sábado, janeiro 12, 2013

Melancolia lusitana - DRÁUZIO VARELLA

FOLHA DE SP - 12/01


Contou uma história de sua infância, que parecia extraída das páginas de Tchekhov


Entrei no táxi, dei o endereço e desejei bom-dia ao motorista.

- E pode havê-lo para algum cristão, com a crise que estamos a passar?

Era um senhor com mais de 70 anos, baixo e atarracado como meu avô materno. Vestia calça mescla, malha grossa, paletó de lã e o boné típico dos portugueses mais velhos. Respondeu com tamanho mau humor que resolvi ser genérico:

- Saiu o sol. Esquentou um pouco em Lisboa.

- Que adianta? Amanhã chove e esfria tanto que não se pode pôr a cara na rua.

Dei o caso por perdido, e fiquei quieto.

Poucos quarteirões à frente, uma passeata mais barulhenta do que numerosa, com apitos, tambores e bandeiras, interrompeu nossa passagem. Eram membros de um sindicato de empregados do setor de diversões. Uma das faixas dizia: "Veja no que deu. Salazar volte, estás perdoado".

Virei-me para o taxista:

- O senhor viveu nos tempos de Salazar. Um país fechado, sem liberdade, não era pior?

- Depende. Metiam-se muito na vida das pessoas, de fato. Na rua, para acender um cigarro com isqueiro havia de se ter uma autorização por escrito. Mas, faziam-no por quê? Para proteger as fábricas de fósforos, que eram do Estado. Dentro de casa, podíamos acender do jeito que entendêssemos.

Em seguida, contou uma história de sua infância, que parecia extraída das páginas de Tchékhov.

Aos sete anos, ele vivia com a família numa pequena aldeia de Trás-os-Montes, no norte do país, sem energia elétrica nem saneamento; a água precisava ser recolhida de um poço na vizinhança, com corda e manivela. Menino magrinho, era ele o escalado para limpar o poço, o que significava entrar na caçamba e descer ao fundo para executar a tarefa, enquanto o pai manejava a engrenagem.

O problema é que, à medida que o balde descia, o menino era tomado por uma crise de pânico que o fazia tremer de medo de nunca mais sair daquele buraco escuro. Enquanto o pai não o içava de volta, não chegava ao fim o desespero.

Perguntei se, na mesma aldeia, o povo não começou a viver melhor depois da Comunidade Europeia. Respondeu que sim, mas:

- Aos sete anos eu nada tinha, no entanto nada devia. Hoje, meu neto mora numa casa com água, luz e telefone, mas aos três anos já deve 40 mil euros, que é o valor da dívida per capita neste país.

Em seguida, perguntou se havia cabimento conviver com uma taxa de desemprego de 16%; número que chega a 39% na população abaixo de 25 anos. E acrescentou:

- Com um desemprego desses, eu nunca poderia ter me mudado para Lisboa aos 20 anos.

- Sua vida era boa naquela época?

- Diziam que eu era um rapaz bonito. Solteiro, com trabalho e sem responsabilidade, eu vivia para copos e putas.

Passamos por um largo repleto de senhores de idade, baixos, de boné e paletó de lã, como réplicas do meu interlocutor. Conversavam em voz baixa e jogavam baralho; um ou outro mais exaltado talvez falasse de política.

O taxista quis saber se eu conhecia aquele lugar. Eu disse que não.

- Podes ver, há ali uma placa colocada em 1992: "Jardim das Pichas Murchas".

O nome insólito foi dado por um tal Carlos Vinagre, frequentador da "leitaria do Zé, o Patudo", assim batizada em homenagem às dimensões do pé do proprietário.

Como no largo em frente se juntavam os mais velhos das redondezas, o espírito comunitário de Carlos conseguiu que lá instalassem algumas mesas para distrai-los com o dominó e a sueca.

Quando chegávamos ao destino, perguntei se a crise diminuiu o movimento dos táxis.

- Todos dizem que caiu 70%, mas para mim foram 75%. E mais seria, não fosse o turismo.

Os turistas eram os responsáveis pela mudança de seu horário de trabalho. Rodava até mais tarde para transportar o pessoal que vai às casas noturnas. Citou o nome das três mais famosas: uma delas especializada em stripteases e as outras duas em "moças cheias de más intenções". Segundo ele, o movimento da primeira era bem menor:

- Quem quer ver mulheres a tirar a roupa, sem poder tocar-lhes?

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