terça-feira, fevereiro 05, 2013

A chave do enigma - JOSÉ PAULO KUPER

O ESTADO DE S. PAULO - 05/02
A combinação, na economia brasileira, de taxa de desemprego em níveis historicamente baixos com crescimento mais do que modesto ganhou aparência de enigma já faz algum tempo. As perspectivas de que o futuro próximo continue a apontar desemprego reduzido sem expansão acelerada da atividade econômica reforçam os desafios de encontrar as chaves explicativas da charada.

Já é possível encontrar uma explicação genérica para o fenômeno. A taxa de desemprego refletiria o crescimento da ocupação no setor de serviços, complementada pela retenção de trabalhadores já empregados pela indústria. Os dois movimentos seriam complementados por uma redução no ritmo de evolução da população econômica ativa (PEA).

Como explica o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro (FGV-RJ), está ocorrendo uma mudança estrutural na economia brasileira, com o avanço do setor de serviços. Uma das características dos serviços - mais especificamente das categorias no setor de serviços que, nos últimos anos, mais vêm absorvendo mão de obra na economia brasileira - é a da menor exigência de capital por unidade de emprego gerada. "Estamos falando de segmentos intensivos de mão de obra, que não geram alto valor agregado e demandam trabalhadores menos qualificados", detalha Barbosa Filho.

No caso da indústria, apesar do recuo na produção industrial, as empresas, diante dos custos de demissão e contratação - no qual se deve incluir o custo de treinamento de novos admitidos -, retêm pessoal empregado ainda na expectativa de retomada da economia. À espera da recuperação, optam por cortar turnos de produção e recorrer a férias coletivas em lugar de já promover ajustes no quadro de funcionários.

Outra mudança que influencia diretamente a taxa de desemprego é a evolução da PEA E esta vem avançando em ritmo cada vez mais lento. A evolução da PEA depende não só do volume de pessoas em idade ativa, mas também do número daqueles dispostos no momento a procurar uma ocupação. Com o envelhecimento da população e a forte redução da taxa de fecundidade, nas últimas décadas, a população em idade ativa (PIA), base da PEA, vem crescendo a um ritmo mais lento.

Além disso, como lembra Barbosa Filho, comportamentos sociais, com ênfase nos estímulos para maior qualificação de mão de obra, referendados por incrementos na taxa de escolaridade, têm postergado o ingresso de jovens no mercado de trabalho, contribuindo para a redução do ritmo de expansão da PEA. Em resumo, se a PEA, nos anos 70, crescia 4% ao ano, agora não avança mais de 1,5% anuais, colaborando para reduzir a taxa de desemprego.

O professor Cláudio Salvadori Dedecca, da Universidade de Campinas (Unicamp), mesmo não classificando o atual momento do mercado de trabalho como de pleno emprego, considera que a situação de baixo desemprego histórico não pode ser comemorada sem que os investimentos reajam, promovendo uma recuperação da economia. "Não só o fato de que são enormes os desequilíbrios regionais e setoriais no mercado de trabalho, com o convívio de áreas de folgas e apertos na oferta de mão de obra, mas principalmente a constatação de que um terço da força de trabalho ainda é informal e não dispõe de proteção social, mostra que não há esse pleno emprego", avalia ele. "Isso, contudo, não quer dizer que a situação seja sustentável".

Cláudio Dedecca lembra que, nos últimos anos, cada ponto porcentual de expansão do PIB promovia a abertura de 400 mil novas vagas de trabalho formal. Em 2010, por exemplo, quando a economia cresceu 7,5%, foram criados mais de 2,5 milhões de postos de trabalho formais, confirmando a relação histórica. Agora, em 2012, com crescimento econômico de 1%, foram criadas 1,3 milhão de novas vagas, volume três vezes acima da relação. "Sem uma reversão, com aumento dos investimentos, a continuidade da situação atual, em que o desemprego baixo convive com produtividade baixa, pode levar a dois caminhos, ambos indesejáveis", diz o economista. "Ou chancela uma economia de baixa remuneração salarial, convergindo para o salário mínimo, ou chancela uma economia de baixa produtividade."

A chave da resolução do enigma do desemprego, como se pode perceber, é, em resumo, o mesmo aumento do investimento que poderá tirar a economia brasileira da armadilha do crescimento insuficiente em que se meteu.

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