, Maduro ainda governa por delegação dada por alguém que está em um leito de hospital, sem condições de exercer a Presidência como deveria.

Vale dizer que a virtude da democracia não está em um só homem e seu partido, mas na natureza das instituições do sistema político.

Recentemente, houve também ruptura democrática (também "temporária") em Honduras e no Paraguai, bem como inúmeras tentativas de censurar a imprensa, controlar as pesquisas e o livre pensamento nas universidades, anular os contrapesos institucionais e inibir a oposição em muitos outros países.

Nem mesmo o Brasil escapou dessa onda golpista. O atentado institucional levou aqui o nome de mensalão. O Supremo, no entanto, demonstrou independência e condenou pessoas poderosas. Gerou preocupação o último pronunciamento em rádio e TV da presidente Dilma. Foi mais próximo ao estilo chavista, dividindo a nação entre governistas e opositores.

Segundo a presidente, quem pensa diferentemente dela não tem fé no país, fazendo lembrar o slogan da ditadura "Brasil, ame-o ou deixe-o", mesmo com crescimento econômico agora similar ao da década perdida nos anos 1980.

Pouco a pouco, o pesadelo do autoritarismo volta a assombrar a América Latina. Talvez simbólica seja a ascensão de Cuba à presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac). Justamente um regime autoritário muito antigo estará à frente da nova organização regional.

Nos últimos tempos, os países mais dinâmicos como Chile, Peru, Colômbia e México fazem uma aposta no aprofundamento das instituições democráticas e de mercado, elaborando inclusive uma área de livre comércio. É difícil classificá-los de neoliberais porque investem progressivamente em políticas sociais em um novo contexto internacional.

Em compensação, os governos do Mercosul não sabem o que fazer para reverter a tendência de desintegração econômica já observada nos indicadores. A importância relativa do bloco decresceu para nós mesmos. As supostas esquerdas e grupos nacionalistas no poder não têm agenda de desenvolvimento e ampliam a dependência em relação à China, que de comunista só restou a ditadura.

Isso não quer dizer que o Mercosul deva ser descartado. Ao contrário, precisa ser reabilitado no seu comércio e espírito democrático. Uma coisa que faria muito bem a todos seria a alternância de poder.

Uma perigosa rota continuísta se estabeleceu. Uma parte considerável de partidos sul-americanos já está há mais de dez anos no poder, e sem qualquer perspectiva de saírem de lá. O voto que define as democracias sofre com sucessivas violações sobre o que o torna livre.

O antídoto que as sociedades têm para preservar suas instituições pluralistas é substituir um partido por outro, elegendo grupos diferentes. Não há outro remédio.


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