sábado, janeiro 12, 2013

Outro samba de verão - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 12/01


Não nos apeguemos muito aos bens materiais, porque no futuro… adeus pertences



O verão é a mais juvenil das estações, um adolescente cruel cheio de energia e de si, certo de que o mundo é mesmo como lhe parece ser. O verão não flue suavemente como a gentil primavera, ele explode em nossa cara, nos enche de porrada para que não pensemos em mais nada.

O verão nos submete, não nos deixa meditar como o inverno soturno, nem nos alimenta como o generoso outono e seus melhores vinhos. Ele nos exige a vida por inteiro e nos dá em troca apenas o fogo de seu sopro entontecedor. Como é que T.S. Eliot não se deu conta de que o verão é que é a mais cruel das estações?

O verão existe para que aprendamos a não subestimar a vida, a suar às gargalhadas. Aprendemos que a felicidade suprema é não ter que escolher, mas simplesmente nos entregarmos. As moças ficam mais bonitas e desalmadas no verão, nunca mais esquecemos o sofrimento com que nos ferem, embora não lembremos de seus rostos ou de seus nomes. Se a primavera produz o amor e a amizade que nos fazem imaginar o paraíso, o verão só produz paixão, uma festa no inferno.

Não tenho saudades de verões passados, tantas coisas ainda estavam mortas dentro de mim, só nasceriam mais tarde. Tenho saudade é de mim mesmo e de meu jovem esqueleto cheio de músculos. Como quando o cinema novo brotou num certo verão e se tornou uma luz no inverno que íamos começar a viver por tanto tempo. No verão, tudo dá certo porque não existe depois, só agora e de uma vez.

Apesar da inevitável dor, todas as esperanças florescem no calor do verão. Não sou otimista e nunca fui pessimista. Acho que as coisas não vão dar necessariamente certo ou errado, elas dependem de nosso poder diante das circunstâncias, de nossa vontade e de nossa esperança diante do acaso que faz o mundo girar. Desde que li o dístico na porta do “Inferno”, nos versos de Dante Alighieri (“deixe de fora toda esperança, você que está entrando aqui”), me dei conta de que o inferno é a ausência de esperança.

As ondas etéreas do verão são generosas condutoras de dopamina, o neurotransmissor que libera o prazer em nosso cérebro. No hemisfério sul, onde vivemos, o verão é a porta do novo ano, podemos curtir nossas expectativas nus na praia, bêbados a dançar em celebrações coletivas. A geografia nos abençoou.

No hemisfério norte, o ano novo chega gelado e sombrio, as famílias se trancam em casa em torno de árvores artificiais e falsas bolas coloridas, com medo da rua e do mundo. Lá, o futuro próximo chega sem luz. Vejam, por exemplo, o verão em sol menor (literalmente!) do compositor italiano Antonio Vivaldi. Ele nunca pega fogo de verdade, abrindo com um allegro non molto e alternando em seguida o mais pungente adágio com um presto que no final se rende à melancolia. Das quatro estações, Vivaldi entendeu melhor de primavera.

O verão pode ser também injusto, omisso, dissimulado, sem coração. O sol que alegra nossas praias e parques, é o mesmo que mata de fome em outras regiões, sem respeito à semeadura, ao trabalho dos outros. O sol em nome do qual o cordelista J.Borges, nascido no sertão nordestino, canta assim: “Sou uma peça bonita / feita pelo Criador / sou quente, clareio o mundo / no sertão sou o terror / porque acabo a lavoura / desculpe, agricultor”.

O sol que mata no nordeste se ausenta covarde dos céus, nos deixa à mercê das águas torrenciais que causam destruição e morte na bela e pobre serra fluminense. Jamais dominaremos furacões, terremotos e tsunamis, a natureza está pouco se lixando para a humanidade. Por isso, temos que aprender a nos organizarmos para negociar com ela nossos limites. E punir sem piedade o dolo eventual de prefeitos, políticos e comparsas municipais que roubam os recursos que deveriam evitar essas desgraças e proteger suas vítimas do verão devastador.

Só se resiste às fúrias do verão com generosidade. Um amigo, o poeta paulistano Sergio Vaz, nos aconselha a não nos apegarmos muito aos bens materiais, porque no futuro… adeus pertences. Sigamos então em frente, serenos em busca da paz, pois daqui a menos de um mês começa o carnaval e nossas esperanças se renovarão.

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Por falar em verão, o cineasta Luciano Vidigal me conta que, nesse Natal, faltou luz no morro do Vidigal, exatamente como no episódio “Acende a luz”, de Luciana Bezerra, o último do filme “5XFavela, agora por nos mesmos”. Mas dessa vez, segundo ele, os policiais do posto de UPP local ajudaram os moradores a obrigar os funcionários da empresa de luz a permanecer no morro, até que ele se iluminasse para as festas.

E por falar em cinema, o estranho governador de Brasília contratou uma empresa de Cingapura para cuidar, pelos próximos 50 anos, do desenvolvimento da capital do país, criada por dois gênios nacionais, Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Além de burra, essa medida é uma ofensa aos nossos arquitetos e urbanistas, bem como à própria cultura brasileira. É mais ou menos como contratar o melhor diretor coreano para refilmar, digamos, “Deus e o diabo na terra do sol”. Não podemos permitir que isso aconteça, em verão algum de nossas vidas.

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