domingo, janeiro 20, 2013

Prioridades - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 20/01


Engraçado como, de repente, por acidente, descobrimos nossas prioridades.

Eu tinha acabado de chegar à cidade do México para minha primeira Copa, a de 1986 (eu sei, eu sei, estou numa fase de reminiscências, talvez consequência de ter quase morrido recentemente). Estava, dizia eu, no México para cobrir a Copa. Como correspondente da revista Playboy.

Meu crachá atraia olhares espantados e sorrisos maliciosos. O que a revista Playboy estava fazendo numa Copa do Mundo de futebol? Era a pergunta que eu mesmo me fazia. A Playboy era uma revista mensal. Quando eu mandasse minha matéria a Copa ainda não teria terminado. Eu seria obrigado a comentar o que ainda não tinha acontecido. Ou poderia escrever sobre generalidades, com ênfase no sexo (“O que realmente se passa nos vestiários de uma Copa do Mundo”), ou partir para a solução suicida: adivinhar o resultado e mandar um texto entusiasmado festejando o campeão – o Brasil, obviamente.

Como todos se lembram, em 86 ganhou a Argentina, pela mão do Maradona. Acabei, se me lembro bem, escrevendo sobre a possível origem do futebol entre os astecas. Enfatizando o sexo, claro.

Bom: estava eu recém-chegado na cidade do México. Como havia algum problema a ser resolvido quanto à minha reserva num hotel na cidade, passei a primeira noite num hotel perto do aeroporto. Recém tinha me deitado quando o quarto começou a tremer. Terremoto!

Depois da dor de barriga, o terremoto era o segundo maior temor de quem chegava ao México. E eu estava no meio de um terremoto na minha primeira noite! Saltei da cama, botei as calças e olhei em volta, me perguntando: “O que mais?” Corri para o banheiro e peguei um chumaço de lenços de papel. No meio do cataclismo, tinha instintivamente resolvido que nada era mais importante do que ter com que limpar os óculos.

O quarto parou de tremer antes que eu chegasse à porta. Me dei conta de que não tinha sido terremoto mas um avião decolando do aeroporto ao lado. O episódio pelo menos valeu para que eu me conhecesse melhor. Ou para que minha auto-estranheza aumentasse.

Ah, também tive dor de barriga. Mas isso todo o mundo teve.

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