sábado, janeiro 19, 2013

Vestida com as roupas de vaqueira - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 19/01


Nada mais simbólico do que a presidente Dilma Rousseff vestir roupas de vaqueiro na visita a São Julião (PI), a 382km da capital Teresina. No interior dos estados nordestinos, a indumentária é sagrada para quem trabalha no sertão. Confeccionada de couro a partir de um processo para lá de rudimentar, o traje tem uma cor um tanto avermelhada e serve de proteção, quase um abrigo espiritual — por mais que o gibão tenha como função prática isolar os espinhos da caatinga. É a armadura sertaneja.

Ao longo de dois anos de calmaria política, apesar de todas as quedas de ministros, Dilma conseguiu passar longe das crises. Ao contrário, parecia até mesmo se fortalecer ao demitir os subordinados na Esplanada. Tudo usando terninhos e tailleurs. Com a recessão econômica mundial invadindo o Brasil e a guerra aberta entre integrantes da equipe, Dilma sabe que precisa de armaduras mais pesadas.

Armas
Até o mais displicente sabe que a economia é o que define uma eleição. Esqueça escândalos ou mesmo uma ou outra dificuldade administrativa em áreas prioritárias como saúde e educação. O que vale é a satisfação do cidadão com o emprego garantido e a possibilidade de financiar a casa ou o carro. O mentor político de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva, sabia disso como ninguém. E assim o camarada conseguiu se reeleger e ainda fazer a sucessora. Com a crise atual, talvez não fosse capaz.

Em São Julião, a 2.000km de Brasília, Dilma apresentou duas novidades: topou vestir uma roupa pesada, mesmo que tenha usado apenas o gibão, e mudou o discurso econômico. Em vez de previsões otimistas — o tal do “pibão grandão” —, algo sóbrio, próximo à realidade mundial. “Asseguro que 2013 será um ano em que nós teremos aquele crescimento sério, sustentável e sistemático.”

Emprego
A partir daqui, porém, o discurso da sertaneja Dilma ganhou contornos um tanto confusos. “Queremos crescer, mas queremos crescer garantindo também que não só seja a economia que cresça. Queremos que o povo brasileiro cresça, que o emprego cresça, e, sobretudo, é um compromisso muito forte do meu governo que a educação de qualidade cresça no nosso país”, disse ela. Mas não é mais do que evidente que com a economia forte fica mais fácil administrar as outras áreas? Qual é o crescimento sério?

Dilma terá mais dois anos para explicar a frase emblemática de ontem. O que ficou mais claro foi o papel da presidente no meio político. A petista, a partir de agora, usará roupas adequadas para cada ocasião, seja nos gabinetes do Planalto, nas conversas com empresários ou no sertão nordestino a prometer acabar com a pobreza extrema. Por mais que Dilma ainda precise dos conselhos de Lula para se movimentar com os políticos, cada vez mais ela mostra desenvoltura no papel solo.

Território
De imediato, a presidente tem viagens para pelo menos três estados nordestinos. É claramente uma tentativa de manter a base conquistada por Lula e, principalmente, invadir locais como Pernambuco, do governador Eduardo Campos (PSB). Apesar de uma situação confortável até agora — com popularidade em alta —, a presidente convive com ameaças de aliados e, pior, com correligionários ferrenhos do petista. Se para o PT é bom manter Dilma e Lula na vitrine e nas pesquisas de opinião, a guerra armada entre lulistas e dilmistas cria dificuldades para o Planalto. Nada melhor do que um gibão, pois.

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