ZERO HORA - 30/12
Como era de se esperar, não teve fim de mundo. Mas 2012 não foi um ano qualquer. Muitas pessoas a minha volta sentiram algo parecido com o que senti: que este foi um ano de intensidade única, com uma energia capaz de encerrar etapas. Um ano de despedidas, algumas concretas, outras mais sutis.
Houve quem tenha terminado casos mal resolvidos, quem tenha se conscientizado de um problema que não queria ver, quem se deu conta da fragilidade de uma situação, quem tenha aceitado um desafio que exigiu coragem, quem tenha enfrentado uma situação transformadora, quem tenha se jogado num estilo de vida diferente. Olho para os lados e vejo que 2012 não passou em branco para quase ninguém. Pelo menos não para mim, nem para pessoas próximas.
Meu microcosmo não revela o universo inteiro, lógico. Você talvez não tenha percebido nada de incomum no ano que passou, mas ainda assim seria interessante promover um fim categórico, encerrar o ano colocando uma pedra em algo que não lhe convém mais. Geralmente chegamos ao final de dezembro focados apenas no recomeço, na renovação, nos planos, sem nos darmos conta de que, para que nossas resoluções sejam cumpridas mais adiante, não basta pular sete ondas, comer lentilhas e outras mandingas. É preciso que haja, sim, o fim do mundo. O fim de um mundo seu, particular.
Qual o mundo que você precisa exterminar da sua vida?
Sugestão: o mundo do bullying cibernético. Ninguém é autêntico por esculhambar o trabalho dos outros, sendo agressivo e mal-educado só porque tem a seu favor o anonimato na internet. Perder horas na frente do computador demonstra sua total incapacidade de convívio. Bum! Fim desse mundo estreito.
O mundo da prepotência, aquele que faz você pensar que todos lhe estenderão um tapete vermelho sem você precisar dar nada em troca. Qualquer um pode ser profético quanto a seu futuro: passará o resto da vida achando que ninguém lhe dá o devido valor, isolado em sua torre de marfim.
O mundo obcecado do amor doentio, aquele amor que só persiste pelo medo da solidão, e que de frustração em frustração vai minando sua possibilidade de ser feliz de outro modo.
O mundo das coisas sem importância. Quanta dedicação ao sobrenome do fulano, à conta bancária do sicrano, à vida amorosa da beltrana, o quanto ela pagou, o quanto ele deveu, quem reatou. Por cinco minutos, vá lá. Os neurônios precisam descansar. Mas esse trelelé o dia inteiro, socorro.
O mundo do imobilismo. Do aguardar sem se mover. Da espera passiva pelo momento certo que nunca chega.
2012 prenunciou um cataclismo, só que não era global, e sim individual. Impôs que cada um desse um fim à vida como era antes e que promovesse uma mudança interna, profunda e renovadora. Feito?
Então que venha um 2013 do outro mundo para todos nós.
domingo, dezembro 30, 2012
Feliz ano-novo - JOÃO UBALDO RIBERO
O Estado de S.Paulo - 30/12
Como acho que já contei aqui, meu primeiro emprego, aos 17 anos, foi em jornal, na época em que não havia escola de comunicação e a gente tinha de aprender no tapa, ouvindo esbregues dos superiores (ou seja, todo mundo na redação, porque o status do foca equivalia ao de um recruta dos Fuzileiros Navais) e imitando os veteranos que mais admirávamos ou invejávamos. Fui um repórter esforçado mas bisonho, e desconfio que, nos primeiros tempos, só não me demitiram porque eu falava inglês e quebrava o galho da cobertura local, entrevistando os gringos que se hospedavam no velho Hotel da Bahia, então o único de nível internacional em Salvador.
Sobrevivi a esses duros tempos e cheguei a exercer, um par de vezes, uma função que não existia nos organogramas, mas era comum, a de redator de tudo. Ou redator de qualquer coisa, como se preferir. Não tenho grandes saudades dessa condição, que me levou a escrever horóscopos, reclamações de leitores contra a prefeitura, resenhas de livros, explicações sobre como votar nas próximas eleições, discursos (do patrão, é claro) para o Rotary Club, notas para inserir na coluna social, obituários, editoriais e o que mais fosse enviado a minha mesa. Mas sou obrigado a admitir que, para quem vive de escrever, como eu, foi um treinamento precioso, que já me possibilitou enfrentar vacas magras aceitando encomendas para escrever o que lá fosse - e hoje creio que só não redigi bula de remédio, sinto até falta de uma, em meu currículo. O resto eu fiz, de receitas de cozinha (Receitas do Giuseppe era o título da coluna; e o Giuseppe, vergonha mate-me, era eu) a manuais do usuário.
Devo ter escrito dúzias de artigos, crônicas, editoriais e assemelhados (sim, esqueci de mencionar que também escrevi mensagens de Natal e boas festas para cartões de empresas e para uma folhinha de padaria), a respeito do Natal e do fim do ano, ou começo do novo. Pensando bem, devem ser grosas e não dúzias, porque, mal a gente saía do "... que este Natal seja um verdadeiro momento de concórdia, entre homens de boa vontade" e já tinha de tascar o "... que este ano que se inicia traga com ele a paz que a Humanidade não tem conseguido alcançar". Um dos poucos competidores das categorias Natal e ano-novo eram o "Evoé, Momo" e sua sequela "Cinzas", em que, respectivamente, concitávamos os cidadãos a uma folia sadia e sem excessos ou violência e meditávamos na quarta-feira sobre a fugaz condição humana, sem deixar de deplorar, en passant, os miasmas de xixi evaporado que se evolavam das ruas centrais de Salvador após o tríduo momesco, lastimável consequência de falta de espírito cívico e do desaparelhamento sanitário da cidade.
Este ano, tivemos a onda que fizeram com o fim do mundo de acordo com os maias. Também não há nenhuma novidade nisso, a não ser para os muito jovens. Não lembro se já escrevi algum editorial sobre o fim do mundo, no que espero haver manifestado opinião contrária. Talvez tenha escrito, sim, no tempo da Guerra Fria, quando se temia que a Terra fosse pulverizada, até mesmo por algum governante louco ter apertado os botões errados. E, de tempos em tempos, aparece alguém anunciando o fim do mundo e, juntamente com o papa-figo, foi até um dos primeiros medos de minha infância, infundido pelas histórias de dona Antônia, quando eu morava em Aracaju. Dona Antônia era uma senhora de Muribeca, interior de Sergipe, que veio pedir uma ajuda a meu pai, se instalou numa das casinholas do quintal e ficou agregada durante uns três ou quatro anos, até minha família voltar para a Bahia.
- O primeiro fim do mundo foi ainda quando os bichos falavam e todo dia caía maná do céu, bastava rezar - explicava ela a sua mesmerizada plateia infantil. - Mas aí o povo foi ficando cada dia mais pecador, se fartava de maná e não queria mais nem ter o trabalho de rezar, só pecando, só pecando, só pecando, até que um dia Deus se aborreceu muitíssimo com essa situação, cortou o maná para sempre e chamou São Noé para conversar, numa grande montanha perto do Céu. Me compreenda uma coisa, disse Deus a São Noé, estou muito aperreado com tanta pecação e resolvi tomar uma atitude, de maneira que vou acabar o mundo, só me dá desgosto. Me faça uma grande arca de navegação, bote um casal de cada bicho dentro, embarque com a família, tranque tudo e espere, que não vai mais chover maná, vai chover é água mesmo, até encharcar e afogar tudo.
Acontecia, porém, que esse primeiro fim do mundo não havia sido suficiente para que os homens parassem de pecar e aperrear Deus. Pelo contrário, era pecado em cima de pecado, uma coisa demasiada mesmo, de maneira que se sabia que, mais cedo ou mais tarde, viria novo fim de mundo, desta feita pelo fogo e não pela água. Segundo dona Antônia, será o fim do mundo de São Pedro, até hoje não sei por quê, talvez por causa das fogueiras do dia do santo. Menino, naquela época, era muito mais besta que atualmente e continuei com certo medo de o mundo pegar fogo até a adolescência.
Hoje o medo passou, até porque não adianta, e me resta consolo na crença geral de que, quando o mundo acabar, lá em Itaparica só vamos saber uns cinco dias depois. E é claro que o início do ano não passa de uma convenção arbitrária que nem mesmo se tornou universal, pois outros povos usam datas diferentes da nossa. Mas não vamos pretender filosofar sobre essas coisas, já bastam os slides em Powerpoint que nos mandam pela Internet, com textos cujos autores mereciam uma condenação às galés. Este ano, me distraí e não desejei feliz Natal aos pacientes leitores. Então desejo um feliz ano-novo e, orgulhosamente, chamo a atenção para o fato de que enrolei, enrolei, fiz uma finta ali e acolá e acabei produzindo mais uma crônica de feliz ano-novo.
Encontros - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 30/12
Para conquistar uma mulher, o homem tem que se empenhar. Para a mulher, basta um vestido sexy
Uma amiga me ligou, cheia de dúvidas, querendo saber como se vestir e que personalidade adotar para um primeiro encontro. Dei palpites, os de praxe: que ela deveria ser ela mesma, etc. etc. Contei essa história para um amigo e ele me desorganizou, mostrando que as coisas não são bem assim. Ótimo, homem é para isso mesmo: para nos desorganizar.
Na sua opinião, não deve haver preocupação alguma, porque o primeiro encontro não tem hora marcada; que o verdadeiro encontro de um homem com uma mulher é tão imprevisível que questões como roupa, postura e conversa não têm a menor importância, já que não há como se programar. Ah, esse homem sabe das coisas.
Depois de contar vários que aconteceram em sua vida -todos absolutamente inesperados- ele explica que o primeiro encontro é um prato que "não exige preparo"; não há que ser alguém, ninguém, nem você mesma. Para que um primeiro encontro aconteça, é preciso que se esteja preparada para ele -ou o encontro acaba em desencontro.
Homens e mulheres, decididamente, não são iguais; um homem pode se apaixonar por uma mulher só porque a viu envolta em rendas ou saindo do mar depois de um mergulho. Mas dificilmente um homem, desembarcando de um táxi, provoca uma impressão definitiva em uma mulher, a não ser que ele seja mesmo muito especial -o que, convenhamos, é raro. Não sei se é um problema cultural ou da natureza mesmo, mas dificilmente uma mulher se envolve com um homem num primeiro olhar, num rápido encontro. Pode até acontecer, mas é difícil.
Talvez sejamos mais medrosas, talvez mais contidas, mas o fato é que dificilmente sentimos esses grandes impulsos assim, à primeira vista. Para que uma mulher seja conquistada o homem tem que dispor de tempo, de talento, e se empenhar. Para uma mulher é bem mais fácil: basta um vestido sexy, uma perna cruzada da maneira certa e um olhar desavergonhadamente casto, e pronto.
Sabe por que somos tão diferentes? Porque mulher tem mania de se apaixonar, e tem também a fantasia de que o amor é eterno; nenhuma se apaixona por uma aparência, e como os homens pensam exatamente o contrário, a equação fica difícil.
Vamos, então, desdizer tudo o que foi dito: para que o encontro aconteça, é preciso sobretudo não planejar nada, mas estar preparada, internamente, para o que der e vier.
Quando uma mulher e um homem se sentam em volta de uma mesa costuma rolar uma certa tensão, o que impede aquela distração necessária para que o encontro aconteça. Seria preciso talvez que houvesse muitos impedimentos, quem sabe se ele fosse padre, talvez o marido de sua melhor amiga, que você estivesse vendo pela primeira vez. Esses seriam motivos bastante fortes para você conseguir tomar um vinho na maior inocência, sem ter, em nenhum momento, aqueles pensamentos inevitáveis: se aquele homem é ou não interessante, se é ou não charmoso, se está tentando seduzir você ou sendo apenas educado. É difícil, convenhamos. O homem consegue: a mulher, quase nunca.
Grandes encontros, sem nenhuma preparação, são coisa de homem. Mas e elas, estavam assim tão distraídas? Será? As mulheres, quando estão perto de um homem, são como os escoteiros: estão sempre alertas, no mínimo para testar como andam seus poderes de sedução.
Mas cuidado, se encontrar uma que pareça mais distraída: ela pode estar fazendo o que sabe fazer melhor, isto é, um gênero; como você já deve saber, mulher é capaz de fazer qualquer coisa para despertar o interesse de um homem.
Para conquistar uma mulher, o homem tem que se empenhar. Para a mulher, basta um vestido sexy
Uma amiga me ligou, cheia de dúvidas, querendo saber como se vestir e que personalidade adotar para um primeiro encontro. Dei palpites, os de praxe: que ela deveria ser ela mesma, etc. etc. Contei essa história para um amigo e ele me desorganizou, mostrando que as coisas não são bem assim. Ótimo, homem é para isso mesmo: para nos desorganizar.
Na sua opinião, não deve haver preocupação alguma, porque o primeiro encontro não tem hora marcada; que o verdadeiro encontro de um homem com uma mulher é tão imprevisível que questões como roupa, postura e conversa não têm a menor importância, já que não há como se programar. Ah, esse homem sabe das coisas.
Depois de contar vários que aconteceram em sua vida -todos absolutamente inesperados- ele explica que o primeiro encontro é um prato que "não exige preparo"; não há que ser alguém, ninguém, nem você mesma. Para que um primeiro encontro aconteça, é preciso que se esteja preparada para ele -ou o encontro acaba em desencontro.
Homens e mulheres, decididamente, não são iguais; um homem pode se apaixonar por uma mulher só porque a viu envolta em rendas ou saindo do mar depois de um mergulho. Mas dificilmente um homem, desembarcando de um táxi, provoca uma impressão definitiva em uma mulher, a não ser que ele seja mesmo muito especial -o que, convenhamos, é raro. Não sei se é um problema cultural ou da natureza mesmo, mas dificilmente uma mulher se envolve com um homem num primeiro olhar, num rápido encontro. Pode até acontecer, mas é difícil.
Talvez sejamos mais medrosas, talvez mais contidas, mas o fato é que dificilmente sentimos esses grandes impulsos assim, à primeira vista. Para que uma mulher seja conquistada o homem tem que dispor de tempo, de talento, e se empenhar. Para uma mulher é bem mais fácil: basta um vestido sexy, uma perna cruzada da maneira certa e um olhar desavergonhadamente casto, e pronto.
Sabe por que somos tão diferentes? Porque mulher tem mania de se apaixonar, e tem também a fantasia de que o amor é eterno; nenhuma se apaixona por uma aparência, e como os homens pensam exatamente o contrário, a equação fica difícil.
Vamos, então, desdizer tudo o que foi dito: para que o encontro aconteça, é preciso sobretudo não planejar nada, mas estar preparada, internamente, para o que der e vier.
Quando uma mulher e um homem se sentam em volta de uma mesa costuma rolar uma certa tensão, o que impede aquela distração necessária para que o encontro aconteça. Seria preciso talvez que houvesse muitos impedimentos, quem sabe se ele fosse padre, talvez o marido de sua melhor amiga, que você estivesse vendo pela primeira vez. Esses seriam motivos bastante fortes para você conseguir tomar um vinho na maior inocência, sem ter, em nenhum momento, aqueles pensamentos inevitáveis: se aquele homem é ou não interessante, se é ou não charmoso, se está tentando seduzir você ou sendo apenas educado. É difícil, convenhamos. O homem consegue: a mulher, quase nunca.
Grandes encontros, sem nenhuma preparação, são coisa de homem. Mas e elas, estavam assim tão distraídas? Será? As mulheres, quando estão perto de um homem, são como os escoteiros: estão sempre alertas, no mínimo para testar como andam seus poderes de sedução.
Mas cuidado, se encontrar uma que pareça mais distraída: ela pode estar fazendo o que sabe fazer melhor, isto é, um gênero; como você já deve saber, mulher é capaz de fazer qualquer coisa para despertar o interesse de um homem.
A mala suprema - ARTUR XEXÉO
O GLOBO - 30/12
Nunca houve uma barbada tão grande. Desde o dia em que começou a eleição, ele disparou na frente como o favorito. O TREM (Tribunal Regional Eleitoral da Mala) nem precisou convocou apuradores temporários. Só deu ele. Com larga margem de diferença para o segundo colocado, a mala de 2012, pelo voto popular, pelo grito das urnas, pela demonstração cabal de democracia, é Enrique Ricardo Lewandowski, a mala suprema.
Quem não votou em Lewandowski tem todo o direito de questionar o resultado, alegando um viés ideológico na escolha. O fato de o ministro-relator ter se formado em Direito pela Faculdade de São Bernardo do Campo só reforça esta crítica. Mas não é bem assim. Além de ter amealhado cerca de 70% dos votos, Lewandowski foi escolhido por sua malice mesmo. Tanto é assim que o segundo colocado, com muito menos votos, mas vice-mala do ano por direito, foi outro ministro do STF: Joaquim Barbosa. É o par perfeito de malas.
“Ele faz da chatice uma arte”, justificou um dos eleitores de Lewandowski. “É a mala intransigente”, explicou um dos que votaram em Barbosa. Ideologias à parte, o critério que prevaleceu foi mesmo o da malice. Lewandowski não teve ninguém que o superasse em 2012, mas, se tivesse sua candidatura impugnada, sobraria para Barbosa. A popularidade do mensalão na eleição mais democrática do país pode ser medida pela mala que chegou em terceiro lugar: José Antonio Dias Toffoli. É um conjunto como nunca se viu igual: Lewandowski, Barbosa e Toffoli, mala, maleta e frasqueira. Um trio para se abandonar na esteira do aeroporto.
Passado o furacão do mensalão, o resultado da mala do ano encontra seu único representante do sexo feminino no quarto lugar. Uma mala rubro-negra: Patrícia Amorim. Bem que os torcedores do Flamengo tentaram. Depois de terem visto a mala Patrícia perder as eleições para presidente do clube e para vereadora do Rio de Janeiro, eles acreditavam que ela poderia sair vitoriosa neste certame que agora se encerra. Pelo menos uma eleição ela ganharia. Mas não deu. Patrícia Amorim tem que se contentar com a quarta posição, o que, numa disputa entre malas, é um posto mais do que honroso.
O mundo do futebol continua em destaque ao apresentarmos aquele que ficou em quinto lugar: Neymar. Ou Neymala, como preferem alguns de seus eleitores. Aqui é um caso típico de superexposição que se transforma em incômodo. A onipresença do craque do Santos nos intervalos da programação de televisão foi a principal justificativa para os que sufragaram seu nome. Craque que aparece demais é mala!
“Vai ser chato assim na Turquia”, disse um dos eleitores de Roberto Carlos. “Esse cara sou eu”, o primeiro hit de Roberto a chegar à parada de sucessos depois de muitos anos, elevou o Rei a outro à outra parada: ficou em sexto lugar entre os malas do ano. Ecos do mensalão ainda se ouvem no mala que ficou em sétimo lugar: José Dirceu. O oitavo lugar consagrou outro jogador de futebol: Ronaldo. O Fenômeno ganhou o posto por sua disposição em emagrecer diante dos milhões de espectadores do “Fantástico”. É a mala fenomenal.
Música popular e futebol também dividem os últimos postos do Top Ten. Michel Teló aparece em nono lugar, e Adriano em décimo. Teló por ter feito todo o mundo falar “Ai se eu te pego” em português e Adriano... precisa explicar por que Adriano foi mala este ano?
E ficamos assim. O TREM cumprimenta Lewandowski pelo título e se despede prometendo voltar em 2013. Já há algum candidato em vista?
Nunca houve uma barbada tão grande. Desde o dia em que começou a eleição, ele disparou na frente como o favorito. O TREM (Tribunal Regional Eleitoral da Mala) nem precisou convocou apuradores temporários. Só deu ele. Com larga margem de diferença para o segundo colocado, a mala de 2012, pelo voto popular, pelo grito das urnas, pela demonstração cabal de democracia, é Enrique Ricardo Lewandowski, a mala suprema.
Quem não votou em Lewandowski tem todo o direito de questionar o resultado, alegando um viés ideológico na escolha. O fato de o ministro-relator ter se formado em Direito pela Faculdade de São Bernardo do Campo só reforça esta crítica. Mas não é bem assim. Além de ter amealhado cerca de 70% dos votos, Lewandowski foi escolhido por sua malice mesmo. Tanto é assim que o segundo colocado, com muito menos votos, mas vice-mala do ano por direito, foi outro ministro do STF: Joaquim Barbosa. É o par perfeito de malas.
“Ele faz da chatice uma arte”, justificou um dos eleitores de Lewandowski. “É a mala intransigente”, explicou um dos que votaram em Barbosa. Ideologias à parte, o critério que prevaleceu foi mesmo o da malice. Lewandowski não teve ninguém que o superasse em 2012, mas, se tivesse sua candidatura impugnada, sobraria para Barbosa. A popularidade do mensalão na eleição mais democrática do país pode ser medida pela mala que chegou em terceiro lugar: José Antonio Dias Toffoli. É um conjunto como nunca se viu igual: Lewandowski, Barbosa e Toffoli, mala, maleta e frasqueira. Um trio para se abandonar na esteira do aeroporto.
Passado o furacão do mensalão, o resultado da mala do ano encontra seu único representante do sexo feminino no quarto lugar. Uma mala rubro-negra: Patrícia Amorim. Bem que os torcedores do Flamengo tentaram. Depois de terem visto a mala Patrícia perder as eleições para presidente do clube e para vereadora do Rio de Janeiro, eles acreditavam que ela poderia sair vitoriosa neste certame que agora se encerra. Pelo menos uma eleição ela ganharia. Mas não deu. Patrícia Amorim tem que se contentar com a quarta posição, o que, numa disputa entre malas, é um posto mais do que honroso.
O mundo do futebol continua em destaque ao apresentarmos aquele que ficou em quinto lugar: Neymar. Ou Neymala, como preferem alguns de seus eleitores. Aqui é um caso típico de superexposição que se transforma em incômodo. A onipresença do craque do Santos nos intervalos da programação de televisão foi a principal justificativa para os que sufragaram seu nome. Craque que aparece demais é mala!
“Vai ser chato assim na Turquia”, disse um dos eleitores de Roberto Carlos. “Esse cara sou eu”, o primeiro hit de Roberto a chegar à parada de sucessos depois de muitos anos, elevou o Rei a outro à outra parada: ficou em sexto lugar entre os malas do ano. Ecos do mensalão ainda se ouvem no mala que ficou em sétimo lugar: José Dirceu. O oitavo lugar consagrou outro jogador de futebol: Ronaldo. O Fenômeno ganhou o posto por sua disposição em emagrecer diante dos milhões de espectadores do “Fantástico”. É a mala fenomenal.
Música popular e futebol também dividem os últimos postos do Top Ten. Michel Teló aparece em nono lugar, e Adriano em décimo. Teló por ter feito todo o mundo falar “Ai se eu te pego” em português e Adriano... precisa explicar por que Adriano foi mala este ano?
E ficamos assim. O TREM cumprimenta Lewandowski pelo título e se despede prometendo voltar em 2013. Já há algum candidato em vista?
Poltrão e lírico - CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 30/12
RIO DE JANEIRO - Não adianta consultar o dicionário, acho que ninguém sabe o que seja esta palavra que o finado Jânio Quadros ressuscitou em 1961, chamando aquele distante ano de "poltrão".
Não deve ser boa coisa, tanto que o próprio Jânio deu o vexame de sua renúncia e ele próprio tornou-se, para todos os efeitos, um poltrão.
Aprendi com os meus ancestrais, um deles por sinal era também um poltrão, que não se deve cuspir no prato em que comemos o pão de cada dia.
Mas bolas! Se não cuspirmos no prato em que comemos, onde vamos cuspir? Na cara ou no prato dos outros? Ou no próprio prato? Isso seria unir a porcaria à ingratidão e prefiro ser um ingrato limpo a um porco agradecido.
Daí que não chamarei o ano que se finda de poltrão, pelo contrário, acho até que ele colocou algumas coisas no devido lugar, embora não tenha resolvido o nosso problema maior, que é chamar dona Dilma de presidente ou presidenta.
Em compensação, os últimos 365 dias facilitaram a pauta dos jornais, que até então dividiam a cobertura diária em duas editorias: a política e a polícia. O ano provou que as duas áreas podiam ser reunidas numa só.
Por falar naquele distante ano que foi xingado de poltrão, lembro uma crônica do aclamado cronista Rubem Braga: aproveitando a façanha do soviético Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir ao espaço, sugeriu que da próxima vez em que o astronauta russo repetisse o brilhante feito, "jogasse um punhado de rosas sobre a Terra".
Além de poltrão, aquele ditoso ano foi lírico, ao menos para o velho Braga.
RIO DE JANEIRO - Não adianta consultar o dicionário, acho que ninguém sabe o que seja esta palavra que o finado Jânio Quadros ressuscitou em 1961, chamando aquele distante ano de "poltrão".
Não deve ser boa coisa, tanto que o próprio Jânio deu o vexame de sua renúncia e ele próprio tornou-se, para todos os efeitos, um poltrão.
Aprendi com os meus ancestrais, um deles por sinal era também um poltrão, que não se deve cuspir no prato em que comemos o pão de cada dia.
Mas bolas! Se não cuspirmos no prato em que comemos, onde vamos cuspir? Na cara ou no prato dos outros? Ou no próprio prato? Isso seria unir a porcaria à ingratidão e prefiro ser um ingrato limpo a um porco agradecido.
Daí que não chamarei o ano que se finda de poltrão, pelo contrário, acho até que ele colocou algumas coisas no devido lugar, embora não tenha resolvido o nosso problema maior, que é chamar dona Dilma de presidente ou presidenta.
Em compensação, os últimos 365 dias facilitaram a pauta dos jornais, que até então dividiam a cobertura diária em duas editorias: a política e a polícia. O ano provou que as duas áreas podiam ser reunidas numa só.
Por falar naquele distante ano que foi xingado de poltrão, lembro uma crônica do aclamado cronista Rubem Braga: aproveitando a façanha do soviético Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir ao espaço, sugeriu que da próxima vez em que o astronauta russo repetisse o brilhante feito, "jogasse um punhado de rosas sobre a Terra".
Além de poltrão, aquele ditoso ano foi lírico, ao menos para o velho Braga.
Origem da vida - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 30/12
SÃO PAULO - A vida é uma coisa esquisita. À primeira vista, ela parece contradizer os princípios mais elementares da física e da química, segundo os quais sistemas tendem inexoravelmente à desordem (segunda lei da termodinâmica). Pior, a dificuldade em explicar como ela possa ter surgido constitui um hiato na narrativa científica, usado por religiosos e assemelhados para tentar emplacar suas hipóteses metafísicas.
O químico Addy Pross acaba de lançar o livro "What is Life" (o que é vida), no qual pretende responder a essa e outras questões intricadas. É uma obra ambiciosa. Pross afirma que o erro dos que o antecederam foi ver uma ruptura entre a química e a biologia quando não há nenhuma. Para o autor, descobertas recentes na química de sistemas mostram que, em determinadas reações chamadas de autocatalíticas, moléculas não vivas (como o RNA) competem por recursos químicos (nucleotídeos).
Pequenas diferenças na configuração dessas moléculas podem resultar em maior ou menor eficiência da reação. Dado que os recursos são finitos, a variante mais reativa leva a menos à extinção. O processo de seleção darwiniana começa antes mesmo do surgimento da vida.
Na verdade, esse tipo de sistema, ao contrário das reações químicas mais comuns, só é estável quando atinge um estágio de mudanças contínuas. É o que o autor chama de estabilidade cinética dinâmica, ou DKS. Desde que o sistema receba energia, a segunda lei da termodinâmica não é violada, e a biologia se torna um caso particular da química.
Acrescente a isso uma tendência à complexificação presente nessa química especial, e o surgimento da vida, embora não esteja explicado, se torna um problema mais tratável.
Pross sabe que se meteu num pântano epistemológico e antecipa as objeções, oferecendo respostas bastante honestas. Vale a leitura.
PS - Saio em férias pelas próximas semanas. Bom ano a todos.
SÃO PAULO - A vida é uma coisa esquisita. À primeira vista, ela parece contradizer os princípios mais elementares da física e da química, segundo os quais sistemas tendem inexoravelmente à desordem (segunda lei da termodinâmica). Pior, a dificuldade em explicar como ela possa ter surgido constitui um hiato na narrativa científica, usado por religiosos e assemelhados para tentar emplacar suas hipóteses metafísicas.
O químico Addy Pross acaba de lançar o livro "What is Life" (o que é vida), no qual pretende responder a essa e outras questões intricadas. É uma obra ambiciosa. Pross afirma que o erro dos que o antecederam foi ver uma ruptura entre a química e a biologia quando não há nenhuma. Para o autor, descobertas recentes na química de sistemas mostram que, em determinadas reações chamadas de autocatalíticas, moléculas não vivas (como o RNA) competem por recursos químicos (nucleotídeos).
Pequenas diferenças na configuração dessas moléculas podem resultar em maior ou menor eficiência da reação. Dado que os recursos são finitos, a variante mais reativa leva a menos à extinção. O processo de seleção darwiniana começa antes mesmo do surgimento da vida.
Na verdade, esse tipo de sistema, ao contrário das reações químicas mais comuns, só é estável quando atinge um estágio de mudanças contínuas. É o que o autor chama de estabilidade cinética dinâmica, ou DKS. Desde que o sistema receba energia, a segunda lei da termodinâmica não é violada, e a biologia se torna um caso particular da química.
Acrescente a isso uma tendência à complexificação presente nessa química especial, e o surgimento da vida, embora não esteja explicado, se torna um problema mais tratável.
Pross sabe que se meteu num pântano epistemológico e antecipa as objeções, oferecendo respostas bastante honestas. Vale a leitura.
PS - Saio em férias pelas próximas semanas. Bom ano a todos.
Desejos - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 30/12
Muito perguntador, o cronista quis saber o que se quer de 2013 - e traz aqui um pouco do que veio nessa rede.
A Wanda quer andar mais descalça.
A Adélia pede aos céus, com e sem maiúscula: quer tomar mais chuva.
A Ana, além de andar descalça e tomar chuva, gostaria de fazê-lo em companhia de um príncipe que nem precisa ser encantado, bastando ser encantador.
O Oliveira faz saber que pretende dar, e amiúde, o melhor de si em 2013 e nos anos todos a que tiver direito.
A Rô também quer dar o melhor de si, e amiúde - mas sem ter que dividir a conta do jantar.
A Angélica vai dar alta ao analista, com quem está prestes a completar bodas de prata - e se casar de novo.
O palmeirense Júlio pede forças para atravessar um ano que, num sentido ao menos, não será de primeira.
O que o Eugênio Bucci mais deseja em 2013 é desejo. "Um pouco mais de liberdade, sobretudo à tarde", rima ele, "além de teoria, filosofia e poesia, posto que a prática vicia".
O Fernando Portela, também para rimar, revela: "Nunca desejei tanto, como agora, a absoluta normalidade; as delícias da previsibilidade; e que tudo seja, além de simples, trivial".
"Gostaria", diz o Tauil, "de sair, não do armário, que não é o meu caso, mas da gaveta, com uma coletânea de crônicas."
Na padoca de que é freguês-residente, o Paulo Leite cruza os dedos: que seu Patativa do Assaré finalmente levante voo e vá pousar nas livrarias.
Enquanto me traz a média e o caseirinho com pouca manteiga, o Jean diz que gostaria de "mostrar aos outros que sonhos não são meros pensamentos". Da próxima vez, então, em vez de caseirinho vou pedir um sonho.
"O que quero em 2013?", pergunta-se o Afonso. "Sou de Peixes com ascendente em Original. Mais cerveja, portanto."
A Vanessa Barbara não tem dúvida de que "precisamos de uma constelação em homenagem às tartarugas". E detalha: "A Grande Tartarugona Menor e a Pequena Tartaruguinha Maior. Ou vice-versa".
O Claudio Leal pretende "aceitar as pessoas como elas são. E, discretamente, chamar a ambulância".
O Jaime Prado Gouvêa gostaria que em 2013 se preenchesse uma clamorosa lacuna, com a criação de mais uma cota nas universidades, reservada à vasta categoria das pessoas burras - pois essas, mais que quaisquer outras, também não conseguem ser aprovadas nos vestibulares.
O Alê Staut espera que 2013 lhe permita "ser mais palhaço na vida" - "pois equilibrista e contorcionista", explica, "eu já sou bastante..."
A Analu espera que o famoso pré-sal deixe de ser apenas aquilo com que se engana a fome antes do jantar.
O Paiva espera que 2013, 14, 15 e 16 passem a jato: "Não vejo a hora de poder estacionar em vaga de idoso".
O Luiz Horta gostaria que 2013 lhe trouxesse muitas coisas, a mais urgente delas sendo "perder a senha das redes sociais" de que participa. Outra: "Fazer mais voos de ida e menos de volta."
O Rogério torce para que o umbigo seja elevado à categoria de órgão sexual.
A Andrea, que só descansa no domingo, gostaria que seu sábado deixasse de ser o que o poeta Cassiano Ricardo chamou de "sétima-feira".
A Maria do Perpétuo Socorro pede um nome mais apetecível para ser chamada pelo eventual ocupante do travesseiro ao lado.
Com tanto pano pra manga, o Ronaldo Fraga quer "ter mais tempo para aproveitar a infância dos filhos, que está evaporando com o tempo".
Sem entrar em detalhes sobre quantidade e localização, a Cristina anuncia o propósito de livrar-se de "umas verrugas".
O Caíque quer entrar no vermelho - mais exatamente, faturar sua primeira ruiva, ou então a gêmea dela, quem sabe as duas.
O Beto vai desenvolver sua teoria segundo a qual as pessoas que a gente vê na rua estão indo, umas, e voltando, outras.
"Gostaria", pede a Mona Dorf, "de poder me divertir mais com meus amigos e menos com nossos congressistas".
O André Viana espera que o prefeito Haddad "revire São Paulo do avesso (e do avesso, e do avesso...), que pendure a cidade ao sol e bata forte pra tirar o mofo e a poeira".
O Villas gostaria "que o mundo acabasse de novo, do mesmo jeitinho que acabou em 2012: dia 21 de dezembro, na mesma hora".
E o cronista? Bem, o cara espera que sua coluna não volte a incomodar - não só a que o mantém de pé como a que serve aos leitores...
Pi - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 30/12
O novo Ang Lee visto em uma sessão 4D e o asco a Tolkien: ‘Essa mitologiazinha celta me enche o saco’
O homem e o menino são muito bons. Mas o adolescente me arrebata. Ang Lee tem também a virtude de dirigir com sensibilidade seus atores. “As aventuras de Pi” ganhou apenas duas estrelas aqui na “Tarde”, da Bahia (“O Hobbit” ganhou três, hum…). O bonequinho do GLOBO tratou o filme de Lee com o mesmo desprezo. Bem, não vou ver “O Hobbit”: “O Senhor dos Anéis” (o primeiro) foi um dos filmes de que menos gostei em toda a minha vida. Sinto essa rejeição por Tolkien desde os anos 1970, quando um desenho entusiasmava amigos meus desbundados. E o filme (cuja terceira investida ganhou o Oscar) me pareceu a fórmula perfeita para produzir desinteresse: o que havia de história para ser contada o era nos cinco minutos (pareciam dez) do prólogo — e todas as restantes duas horas e meia (ou seriam três?) eram dedicadas a mostrar erraticamente o que já sabíamos (com o tamanho do Frodo variando constrangedoramente de sequência para sequência). Não havia final. Nem sequer um final de primeiro episódio de série, algo que nos fizesse querer saber o que viria a seguir: apenas, num momento qualquer, aqueles seres teriam que atravessar uma cadeia de montanhas.
Eu estava de mau humor por razões íntimas e fiquei com raiva do tempo que perdi vendo figurinhas que me dão enjoo, como elfos e duendes. Imagino que a turma da Incredible String Band adorasse Tolkien. E eu adorava o som dessa banda. Ainda amo o cara cantando “Water”. Mas essa mitologiazinha celta me enche o saco. Já o garoto indiano perguntando à garota, para cuja dança ele toca tabla, por que a flor de lótus se esconde na floresta, com aquela cara, é poesia pura.
A conversa de Pi com os pais e os irmãos à mesa do jantar — quando é decidido que a família virá para o Canadá e, ao entusiasmo do pai com a ideia de que partirão para o Novo Mundo “como Colombo”, o menino responde “Mas ele queria chegar à Índia” — é genial. E a tentativa de encontro amigável entre Pi e o tigre, abruptamente interrompida pelo pai, é um momento sublime de cinema. Tudo o que, de Lee, sobra em “Brokeback Mountain” (a ênfase adjetiva na beleza da paisagem) aqui encontra seu lugar e dimensão adequados. Tudo o que em “O tigre e o dragão” era desamarrado, aqui se completa num roteiro claro, capaz de dar conta tanto do que há de fisicamente inimaginável de ser feito a partir do livro em que se baseou quanto de segurar a ambiguidade das histórias alternativas que são narradas pelo protagonista. Sem frustrar o espectador.
Lee ama de fato o cinema. O cinema mesmo, o que ele realmente é. Toda sua história de atração de feira e lugar de recreação, passando pela assombrosa profundidade que seu mecanismo pode atingir ao recriar ideias que são inspiradas por sensações. Tudo o que gerou a respeitabilidade intelectual que o cinema atingiu como meio de expressão. Lee fatalmente teria um papel forte na história recente do uso de tecnologias de imagens em 3D.
Vi “As aventuras de Pi” numa sessão em 4D, para minha surpresa. Eu não sabia do que se tratava. Eu estava com minha pipoca e minha Coca. Também com meu casaco grosso, com medo do ar condicionado. Tive a surpresa alegre de não precisar usá-lo: o cinema não estava gelado. Elogiei a civilidade de Salvador. Qual o quê. Julgava que 4D tivesse algo a ver com o que meu filho Zeca me dissera a respeito de um tal HF-não-sei-quê, referente ao número de fotogramas por segundo. Mas o que acontecia era que minha cadeira estremecia a cada estrondo, o vento gelado me ensurdecia nas cenas de tempestade em mar aberto, o cheiro das flores que rodeavam a imagem da garota que dançava enquanto Pi tocava invadia minhas narinas. Às vezes minha poltrona se movia em sincronia com o movimento de câmera, com efeito que poderia ser desestabilizador mas, não sei por quê, não me incomodou. Nas cenas de tormenta em alto-mar, eu sacolejava junto com Pi e o tigre. Vesti o casaco. A maior parte do tempo soprava um vento gelado. Mas, até o tigre sumir sem se despedir, não houve diminuição do meu encantamento ou da minha atenção. Quando miríades de seres marinhos desenham o lindo rosto da mãe de Pi, que morrera, seu terceiro olho criando um túnel para o tudo negro, eu chorei. Chorei também com Pi protestando contra Deus. Minha mãe (que meu irmão Rodrigo achava parecida com o ator indiano adolescente dos anos 1950 Sabu) tinha morrido fazia dois dias. Muita Índia demais, com aqueles deuses todos, me enjoa. Mas assim, com Pi vendo o hinduísmo através do Cristo (e vice-versa), e seu pai defendendo a razão que está acima dessas fantasias (e a mãe pedindo ao pai que deixasse o menino encontrar seu caminho), eu me senti muito profundamente em meu próprio ambiente.
O novo Ang Lee visto em uma sessão 4D e o asco a Tolkien: ‘Essa mitologiazinha celta me enche o saco’
O homem e o menino são muito bons. Mas o adolescente me arrebata. Ang Lee tem também a virtude de dirigir com sensibilidade seus atores. “As aventuras de Pi” ganhou apenas duas estrelas aqui na “Tarde”, da Bahia (“O Hobbit” ganhou três, hum…). O bonequinho do GLOBO tratou o filme de Lee com o mesmo desprezo. Bem, não vou ver “O Hobbit”: “O Senhor dos Anéis” (o primeiro) foi um dos filmes de que menos gostei em toda a minha vida. Sinto essa rejeição por Tolkien desde os anos 1970, quando um desenho entusiasmava amigos meus desbundados. E o filme (cuja terceira investida ganhou o Oscar) me pareceu a fórmula perfeita para produzir desinteresse: o que havia de história para ser contada o era nos cinco minutos (pareciam dez) do prólogo — e todas as restantes duas horas e meia (ou seriam três?) eram dedicadas a mostrar erraticamente o que já sabíamos (com o tamanho do Frodo variando constrangedoramente de sequência para sequência). Não havia final. Nem sequer um final de primeiro episódio de série, algo que nos fizesse querer saber o que viria a seguir: apenas, num momento qualquer, aqueles seres teriam que atravessar uma cadeia de montanhas.
Eu estava de mau humor por razões íntimas e fiquei com raiva do tempo que perdi vendo figurinhas que me dão enjoo, como elfos e duendes. Imagino que a turma da Incredible String Band adorasse Tolkien. E eu adorava o som dessa banda. Ainda amo o cara cantando “Water”. Mas essa mitologiazinha celta me enche o saco. Já o garoto indiano perguntando à garota, para cuja dança ele toca tabla, por que a flor de lótus se esconde na floresta, com aquela cara, é poesia pura.
A conversa de Pi com os pais e os irmãos à mesa do jantar — quando é decidido que a família virá para o Canadá e, ao entusiasmo do pai com a ideia de que partirão para o Novo Mundo “como Colombo”, o menino responde “Mas ele queria chegar à Índia” — é genial. E a tentativa de encontro amigável entre Pi e o tigre, abruptamente interrompida pelo pai, é um momento sublime de cinema. Tudo o que, de Lee, sobra em “Brokeback Mountain” (a ênfase adjetiva na beleza da paisagem) aqui encontra seu lugar e dimensão adequados. Tudo o que em “O tigre e o dragão” era desamarrado, aqui se completa num roteiro claro, capaz de dar conta tanto do que há de fisicamente inimaginável de ser feito a partir do livro em que se baseou quanto de segurar a ambiguidade das histórias alternativas que são narradas pelo protagonista. Sem frustrar o espectador.
Lee ama de fato o cinema. O cinema mesmo, o que ele realmente é. Toda sua história de atração de feira e lugar de recreação, passando pela assombrosa profundidade que seu mecanismo pode atingir ao recriar ideias que são inspiradas por sensações. Tudo o que gerou a respeitabilidade intelectual que o cinema atingiu como meio de expressão. Lee fatalmente teria um papel forte na história recente do uso de tecnologias de imagens em 3D.
Vi “As aventuras de Pi” numa sessão em 4D, para minha surpresa. Eu não sabia do que se tratava. Eu estava com minha pipoca e minha Coca. Também com meu casaco grosso, com medo do ar condicionado. Tive a surpresa alegre de não precisar usá-lo: o cinema não estava gelado. Elogiei a civilidade de Salvador. Qual o quê. Julgava que 4D tivesse algo a ver com o que meu filho Zeca me dissera a respeito de um tal HF-não-sei-quê, referente ao número de fotogramas por segundo. Mas o que acontecia era que minha cadeira estremecia a cada estrondo, o vento gelado me ensurdecia nas cenas de tempestade em mar aberto, o cheiro das flores que rodeavam a imagem da garota que dançava enquanto Pi tocava invadia minhas narinas. Às vezes minha poltrona se movia em sincronia com o movimento de câmera, com efeito que poderia ser desestabilizador mas, não sei por quê, não me incomodou. Nas cenas de tormenta em alto-mar, eu sacolejava junto com Pi e o tigre. Vesti o casaco. A maior parte do tempo soprava um vento gelado. Mas, até o tigre sumir sem se despedir, não houve diminuição do meu encantamento ou da minha atenção. Quando miríades de seres marinhos desenham o lindo rosto da mãe de Pi, que morrera, seu terceiro olho criando um túnel para o tudo negro, eu chorei. Chorei também com Pi protestando contra Deus. Minha mãe (que meu irmão Rodrigo achava parecida com o ator indiano adolescente dos anos 1950 Sabu) tinha morrido fazia dois dias. Muita Índia demais, com aqueles deuses todos, me enjoa. Mas assim, com Pi vendo o hinduísmo através do Cristo (e vice-versa), e seu pai defendendo a razão que está acima dessas fantasias (e a mãe pedindo ao pai que deixasse o menino encontrar seu caminho), eu me senti muito profundamente em meu próprio ambiente.
Celebrando nosso pião celeste - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 30/12
Como o eixo de rotação está mudando lentamente, giram também os céus, e as estrelas mudam de posição
Enquanto o Brasil passa pelos dias mais longos do ano, próximos ao solstício de verão, aqui no norte dos EUA passamos pelo exato oposto, os dias mais curtos, com noites que duram 15 horas, muita neve e frio. A Terra é um planeta de extremos, e nós, que nos espalhamos por ela, experimentamos isso tudo.
Hoje, em torno da minha casa, está tudo nevado, com as árvores nuas, lenha queimando na lareira, o famoso Natal branco que, inexplicavelmente, tentamos copiar no Brasil. Em vez de renas, o trenó do Papai Noel brasileiro tinha de ser puxado por tucanos e araras.
Essa diversidade climática vem essencialmente da inclinação do eixo de rotação da Terra em 23,5º. A Terra é um pião celeste, girando em torno de si mesmo, meio que caindo, descrevendo uma leve elipse em torno do Sol.
Se enxergássemos o Sistema Solar de longe, ele pareceria um disco plano, com o Sol no centro (ou quase) e os planetas a circundá-lo. A inclinação da Terra é em relação a esse plano, chamado de plano da eclíptica. A maioria absoluta das pessoas acha que o calor do verão e o frio do inverno vêm da distância entre a Terra e o Sol: inverno, mais frio, Terra mais distante; verão, o oposto. Poucos sabem que as estações são consequência da inclinação da Terra.
Dizemos que a Terra tem um movimento de precessão, o mesmo de um pião caindo. No caso da Terra, isso se deve a ela não ser uma esfera perfeita, sendo um pouco achatada nos polos e estufada no Equador. A força gravitacional combinada da Lua e do Sol age sobre o Equador, criando um torque que tenta alinhar o eixo de rotação da Terra com o plano da eclíptica, tentando fazer a Terra "cair".
Mas não se preocupem, a Terra não vai cair. (Se bem que Urano gira quase deitado, provavelmente devido a uma enorme colisão durante o período de formação do Sistema Solar, 4,6 bilhões de anos atrás.)
Esse movimento, a precessão dos equinócios, tem um período de aproximadamente 26 mil anos, ou um grau a cada 72 anos (para completar o círculo de 360º).
Como o eixo de rotação da Terra está mudando lentamente de posição, giram também os céus. Mais precisamente, as estrelas vão aos poucos mudando de posição. Por exemplo, agora o eixo de rotação terrestre está a um grau da estrela Polaris, no norte. Isso significa que uma foto de exposição longa mostrará o céu girando em torno de um ponto ao norte, pertinho dessa estrela. Em 13 mil anos, Polaris vai estar do lado oposto do eixo.
Foi neste ano que a sonda espacial Voyager 1, cuja missão começou em setembro de 1977, passou dos limites do Sistema Solar, a primeira nave humana a conseguir tal feito.
Viajando a 61 mil km/h, ela se destina ao espaço interestelar, o deserto escuro entre as estrelas. A uma distância atual do Sol 121 vezes maior do que a Terra, nosso planeta já é quase invisível para as suas câmeras, um pálido ponto azul, como disse Carl Sagan, onde tudo o que criamos, toda a nossa história, encontra-se em meio ao nada.
Entre os festejos de mais uma mudança de calendário, por que não parar durante dez segundos e festejar nossa casa celeste, este pálido pião azul, exuberante e vivo em meio a tanta escuridão e frio?
Como o eixo de rotação está mudando lentamente, giram também os céus, e as estrelas mudam de posição
Enquanto o Brasil passa pelos dias mais longos do ano, próximos ao solstício de verão, aqui no norte dos EUA passamos pelo exato oposto, os dias mais curtos, com noites que duram 15 horas, muita neve e frio. A Terra é um planeta de extremos, e nós, que nos espalhamos por ela, experimentamos isso tudo.
Hoje, em torno da minha casa, está tudo nevado, com as árvores nuas, lenha queimando na lareira, o famoso Natal branco que, inexplicavelmente, tentamos copiar no Brasil. Em vez de renas, o trenó do Papai Noel brasileiro tinha de ser puxado por tucanos e araras.
Essa diversidade climática vem essencialmente da inclinação do eixo de rotação da Terra em 23,5º. A Terra é um pião celeste, girando em torno de si mesmo, meio que caindo, descrevendo uma leve elipse em torno do Sol.
Se enxergássemos o Sistema Solar de longe, ele pareceria um disco plano, com o Sol no centro (ou quase) e os planetas a circundá-lo. A inclinação da Terra é em relação a esse plano, chamado de plano da eclíptica. A maioria absoluta das pessoas acha que o calor do verão e o frio do inverno vêm da distância entre a Terra e o Sol: inverno, mais frio, Terra mais distante; verão, o oposto. Poucos sabem que as estações são consequência da inclinação da Terra.
Dizemos que a Terra tem um movimento de precessão, o mesmo de um pião caindo. No caso da Terra, isso se deve a ela não ser uma esfera perfeita, sendo um pouco achatada nos polos e estufada no Equador. A força gravitacional combinada da Lua e do Sol age sobre o Equador, criando um torque que tenta alinhar o eixo de rotação da Terra com o plano da eclíptica, tentando fazer a Terra "cair".
Mas não se preocupem, a Terra não vai cair. (Se bem que Urano gira quase deitado, provavelmente devido a uma enorme colisão durante o período de formação do Sistema Solar, 4,6 bilhões de anos atrás.)
Esse movimento, a precessão dos equinócios, tem um período de aproximadamente 26 mil anos, ou um grau a cada 72 anos (para completar o círculo de 360º).
Como o eixo de rotação da Terra está mudando lentamente de posição, giram também os céus. Mais precisamente, as estrelas vão aos poucos mudando de posição. Por exemplo, agora o eixo de rotação terrestre está a um grau da estrela Polaris, no norte. Isso significa que uma foto de exposição longa mostrará o céu girando em torno de um ponto ao norte, pertinho dessa estrela. Em 13 mil anos, Polaris vai estar do lado oposto do eixo.
Foi neste ano que a sonda espacial Voyager 1, cuja missão começou em setembro de 1977, passou dos limites do Sistema Solar, a primeira nave humana a conseguir tal feito.
Viajando a 61 mil km/h, ela se destina ao espaço interestelar, o deserto escuro entre as estrelas. A uma distância atual do Sol 121 vezes maior do que a Terra, nosso planeta já é quase invisível para as suas câmeras, um pálido ponto azul, como disse Carl Sagan, onde tudo o que criamos, toda a nossa história, encontra-se em meio ao nada.
Entre os festejos de mais uma mudança de calendário, por que não parar durante dez segundos e festejar nossa casa celeste, este pálido pião azul, exuberante e vivo em meio a tanta escuridão e frio?
Preços em alta ANCELMO GOIS
O GLOBO - 30/12
Preocupada com a inflação, Dilma ligou para alguns governadores pedindo para segurar as autorizações de reajuste de tarifas no âmbito estadual.
Amaral Netto, o repórter
A historiadora Katia Krause, da UFF, prepara um trabalho sobre o jornalista e político Amaral Netto, que ficou famoso na época da ditadura por fazer um programa, de 1968 a 1983, de apoio ao regime.
Mas o programa foi muito mais do que isso, diz a pesquisadora. “Identificava-se com valores sensíveis a grande parte da
sociedade brasileira na época, como progresso, grandeza, riqueza e desenvolvimento”.
Segue...
Um dos primeiros programas fixos exibidos em cores pela TV Globo, “Amaral Netto, o repórter” atraia o telespectador também com reportagens espetaculares, como uma sobre o fenômeno da pororoca, o encontro da água do mar com a do Rio Iriri, no Pará.
Como deputado, foi um dos primeiros a defender a pena de morte no Brasil.
Sem Américo
A CBF tem resistido a pedidos para trazer de volta Américo Faria para o cargo de supervisor da seleção.
Listão da ABL
A lista de eventuais candidatos à vaga de Lêdo Ivo na ABL não para de crescer. Além de Antonio Cicero, Rosiska Darcy de Oliveira e Marcus Accioly, fala-se ainda em FH, Roberto DaMatta e Francisco Weffort.
Mais duas UPPs
Cabral e Beltrame inauguram dia 16 de janeiro as UPPs de Manguinhos e Jacarezinho, no Rio.
Ivan, o terrível
Ivan Lins embarca dia 9 de janeiro para Cuba.
Foi convidado pelo artista cubano Carlos Varella para se apresentar numa série de shows que vai reunir de Pablo Milanés, o compositor da ilha amigo de Chico Buarque, à cantora americana Bonnie Raitt.
Desesperar jamais
Aliás, Lucinha Lins, que está no elenco de “Rock in Rio — O musical”, vai cantar “Desesperar jamais”, do ex-marido Ivan Lins em parceria com Vitor Martins.
A música, censurada na ditadura, será uma das 50 canções do espetáculo, que estreia dia 3, na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca.
No mais
Nada contra. Mas não deixa de ser curioso que a Cidade das Artes seja inaugurada com um espetáculo basicamente de rock.
Afinal, o local foi projetado para ser um espaço, principalmente, de música erudita. Na época, discutiu-se até mesmo a chance de o prédio abrigar a sede permanente da Orquestra Sinfônica Brasileira. De lá pra cá, saiu Mozart, e entrou Freddie Mercury. Com todo o respeito.
Bairro Alto Leme
A prefeitura do Rio vai oficializar em breve o nome Alto Leme como o das áreas do morros Chapéu Mangueira e Babilônia.
‘La boazuda’
A arremessadora de dardos e modelo paraguaia Leryn Franco, que chamou a atenção nas Olimpíadas de Londres e foi eleita uma das mais sensuais da competição, desembarca no Rio no carnaval.
Fará a cobertura para um canal de TV do seu país.
Só que...
No carnaval carioca, ela vai enfrentar no quesito “boazuda” concorrência bem maior do que em Londres.
Há testemunhas
Papo entre duas amigas, outro dia, no salão Vanda K, no Botafogo Praia Shopping:
— Sabe da última? A Sabrina se casou com um italiano cheio de dinheiro e foi morar num castelo na França. Imagine. Ela, de Madureira, com 30, e ele, com 70.
— É como diz a Martha Medeiros: “A mulher não ama, tem propósito.”
Faz sentido.
Aceitam-se reservas
O estacionamento Dallas, em Búzios, o balneário fluminense, instituiu o sistema de reservas para clientes na noite do réveillon por R$ 50, adiantados.
Aliás, há tanto carro na rua que, quando eu crescer, quero ser dono de estacionamento. O setor não para de crescer.
Preocupada com a inflação, Dilma ligou para alguns governadores pedindo para segurar as autorizações de reajuste de tarifas no âmbito estadual.
Amaral Netto, o repórter
A historiadora Katia Krause, da UFF, prepara um trabalho sobre o jornalista e político Amaral Netto, que ficou famoso na época da ditadura por fazer um programa, de 1968 a 1983, de apoio ao regime.
Mas o programa foi muito mais do que isso, diz a pesquisadora. “Identificava-se com valores sensíveis a grande parte da
sociedade brasileira na época, como progresso, grandeza, riqueza e desenvolvimento”.
Segue...
Um dos primeiros programas fixos exibidos em cores pela TV Globo, “Amaral Netto, o repórter” atraia o telespectador também com reportagens espetaculares, como uma sobre o fenômeno da pororoca, o encontro da água do mar com a do Rio Iriri, no Pará.
Como deputado, foi um dos primeiros a defender a pena de morte no Brasil.
Sem Américo
A CBF tem resistido a pedidos para trazer de volta Américo Faria para o cargo de supervisor da seleção.
Listão da ABL
A lista de eventuais candidatos à vaga de Lêdo Ivo na ABL não para de crescer. Além de Antonio Cicero, Rosiska Darcy de Oliveira e Marcus Accioly, fala-se ainda em FH, Roberto DaMatta e Francisco Weffort.
Mais duas UPPs
Cabral e Beltrame inauguram dia 16 de janeiro as UPPs de Manguinhos e Jacarezinho, no Rio.
Ivan, o terrível
Ivan Lins embarca dia 9 de janeiro para Cuba.
Foi convidado pelo artista cubano Carlos Varella para se apresentar numa série de shows que vai reunir de Pablo Milanés, o compositor da ilha amigo de Chico Buarque, à cantora americana Bonnie Raitt.
Desesperar jamais
Aliás, Lucinha Lins, que está no elenco de “Rock in Rio — O musical”, vai cantar “Desesperar jamais”, do ex-marido Ivan Lins em parceria com Vitor Martins.
A música, censurada na ditadura, será uma das 50 canções do espetáculo, que estreia dia 3, na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca.
No mais
Nada contra. Mas não deixa de ser curioso que a Cidade das Artes seja inaugurada com um espetáculo basicamente de rock.
Afinal, o local foi projetado para ser um espaço, principalmente, de música erudita. Na época, discutiu-se até mesmo a chance de o prédio abrigar a sede permanente da Orquestra Sinfônica Brasileira. De lá pra cá, saiu Mozart, e entrou Freddie Mercury. Com todo o respeito.
O ANO É DE...
... Cármen Lúcia, 58 anos, nascida em Montes Claros e criada em Espinosa, cidade pequena, porém decente, nos sertões do norte de Minas, onde até hoje muitos moradores falam que nem os personagens de Guimarães Rosa. A ministra do STF e presidente do TSE, depois de defender o aborto de anencéfalo, a Marcha da Maconha, a união gay e a cota para negros, atuou no julgamento do mensalão com equilíbrio, firmeza no combate à corrupção e sem estardalhaço.
O ano de 2012 é também de Dilma Rousseff, que toca o barco com mais acertos do que erros e mantém distância sanitária da ratatuia política brasileira, que tanto fascina seu antecessor. O ano é de Adriana Esteves, que, como a Carminha de “Avenida Brasil”, se reinventou como atriz. O ano é da escritora Nélida Piñon, uma colecionadora de prêmios. O ano (aliás, todos os anos) é de Fernanda Montenegro. O ano também é de Bibi Ferreira, Camila Pitanga, Fernanda Torres, Míriam Leitão e, como sempre, Quitéria Chagas
... Cármen Lúcia, 58 anos, nascida em Montes Claros e criada em Espinosa, cidade pequena, porém decente, nos sertões do norte de Minas, onde até hoje muitos moradores falam que nem os personagens de Guimarães Rosa. A ministra do STF e presidente do TSE, depois de defender o aborto de anencéfalo, a Marcha da Maconha, a união gay e a cota para negros, atuou no julgamento do mensalão com equilíbrio, firmeza no combate à corrupção e sem estardalhaço.
O ano de 2012 é também de Dilma Rousseff, que toca o barco com mais acertos do que erros e mantém distância sanitária da ratatuia política brasileira, que tanto fascina seu antecessor. O ano é de Adriana Esteves, que, como a Carminha de “Avenida Brasil”, se reinventou como atriz. O ano é da escritora Nélida Piñon, uma colecionadora de prêmios. O ano (aliás, todos os anos) é de Fernanda Montenegro. O ano também é de Bibi Ferreira, Camila Pitanga, Fernanda Torres, Míriam Leitão e, como sempre, Quitéria Chagas
Bairro Alto Leme
A prefeitura do Rio vai oficializar em breve o nome Alto Leme como o das áreas do morros Chapéu Mangueira e Babilônia.
‘La boazuda’
A arremessadora de dardos e modelo paraguaia Leryn Franco, que chamou a atenção nas Olimpíadas de Londres e foi eleita uma das mais sensuais da competição, desembarca no Rio no carnaval.
Fará a cobertura para um canal de TV do seu país.
Só que...
No carnaval carioca, ela vai enfrentar no quesito “boazuda” concorrência bem maior do que em Londres.
Há testemunhas
Papo entre duas amigas, outro dia, no salão Vanda K, no Botafogo Praia Shopping:
— Sabe da última? A Sabrina se casou com um italiano cheio de dinheiro e foi morar num castelo na França. Imagine. Ela, de Madureira, com 30, e ele, com 70.
— É como diz a Martha Medeiros: “A mulher não ama, tem propósito.”
Faz sentido.
Aceitam-se reservas
O estacionamento Dallas, em Búzios, o balneário fluminense, instituiu o sistema de reservas para clientes na noite do réveillon por R$ 50, adiantados.
Aliás, há tanto carro na rua que, quando eu crescer, quero ser dono de estacionamento. O setor não para de crescer.
A canção que nos embala - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES
O Estado de S.Paulo - 30/12
Há alguns anos, um artista admirável, como Chico Buarque, vaticinou o fim da canção, tal como a conhecemos em nossa geração e que muitas vezes, composta com invulgar talento e coragem cívica, com real espírito de "engajamento", nos ajudou a atravessar menos penosamente as agruras do regime autoritário, a tal "página infeliz da nossa História". Acostumamo-nos a um nível de lirismo na canção popular que não raro fazia com que ela desbordasse do terreno daquilo que é meramente agradável e adquirisse dimensão propriamente estética - a dimensão de uma arte crítica e não oficialista, como deve ser toda arte que se preze, se bem que, como insinuava a corrosiva (auto)ironia dos tropicalistas, uma certa função consolatória naquele tipo de música também estivesse presente, enquanto esperávamos, cada qual à sua maneira, o carnaval chegar.
Eram tempos em que podíamos visualizar, socorridos pela imagem forte, a pátria-mãe ser subtraída em "tenebrosas transações", o que - juntamente com o fim da canção apregoado pelo Chico - talvez não possamos mais fazer agora, em tempos de democracia política e de democratização social, a não ser que se queira receber, em troca, a acusação não menos forte de udenismo, que seria o traço distintivo de uma classe média ressentida e deslocada do poder político com o advento da esquerda petista ao poder a partir de 2003.
Não importa muito que o observador se coloque numa posição rigorosamente constitucional e que, por exemplo, nunca tenha promovido ou promova palavras de ordem como "Fora, Lula" ou "Fora, Dilma", quando, ao contrário, antes ouvimos um temerário "Fora, FHC". Não importa, também, que o mesmo observador condene, ainda hoje e à distância de tantos anos, manobras de pequena navegação, como a alteração das regras do jogo em benefício imediato de quem está no poder - referência evidente à emenda da reeleição presidencial, equívoca por si mesma, independentemente da compra ou não de votos de deputados da periferia do sistema.
Nada disso importa: o certo é que, com todas essas ressalvas, quem aponta para a necessidade de obediência rigorosa aos princípios de legalidade e impessoalidade na administração da coisa pública, muito especialmente por parte da esquerda política, pode ver-se alcançado pela acusação genérica de participar objetivamente, querendo ou não, de uma conspiração feroz, em cujo vértice estaria nada menos do que um dos Poderes da República, de resto o mais "aristocrático" deles, contra lideranças populares sem paralelo na História do País.
Num outro tempo, era preciso estar embriagado ou muito louco - dizia o poeta Chico - para contestar e botar defeito nos feitos e conquistas do Brasil Grande, aquele mesmo Brasil que nos convidava, autocraticamente, a amá-lo ou deixá-lo de uma vez por todas. Hoje, no entanto, com os recursos inestimáveis da esfera pública democrática, cabe raciocinar serena e pacientemente em torno de vícios da esquerda no poder - ou melhor, de uma certa esquerda no poder - que parecem repetir-se de modo incômodo, tais como, para indicar dois traços, uma autoavaliação hiperbólica do próprio desempenho à frente do País e um hábito mental que leva a pretender identificar, sem restos, o povo e seu líder máximo.
Na história da esquerda, a mencionada hipérbole se manifestou - e volta a se manifestar, de modo até farsesco - como tendência ao culto à personalidade. Vício terrível, que não atinge somente a imensa massa de deserdados, hoje beneficiada por programas relativamente potentes de transferência de renda, mas alcança também intelectuais efetivamente sofisticados, capazes, no entanto, de arriscadamente desvincular tais programas de toda uma época inaugurada e propiciada pela Carta de 1988. De fato, nesse documento crucial, em torno do qual cabe cotidianamente construir um "patriotismo" inédito entre nós, se expressou um avançado consenso social-democrata, que permitiu, entre outras políticas sociais justas e progressistas, a generalização da previdência rural e a assistência aos idosos e aos deficientes, num combate "substantivo" à pobreza e à indigência efetivamente encetado nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Por seu turno, a pretensa identidade entre o povo e o líder supremo empobrece a livre dialética democrática e tendencialmente a suprime, ao retirar, em perspectiva, a "legitimidade das partes" que combatem lealmente no campo comum da democracia e elaboram distintas e até mesmo antagônicas visões do bem comum. Produz-se, assim, uma concepção de hegemonia que dispensa o tema do pluralismo, bem como promove táticas "transformistas" de decapitação das forças conservadoras, destas assimilando, contraditoriamente, métodos de atuação e muitas vezes os próprios objetivos estratégicos, como é possível ver na presente onda de restauração de figuras e questões do velho nacional-desenvolvimentismo, inclusive na versão militar. Sem falar da vontade de levar de roldão, ou da ilusão de que isso seja possível, os delicados mecanismos de freios e contrapesos que marcam o moderno Estado Democrático de Direito.
Caetano Veloso, outro protagonista dos tempos de ouro da canção e que, como poucos, há décadas consegue dar forma a alguns dos nossos dilemas mais decisivos, certa feita tomou como metáfora do País os que dirigiam "motos e fuscas", avançando os sinais vermelhos e perdendo os verdes. Por isso seríamos uns boçais, concluía ferinamente. Podemos tomar essa ideia aguda como índice dos desvios institucionais - e, logo, dos limites hegemônicos, apesar da sequência de vitórias eleitorais - da esquerda dominante, ao subestimar o grande sinal verde para as reformas sociais representado pelo respeito pleno à democracia política.
Algum dia deixaremos de desafinar em tal sentido negativo?
Economia fiscal, uma piada de gosto duvidoso - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 30/12
As contas públicas consolidadas apresentaram, em novembro, o pior resultado desde que Banco Central (BC) iniciou a série histórica, em 2001. Motivo: o excesso de gastos do governo central - ou seja, do Tesouro - em relação às receitas. As contas estão sob ameaça, sem direito a "gargalhada" - como sugeriu a presidente Dilma Rousseff aos que ouvirem falar em apagão elétrico. O chavão de que o governo faz economia, apesar de déficits primário e nominal expressivos, torna-se piada de mau gosto.
Entre outubro e novembro, em números redondos, as receitas da União caíram R$ 8 bilhões, enquanto as transferências a Estados e municípios aumentaram R$ 6 bilhões e o déficit da Previdência Social foi R$ 2,5 bilhões maior. O resultado primário do governo central (que não inclui juros) foi negativo em R$ 4,3 bilhões. Comparando janeiro a novembro, de 2011 e de 2012, houve superávit primário com declínio de 34%: de R$ 91,5 bilhões para R$ 60,4 bilhões.
À piora das contas federais, muito além do que se esperava, soma-se o déficit primário recorde de R$ 5,5 bilhões, no mês passado, nas contas do governo central, de Estados, municípios, estatais e do Banco Central.
Em 12 meses, até novembro, o superávit primário consolidado foi de apenas 1,93% do PIB, ante 2,26% do PIB, em outubro. O governo terá de recorrer a malabarismo - o abatimento de despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dos gastos públicos - para não expor a gravidade da situação fiscal. A meta de superávit primário, de 3,1% do PIB, em 2012, ou R$ 139,8 bilhões, mostrou o grau de irrealismo das previsões das autoridades, feitas há um ano.
Os déficits nominais do setor público, de R$ 21,8 bilhões, em novembro, e de R$ 112,1 bilhões, em 11 meses, também foram os piores resultados da série histórica para os períodos mencionados.
As contas fiscais de novembro mostram que a política de incentivos fiscais adotada para combater a desaceleração econômica, em especial, a redução do IPI e a desoneração da folha de pagamentos, provocou uma piora da situação fiscal. Em dezembro, deverá haver melhora, graças ao aumento da arrecadação, inclusive da Previdência Social, mas não a ponto de reabilitar as metas.
Na busca de preservar a confiança dos agentes econômicos, o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, mostrou que a dívida líquida atingiu o menor patamar da série (35% do PIB), em novembro, e que a previsão de gastos com juros é de 4,8% do PIB, ante 5,7% em 2011.
Congresso em dívida com a sociedade - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30/12
No transcorrer de 2012, as instituições republicanas brasileras, em particular o Poder Judiciário, ganharam maturidade, algo notável em uma região do mundo em que o nacional-populismo avança, quando parecia que esta mazela do lado sombrio da história latino-americana não teria chances de se consolidar na era da globalização. Não é o que acontece, haja vista o retrocesso institucional na Argentina kirchnerista, contaminada pelo chavismo da Venezuela, também exportado para a Bolívia, Equador e Nicarágua. Ainda bem que, no Brasil, esta ideologia cesarista, autoritária, tem sido contida pelas instituições democráticas.
O julgamento do mensalão, com 22 condenações a prisão, 11 a um período em regime fechado, de que não escaparam estreladas lideranças petistas, funciona como um grande teste de resistência da solidez do regime republicano brasileiro. E com resultados e indícios altamente animadores.
Um deles, o fato de, no decorrer dos trabalhos do STF, já com a indicação de um desfecho ruim para o grupo no poder dentro do PT, a presidente Dilma preencher uma vaga no Pleno da Corte (Tori Zavascki), aberta com a aposentadoria compulsória de Cezar Peluso, com base no mesmo e correto critério de incontestável saber jurídico usado nas escolhas anteriores de Luiz Fux e Rosa Weber. Que continue assim, protegendo de interesses deletérios decisões estratégicas como esta.
Isso significa, por parte do Executivo, respeito à independência do Judiciário, prerrogativa que precisa estar lastreada em rigor técnico, como o demonstrado no transcorrer do julgamento do mensalão. Rigor este refletido também na decisão do ministro Joaquim Barbosa, na condição de presidente do Supremo, de negar pedido da Procuradoria-Geral da República para antecipar o início do cumprimento da pena de prisão em regime de fechado pelos mensaleiros condenados.
Ficou mais uma vez evidente que, se Joaquim Barbosa agiu com o necessário rigor na relatoria do processo, foi devido ao peso das provas coletadas pelo Ministério Público na denúncia feita contra a "organização criminosa" que tentou literalmente comprar apoio no Congresso a um projeto de poder à margem da Constituição.
Já o Congresso, até mesmo em função da política de cooptação fisiológica seguida pelo lulopetismo, de que o mensalão é símbolo, encerra 2012 em dívida com a sociedade. O Legislativo não conseguiu escapar da visão míope de interesses de grupos.
Exemplo incontestável é a espúria maioria formada por estados não produtores de petróleo para atropelar a ordem jurídica e expropriar royalties pagos mediante o estabelecido em contratos assinados.
Mais uma vez, a Justiça agiu em defesa da Constituição, da segurança jurídica no país, ao, por liminar, impedir o golpe parlamentar que seria desfechado contra os estados produtores de petróleo. Na verdade, um atentado contra o pacto federativo. O fecho do ano à altura deste desvario foi a iniciativa do presidente da Câmara, Marco Maia, petista gaúcho, de envolver, no papel de militante partidário, o Poder Legislativo numa operação absurda de desrespeito de uma sentença judicial. Não fosse a serenidade do ministro Joaquim Barbosa, haveria uma crise institucional.
O recesso de fim de ano é uma pausa para que lideranças políticas reflitam sobre o distanciamento que se ampliou entre o Congresso e o país real. O tema deveria estar na agenda de deputados e senadores para 2013.
No transcorrer de 2012, as instituições republicanas brasileras, em particular o Poder Judiciário, ganharam maturidade, algo notável em uma região do mundo em que o nacional-populismo avança, quando parecia que esta mazela do lado sombrio da história latino-americana não teria chances de se consolidar na era da globalização. Não é o que acontece, haja vista o retrocesso institucional na Argentina kirchnerista, contaminada pelo chavismo da Venezuela, também exportado para a Bolívia, Equador e Nicarágua. Ainda bem que, no Brasil, esta ideologia cesarista, autoritária, tem sido contida pelas instituições democráticas.
O julgamento do mensalão, com 22 condenações a prisão, 11 a um período em regime fechado, de que não escaparam estreladas lideranças petistas, funciona como um grande teste de resistência da solidez do regime republicano brasileiro. E com resultados e indícios altamente animadores.
Um deles, o fato de, no decorrer dos trabalhos do STF, já com a indicação de um desfecho ruim para o grupo no poder dentro do PT, a presidente Dilma preencher uma vaga no Pleno da Corte (Tori Zavascki), aberta com a aposentadoria compulsória de Cezar Peluso, com base no mesmo e correto critério de incontestável saber jurídico usado nas escolhas anteriores de Luiz Fux e Rosa Weber. Que continue assim, protegendo de interesses deletérios decisões estratégicas como esta.
Isso significa, por parte do Executivo, respeito à independência do Judiciário, prerrogativa que precisa estar lastreada em rigor técnico, como o demonstrado no transcorrer do julgamento do mensalão. Rigor este refletido também na decisão do ministro Joaquim Barbosa, na condição de presidente do Supremo, de negar pedido da Procuradoria-Geral da República para antecipar o início do cumprimento da pena de prisão em regime de fechado pelos mensaleiros condenados.
Ficou mais uma vez evidente que, se Joaquim Barbosa agiu com o necessário rigor na relatoria do processo, foi devido ao peso das provas coletadas pelo Ministério Público na denúncia feita contra a "organização criminosa" que tentou literalmente comprar apoio no Congresso a um projeto de poder à margem da Constituição.
Já o Congresso, até mesmo em função da política de cooptação fisiológica seguida pelo lulopetismo, de que o mensalão é símbolo, encerra 2012 em dívida com a sociedade. O Legislativo não conseguiu escapar da visão míope de interesses de grupos.
Exemplo incontestável é a espúria maioria formada por estados não produtores de petróleo para atropelar a ordem jurídica e expropriar royalties pagos mediante o estabelecido em contratos assinados.
Mais uma vez, a Justiça agiu em defesa da Constituição, da segurança jurídica no país, ao, por liminar, impedir o golpe parlamentar que seria desfechado contra os estados produtores de petróleo. Na verdade, um atentado contra o pacto federativo. O fecho do ano à altura deste desvario foi a iniciativa do presidente da Câmara, Marco Maia, petista gaúcho, de envolver, no papel de militante partidário, o Poder Legislativo numa operação absurda de desrespeito de uma sentença judicial. Não fosse a serenidade do ministro Joaquim Barbosa, haveria uma crise institucional.
O recesso de fim de ano é uma pausa para que lideranças políticas reflitam sobre o distanciamento que se ampliou entre o Congresso e o país real. O tema deveria estar na agenda de deputados e senadores para 2013.
Dois anos de fiasco econômico - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 30/12
A presidente Dilma Rousseff completa meio mandato com um balanço econômico assustador - dois anos de produção estagnada, investimento em queda, inflação longe da meta, exportação emperrada e contas públicas em deterioração. Desemprego baixo e um consumo ainda vigoroso são os dados positivos, mas insuficientes para garantir a reativação de uma indústria sem músculos para disputar espaço nos mercados. Sobram palavras: um discurso triunfal sobre um "novo modelo macroeconômico", baseado em juros mais baixos e câmbio menos valorizado, promessas de grandes obras de infraestrutura e de reformas de amplo alcance. De concreto, houve a redução dos juros, o que certamente contribuiu para o aumento da popularidade de Dilma. Um balanço provisório basta para mostrar o alto custo dos erros cometidos em dois anos pelos condutores da política econômica, liderados, é bom lembrar, por uma presidente voluntariosa.
O crescimento econômico deste ano está estimado em torno de um por cento por economistas do Banco Central (BC), do mercado financeiro e das consultorias mais importantes. Esse resultado seria ruim em qualquer circunstância, mas no caso brasileiro há uma circunstância especial. No ano anterior o Produto Interno Bruto (PIB) havia aumentado apenas 2,7%. O País perdeu o passo entre os emergentes de todo o mundo. Este detalhe é importante, porque desqualifica as tentativas de atribuir o mau desempenho brasileiro à crise global, ao tsunami monetário criado pelos bancos centrais do mundo rico e à má vontade dos deuses.
Os problemas são internos, todos fabricados no Brasil por uma política há muito tempo defeituosa e piorada pela teimosia do atual governo. Segundo o Tesouro, os investimentos do governo central foram de janeiro a novembro 22,8% maiores que os de um ano antes e atingiram R$ 54,9 bilhões. Mas isso equivale a pouco mais de 50% do total previsto no Orçamento. Além disso, o valor inclui os financiamentos do programa Minha Casa, Minha Vida e boa parte dos desembolsos foi de restos a pagar. Se depender da eficiência federal, continuarão faltando investimentos tanto para reativar a economia em 2013 quanto para garantir um crescimento mais vigoroso nos anos seguintes.
Tudo somado, o valor investido pelo setor privado, pela administração pública direta e pelas estatais deve ter ficado em torno de 18% do PIB. Em outros países latino-americanos a proporção ultrapassa 25% e nos emergentes da Ásia supera 35%. Além disso, é preciso levar em conta a qualidade dos projetos e a eficiência da execução. Não basta investir. Os alvos podem ser mal escolhidos e o dinheiro, desperdiçado. O histórico dos projetos federais, tanto da administração direta quanto das estatais, tem sido muito ruim há vários anos. Aparelhamento, loteamento de cargos, incompetência e corrupção têm custado muito caro.
A inflação alta contrasta com o baixo ritmo de atividade. Em outros países, tolera-se alguma alta de preços para garantir algum impulso à economia, e sempre por um tempo muito limitado. No Brasil, o governo vem mantendo há vários anos a meta de 4,5%, muito alta quando comparada com os padrões internacionais. Neste ano, o BC cortou juros e renunciou a combater o aumento de preços, em troca de um crescimento econômico humilhante para um Brics.
Os preços ao consumidor medidos pela Fundação Getúlio Vargas e incluídos no IGPM subiram 5,79% neste ano. De novembro para dezembro houve aceleração de aumentos em seis dos oito componentes do indicador. O IPCA, calculado pelo IBGE e usado como referência para a política oficial, aumentou 5,53% nos 12 meses terminados em novembro. A alta internacional dos preços agrícolas foi obviamente apenas uma parte dessa história.
A balança comercial refletiu a fraqueza da indústria diante dos competidores, o erro de uma política de estímulos voltada para o consumo e, naturalmente, a dependência excessiva das vendas de matérias-primas à China. Até novembro, o valor exportado foi 4,9% menor que o de um ano antes, pela média dos dias úteis, e o saldo comercial, 31,1% inferior ao de igual período de 2011. Os números finais do ano devem sair na quarta-feira e confirmarão, com certeza, o alto custo de vários erros políticos.
A amplitude da corrupção - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 30/12
Os números constantes de levantamento feito pela Polícia Federal (PF) sobre as suas investigações de desvios de recursos e corrupção em prefeituras de todo o País são impressionantes. Embora se refiram a inquéritos ainda em curso, eles dão uma ideia da amplitude das suspeitas - baseadas em indícios fortes o suficiente para mobilizar a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da PF - que pairam sobre um setor da maior importância da administração pública, o dos governos municipais. São 3.167 inquéritos que envolvem 484 prefeitos e ex- prefeitos, suspeitos de violarem dispositivos do Decreto Lei 201/67. Estão também sendo investigados 182 servidores, 87 secretários municipais e 63 funcionários que ocupam cargos em comissão.
Aquele decreto lei caracteriza os ilícitos cometidos por prefeitos e vereadores e prevê 23 casos capazes de provocar sérios danos ao erário. Por exemplo, apropriação de bens ou rendas públicas, desvios de recursos em benefício próprio ou alheio, deixar de prestar contas anualmente, efetuar despesas não autorizadas por lei e fraudes em licitações. As penas para esses delitos vão de 2 a 12 anos de prisão.
O Maranhão concentra o maior número de inquéritos (644), seguido pela Bahia (490), Ceará (296), Piauí (285), Pará (196) e Pernambuco (194). Isto se explica, segundo o delegado Oslain Campos de Santana, chefe do Dicor, pelo fato de esses Estados, serem mais carentes e por isso receberem mais recursos da União, o que aumenta as oportunidades de fraudes. "São elevadíssimos os recursos que a União repassa para os municípios, principalmente através de convênios na áreas de educação e saúde", lembra ele. Em São Paulo e Rio foram abertos, respectivamente, 96 e 83 inquéritos.
Tanto para ter uma ideia mais precisa da situação quanto para que as investigações possam produzir resultados concretos - isto é, fornecer ao Ministério Público e à Justiça os elementos necessários para eventuais denúncias e punições é preciso aguardar a conclusão dos inquéritos. O que, se for seguido à risca a legislação que regula a matéria - o que infelizmente nem sempre é o caso deve acontecer em breve. Os inquéritos policiais devem ser concluídos no prazo de 30 dias. Podem ser renovados por mais 30 dias pela Justiça, desde que por motivo relevante, devidamente exposto pela autoridade policial
Em entrevista ao Estado, o delegado Oslain Santana mostra como agem as organizações criminosas em relação ao poder público e o perigo representado por cada uma delas. Elas se distribuem por três grupos. Um, de matriz mafiosa, se infiltra no aparelho do Estado e investe mais em corrupção de agentes públicos do que em atos de violência para realizar seus "negócios" e ampliar cada vez mais seu poder. "Veja o exemplo do Cadinhos Cachoeira. Começou com jogo do bicho e foi se infiltrando no Estado."
Numa outra categoria estão o que a PF chama de "grupos agressivos" que apelam para ações armadas, como ocorre no Rio e em São Paulo. Eles são violentos, mas têm poder eçonômico reduzido, se comparado com o dos outros grupos, e sua infiltração no aparelho estatal não é profunda.
O grupo que mais preocupa a PF, pelo seu poder e seu raio de atuação, é formado, segundo Oslain Santana, pelas "organizações de colarinho-branco ou das elites, pessoas acima de qualquer suspeita, mas que movimentam grandes esquemas". Por isso, são as mais perniciosas dô ponto de vista da PF. "Desviam bilhões dos cofres públicos para benefício pessoal. Tiram dinheiro da educação e da saúde por meio de violações constantes do Decreto Lei 201/67 e da Lei de Licitações." Deixando de lado a confusão de criminosos de colarinho-branco com as "elites" - citadas de forma vaga, imprecisa um conceito que ele claramente não domina, o delegado Santana tem razão para chamar a atenção para a.capacidade que esse último grupo tem de causar graves prejuízos aos cofres públicos, em vista de seu poder de aliciamento e corrupção. É de esperar, portanto, que continue a merecer cuidado especial da PF.
Os números constantes de levantamento feito pela Polícia Federal (PF) sobre as suas investigações de desvios de recursos e corrupção em prefeituras de todo o País são impressionantes. Embora se refiram a inquéritos ainda em curso, eles dão uma ideia da amplitude das suspeitas - baseadas em indícios fortes o suficiente para mobilizar a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da PF - que pairam sobre um setor da maior importância da administração pública, o dos governos municipais. São 3.167 inquéritos que envolvem 484 prefeitos e ex- prefeitos, suspeitos de violarem dispositivos do Decreto Lei 201/67. Estão também sendo investigados 182 servidores, 87 secretários municipais e 63 funcionários que ocupam cargos em comissão.
Aquele decreto lei caracteriza os ilícitos cometidos por prefeitos e vereadores e prevê 23 casos capazes de provocar sérios danos ao erário. Por exemplo, apropriação de bens ou rendas públicas, desvios de recursos em benefício próprio ou alheio, deixar de prestar contas anualmente, efetuar despesas não autorizadas por lei e fraudes em licitações. As penas para esses delitos vão de 2 a 12 anos de prisão.
O Maranhão concentra o maior número de inquéritos (644), seguido pela Bahia (490), Ceará (296), Piauí (285), Pará (196) e Pernambuco (194). Isto se explica, segundo o delegado Oslain Campos de Santana, chefe do Dicor, pelo fato de esses Estados, serem mais carentes e por isso receberem mais recursos da União, o que aumenta as oportunidades de fraudes. "São elevadíssimos os recursos que a União repassa para os municípios, principalmente através de convênios na áreas de educação e saúde", lembra ele. Em São Paulo e Rio foram abertos, respectivamente, 96 e 83 inquéritos.
Tanto para ter uma ideia mais precisa da situação quanto para que as investigações possam produzir resultados concretos - isto é, fornecer ao Ministério Público e à Justiça os elementos necessários para eventuais denúncias e punições é preciso aguardar a conclusão dos inquéritos. O que, se for seguido à risca a legislação que regula a matéria - o que infelizmente nem sempre é o caso deve acontecer em breve. Os inquéritos policiais devem ser concluídos no prazo de 30 dias. Podem ser renovados por mais 30 dias pela Justiça, desde que por motivo relevante, devidamente exposto pela autoridade policial
Em entrevista ao Estado, o delegado Oslain Santana mostra como agem as organizações criminosas em relação ao poder público e o perigo representado por cada uma delas. Elas se distribuem por três grupos. Um, de matriz mafiosa, se infiltra no aparelho do Estado e investe mais em corrupção de agentes públicos do que em atos de violência para realizar seus "negócios" e ampliar cada vez mais seu poder. "Veja o exemplo do Cadinhos Cachoeira. Começou com jogo do bicho e foi se infiltrando no Estado."
Numa outra categoria estão o que a PF chama de "grupos agressivos" que apelam para ações armadas, como ocorre no Rio e em São Paulo. Eles são violentos, mas têm poder eçonômico reduzido, se comparado com o dos outros grupos, e sua infiltração no aparelho estatal não é profunda.
O grupo que mais preocupa a PF, pelo seu poder e seu raio de atuação, é formado, segundo Oslain Santana, pelas "organizações de colarinho-branco ou das elites, pessoas acima de qualquer suspeita, mas que movimentam grandes esquemas". Por isso, são as mais perniciosas dô ponto de vista da PF. "Desviam bilhões dos cofres públicos para benefício pessoal. Tiram dinheiro da educação e da saúde por meio de violações constantes do Decreto Lei 201/67 e da Lei de Licitações." Deixando de lado a confusão de criminosos de colarinho-branco com as "elites" - citadas de forma vaga, imprecisa um conceito que ele claramente não domina, o delegado Santana tem razão para chamar a atenção para a.capacidade que esse último grupo tem de causar graves prejuízos aos cofres públicos, em vista de seu poder de aliciamento e corrupção. É de esperar, portanto, que continue a merecer cuidado especial da PF.
Me engana que eu gosto - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 30/12
O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas publicamente em discurso à nação
Muitos de vocês, como eu também, hão de se perguntar por que, depois de tantos escândalos envolvendo os dois governos petistas, a popularidade de Dilma e Lula se mantém alta e o PT cresceu nas últimas eleições municipais. Seria muita pretensão dizer que sei a resposta a essa pergunta. Não sei, mas, porque me pergunto, tento respondê-la ou, pelo menos, examinar os diversos fatores que influem nela.
Assim, a primeira coisa a fazer é levar em conta as particularidades do eleitorado do país e o momento histórico em que vivemos. Sem pretender aprofundar-me na matéria, diria que um dos traços marcantes do nosso eleitorado é ser constituído, em grande parte, por pessoas de poucas posses e trabalhadores de baixos salários, sem falar nos que passam fome.
Isso o distingue, por exemplo, do eleitorado europeu, e se reflete consequentemente no conteúdo das campanhas eleitorais e no resultado das urnas. Lá, o neopopulismo latino-americano não tem vez. Hugo Chávez e Lula nem pensar.
Historicamente, o neopopulismo é resultante da deterioração do esquerdismo revolucionário que teve seu auge na primeira metade do século 20 e, na América Latina, culminaria com a Revolução Cubana. A queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética deixaram, como herança residual, a exploração da desigualdade social, já não como conflito entre o operariado e a burguesia, mas, sim, entre pobres e ricos. O PT é exemplo disso: nasceu prometendo fazer no Brasil uma revolução equivalente à de Fidel em Cuba e terminou como partido da Bolsa Família e da aliança com Maluf e com os evangélicos.
Esses são fatos indiscutíveis, que tampouco Lula tentou ocultar: sua aliança com os evangélicos é pública e notória, pois chegou a nomear um integrante da seita do bispo Macedo para um de seus ministérios. A aliança com Paulo Maluf foi difundida pela televisão para todo o país. Mas nada disso alterou o prestígio eleitoral de Lula, tanto que Haddad foi eleito prefeito da cidade de São Paulo folgadamente.
E o julgamento do mensalão? Nenhum escândalo político foi tão difundido e comprovado quanto esse, que resultou na condenação de figuras do primeiro escalão do PT e do governo Lula. Não obstante, o número de vereadores petistas aumentou em quase todo o país.
E tem mais. Mal o STF decidiu pela condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, estourava um novo escândalo, envolvendo, entre outros, altos funcionários do governo, Rose Noronha, chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo e pessoa da confiança e da intimidade de Lula.
Em seguida, as revelações feitas por Marcos Valério vieram demonstrar a participação direta de Lula no mensalão. Apesar de tudo isso, a última pesquisa de opinião da Datafolha mostrou que Dilma e Lula continuam na preferência de mais de 50 % da opinião pública.
Como explicá-lo? É que essa gente que os apoia aprova a corrupção? Não creio. Afora os que apoiam Lula por gratidão, já que ele lhes concedeu tantas benesses, há aqueles que o apoiam, digamos, ideologicamente, ainda que essa ideologia quase nada signifique.
Esse é um ponto que mereceria a análise dos psicólogos sociais. O cara acha que Lula encarna a luta contra a desigualdade, identifica-se com ele e, por isso, não pode acreditar que ele seja corrupto. Consequentemente, a única opção é admitir que o Supremo Tribunal Federal não julgou os mensaleiros com isenção e que a imprensa mente quando divulga os escândalos.
O que ele não pode é aceitar que errou todos esses anos, confiando no líder. Quando no governo Fernando Henrique surgiu o medicamento genérico, os lulistas propalaram que aquilo era falso remédio, que os compridos continham farinha. E não os compravam, ainda que fossem muito mais baratos. Esse tipo de eleitor mente até para si mesmo.
Não obstante, uma coisa é inegável: os dirigentes petistas sabem que tudo é verdade. O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas publicamente em discurso à nação.
Por isso, só lhes resta, agora, fingirem-se de indignados, apresentarem-se como vítimas inocentes, prometendo ir às ruas para denunciar os caluniadores. Mas quem são os caluniadores, o Supremo Tribunal e a Polícia Federal? Essa é uma comédia que nem graça tem.
Com apagão e privatização - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 30/12
O desfecho do julgamento do mensalão, junto com o ano útil, foi mais forte que a capacidade do governo da presidente Dilma Rousseff de resistir à pressão para que o tema não invadisse o Palácio do Planalto. Está sentado acima do gabinete presidencial incorporado na figura do secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho.
Voz do ex-presidente Lula no governo, Carvalho entregou-se à militância no cargo, explicitando o que a presidente disse estar proibido no governo: a manifestação sobre a decisão do STF. O que torna a recusa de Dilma em abordar o assunto, no café com jornalistas na última quinta-feira, um recorrente jogo de cena.
Ao investir contra o ministro Luiz Fux, acusando-o de trair a promessa de absolvição para obter a nomeação, Carvalho confessa aos olhos da Nação o critério fisiológico e partidário que orienta as escolhas do governo para a Suprema Corte.
Ao mensalão juntam-se duas outras expressões com as quais o PT demonizou o governo de Fernando Henrique Cardoso e que, agora, incorporam-se à agenda de Dilma de forma politicamente constrangedora: o apagão e a privatização. O ano termina com o governo rendido a ambos, atribuindo o primeiro à má gestão do setor elétrico e, a segunda, à necessidade de atrair investimentos.
A perda de capital político do PT, somada ao esgotamento do modelo de crescimento pelo consumo, impõe a Dilma seu maior desafio até aqui: o enfrentamento das dificuldades impostas pelo partido ao desempenho do governo, instado a apresentar resultados porque, acacianamente, antes de 2014 vem 2013.
Desobediência judicial
Há ministros do Supremo Tribunal Federal interpretando a iniciativa do Tribunal de Contas da União e do Tesouro Nacional em repassar os valores do Fundo de Participação dos Estados (FPE) pelas regras antigas, como desobediência judicial. O STF considerou inconstitucionais os critérios de distribuição do fundo e dera prazo até 31 de dezembro para que o Congresso definisse novas regras, o que não ocorreu. Os ministros avaliam que era suficiente o prazo de dois anos concedido ao Congresso para votar novas regras para o FPE, que hoje privilegia Maranhão, Ceará e Bahia. O assunto se somará à cassação dos mandatos dos parlamentares condenados no mensalão e à suspensão da votação do veto à lei dos royalties, que abalam as relações entre Judiciário e Legislativo.
Fala sério...
O presidente do Senado, José Sarney, (PMDB-AP), afugentou um senador que foi lhe apresentar um novo modelo de redistribuição do FPE. Advogado do Maranhão, disse ao colega que não levasse o tema a sério.
Nova safra
Junto com José Genoino (PT-SP), condenado no julgamento do mensalão, assumirão 28 novos deputados provavelmente no próximo dia 4. Substituem os que trocam a Casa por prefeituras e secretarias municipais. Também voltam à Câmara o ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG), o ex-secretário do Turismo Colbert Martins (PMDB-BA), preso na Operação Voucher da Polícia Federal, e a ex-deputada Iara Bernardi (PT-SP).
Guerra Fiscal
O senador Delcídio Amaral (PT-MS) deverá ser o relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do projeto de unificação das alíquotas do ICMS, que o governo enviou ao Congresso na última sexta-feira, regulamentando a matéria. A proposta é unificar gradualmente em 4% as alíquotas estaduais, que hoje variam de 7% a 12%, estimulando a guerra fiscal.
Voz do ex-presidente Lula no governo, Carvalho entregou-se à militância no cargo, explicitando o que a presidente disse estar proibido no governo: a manifestação sobre a decisão do STF. O que torna a recusa de Dilma em abordar o assunto, no café com jornalistas na última quinta-feira, um recorrente jogo de cena.
Ao investir contra o ministro Luiz Fux, acusando-o de trair a promessa de absolvição para obter a nomeação, Carvalho confessa aos olhos da Nação o critério fisiológico e partidário que orienta as escolhas do governo para a Suprema Corte.
Ao mensalão juntam-se duas outras expressões com as quais o PT demonizou o governo de Fernando Henrique Cardoso e que, agora, incorporam-se à agenda de Dilma de forma politicamente constrangedora: o apagão e a privatização. O ano termina com o governo rendido a ambos, atribuindo o primeiro à má gestão do setor elétrico e, a segunda, à necessidade de atrair investimentos.
A perda de capital político do PT, somada ao esgotamento do modelo de crescimento pelo consumo, impõe a Dilma seu maior desafio até aqui: o enfrentamento das dificuldades impostas pelo partido ao desempenho do governo, instado a apresentar resultados porque, acacianamente, antes de 2014 vem 2013.
Desobediência judicial
Há ministros do Supremo Tribunal Federal interpretando a iniciativa do Tribunal de Contas da União e do Tesouro Nacional em repassar os valores do Fundo de Participação dos Estados (FPE) pelas regras antigas, como desobediência judicial. O STF considerou inconstitucionais os critérios de distribuição do fundo e dera prazo até 31 de dezembro para que o Congresso definisse novas regras, o que não ocorreu. Os ministros avaliam que era suficiente o prazo de dois anos concedido ao Congresso para votar novas regras para o FPE, que hoje privilegia Maranhão, Ceará e Bahia. O assunto se somará à cassação dos mandatos dos parlamentares condenados no mensalão e à suspensão da votação do veto à lei dos royalties, que abalam as relações entre Judiciário e Legislativo.
Fala sério...
O presidente do Senado, José Sarney, (PMDB-AP), afugentou um senador que foi lhe apresentar um novo modelo de redistribuição do FPE. Advogado do Maranhão, disse ao colega que não levasse o tema a sério.
Nova safra
Junto com José Genoino (PT-SP), condenado no julgamento do mensalão, assumirão 28 novos deputados provavelmente no próximo dia 4. Substituem os que trocam a Casa por prefeituras e secretarias municipais. Também voltam à Câmara o ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG), o ex-secretário do Turismo Colbert Martins (PMDB-BA), preso na Operação Voucher da Polícia Federal, e a ex-deputada Iara Bernardi (PT-SP).
Guerra Fiscal
O senador Delcídio Amaral (PT-MS) deverá ser o relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do projeto de unificação das alíquotas do ICMS, que o governo enviou ao Congresso na última sexta-feira, regulamentando a matéria. A proposta é unificar gradualmente em 4% as alíquotas estaduais, que hoje variam de 7% a 12%, estimulando a guerra fiscal.
2012, o ano que não terminou - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 30/12
Nenhum homem, por maior esforço que faça, pode acrescentar um palmo à sua altura e alterar o pequeno modelo que é o corpo humano. Não fosse tal preceito sagrado da Escritura, o Brasil seria forte candidato a demonstrar que o extraordinário feito de mudar a anatomia humana é algo corriqueiro nos laboratórios da nossa engenharia genética. Basta anotar a conjunção de coisas espetaculares que se anunciam como inequívoco sinal de que o País lidera a vanguarda do desenvolvimento mundial e goza as delícias do Éden. Essa é a visão que se extrai das autoridades que comandam nossa economia ao fazerem um balanço das conquistas, na esteira de uma versão comum aos governantes que, em fins de ano, costumam transmitir esperança e crença no futuro da Nação. Como pano de fundo, um inevitável painel de realizações. O desenho é uma composição estrelada sob abóbada de anil, sem nesga de nuvem a turvar os céus. Como o Brasil é um país aproximativo, lembrando o embaixador Gilberto Amado, podemos encaixar o Hosana na ópera natalina das fantasias, onde não faltam Papais Noéis com magníficos presentes para nos convencer de que o momento é propício às versões mais exageradas.
Para começar, a impressão que faz cócegas em nossa mente é a de que o ano não terminou. Apreciável parcela de metas previamente acertadas deixou de ser cumprida, entrando no torvelinho de postergações, tergiversações e elucubrações. Muitos compromissos vão bater à porta das calendas. Não se trata de constatar que o cumprimento de penas de condenados do mensalão foi protelado. Nesse compartimento o bom senso até predominou, eis que ordenar prisão sem obediência rigorosa à liturgia processual seria um viés indesejável e causaria danos à imagem da instituição judiciária. Aliás, os passos mais avançados do País se deram na trilha do Judiciário, mais precisamente na esfera da Suprema Corte, que cumpriu de modo altaneiro seu papel, obedecendo ao ritual regrado por princípios de transparência, respeito aos contrários, independência e sintonia com a letra constitucional. Não é, pois, nessa vertente que se aduz sobre o capítulo de coisas inacabadas. As defasagens contabilizadas no ano são particularmente gritantes na frente da gestão, ao escancararem um conjunto de obras paralisadas, falta de estímulos aos investimentos, desorganização das estruturas administrativas e excessiva concentração de poder nas mãos da presidente, entre outros entraves. Ademais, pareceu imperar a concepção errática de que um Estado grande, forte e ativo é a ferramenta adequada para substituir a engrenagem privada na estratégia de alocar recursos para a vida produtiva. (O termo privatização ainda integra o rol de pecados originais assinalados no índex de condenações do velho petismo.)
Os troféus triunfalistas são exibidos: as políticas de transferência de renda e de aumento do emprego, a queda da taxa de juros, a manutenção da estabilidade dos preços, a depreciação do real, os subsídios a programas como o Minha Casa, Minha Vida, entre outros, como se fossem suficientes para tirar o País do marasmo. Não se nega o efeito que esse pacote produz nos índices de popularidade do governo e na ótima avaliação da mandatária. Viu-se o esforço continuado para estreitar as bases da pirâmide social. Outras frentes, porém, clamam por urgência: os buracos na infraestrutura e a ausência de estímulos para a indústria melhorar seus níveis de inovação e produtividade. O sistema produtivo faz queixas. Pesquisa da CNI acaba de mostrar as notas que os empresários atribuem à áreas básicas: educação (7,08), vindo à frente de tributação (6,6), infraestrutura (6), inovação (5,29), relações de trabalho (5,28), ambiente macroeconômico (4,82), eficiência do Estado (4,53), segurança jurídica e burocracia (4,33). As fendas no cercado do desenvolvimento social se somam aos desajustes no território legislativo. A sensação de que o ano deixa muito a desejar se reforça pela reversão de expectativas na área da reforma política. A frustração emerge quando se compara a dinâmica social, caracterizada por correntes vibrantes, com a estática da política.
O estágio civilizatório de setores e grupos atinge graus elevados. O Brasil desfralda bandeiras de cidadania conduzidas com firmeza pelos mais plurais núcleos de gêneros, categorias profissionais e entidades não governamentais. Pulsa vibração pelos corredores institucionais, onde a sociedade bate bumbo em defesa de demandas. Expande-se um sentimento de Pátria, na corrente que arrasta uns e outros em torno do esforço coletivo pela dignificação nacional. O patriotismo, sagrado valor maltratado por borrascas dos interesses venais, volta a animar o espírito nacional. Nos termos usados por José Ingenieros em O Homem Medíocre, começa-se a distinguir "um conceito de Pátria, implícita na solidariedade sentimental do povo, e não na confabulação de politiqueiros que medram à sua sombra". E em que ancoradouro desaguarão as correntes de águas límpidas? Na fonte dos anseios por uma nova política. Que começa a se fazer presente no acompanhamento de práticas e costumes de governantes e representantes, na renovação de quadros municipais, enfim, no expressivo ingresso de perfis mais jovens na arena institucional.
Espraia-se o sentimento de que o copo da política poluída transborda. Há visível descompasso entre dois Brasis, o que abre os olhos e o que dorme em berço esplêndido. De um lado se posta um cidadão exigente, um eleitor crítico, um consumidor de serviços consciente, ao lado de um grupamento ainda amarrado ao tronco da secular árvore do patrimonialismo. A esperança é que a força da racionalidade consiga inundar os pulmões da sociedade com o oxigênio de novos padrões. E que todos, margens, centro e topo, possam proclamar, a uma só voz, o brado do profeta Zaratustra: "Novos caminhos sigo, nova fala me empolga; como todos os criadores, cansei-me das velhas linguagens. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas".
Cofre aberto - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 30/12
Dilma Rousseff prepara pacote de bondades para os novos prefeitos, que iniciam mandato de olho nos recursos federais para atenuar a crise financeira. A presidente orientou a Secretaria de Relações Institucionais a municiar os gestores que tomam posse na terça com cartilhas que ensinam atalhos para acessar convênios com ministérios. A agenda municipalista terá desfecho no dia 28, quando a petista abrirá megaevento em Brasília, com direito a "tour" pela Esplanada.
E-gov
Na primeira quinzena deste mês, o Ministério do Planejamento já promoveu um "brainstorm" com futuros secretários e prefeitos para tratar de captação de verba e adesão a programas da União por meio eletrônico.
Como assim?
Dilma cobrou do ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e do presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, explicações sobre parceria firmada com o governo do Paraná para um programa baseado no Minha Casa Minha Vida, com nomenclatura distinta.
Mão única
Interlocutores do governo alegam que as ações do "Morar Bem Paraná" na área de habitação são custeadas totalmente pela União, sem contrapartida direta da administração de Beto Richa (PSDB), pré-candidato à reeleição em 2014.
Dobradinha 1
Geraldo Júlio (PSB), prefeito eleito de Recife, anunciará na quinta-feira sua primeira medida: a construção do Hospital da Mulher. Promessa de campanha, ele será erguido em terreno próximo ao hospital Pelópidas Silveira, inaugurado pelo governador e padrinho político, Eduardo Campos.
Dobradinha 2
O socialista pretende usar emendas parlamentares do Orçamento da União, negociadas com a bancada pernambucana, para custear o projeto. A obra é orçada em R$ 45 milhões.
No papel
ACM Neto (DEM-BA) obrigou seus secretários a assinarem termo de compromisso antes da posse, em Salvador. Quer garantir que sua equipe cumpra as metas estabelecidas por ele.
Operacional
Do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), sobre o governo atribuir recente série de episódios de corte de energia no país a falhas humanas: "A máxima do errar é humano não se aplica para situações que deixam milhões no escuro".
Memória...
Retrospectiva do ano divulgada no site do governo de São Paulo omite a crise na segurança pública, que resultou na troca da cúpula da secretaria após troca de farpas com o Planalto e tirou o sono de Geraldo Alckmin no segundo semestre.
...seletiva
No capítulo reservado a novembro, mês em que Fernando Grella substituiu Antonio Ferreira Pinto na pasta, os atos do governador tucano destacados na página oficial são o reforço no policiamento e a ampliação de programas culturais, além da trivial assinatura de convênios com prefeituras.
Paternidade
Ligados à CUT, os deputados petistas Ricardo Berzoini e Vicentinho tratam a recém-anunciada isenção de Imposto de Renda sobre a PLR de até R$ 6.000 como vitória pessoal. Ambos apresentaram projetos de lei com essa finalidade.
Assédio
Membros da comissão de sindicância que apura a conduta de procuradores suspeitos de envolvimento com a quadrilha investigada na Operação Porto Seguro relataram ao corregedor da AGU, Ademar Veiga, pressão de sindicatos de carreiras do órgão para dar informações sobre o processo.
Céu de brigadeiro
Apesar do apagão da última semana no Galeão (RJ), a Infraero comemora a queda no número de voos atrasados no início das férias de verão em aeroportos sob seu controle. Foram 12% do total de 72 mil partidas autorizadas em dezembro deste ano contra 15% das 76 mil decolagens no mesmo período de 2011.
tiroteio
O governo atingiu o máximo de agressão ao Congresso para fazer o que a lei já autoriza. É a completa banalização das MPs.
DO PRESIDENTE DO DEM, JOSÉ AGRIPINO, sobre instrumento usado pelo Planalto para financiar investimentos sem que o Orçamento tenha sido votado.
Contraponto
Estava escrito
Marco Maia (PT-RS) orientava deputados sobre as atividades da Câmara no final deste mês, alertando sobre a possibilidade de os trabalhos avançarem até dia 21. Esperidião Amin (PP-SC) interrompeu o petista:
-Se o mundo não acabar dia 21, podemos continuar!
O presidente, então, lembrou:
-E comunico também que vou assumir a Presidência da República interinamente logo mais.
-Pode ser que a profecia dos maias não se concretize, mas a do Sudokan está cumprida!-bincou Amin.
-A de que iria assumir duas vezes a Presidência na vida?-perguntou Maia, em tom irônico.
Dada a largada - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 30/12
Dança das cadeiras
O Planalto começa a desenhar a reforma ministerial que seria mini e, aos poucos, vem crescendo. Há uma definição: reduzir a cota do senador José Sarney (PMDB-AP), que tem dois apadrinhados: Edison Lobão (Minas e Energia) e Gastão Vieira (Turismo), que deverá perder o cargo. Com isso, o Turismo pode passar para a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), cansada da relação estressante com a Câmara. O PMDB quer dois ministérios para compensar o Turismo e o apoio ao PT na eleição em Minas Gerais. Nomes cotados: senador Eduardo Braga (AM), deputados Gabriel Chalita (SP), Leonardo Quintão (MG) e Marinha Raupp (RO).
“Os prefeitos eleitos estão curtindo suas últimas horas de plena felicidade. A partir do dia 2, o bicho vai pegar!”
Beto Albuquerque
Deputado federal (PSB-RS)
Niemeyer em selo
Os Correios e o Ministério das Comunicações estão definindo obras do arquiteto Oscar Niemeyer para virar selos. A ideia é lançar uma edição limitada em janeiro para homenagear o arquiteto, morto este mês.
Ou ele ou eu
O senador Blairo Maggi (PR-MT) está aproveitando a licença para pensar em formas de sair do PR e não perder o mandato. A brecha que estuda é a permanência do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), condenado pelo STF por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, na secretaria-geral do partido. Acha que pode convencer o TSE.
De "bike"
O prefeito eleito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT), chegará à sua posse andando de bicicleta. Diz que é gesto simbólico, para mostrar que é possível encontrar soluções para o congestionamento nas grandes cidades.
Pé na estrada
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem dito a interlocutores tucanos que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) precisa começar a percorrer o país imediatamente. Como fica preso três dias em Brasília, acha que Aécio deve dedicar os outros quatro, integralmente, a um roteiro por todas as regiões, de Norte a Sul, organizado pela direção do partido.
Tentando evitar
A possível eleição do deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) para a liderança do partido na Câmara está deixando o Planalto de cabelos em pé. Ele disputa, por enquanto, só contra Fernando Giacobo (PR-PR), que não empolga a bancada.
Para coibir desvios
Projeto do senador Lobão Filho (PMDB-MA) torna crime hediondo desvio de recursos nas áreas da saúde e da educação públicas. Justifica que prefeitos e gestores são presos, mas logo liberados, e nada de mais sério acontece.
Prefeito eleito de Salvador, ACM Neto (DEM) promete não fazer nomeações para mil cargos comissionados. A economia, em quatro anos, chega a R$ 600 milhões.
Contando os minutos - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 30/12
BRASÍLIA - O ex-presidente Lula e sua pupila e sucessora Dilma não veem a hora de 2012 terminar. Foi, ou está sendo, um ano difícil.
O mito Lula foi reforçado com a vitória de Haddad em São Paulo, mas sacudido por meses de julgamento do mensalão e pelas condenações de Dirceu e de figuras chaves da sua campanha em 2002 e do seu governo.
No fim, enfrentou três ameaças ambulantes a ele e ao PT: o pivô do mensalão, Marcos Valério, a ex-chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, e até o nefasto Carlinhos Cachoeira.
Valério e Cachoeira, sobretudo, não são flores que se cheirem e o que dizem não tem lá credibilidade. Mas também é fato que estavam perigosamente próximos do poder e, contem mentiras ou não, sabem de muitas verdades. Se não derrubam o mito, deixam interrogações. Bem não fazem e podem fazer muito mal à aura, à imagem.
Quanto a Dilma: ela peitou bancos e telefônicas, reduziu IPI, recheou prateleiras de remédios gratuitos, privilegiou professores nas negociações salariais, estimulou decisivamente a ida de estudantes brasileiros para o exterior e garantiu um nível de emprego invejável no mapa internacional. Não é pouco, mas não é tudo.
Em duas áreas fundamentais, a presidente chegou ao final do ano sob fortes críticas e crescentes pressões: gestão (logo ela, com toda a marca e pinta de gestora?) e política econômica (pibinho de 1%? Faça-me o favor). Derrapando em portos, aeroportos e apagões, ela bateu na incapacidade de fazer o país crescer. São muitas medidas no varejo e poucos resultados no atacado.
A marca social do governo Lula e os acertos populares de Dilma mantêm a altíssima aprovação de ambos e a expectativa de vitória em 2014. Mas não é à toa que Aécio se mexe, o aliado Eduardo Campos se assanha, Marina Silva sai da toca e eleitores sonham com Joaquim. No mínimo, veem espaço para alternativas.
BRASÍLIA - O ex-presidente Lula e sua pupila e sucessora Dilma não veem a hora de 2012 terminar. Foi, ou está sendo, um ano difícil.
O mito Lula foi reforçado com a vitória de Haddad em São Paulo, mas sacudido por meses de julgamento do mensalão e pelas condenações de Dirceu e de figuras chaves da sua campanha em 2002 e do seu governo.
No fim, enfrentou três ameaças ambulantes a ele e ao PT: o pivô do mensalão, Marcos Valério, a ex-chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, e até o nefasto Carlinhos Cachoeira.
Valério e Cachoeira, sobretudo, não são flores que se cheirem e o que dizem não tem lá credibilidade. Mas também é fato que estavam perigosamente próximos do poder e, contem mentiras ou não, sabem de muitas verdades. Se não derrubam o mito, deixam interrogações. Bem não fazem e podem fazer muito mal à aura, à imagem.
Quanto a Dilma: ela peitou bancos e telefônicas, reduziu IPI, recheou prateleiras de remédios gratuitos, privilegiou professores nas negociações salariais, estimulou decisivamente a ida de estudantes brasileiros para o exterior e garantiu um nível de emprego invejável no mapa internacional. Não é pouco, mas não é tudo.
Em duas áreas fundamentais, a presidente chegou ao final do ano sob fortes críticas e crescentes pressões: gestão (logo ela, com toda a marca e pinta de gestora?) e política econômica (pibinho de 1%? Faça-me o favor). Derrapando em portos, aeroportos e apagões, ela bateu na incapacidade de fazer o país crescer. São muitas medidas no varejo e poucos resultados no atacado.
A marca social do governo Lula e os acertos populares de Dilma mantêm a altíssima aprovação de ambos e a expectativa de vitória em 2014. Mas não é à toa que Aécio se mexe, o aliado Eduardo Campos se assanha, Marina Silva sai da toca e eleitores sonham com Joaquim. No mínimo, veem espaço para alternativas.
Depois dos Zetas, nada - JUAN PABLO VILLALOBOS
O ESTADÃO - 30/12
Nós ficcionistas costumamos dizer que a realidade nos faz uma concorrência desleal no México de hoje
As tribos de assassinos incluem em seus esquadrões da morte cameramen e fotógrafos - uns menos improvisados do que outros - encarregados de gravar as imagens de seus crimes e em seguida enviá-las ao Blog del Narco.O fotógrafo ou o cameraman são tão importantes no comando quanto um sicário.Do contrário,quem registrará para a imortalidade os crimes de autor que dentro em breve serão exibidos no Blog del Narco (ou pelo menos alguns minutos no YouTube)? Close up no instante da decapitação, dolly-in na rajada de balas das metralhadoras. Espera, vou mudar para a grande angular para que os mortos todos apareçam na foto. Acenda a luz para o pessoal ver bem como cortamos a cabeça, senão vou precisar de flash. Conheci o jornalista Diego Enrique Osorno no início deste ano no Brasil. Nascido em 1980 em Monterrey, no México, Diego estava em São Paulo para uma série de reuniões a portas fechadas da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, chefiada pelos ex-presidentes Ernesto Zedillo, César Gaviria e Fernando Henrique Cardoso.Conseguira entrar como penetra, convidado pelo ator mexicano Gael García Bernal.Na realidade, a missão de Diego era muito mais frívola do que poderia parecer a princípio: entrevistar Gael no Brasil e escrever um perfil para a revista Gatopardo.
Um par de meses antes, durante minhas férias de Natal no México, eu havia lido a reportagem Ninguém Lembra de Julián,com a qual Diego ganhou o Prêmio Internacional de Jornalismo da revista Proceso. Julián era irmão de Carlos Slim, o homem mais rico do mundo. Ocorre que Julián, segundo as investigações de Diego, havia sido agente da polícia do Departamento Federal de Segurança, o órgão que, nos anos 1970, foi responsável pela guerra suja contra a dissidência.Diego, que apesar da pouca idade já tinha percorrido uma longa trajetória como repórter do narcotráfico, decidira provocar o homem mais poderoso do México.
Os jornais falam de maneira limitada do narcotráfico no México. Contam seus mortos, as metralhadoras confiscadas, os quilos de maconha incinerados, os policiais presos ... Quase não analisam os outros aspectos do problema, apenas a mera estatística. Mas outra forma de olhar o narcotráfico poderia ser pelo prisma econômico. O narcotráfico, como seu nome indica, é um problema de comércio ilegal.
Que tipo de esquema financeiro é necessário para o México importar cocaína de um país da América do Sul? Quanto dinheiro é necessário para enviar a Ibiza os comprimidos de Ecstasy fabricados em Tierra Caliente, no Estado de Michoacán? Que tipo de logística exige a transferência da maconha semeada na serra de Oaxaca para a Cidade do México? Com que gastam seus salários os Zetas? Quanto custa ter uma sucursal de venda de cristal (metanfetamina) em Monterrey?
Era normal que Diego e eu acabássemos nos conhecendo. Eu havia publicado em 2010 Festa no Covil (Companhia das Letras), um romance narrado por um menino que é filho de um poderoso narcotraficante. Diego passara os últimos anos fazendo reportagens sobre a chamada guerra contra as drogas do presidente Calderón. Foi assim que, como é normal entre duas pessoas que têm muitos amigos em comum e sabem usar o Facebook, um domingo acabamos comendo picanha e tomando cachaça em Barão Geraldo, perto da Unicamp. Havia algo sinistro no fato de dois mexicanos que acabavam de se conhecer, acompanhados por uma brasileira e duas crianças mexicano-brasileiras, contarem durante horas um para o outro histórias macabras do narcotráfico em um boteco da cidade universitária. Alguns anos antes, essa conversa não teria ocorrido. De fato, sem a guerra contra as drogas é muito provável que Diego e eu nem sequer tivéssemos a curiosidade de nos conhecer.
Embora circulem dezenas de milhares de artigos sobre Los Zetas (segundo o Google, são 4 milhões e meio), ainda não está claro para muitos o que significa essa letra que sempre foi esquecida (zeta é "z") e, agora, há dias em que parece que o alfabeto do México começa por ela. Serão os Zetas a sofisticada organização de misólogos na qual, segundo o governo, se transformou aquele grupo de militares de elite treinados nos Estados Unidos, dos quais aqui, às margens do Rio Bravo, se ouve falar desde 2000? Zeta será o nome com o qual é camuflado o objetivo de limpeza social promovido por entidades que, com diferentes interesses, aproveitam-se dessa crise política subjacente desde 2007 para travar uma guerra necropolítica contra a presidência? Acaso trata-se de uma utopia social pós-moderna ou de uma saudade coletiva derivada da Guerra Fria? Serão os Zetas um grupo como qualquer outro do narcotráfico nacional que apenas por acaso tem a jovem idade da democracia mexicana?
Nem sequer é possível estabelecer um consenso em torno do nome do bando: por que usar a última letra do alfabeto? Porque depois do "z" não há mais nada,como me disse um dia o escritor Marco Lagunas, na Cidade do México - ou, como acreditam no nordeste,por causa dos códigos que identificavam os militares em Tamaulipas, tempos atrás? Diego começou como repórter praticamente ao sair da adolescência. Até 2007 fez o que chama de "um curso intensivo de realidades nacionais", escrevendo sobre greves, repressão, insurreições, desastres e narcotráfico. Uma pasta no seu computador indica que escreveu 7 mil artigos em dez anos. Entretanto, em 2007 teve a sensação de que alguma coisa não funcionava: não queria conformar-se em registrar os fatos de acordo com um formato preestabelecido.
Diego queria narrar, queria envolver-se, queria abandonar um enfoque jornalístico que abordava a violência do narcotráfico como um tópico de estatística. Instigado pela leitura de 2666, o romance de Roberto Bolaño, intuiu que havia outra maneira de contar o que estava acontecendo no México e decidiu abandonar a reportagem diária porque descobriu que detestava ser um rambo jornalista. Em resumo, o que Diego entendeu foi que a nova realidade mexicana exigia uma nova narrativa. Era impossível captar o horror da violência do narcotráfico redigindo necrológios.
Aos poucos, Diego foi abandonando as páginas dos jornais -embora não totalmente - e começou a habitar as das revistas de jornalismo narrativo, principalmente Gatopardo e Etiqueta Negra. Suas crônicas acabaram tomando a forma de livro: Oaxaca Sitiada: La Primera Insurrección del Siglo XXI (2007), El Cartel de Sinaloa. Una Historia del Uso Político del Narco (2009), Nosotros Somos los Culpables. La tragedia de la Guardería ABC (2010)- sobre um dos casos mais terríveis da história recente mexicana: o incêndio de uma creche em Hermosillo, Sonora, no qual morreram 49 crianças -, Un Vaquero Cruza la Frontera en Silencio (2011) e La Guerrade LosZetas. Viaje por la Frontera de la Necropolítica (2012). Além disso, há anos pesquisa num monte de caixas de documentos, revistas, livros e fotos para escrever a biografia de Carlos Slim, um projeto titânico do qual até agora não conseguiu livrar-se.
De alguns anos para cá, falar dos Zetas no México tornou-se ao mesmo tempo tabu e mania.No novo cenário de violência generalizada, os Zetas irromperam comum código próprio: não respeitar absolutamente nada. Eles extrapolaram todas as fronteiras do horror que eram respeitadas pelos antigos grupos de criminosos.
As histórias escabrosas foram se acumulando até que chegou um momento de paranoia coletiva no qual os Zetas passaram a ser culpados por tudo: assassinatos ligados ao narcotráfico, sequestros, atentados, roubos, chantagens, extorsões, cobrança de "impostos". Mas ninguém sabia ao certo quem eram os Zetas.
Os Zetas eram a soma de todas as hipóteses sobre o crime organizado.Saindo do campo restrito do mundo do crime, e tentando entender o fenômeno de uma perspectiva social, Diego o sintetizou da seguinte maneira: Os Zetas destacam para todos: "Para conseguir dinheiro, fazemos qualquer coisa". Eles são a chaga, o sintoma de uma doença que se espalhou por todo o corpo social.
Os Zetas, coincidências do destino, surgiram na região onde Diego nasceu.
Escrevi meu primeiro artigo sobre os Zetas em abril de 2010, aos 20 anos de idade. Falava de uma organização que serviu de divisor de águas no comando do narcotráfico da Frontera Chica, como nós chamamos a pequena zona de Tamaulipas que faz fronteira como Texas. Soldados das forças especiais desceram de madrugada do céu, em paraquedas camuflados, em Guardados de Abajo, um vilarejo da Ciudad Miguel Alemán, onde operava Gilberto García Mena. Veterano traficante não muito conhecido, até o dia de sua captura sua função foi coordenar os interesses econômicos dos narco empresários do nordeste e dos comerciantes de Sinaloa, os pioneiros que exportavam a mercadoria solicitada pelos consumidores americanos.
Aquele foi meu primeiro trabalho como correspondente de um noticiário da televisão de Monterrey,numa casa de dois andares, por fora de aparência normal, mas por dentro com os quartos, a sala de jantar, a cozinha e os banheiros atulhados de maconha acondicionada em caixas de papelão plastificadas. Naquele vilarejo sitiado pelo Exército entrevistei, entre o cheiro da grama verde, o promotor encarregado da operação,então um desconhecido:José Luis Santiago Vasconcelos, que, anos mais tarde, seria o czar do combate à droga e morreria em novembro de 2008 quando o avião em que viajava caiu - por incrível que possa parecer,num acidente - na principal avenida da Cidade do México na hora de pico do trânsito.
Sei que o fragmento anterior parece extraído de um romance, mas infelizmente não é.No México,nós ficcionistas costumamos dizer que a realidade faz conosco uma concorrência desleal. Aparentemente, por mais que exageremos, jamais conseguiremos imaginar as notícias com que nos deparamos no dia seguinte.
O que aconteceu com o México? É o que muitos de nós se perguntam, angustiados, mergulhados na tristeza. Não quero conhecer pessoas admiráveis que são admiráveis porque se negam a dar as costas ao horror. Não quero ter amigos que nasçam da admiração pela maneira como conseguem retratar a violência. Não quero amigos que me contem que houve ocasiões em que se sentiram em perigo, que me confessem que tiveram de abandonar o país, em certa época, depois de investigar as roupas sujas do milésimo corrupto.
Não quero, não gostaria: mas essa é a realidade do México. Até quando? Até quando? / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA