domingo, fevereiro 10, 2013

A doutora promete e o MEC pode não entregar - ELIO GASPARI

O GLOBO - 10/02


Depois que as escolas de samba passarem, a doutora Dilma poderá chamar o comissário Aloizio Mercadante para afinar o discurso do governo em relação à promessa de que seriam realizados dois exames do Enem neste ano. Quando essa iniciativa nasceu, em 2009, esse era o projeto e nisso estaria a sua maior virtude. Em vez de jogarem um ano de suas vidas numa só prova, os estudantes teriam duas oportunidades. (A garotada americana tem sete.) A cada ano, o governo prometeu que o segundo exame seria realizado no vindouro. Nada.

Em janeiro de 2012, a doutora disse o seguinte: "No ano que vem, [serão] duas edições".

Um mês depois, Mercadante acrescentou: "Estamos trabalhando nessa possibilidade".

Em janeiro passado, o jogo virou. O ministro Mercadante disse ao repórter Demetrio Weber que "não temos, neste momento, a necessidade de um novo exame. O problema não é o risco, o problema é o custo. Nós dobraríamos os custos do Enem".

Tudo bem, mas quem precisa de dois Enem são os estudantes, não o comissariado, e quem prometeu dois testes foram seus dois ministros da Educação e a doutora Dilma. O último exame custou R$ 271 milhões, e Mercadante argumenta: "quantas creches eu construo?".

Se é para fazer conta de padaria, o ministro poderia perguntar quantas creches construiria com o dinheiro que seus companheiros recebem, acima do teto de R$ 26 mil mensais, vindo de conselhos e auxílios-moradia. Coisa de uns R$ 2 milhões anuais. Ademais, tendo prometido entregar seis mil creches até o fim de 2014, em dezembro de 2012 a doutora entregara apenas 20.

Cabe a pergunta: o MEC tem um banco de questões capaz de aguentar dois testes do Enem? Quem acreditou nas promessas de Fernando Haddad enquanto ele esteve no Ministério da Educação fez papel de bobo. Inclusive o signatário, que não acreditou na promessa da doutora, por escaldado.

NATASHA E O 'ESTADO DITATORIAL MILITAR'

Madame Natasha estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e abandonou o curso para fumar maconha em paz. Ela se lembra de três professores, todos diretores da escola. Um, Luís Antonio da Gama e Silva, foi ministro da Justiça no governo do marechal Costa e Silva. Em junho de 1968, ele propôs que o governo baixasse um Ato Institucional.

Em dezembro, redigiu o AI-5. "Gaminha", como os alunos o chamavam, foi substituído por outro ex-diretor da casa, o professor Alfredo Buzaid, cujo secretário-geral, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ocupou o mesmo cargo.

A partir dessa lembrança, Natasha decidiu oferecer uma de suas bolsas de estudo ao doutor Cláudio Fonteles, coordenador da Comissão da Verdade, pelo uso do conceito de "Estado Ditatorial Militar" em suas bulas.

Ela crê que Fonteles poderia dizer "Estado Ditatorial", botando civis na roda, pois sem eles não haveria atos institucionais e teria sido mais difícil manter as centrais de torturas montadas em quartéis.

Natasha sabe que há uma tendência para se atribuir aos militares os malfeitos, varrendo- se para baixo do tapete (persa) o integral apoio de civis a todas as ditaduras do mundo. O doutor Fonteles já deve ter visto a famosa fotografia de Adolf Hitler em Paris, com a Torre Eiffel ao fundo.

Nela, o Führer, de quepe, está ladeado por outras duas pessoas fardadas. Ele era cabo reservista da Guerra de 14. Os outros dois, paisanos fantasiados.

O da esquerda era o arquiteto Albert Speer e o da direita, o escultor Arno Breker.

(No seu ofício, Breker era melhor que Speer.) O "generalíssimo" Stalin e o Duce Benito Mussolini também gostavam de usar farda.

Um nunca entrara em quartel, o outro chegou a cabo em 1916.

FERVURA

O ministro Guido Mantega ainda não ferveu, mas na água de sua panela começaram a surgir pequenas bolhinhas.

A fervura não decorre de sua atividade, mas de um fato mais grave: ganha uma viagem de ida a Cuba quem souber o nome da pessoa que cuida da política econômica do governo. E ganha a passagem de volta quem souber qual é essa política.

OLHO VIVO

De uma víbora, comentando as últimas ascensões políticas ocorridas em Brasília: "Não passam no detector de metais."

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e sabe que Jorge Paulo Lemann e Joseph Safra têm horror a ver seus nomes nos jornais em listas de ricos semelhantes às dos desempenhos dos cavalos no Jockey. Desde que surgiu o fenômeno Eike Batista, Lemann e Safra perderam a paz. Um viu-se no noticiário por ter ultrapassado Eike na cabeça da lista. (A poupança dele está em US$ 19,1 bilhões.) Agora Safra entrou na dança porque tomou o terceiro lugar, com seu cofrinho de US$ 12 bilhões, pois Eike, ainda longe de precisar de um Bolsa Família, ficou só com US$ 11,4 bilhões, em quarto lugar. (Na segunda posição fica Dirce Camargo, herdeira do empreiteiro Sebastião Camargo.) O idiota acha que Lemann e Safra deveriam criar um fundo de garantia para Eike, permitindo-lhe que continue na cabeça da lista, sem expô-los.

Se cada um passasse US$ 4 bilhões a Batista, continuariam fora dos holofotes.

ESTREIA

O deputado Eduardo Cunha estreou na liderança do PMDB criticando as desonerações de impostos (que resultam em mercadorias mais baratas para a choldra) e defendendo a liberação de 100% das emendas feitas ao Orçamento pelos parlamentares (que resultam em despesas a serem feitas no interesse dos doutores).

Bom começo para o modo PMDB de administração do dinheiro da Viúva.

ZÉ CELSO NO SERTÃO

Está nas livrarias "Do Pós-Tropicalismo aos Sertões".

É uma longa entrevista, magnificamente ilustrada, do teatrólogo José Celso Martinez Correa ao jornalista Miguel de Almeida. Zé Celso criou o Teatro Oficina nos anos 60, revolucionou a arte com as montagens de "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, e "Roda Viva", de Chico Buarque.

Transgressor num tempo de transgressões, está aí até hoje.

O valor histórico desse depoimento é inestimável. Aos 75 anos, ele está mais bem-comportado, e isso fez com que contasse sua história com um mínimo de pirotecnia.

Para se conhecer a peça, o livro traz o seguinte diálogo: Miguel: "Durante um certo período, dentro do Oficina, você vendia ácido. Você fazia disso um ato deliberado contra a ditadura?".

Zé Celso: "Não, era sobrevivência. (...) Eu não podia fazer mais nada".

Ou ainda: "Eu tinha uma ideia muito doida, que era montar 'Os Sertões' na Bahia, com uma equipe para filmar, mas, na realidade, nós estaríamos fazendo guerrilha, um grupo de guerrilheiros, aquilo seria um foco poderosíssimo de guerrilha”.


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