terça-feira, setembro 11, 2012

Essa seleção é o Jonas Brothers do futebol - ANDRÉ BARCINSKI

FOLHA DE SP - 11/09


Ainda chocado com o teatrinho ridículo de Mano e da seleção ontem à noite.

Para quem não viu: a CBF trouxe um boi de piranha – a China – para ser goleado e aliviar a pressão em cima do técnico Mano Menezes, que faz um trabalho esquizofrênico no comando do time.

Na verdade, seriam dois bois de piranha, mas a seleção brasileira é tão ruim que fez jogo duro até com a África do Sul.

A China, me perdoem os orientais, é uma piada. Acho que foi a pior seleção profissional que já vi jogar. Sem exagero, esse time chinês perderia da seleção brasileira feminina.

O time de Mano ganhou de 8 a 0 e saiu de campo com aquela pompa de “dever cumprido”.

Jogadores só falavam da “ótima atuação” contra “um adversário de respeito”. Na coletiva, Mano teve a pachorra de dizer as palavras “China” e “forte” na mesma frase.

E o pior é perceber que não houve UM jornalista para questioná-lo. As perguntas variaram do patriotismo mais rasteiro (“O time parecia muito unido ao cantar o hino…”) ao puxa-saquismo mais embaraçoso (“O Brasil não deixou a China jogar…”).

Para piorar, técnico e jogadores exaltavam a torcida nordestina e creditavam ao “grande apoio” dela a atuação do time.

“Grande apoio”? Onde?

O estádio do Arruda recebeu 29.658 pessoas. Ano passado, quando estava na 4ª divisão do Brasileiro, a média de público do Santa Cruz era de 36.916 pessoas.

A torcida nordestina foi tratada como claque de programa de auditório. Pelas declarações exultantes dos jogadores e de Mano, parecia que a única coisa que se esperava do torcedor nordestino era apoio cego e incondicional, por pior que jogasse o time.

É muito triste perceber que o escrete canarinho virou um joguete de relações públicas na mão da CBF.

Triste notar que Mano, com a cara de pau que estamos acostumados a ver em políticos, escala o são-paulino Lucas de titular num jogo no Morumbi e o nordestino Hulk para um jogo em Recife.

Mais que um teatrinho, a seleção parece uma “boy band”, tipo Jonas Brothers.

Temos um produto – o time – de qualidade sofrível, mas que é vendido como a última bolacha do pacote.

Os “atores” – os jogadores – são jovens, bonitinhos e facilmente manipuláveis, prontos a bater continência para qualquer coisa que o empresário – a CBF – disser.

Nos “shows”, todos têm seu script: o time ganha de um adversário ridículo, a claque bate palmas, e os jornalistas, ou melhor, assessores de imprensa, tratam de levantar a bola do time.

Nossos Jonas brothers têm até coreografia. É só ver a dancinha de Lucas e Neymar após um dos gols de ontem.

Para completar, chega o intervalo do jogo e qual o primeiro comercial que pinta na TV?

O super-herói Neymar, chutando a caspa para longe com chutes de videogame.

Chega logo, Maracanazo!

O livro da verdade - ANCELMO GOIS

O GLOBO -11/09

A Comissão da Verdade tem até maio de 2014 para apresentar seu relatório. Esse trabalho terá duas versões. Uma em forma de um livro, e a outra uma espécie de Wikipédia da Ditadura, a ser atualizada mesmo depois do fim dos trabalhos da comissão.
Esse banco de dados virtual terá verbetes sobre as vítimas do regime com dados biográficos, depoimentos de amigos e parentes e não só sobre o período de militância.

Quem é o padrinho?
Ontem, nos meios jurídicos, o que mais se discutia era quem tinha apadrinhado junto a Dilma o nome de Teori Zavascki para o STF.
O que mais se ouviu é que teve o dedo do ministro Gilson Dipp, do STJ, que completa 68 anos no dia 1°, nessa escolha.

Chame o Síndico

Como é comum nas coisas referentes a Tim Maia, o projeto do selo Luaka Bop, do ex-Talking Head, o escocês David Byrne, de lançar uma coletânea internacional do grande artista, pode acabar em barraco.
Paulinho Guitarra, coautor de uma das músicas e editor das outras duas, diz que não autorizou a coletânea.

Aliás...
A briga de Paulinho com Carmelo, filho de Tim e responsável pela autorização da coletânea, é antiga.
Corre na 2? Vara Empresarial do Rio processo em que Paulinho acusa a editora de Tim, Seroma, de ter retirado ilegalmente o seu nome da sociedade que ele teria com o Síndico.

O número é 11
Hoje, dia 11, faz 11 anos do atentado às Torres Gêmeas em Nova York, e faltam 111 dias para acabar o ano.

A PRIMEIRA MENINA DO CLÃ HUCK
Veja como Angélica, 39 anos, no oitavo mês de gestação, está linda. Ela posa assim mostrando o barrigão sob uma blusa transparente para a revista “Contigo!”, que chega às bancas amanhã. Na entrevista, Angélica conta que marcou a cesariana para o dia 3 de outubro. Mãe de Joaquim, de 7 anos, e Benício, de 4 anos, a mulher de Luciano Huck viverá agora a experiência de ter uma menina, a Eva: “Passei pela lavanderia agora e vi um monte de vestidinho cor-de-rosa pendurado no varal. É tudo tão bonitinho, tão engraçadinho. Claro que não ficaria frustrada se tivesse mais um menino, mas não teria a mesma graça. Vou realmente brincar de boneca”. Que Nossa Senhora do Bom Parto a ajude e a nós não desampare! •

Meu nome é Gal!Quarenta anos depois, Gal Costa voltará ao Teatro Tereza Raquel/ Net Rio para gravar o DVD do show “Recanto’^ dirigido por Caetano Veloso.
Foi nesse mesmo palco que, em 1972, Gal registrou o lendário disco “Fatal”! Os shows serão nos dias 9 e 10 de outubro.

O cruzadoEm sua cruzada pelo projeto da Renda Básica de Cidadania, o petista Eduardo Suplicy não escolhe partido.
Esteve no Rio semana passada vendendo seu peixe a três candidatos: Paes, Freixo e Aspásia Camargo.

Direito autoralO promotor da Defesa do Consumidor Pedro Rubim, do Rio, marcou audiência pública dia 22 de outubro para discutir possíveis irregularidades no repasse feito pelo Ecad a artistas.
Um parecer técnico da FGV contestado pelo Ecad, aponta privilégio para alguns autores.

Favelas em alta

As comunidades pacificadas são mesmo o objeto de desejo do varejo.
Com três lojas naquelas áreas, a Casa & Vídeo quer dobrar o número. Diretores visitam espaços com mais de 200 metros para abrir lojas na Rocinha e na Cidade de Deus e, uma segunda unidade, no Alemão.

Só que....

Está difícil. Com o aumento da demanda, os donos de imóveis nas comunidades apimentaram os preços.

Câmbio muy amigo
Duas turistas brasileiras receberam notas falsas de peso do próprio Banco de la Nacion Argentina, em Buenos Aires, na sexta-feira passada.
As patrícias voltaram à agência, que já tinha fechado. Só restou a elas registrar queixa na polícia de Palermo.

Nelson, o emergente

De Ruy Castro sobre o fato de que não há nenhuma rua ou mesmo um beco homenageando Dias Gomes:
— Já o Nelson Rodrigues — para quem passando o Maracanã, já sentia saudade do Brasil — é nome de uma rua perdida na Barra, onde nunca botou os pés e se sentiria em Marte.

Nós, os inúteis - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 11/09


A nova economia emergente está pronta para o triunfo da sensibilidade feminina


Posso oferecer uma sugestão de leitura? "The Revolt of Man" (a revolta do homem), de Walter Besant (1836-1901). O leitor não conhece? Acredito. Sir Walter foi um respeitável cavalheiro vitoriano que a história da literatura inglesa acabou por esquecer.

Injusto. O livro, uma novela distópica brilhantemente escrita, é um exemplo de misoginia que diverte as almas saudáveis.

Enredo: na Inglaterra do futuro, o mundo é governado pelas mulheres. Elas controlam tudo: política, economia, cultura, trabalho. E os homens? Os homens, pobre raça, são reduzidos a bestas de carga e escravos sexuais das triunfantes donzelas.

Fatalmente, essa vaginocracia começa a sair dos eixos: a sociedade a empobrecer, o caos a reinar, as instituições a colapsar -e as mulheres, em desespero de causa, apelam aos homens para salvar a honra do convento.

São eles que regressam das catacumbas para repor a ordem e a felicidade universal.
Besant viveu no século 19. Mas o que diria ele do nosso século 21?

Olho em volta. E concluo que só tenho amigas solteiras ou divorciadas. Casamento é artigo raro e breve por estas bandas.

A situação, confesso, seria a ideal para um rapaz disponível como eu, com hábitos de higiene adquiridos e uma sanidade mental, digamos, satisfatória. O problema é que os homens deixaram de ser ideais para elas.

As solteiras encontraram no trabalho a independência econômica que as mães e avós não tinham. Os homens, quando muito, servem para necessidades ocasionais que esta Folha, um jornal de família, me impede de mencionar.

As divorciadas já passaram pela experiência e não gostaram. Depois da paixão e do idílio dos primeiros anos (ou meses), descobriram com espanto que o príncipe, afinal, sempre foi um sapo. A barriga do infeliz cresceu. A comunicação desapareceu. E o sexo passou a ser, nas imortais palavras de Nelson Rodrigues, "uma mijada". Conclusão?

Depois de o amor virar farsa, elas pegaram nos respectivos girinos e jogaram-nos no charco da inutilidade.

Homem só atrapalha. E nem para filhos serve mais: ser mãe é como fazer inscrição na academia. Basta escolher o banco certo e a questão, nove meses depois, está resolvida.

Um livro recente, aliás, enfrenta o problema. Foi escrito por Hanna Rosin, intitula-se apocalipticamente "The End of Men: And the Rise of Women" (o fim do homem: e a ascensão da mulher) e, segundo resenha da "Economist", tem números que podem interessar aos brasileiros: 1/3 das mulheres do país já ganham mais do que os seus companheiros. Existe até um grupo de apoio para esses homens infelizes, sintomaticamente intitulado "Homens de Lágrimas". Será verdade, leitor? Não minta, não minta.

O Brasil não é caso único. Na Coreia do Sul, o excesso de mulheres na carreira diplomática obrigou o governo a instituir as fatídicas cotas para homens.

Moral da história? Os homens começam a ser bichos em vias de extinção. Sem a importância econômica, reprodutiva ou até social de outros tempos, os pobres coitados ainda tiveram uma suprema humilhação com a crise financeira de 2008: conta a mesma "Economist" que 3/4 dos empregos destruídos pela hecatombe -nas finanças, nas fábricas, na construção civil- eram tradicionalmente masculinos.

Pelo contrário: a nova economia emergente, baseada cada vez mais em qualidades como "comunicação" e "adaptação", está pronta para o triunfo da sensibilidade feminina.

Se Edward Besant viajasse do século 19 para o século 21, imagino que a sua distopia seria outra: sim, o mundo estaria nas mãos das mulheres. Mas, dessa vez, os homens já não existiriam para o salvar.
Estariam demasiado ocupados, de bermudão e cerveja, com os amigos no botequim.

Porque essa talvez seja a verdade mais dolorosa de todas, que a "Economist" refere sem desenvolver o tema competentemente: não foi a economia ou a libertação sexual feminina que fez dos homens seres inúteis.

Os homens deixaram de ser úteis quando deixaram de ser homens -na atitude, nos comportamentos, nos "hobbies", até no vestuário e nas "tendências" (horrenda palavra).

Nenhuma mulher gosta de ter em casa dois adolescentes retardados: o filho e o pai.

Dependência restaurada - MARCELO COUTINHO


FOLHA DE SP - 11/09

Sábios que pediam autonomia aos EUA decidiram nos acoplar à China. O país está estagnado. O crescimento lembra os anos 1980. As exportações, a Colônia

Alguns fatos empolgavam o país até outro dia. A volta do crescimento econômico, a descoberta do pré-sal, o desvencilhamento dos credores estrangeiros e a criação dos Brics animaram o espírito nacional.

Velhos sábios nacionalistas da política externa brasileira resumiam tudo na ideia de autonomia. Em condições superiores, estaríamos livres de forças externas. As mudanças nos tornaram donos do nosso próprio nariz. Ouvimos frases assim de presidentes, ministros e até de muitos sentados em bancos acadêmicos.

O neoliberalismo dos anos 1990, diziam eles, tinha sido o culpado pelo sucateamento das forças produtivas do país. A Alca simbolizava toda forma de diminuição das nossas capacidades, submissos aos EUA. E por isso mesmo foi afogada em Mar del Plata (mais pelos "hermanos" do que por nós, na verdade). De qualquer forma, ninguém mais ditaria de fora o nosso destino.

Agora, a inserção brasileira no mundo passaria a ser altaneira. As próprias revistas internacionais nos colocavam no centro de tudo como um novo motor do crescimento global. O Cristo se tornou um foguete. O gigante despertou.

Nós já conhecíamos essa conversa do passado, mas a vaidade movida a elogios malandros nos subiu à cabeça mesmo assim. Vieram com os alaridos e roucos brados de independência. Tínhamos líderes, finalmente. Surge uma figura de proa.

As pessoas correriam para aprender o português, língua desconhecida e pouco usada desde as grandes navegações. Um ex-presidente se tornara o novo Pedro Álvares Cabral, e o ex-chanceler o seu Pero Vaz de Caminha. O Brasil era redescoberto.

A cada discurso na ONU, o mundo reconheceria em nosso país um dos eixos dinâmicos da nova multipolaridade. Desde que as caravelas trouxeram às pressas dom João 6° ao Brasil, há 200 anos, precipitando o processo de independência, poucas vezes se viu tamanha reviravolta e sentimento de nacionalidade.

Inventamos até um novo Visconde de Mauá carioca, com nome de americano e sobrenome de igreja puritana. Dedicado ao trabalho, temos, assim, similar nacional da ética protestante e espírito capitalista, ainda que seja para explorar reservas minerais.

De fato, as coisas iam bem até a crise global e a opção dos velhos sábios pelo acoplamento junto às potências asiáticas emergentes.

De lá para cá, já foram quatro anos de crescimento econômico abaixo do medíocre. Fora o vale tudo fiscal de 2010 para vencer as eleições, o Brasil cresce vegetativamente a uma média de 1,2% ao ano. Só comparável à década perdida de 1980.

Se houve milagre ou espetáculo, não foi de expansão econômica, mas da multiplicação de votos. Tivemos um período verdadeiramente desperdiçado. Pior: retrocedemos em um aspecto que definirá o futuro.

De agora em diante, o país terá que aprender um jeito de se desenvolver com pouca indústria. Com soja e minério de ferro, nossa economia volta a ser primária.

As possibilidades da panaceia pré-sal diminuem a cada dia que pedras de xisto e areias betuminosas são alavancadas na América do Norte com bem mais eficiência.

Algumas mentes brilhantes da diplomacia brasileira arquitetaram um liame com o Oriente em ascensão. Pensavam que se com o Barão deu certo em relação aos EUA há cem anos, daria de novo. Dedicada a suprir demandas internacionais básicas, a nossa economia se tornou então subsidiária da China.

Não só cresceríamos juntos, como formaríamos um novo bloco. Batizado por especuladores, os Brics seriam capazes de superar o Ocidente.

O Brasil buscou maior influência sobre a economia mundial em organismos como o FMI e o Bird, mas no lugar disso conseguiu é ficar numa situação inferiorizada, especializando-se numa área cujos preços não pode controlar. O valor das commodities é determinado pelos mercados internacionais.

Não foram os heterodoxos até 1992 nem os ortodoxos da era FHC. Foram os ditos nacionalistas que restabeleceram entre 2008 e 2012 um velho padrão colonial de relacionamento em que apenas suprimos matérias-primas a países que crescem muito mais do que nós.

Após 190 anos do grito do Ipiranga, a dependência econômica foi restaurada.

É muito maior - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 11/09


Variedade de dissimulações do Banco Rural fortalece a suspeita de que o mensalão é apenas parte do sistema


A variedade de dissimulações utilizadas pelo Banco Rural para repasses de dinheiro, como consta da apuração detalhada pelo ministro-relator Joaquim Barbosa, fortalece a suspeita, mantida sob silêncio, de que o chamado mensalão é apenas parte do sistema posto em prática por dirigentes do banco com Marcos Valério.

Convém lembrar, a propósito, a insinuosa, mas inconcluída informação do delegado Zampronha de que "o mensalão é muito maior". Zampronha conduziu as investigações da Polícia Federal.

Faz falta a comparação entre o dinheiro saído do Banco Rural de modo dissimulado ou suspeito e, de outra parte, o empregado com fins políticos de 1998, início das operações Valério/Rural, às acusações públicas de Roberto Jefferson.

Não é certo que as quantidades se equivalham.

E qualquer diferença, embora sem alterar o caso mensalão, indicaria outra face de descaminhos financeiros.

Pela mesma razão, faz falta uma pesquisa sobre as causas do movimento patrimonial, naquele período, de todos os não políticos que poderiam se beneficiar, também, do movimento financeiro chamado mensalão ou, sem participação política, do mesmo método.

A possibilidade de que uma prática servisse à outra não é desprezível. E isso ficou bastante claro na exposição das dissimulações técnicas feita pelo ministro Joaquim Barbosa, feita só para acusação aos envolvidos no atual julgamento.

NÃO SÓ INDEVIDA

A Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações, existe sobretudo para não esquecermos as ordinarices na privatização da telefonia. A agência facilita e protege as ordinarices das teles. Foi louvada em muitos artigos a penalidade que a Anatel aplicou à Oi: não cobrar telefonemas de aparelhos públicos, até fim de outubro, em 2.020 municípios. A causa foi o não cumprimento do Plano de Revitalização da Telefonia Pública.

Eis a penalidade verdadeira: a Oi ficou obrigada a não cobrar os serviços que não se interessa por cobrar. Com a vulgarização do celular, o custo de reposição dos aparelhos públicos quebrados, quase sempre por vandalismo, tornou-se desinteressante.

Manchete de primeira página do "Globo" de ontem: "Telefonia em xeque - Queixas contra operadoras de celular somam 843 mil" (neste ano). No subtítulo: segundo a Anatel, "42% das reclamações são de cobrança indevida". Mas cobrança indevida sistemática é uma forma de trapaça equivalente a furto e estelionato. Na quantidade em que chegam a justificar a trabalheira da queixa, as cobranças não deixam dúvida de como são vistas nas empresas. E na Anatel.

Outro exemplo. Telefones, em determinada rua do Rio, deixam de funcionar de repente. O pedido de reparo tem a mais debochada recepção: o cliente quer reclamar do mau serviço e é obrigado a ouvir anúncio de outras pretensas atividades vendidas pela Oi. Como o prazo regulamentar para reparo é de 24 horas, afinal informa-se que estará feito até o dia seguinte.

Se alguém na Anatel tiver curiosidade, pode buscar na Oi a gravação nº 22.121.128.208.244. A senha é assim longa para o cliente, que nem a espera, desistir de anotá-la. Não adianta mesmo. Os telefones do caso aguardam há sete dias o reparo nas tais 24 horas fixadas pela Anatel. Mas os dirigentes da Oi não aguardam nada para continuar engolfando cobranças indevidas, com outras telefônicas.

Prevenção & água benta - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 11/09

O pomposo anúncio da redução das tarifas de energia, hoje, no Palácio do Planalto, indica uma eficiente estratégia para que a presidente Dilma Rousseff tente colocar um ponto positivo nas campanhas petistas pelo Brasil afora. De quebra, ainda indica um trabalho no sentido de amortecer os efeitos das notícias negativas para o governo que estão por vir nessa seara.

Não é segredo para ninguém que o Tribunal de Contas da União (CU) tem em sua pauta um processo que pode resultar na devolução de R$ 7 bilhões em tarifas cobradas indevidamente dos consumidores de uma maneira geral. O voto do relator, ministro Valmir Campelo, amplamente divulgado pelos jornais no início de agosto, foi favorável à devolução. O governo e as distribuidoras de energia, entretanto, ganharam algum tempo para agir graças ao pedido de vista do ministro Raimundo Carrero, ex-secretário-geral da Mesa Diretora do Senado. Agora, os ministros aguardam a data em que o processo entrará de novo na pauta para que se tenha uma decisão a respeito da devolução de valores cobrados por causa de um erro na metodologia de cálculo das tarifas.

Tecnicamente, a devolução de valores cobrados a mais nada tem a ver com a redução das tarifas anunciadas hoje pelo governo. Mas, politicamente, é aquele plano perfeito. Ninguém poderá criticar a redução de tarifas só porque as distribuidoras podem ser obrigadas a devolver R$ 7 bilhões aos consumidores por cobranças indevidas entre 2001e e 2010. Portanto, nessa altura do campeonato eleitoral, vem aí uma notícia boa, sem críticas. Quando a ordem de devolução dos recursos vier — há muita gente apostando que a maioria dos ministros do TCU deve seguir o voto de Campelo — a máxima que se coloca hoje dentro do governo é “cada dia, a sua agonia”, ou seja, será analisada mais à frente.

Por falar em análises futuras…

Quem acompanha os dados relativos à inflação vê na redução das tarifas de energia uma forma de o governo tentar amortecer outro problema que, em breve, estará espetando o bolso do consumidor: o aumento de preço da gasolina. O valor das ações da Petrobras continua aquém do que o governo gostaria. Entre os economistas, há quem diga ser difícil o governo segurar os preços dos combustíveis por muito mais tempo. Hoje, talvez os senadores tenham uma visão mais clara desse tema, uma vez que a presidente da Petrobras, Graça Forster, estará na Casa para uma audiência. Como em política não existe coincidências, há quem diga que Dilma escolheu esta terça-feira para anunciar tarifas menores de energia justamente para deixar a presença de Foster em Brasília diluída no meio do noticiário econômico.

Por falar em economia…

O meio jurídico não economizou elogios a Teori Zavascki, indicado para ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga de César Peluso. Agora, resta saber se o Congresso conseguirá analisar a indicação de Zavaschi antes dos últimos capítulos da Ação Penal 470. Afinal, esta semana é a última de esforço concentrado no Senado este mês e o presidente da Casa, José Sarney, avisou que só fará um novo esforço nesse período eleitoral se os lideres concordarem. Pelo andar da carruagem, o novo esforço só vai ocorrer depois das eleições municipais.

Por falar em Ação Penal 470…

Aos poucos, o ex-ministro José Dirceu vai entrando no redemoinho do julgamento. Ontem, por exemplo, o relator Joaquim Barbosa citou as reuniões do petista com representantes do Banco Rural dando a entender que todos faziam parte do grande esquema. Para integrantes do partido, foi um sinal de tempestades no caminho de Dirceu no STF. Dilma, que segue ao largo desse processo, tenta se precaver das suas intempéries, afeitas à economia. Hoje, a cena é dela. Amanhã, volta o mensalão.

Bom sinal - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 11/09

A principal notícia do dia nada tem a ver com o julgamento do mensalão, embora pudesse ter à primeira vista. A indicação do ministro do Superior Tribunal de Justiça Teori Zavascki para a vaga de Cezar Peluso no STF reafirma a disposição da presidente Dilma de escolher ministros ligados a tribunais superiores e com sólida reputação nos meios jurídicos, o que afasta a possibilidade de aparelhamento da última instância de nosso Judiciário, como setores do PT querem.
As duas escolhas anteriores de Dilma tinham esse perfil: Luiz Fux também era do STJ e havia presidido a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro , e Rosa Weber era do Tribunal Superior do Trabalho. O processo que levou os dois ao Supremo, por sinal, levou entre 30 e 40 dias, o que indica que dificilmente o novo ministro assumiria o posto com o julgamento do mensalão ainda em curso, isso porque o Senado está em recesso branco devido às eleições municipais e só terá uma semana de esforço concentrado antes das eleições de 7 de outubro. Mas, de qualquer forma, as informações são de que o novo ministro, embora tenha o direito, não participaria do julgamento do mensalão, mesmo que haja tempo hábil para isso. A decisão rápida da presidente, apenas dez dias após a abertura da vaga, foi provavelmente uma resposta às pressões que estavam sendo feitas a favor de uma indicação mais ligada ao PT, como o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, ou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Num primeiro momento, a nomeação surpreendeu a todos e houve quem enxergasse nela uma manobra para atrasar ainda mais o julgamento, pois, ao ser indicado, o novo ministro teria direito a pedir vista do processo para se inteirar de seu conteúdo.
No entanto, quem conhece os bastidores da escolha e também o nomeado garante que manobra desse tipo não combinaria com o perfil do escolhido, que não se prestaria a esse papel, e nem com a intenção da presidente, de despolitizar a escolha.
O nome de Teori Zavascki já esteve cogitado em diversas ocasiões, sendo que ele foi sugerido ao presidente Lula quando este escolheu o advogado-geral da União Dias Toffoli, e também à presidente Dilma quando da escolha do ministro Fux. Seu nome tinha o apoio dos membros do STJ, inclusive a ministra Eliana Calmon, ex-corregedora do CNJ, e contava com apoios dentro do próprio STF, como o de Gilmar Mendes, com uma curiosidade: a vez mais recente em que defendeu sua indicação foi na conversa que teve com o ex-presidente Lula no escritório de Nelson Jobim, que provocou crise institucional com a revelação de que o ex-presidente estava tentando adiar o julgamento do mensalão à custa de ameaças veladas. Mendes confirma que, na primeira parte da conversa, ele voltou a conversar com Lula sobre a nomeação de Zavascki, que na sua opinião seria garantia de ter no STF especialista "que pensa a República" e muito preocupado com a questão da estabilidade fiscal. Zavascki ficou conhecido no STJ por votar com o governo sempre que havia uma disputa fiscal, preocupado com o equilíbrio das contas da União.

O tempo voaO julgamento do mensalão transcorreu ontem sem grandes novidades, a não ser a preocupação explícita do relator Joaquim Barbosa de que a tramitação seja acelerada. Provavelmente os ministros estarão discutindo até quarta-feira maneira de apressar seus votos, pois, no ritmo atual, ainda teremos mais quatro semanas no mínimo, além desta, para o fim do julgamento. Na melhor das hipóteses, o julgamento terminaria entre 11 e 18 de outubro, e a discussão da dosimetria das penas consumiria mais algumas sessões, fazendo com que o julgamento pudesse entrar por novembro.
O capítulo "lavagem de dinheiro" foi encerrado ontem pelo relator com o desenho de uma ampla organização criminosa, envolvendo os sócios das agências de publicidade e seus funcionários e a diretoria do Banco Rural, que montaram um esquema de distribuição de dinheiro a políticos burlando o Banco Central e o Coaf. Mais uma vez o relacionamento do ex-ministro José Dirceu com a diretoria do Banco Rural foi ressaltado pelo relator como indício dessa maquinação criminosa.

Quinze dias no mundo ideal - JAIRO MARQUES

FOLHA DE SP - 11/09


Liguei a TV logo cedinho e nela falava um jornalista de um dos veículos mais conceituados do planeta: "Eles, realmente, são estrelas do esporte. Possuem desempenhos extraordinários e brilham naquilo que fazem".

Limpei a remela do olho e dei um tapinha na cara para ver se estava sonhando.

Não, ele estava mesmo se referindo a uma nadadora inglesa anã e a um corredor brasileiro que nem perna tem, ambos ganhadores de medalhas de ouro durante os Jogos Paraolímpicos de Londres.

Mudei de canal e me deparei com um repórter que, provavelmente, nasceu premiado sem os dois braços por inteiro. Eram apenas cotocos. Articulado e bem-humorado, ao estilo inglês, ele acompanhava a premiação de uns sujeitos capengas que estava sendo feita pela duquesa, que é pura perfeição de beleza, Kate Middleton.

Ao final da badalação, ele chamou a transmissão do estúdio. O apresentador era um lascado igual a mim, cadeirante, que entrevistava, sem constrangimento, um rapaz com a expressão toda torta, para-atleta com paralisia cerebral que, embora falasse com dificuldade, pensava perfeitamente.

Pronto, comercial. O protagonista era um prejudicado das vistas; em outro, uma misturada de gente abatida pela guerra e uma mensagem: "orgulho de seus potenciais".

Eu não estava com febre, com certeza. Resolvi, então, ir dar uma volta, espairecer.

Peguei o elevador e as teclas estavam na minha altura e tinham sinalização em braile --assim, os cegos não ficam subindo e descendo sem saber para onde ir. Em todo caso, havia também mensagem falada informando o andar.

Na rua, dezenas de pessoas da "minha espécie", com deficiência, iam de um lado para o outro com autonomia (e sem firmar na mão de "nossa senhora da bicicletinha", com medo de cair) porque os passeios eram ótimos e havia rampas e facilidades arquitetônicas por todo canto. Andei de ônibus, de trem, de metrô, de táxi --a maioria preparada para pessoas com deficiência --e tudo era passível de uso por alguém que leva quatro rodas junto.

Mecanismos para sanar diferenças sensoriais e ou físicas estavam em toda a parte.

Mas o teste de fogo para saber se eu realmente não estava tendo uma alucinação foi deparar-me com uns seres humanos desses normais, que andam, trepam em árvores e balançam os quadris.

Recebi "good mornings", sorrisos, mas nenhum convite para ir a uma igreja me curar e muito menos tive de ouvir alguma ladainha de que sou um exemplo de vida simplesmente por levar a vida.

Não senti direcionarem a mim nenhum disparo de piedade, de vontade de me mandar para a reciclagem de material fora do padrão.

Parece mesmo é que todos pensavam: "A alma humana é igual para todos".

Vivi 15 dias em um universo onde as diferenças pareciam não enquadrar as pessoas em escaninhos de incompetência ou de exclusão para qualquer demanda de estar vivo.

Volto ao Brasil, aquele país que me maltrata em cada esquina, que rasga meus direitos em cada canto, cheio de vontade de mostrar que não é ilusão ou delírio meu que uma sociedade mais delicada e igualitária com sua diversidade é possível.

O sentido das palavras - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SÃO PAULO - 11/09


RIO DE JANEIRO - "Até nas flores se encontra a diferença da sorte: umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte." Esse poema se aprendia nas escolas do passado. Hoje, a diferença da sorte atinge até mesmo os partidos políticos, que podem ser resumidos em situação e oposição.

Para a oposição, dona Dilma é presidente da República. Para a situação (PT e aliados), é presidenta, como ela própria gosta de ser tratada. É fácil identificar quem é a favor ou contra o governo. Embora não se diga de uma moça que é "estudanta", de uma mulher acamada que é "doenta" ou "pacienta", a sutileza do tratamento é uma declaração de princípios, um programa de salvação nacional.

Há também uma outra sutileza que define os rumos ideológicos e transcendentais da atual situação nacional. Os veículos de comunicação, principalmente as TVs oficiais e as oficiosas, quando botam no ar os debates no Supremo Tribunal Federal (STF), identificam o programa como "ação penal 470". Tudo certo, a informação não foi sonegada nem deformada. As emissoras não comprometidas com o governo se referem ao mesmo programa de outra forma: "mensalão" -um tiro que o PT disparou no próprio pé.

Palavras e palavras. O pai de Samuel encontrou Isaac e declarou, contristado: "Meu coração está cheio de tristeza, soube que o seu filho Jacó está dando!". No dia seguinte, Isaac procurou o pai de Samuel, com o coração transbordando de alegria: "Meu filho não está dando, está tomando!".

Palavras, palavras e palavras servem para isso mesmo. O papa Pio 11, antecessor de Pio 12, fez uma advertência severa contra o nazismo -que, em 1933, tomava o poder na Alemanha. Recebeu uma resposta oficial daquele país, justificando o regime ali adotado. O papa reclamou: "Perdemos o sentido das palavras!".

A patrulha chega ao recreio - ROSELY SAYÃO

FOLHA DE SP- 11/09


Escolas estão aderindo a essa onda geral de interferência na vida pessoal e na nossa liberdade de escolha

Vivemos numa época em que a vida pessoal tem ficado, cada vez mais, submetida a intervenções do Estado e de movimentos de determinados segmentos da sociedade de um modo geral.
O contraditório dessa história é que, ao mesmo tempo em que o leque de escolhas que temos de fazer diariamente aumenta -o que significa trabalho redobrado para viver e estresse muito maior- também vemos uma série de escolhas ser subtraída de nossas vidas.
O que vamos comer, por exemplo? Agora já não vale mais o nosso gosto, apenas. Precisamos também considerar determinadas normas ditadas pelas ciências que, por sinal, podem mudar constantemente. Lembra-se do ovo? Já foi demonizado, agora não é mais. É que a alimentação se transformou em uma questão de saúde, e não mais uma questão social, familiar, de prazer etc.
Já há diversas leis e projetos em andamento que, de alguma maneira, interferem na vida pessoal de todos. E temos também as chamadas patrulhas sociais. Essas valem para muitos aspectos da vida. A alimentação é apenas um dos exemplos.
O fato é que a linha divisória entre vida pessoal e vida social está cada vez mais tênue, nesses tempos em que fazem tanto sucesso na TV os shows de invasão da intimidade das pessoas.
Às vezes, dá a impressão de que entregamos com gosto algumas decisões para outrem, seja para o Estado ou para ditames atuais das ciências e das tecnologias.
No mínimo, nós precisamos ter consciência de que isso está ocorrendo. E as gerações mais novas poderiam aprender a fazer uma análise crítica a esse respeito, caso tivessem a colaboração da escola para isso. Mas, surpresa: esta tem se aliado ao movimento de intervir na vida pessoal de seus alunos e, portanto, das famílias também.
Vou tomar dois exemplos que chegaram recentemente ao meu conhecimento como indicadores desse posicionamento de diversas escolas.
A mãe de duas crianças que frequentam uma instituição de ensino particular de São Paulo agora não pode mais enviar a merenda que ela quer que seus filhos levem. É que a escola enviou aos pais uma lista de alimentos proibidos de serem consumidos como lanche pelos alunos.
Vou citar apenas um deles, que é o que essa mãe colocava pelo menos uma vez por semana no lanche dos filhos: biscoito recheado.
Não vamos analisar a questão da alimentação saudável, apenas a liberdade de escolha pessoal. Como a mãe resolveu a questão? Substituindo biscoitos por bolo. Industrializado, claro. Biscoito não pode, mas bolo pode. Essa mãe não sabe qual a lógica dessa lista enviada pela escola. Mas uma coisa dá para perceber: a vida pessoal das famílias e dos alunos dessa escola sofreu interferência.
Claro que os alunos não conseguem entender a complexidade da questão, mas podem aprender algo com tal atitude da escola: a de que sofrer interferências na vida pessoal é um fato "normal".
Outro exemplo diz respeito às atividades que muitas escolas fazem, chamadas de "estudo do meio". Algumas fazem essa saída por um dia, outras por mais de um dia.
Uma criança ou adolescente deveria ter o direito de escolher se quer ou não participar da atividade, dada sua natureza, não deveria? Pais deveriam ter o direito de aceitar ou não que o filho viaje sem sua companhia, certo?
Pois algumas escolas colocam a atividade como obrigatória. Ou então fazem pressão sobre alunos e pais que manifestam desagrado com a saída do filho. Do mesmo modo que no primeiro exemplo, há interferência na vida pessoal dessas famílias.
Talvez a escola devesse avaliar melhor o que anda ensinando aos seus alunos, mesmo sem ter a intenção de ensinar. E a maior lição passada pelas atitudes citadas é, sem dúvida, a de que a interferência na vida pessoal de alguém é normal. É?

Alemanha deveria liderar ou partir - GEORGE SOROS


Valor Econômico - 11/09


A Europa está em crise financeira desde 2007. Quando a quebra do Lehman Brothers colocou em risco o crédito das instituições financeiras, o crédito privado foi substituído pelo governamental, o que revelou uma falha não reconhecida no euro. Ao transferir o direito de imprimir dinheiro para o Banco Central Europeu (BCE), os países-membros se expuseram ao risco de inadimplência, como países do terceiro mundo endividados em moedas estrangeiras. Os bancos comerciais carregados com bônus governamentais de países enfraquecidos tornaram-se potencialmente insolventes.

Há paralelos entre a atual crise do euro e a crise bancária internacional de 1982. Naquela ocasião, o Fundo Monetário Internacional (FMI) salvou o sistema bancário mundial ao emprestar o dinheiro necessário para os países altamente endividados. A Alemanha desempenha hoje o mesmo papel que o FMI na época. O entorno é diferente, mas o efeito é o mesmo. Os credores vêm jogando todo o fardo dos ajustes sobre os países devedores e evitando suas próprias responsabilidades.

A crise do euro é uma mistura complexa de problemas com bancos e dívidas soberanas. As autoridades não entenderam a complexidade da crise nem, muito menos, encontraram uma solução. Por isso, tentaram ganhar tempo.

Normalmente, funciona. O pânico financeiro diminui e as autoridades saem ganhando com sua intervenção. Não foi assim desta vez porque os problemas financeiros vieram acompanhados por um processo de desintegração política.

Quando a União Europeia (UE) foi criada, houve a materialização de uma sociedade aberta. A crise agora torna a UE algo diferente, dividindo países-membros em duas classes: credores e devedores, com os credores no comando.

Como país credor mais forte, a Alemanha emergiu como poder hegemônico. Os países devedores pagam prêmios substanciais de risco para financiar suas dívidas soberanas. Isso é refletido em seu custo geral de financiamento. Para piorar a situação, o Bundesbank, autoridade monetária da Alemanha, continua comprometido com uma doutrina monetária ultrapassada, enraizada na traumática experiência inflacionária do país. Como resultado, reconhece apenas a inflação como ameaça à estabilidade e ignora o perigo da deflação, que é o real perigo atual. Além disso, a insistência da Alemanha em levar a austeridade para os países devedores pode tornar-se contraproducente, uma vez que a relação de endividamento pode aumentar à medida que o Produto Interno Bruto (PIB) cai.

Há perigo real dessa Europa de dois níveis tornar-se permanente. Tanto recursos financeiros como humanos serão atraídos pelo centro, deixando a periferia deprimida, e a periferia fervilha em descontentamento.

A tragédia na Europa não é resultado de uma trama diabólica. Decorre da falta de políticas coerentes. Como nas antigas tragédias gregas, as concepções erradas e a falta de compreensão tiveram consequências inesperadas e fatídicas.

A Alemanha, no papel de maior país credor, está no comando, mas se recusa a assumir mais responsabilidades; como resultado, todas as oportunidades para resolver a crise foram desperdiçadas. A crise se disseminou da Grécia para outros países deficitários e acabou colocando em dúvida a própria sobrevivência do euro.

Mais recentemente, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, apoiou o presidente do BCE, Mario Draghi, deixando o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, isolado. Isso permitirá ao BCE controlar os custos de captação dos países que se submetam a um programa de austeridade sob supervisão da troica (FMI, BCE e Comissão Europeia). Isso vai salvar o euro, mas também é um passo em direção à divisão permanente na Europa, entre devedores e credores.

Mais cedo ou mais tarde, os devedores acabarão rejeitando uma Europa de dois níveis. Se o euro desmembrar-se de forma caótica, o mercado comum e a UE serão destruídos, deixando a Europa pior do que estava quando começaram os esforços para uni-la, por culpa de um legado de hostilidade e desconfiança mútuas. Quanto mais a separação demorar, pior será o resultado. Dessa forma, é hora de considerar alternativas que até pouco tempo atrás teriam sido inconcebíveis. Em minha opinião, o melhor rumo a seguir é persuadir a Alemanha a escolher entre liderar a criação de uma união política na qual os encargos sejam genuinamente divididos entre todos, ou deixar o euro.

Como toda a dívida acumulada é denominada em euros, faz muita diferença quem continuará no comando da união monetária. Se a Alemanha partisse, o euro iria desvalorizar-se. Os países devedores reconquistariam sua competitividade; sua dívida diminuiria em termos reais; e, com o BCE sob seu controle, a ameaça de inadimplência desapareceria e seus custos de captação cairiam a níveis comparáveis aos do Reino Unido.

Os países credores, em contraste, incorreriam em perdas em seus créditos a receber e investimentos denominados em euros, além de passar a enfrentar maior concorrência em seu próprio mercado por parte dos outros membros da região do euro. O tamanho das perdas dos países credores dependeria do tamanho da desvalorização, fazendo com que seja de seu interesse manter a depreciação sob certo controle.

Após as movimentações iniciais, o resultado tornaria real o sonho de John Maynard Keynes, de um sistema cambial internacional em que tanto credores como devedores compartilham a responsabilidade de manter a estabilidade. E a Europa evitaria a depressão que se aproxima.

O mesmo resultado poderia ser alcançado pela Alemanha, com menos custos, se o país escolhesse se comportar como um poder hegemônico benevolente. Isso significaria adotar a proposta de união bancária europeia; estabelecer condições de jogo mais ou menos iguais para países credores e devedores, com a criação de um Fundo de Redução de Dívidas e a conversão, em algum momento, de todos os títulos em eurobônus; e buscar um crescimento nominal do PIB de até 5%, para que a Europa possa sair do endividamento excessivo por meio da expansão econômica.

Quer a Alemanha opte por liderar ou por partir, qualquer um dos dois resultados seria melhor do que criar uma Europa insustentável de dois níveis. (Tradução de Sabino Ahumada)

Dilma x cartolas - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 11/09

A presidente Dilma colocou um freio nas conversas entre os dirigentes de clubes esportivos e o Ministério do Esporte, que pretendiam renegociar dívidas milionárias com a Previdência. Cartolas apresentaram projetos para salvá-los, mas a avaliação do governo é que a penúria persiste porque o dinheiro é mal investido. Só aceita renegociar se houver contrapartida concreta dos clubes.

Congresso reclama de inabilidade
Passado o mal-estar do bilhetinho da presidente Dilma às ministras Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) cobrando não ter sido avisada de acordo na votação do Código Florestal, ficou avaliação quase unânime entre os parlamentares aliados da total inabilidade política do Palácio do Planalto na relação com o Congresso. O descontentamento com Dilma, Casa Civil, Relações Institucionais e os líderes do governo na Câmara e no Senado é geral. Ambientalistas e ruralistas concordam que o acordo era viável, não fosse a truculência com que agiu o governo.

"A situação está ruim para todo mundo. Para os ruralistas, o vazio jurídico é o pior dos mundos. Para o governo, é um problema não resolver a questão"

Rodrigo Rollemberg Senador(PSB-DF)

Daqui não saio
O candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, José Serra, fez cinco simulações para definir a melhor forma de dizer que não renunciará, se eleito. Venceu a tese de culpar os adversários pela possibilidade de abandonar o cargo.

Serenidade na crise
O governador Tarso Genro (PT-RS) é um dos poucos petistas a tratar o julgamento do mensalão com tranquilidade e sem rótulos maniqueístas.

“Concordemos ou não com as sentenças, elas deverão ser respeitadas por nós. É o estado de direito
funcionando”. Tarso acha que o PT tem que tirar “lições políticas e jurídicas” do episódio.

Efeito FH
O candidato tucano à prefeitura do Rio, Otavio Leite, foi o primeiro a usar o ex-presidente FH em sua campanha. Só agora, o candidato paulista José Serra resolveu mostrar que tem seu apoio. Agora, resta aguardar o efeito nas campanhas.

Portos secos e novos terminais
No programa de concessões dos portos, que será anunciado em breve pelo governo, estão previstas novas permissões para aberturas de portos secos. Os que existem estão com sobrecarga de trabalho. A presidente Dilma pediu estudos para construir três novos terminais em parcerias
público-privadas. Um deles, próximo ao Porto de Santos, para aproveitar as rodovias.

Com a palavra, o prefeito
O prefeito Eduardo Paes nega veementemente a informação de que teria promovido encontro com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o empresário Fernando Cavendish na Gávea Pequena, nem em nenhum outro lugar.

Originalidade pra quê?
Em São Luís, concorre a vereador um sujeito que se intitula Tiririca Cover, com esse nome mesmo cadastrado na urna. Nas fotos, aparece vestido igual ao palhaço original e pede votos na capital do Maranhão fazendo as mesmas piadas.

SENADORES DA CPI contam que ela foi paralisada para não quebrar sigilos de sete empresas laranjas que chegariam em dezenas de campanhas eleitorais.

Epidemiologia da cola - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de SP - 11/09


SÃO PAULO - Harvard investiga um caso de cola em massa. Mais de cem estudantes dessa instituição, que é provavelmente a universidade mais prestigiada do mundo, teriam cometido fraudes variadas no curso de Introdução ao Congresso. Eles poderão ser suspensos ou até ter seus diplomas revogados. Para o reitor, o caso é sem precedentes. Será?
A epidemiologia da cola sugere que não. Um trabalho de 2005 de Donald McCabe mostrou que 70% dos alunos do ensino médio de escolas públicas dos EUA admitiam ter colado em testes. Entre estudantes de instituições privadas, o índice caía para 50%. No Brasil, pesquisa Datafolha de 2009 revelou que 31% da população reconhecia já ter colado.
O fenômeno transcende a escola. Uma empresa de recursos humanos de Wisconsin divulga anualmente, desde 1995, seu Índice do Mentiroso, isto é, a proporção de CVs fraudulentos que recebe. Em 2011, a taxa foi de 27,3%, o recorde histórico.
Estudiosos da mentira, como o psicólogo Robert Feldman, autor de "The Liar in Your Life", chegam bem perto de afirmar que o engodo está inscrito em nosso DNA. Um trabalho do próprio Feldman mostrou que, durante uma conversação de apenas dez minutos, duas pessoas que não se conhecem mentem uma média de três vezes cada. Por quê?
Aqui há várias teorias. Feldman afirma que a razão principal é que mentir, seja para si próprio, na forma de autoengano, seja para os outros, confere vantagens ao burlador. Dan Ariely, em "The (Honest) Truth about Dishonesty", que já discuti aqui, avança um pouco e sugere que nosso comportamento é uma solução de compromisso entre a busca por benefícios e a preservação da autoimagem como pessoa honesta. Resultado: roubamos só um tiquinho.
Diante disso e considerando que os alunos de Harvard ainda fazem parte do gênero humano, descobrir que também eles colam não é tão surpreendente assim.

Carga pesada - SONIA RACY


O ESTADÃO - 11/09

E Lula entra com tudo na campanha de Haddad. Recebe domingo, no Centro de Tradições Nordestinas, para almoço em torno do candidato a prefeito – com direito à presença de governadores nordestinos de partidos aliados.

Eduardo Campos deve vir.

Carga 2
No sábado à tarde, o ex-presidente faz comícios ao lado do candidato do PT: o primeiro, em Campo Limpo; o segundo, na Capela do Socorro.

Serão seis ao todo.

Carga 3
Indagado ontem se Lula está em plena forma para todos esses compromissos de rua, Roberto Kalil assegurou: “Do ponto de vista médico, sim”.

Reação a Toffoli?
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Luís Inácio Adams, da AGU, estão de lupa em PEC que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Ela proíbe presidentes de nomearem para o STF deputados, senadores, ministros, procuradores-gerais e advogados-gerais atuantes nos quatro anos anteriores.

Se aprovada, Dilma não poderá indicar um dos dois à vaga de Carlos Ayres Britto.

Fazendo escola
Midori de Habich, ministra da Saúde do Peru, quer levar para seu país o Farmácia Popular. Ela foi apresentada ao programa na semana passada, em reunião da Unasul com Alexandre Padilha, em Lima.

Linha dura
A Prefeitura proibiu protesto contra o descaso com as bibliotecas públicas, da Educa São Paulo, programada para ontem no Viaduto do Chá. A Guarda Civil Metropolitana não deixou que oito mil livros fossem distribuídos – alegou que os manifestantes não tinham autorização para isso.

Linha 2
Devanir Amâncio, presidente da ONG, afirma que a entidade é perseguida por fiscalizar a Prefeitura. E que, nem se pedisse autorização com antecedência, o prefeito concederia.

Panamericano
Acredite quem quiser. Soma R$ 30 milhões a ação trabalhista impetrada por Rafael Palladino, ex-presidente do Panamericano, contra o ex-banco de Silvio Santos. O executivo alega que houve “pejotização” em sua atuação na instituição financeira. E, pelo que se apurou, tem chance de ganhar.

Vai sobrar para o BTG?

Panamericano 2
Por essas e outras, o mercado financeiro defende que, se o Banco Central quer resolver o problema de banco quebrado por meio da compra realizada por uma instituição financeira sã, terá de isolar esse tipo de situação.

De responsa
Johnny Wright, cabeleireiro pessoal de Michelle Obama, esteve em São Paulo no fim de semana e confessou: a primeira-dama gostaria de ousar mais nos cortes. Mas o cargo a impede.

O hairstylist – que também cuida das madeixas das “obaminhas” – passou pelo Brasil para participar de feira de beleza.

Ecos de Inhotim
Carlos Garaicoa, cubano que ganhou pavilhão em Inhotim, não incluiu as Torres Gêmeas em sua obra – instalação com velas reproduzindo ícones arquitetônicos das grandes cidades.

Motivo? Em 2001, o artista desenvolvia trabalho semelhante, representando as ilhas de Cuba e Manhattan. Entretanto, desistiu depois do 11 de Setembro, por achar de mau gosto mostrar o WTC queimando.

Na frente
O restaurante Serafina abre uma nova unidade. Agora, no Itaim Bibi. Dia 17.

Alberto Ferreira inaugura a exposição Retratos dos Anos 1950 e 1960. Hoje, na Galeria Lume Photos.

Claudia Jaguaribe lança o livro Entre Morros. Quinta-feira, no Pier Mauá, no Rio.

E a mostra Artistas da Tapeçaria Moderna abre dia 18. Na Passado Composto Século XX.

John Doddrell, cônsul britânico, e Simon Talling-Smith, da British Airways, entre outros, recebem para coquetel, no Morumbi. Hoje.

A NK Store arma desfile hoje. Nos Jardins.

Frederik Andre Henrik Christian, acompanhado de sua mulher, Mary Elizabeth Donaldson, disseram sim. E vão comparecer ao Cool Denmark, em São Paulo. Dia 16, na loja Scandinavia Designs.

Fim da novela
Não há comprador para o Cruzeiro do Sul. O banco, sob intervenção do BC, está com sua sobrevivência comprometida. O Banco Central deve anunciar algo em breve.

'Cosmópolis' - VLADIMIR SAFATLE

Folha de SP - 11/09


"O dinheiro perdeu sua qualidade narrativa, tal como aconteceu com a pintura antes. O dinheiro agora fala sozinho." Pela primeira vez em todo o filme, Eric Packer presta atenção em outra pessoa, a que fala estas frases: "A única coisa que importa é o preço que se paga. Você mesmo, Eric, pense só: o que você comprou por US$ 104 milhões de dólares? Não foram dezenas de cômodos, vistas incomparáveis, elevadores privados. Você gastou esse dinheiro pelo próprio número em si, US$ 104 milhões. Foi isso o que você comprou".
Só um cineasta como David Cronenberg seria capaz de filmar esse automovimento do capital transformado em modo de funcionamento do desejo. O cinema a serviço da crítica social nós conhecemos. Mas conhecemos pouco o cinema como exposição trágica do ponto de junção entre vida econômica e economia psíquica. Esse cinema nos foi apresentado por "Cosmópolis", novo filme do cineasta canadense e um dos retratos mais fiéis do nosso mundo em crise.
Cronenberg sempre foi sensível ao caráter marcial do desejo que só se manifesta quando se choca contra seu ponto de excesso. "Crash - Estranhos Prazeres", "Mistérios e Paixões" e "Videodrome" são alguns dos seus filmes entre os mais relevantes dos últimos tempos por, entre outras coisas, fornecer as imagens para descrevermos a maneira com que o desejo, muitas vezes, existe apenas ao se bater contra os limites do corpo, da identidade, do real, da forma. Existe somente reduzindo todo objeto a um movimento incessante que ignora limites.
Porém, com "Cosmópolis", Cronenberg lembrou como esses sujeitos assombrados por seu próprio gozo não são o ponto de desajuste da vida social. Eles são o verdadeiro cerne de funcionamento do capitalismo contemporâneo. Eles são a encarnação de uma unidade monetária que perdeu sua qualidade narrativa para se realizar como puro movimento, para não falar de nada a não ser de sua própria quantidade.
Aparentemente, vemos em "Cosmópolis" um dia na vida de um jovem yuppie em sua limusine que procura por um acontecimento que pare o movimento que tudo anula, seja tal acontecimento o assassinato, o sexo ou a simples e pura perda de tudo.
No entanto, ao filmar Eric em sua limusine, Cronenberg mostrou, na verdade, qual a melhor maneira para analisar uma crise. Uma verdadeira crise nunca é apenas econômica, mas também política e, principalmente, psicológica.
Crise não apenas dos modelos, mas também de seus contrapontos. Crise que nos ensina o sentido desta outra frase que Eric Packer ouvirá de uma amante, frase que ele precisará de todo o filme para compreender: "Você está começando a achar que duvidar é mais interessante do que agir. Duvidar exige mais coragem".

De novo o contencioso comercial com os EUA - RUBENS BARBOSA


O ESTADÃO - 11/09


No final do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, o governo brasileiro decidiu questionar na Organização Mundial de Comércio (OMC) o regime de subsídios norte-americano ao algodão, instituído pela Lei Agrícola (Farm Bill). Em setembro de 2004 e março de 2005 o Brasil obteve decisões favoráveis, condenando os EUA a modificar seu sistema de subsídios e apoio de crédito à exportação.

Medidas protelatórias da parte de Washington adiaram uma solução definitiva do contencioso. Em agosto de 2008 o Brasil pediu à OMC que fossem definidos o valor e a forma de retaliação contra os EUA pelo não cumprimento da decisão do Órgão de Apelação. Em agosto de 2009 a OMC definiu que a retaliação a que o Brasil teria direito era de US$ 830 milhões, dos quais US$ 530 milhões em bens e o restante em retaliação cruzada, ou seja, em outras áreas, como a de propriedade intelectual. Em março de 2010 Brasília divulgou lista de bens (102) que poderiam ser afetados e foram realizadas consultas públicas sobre as perspectivas de retaliação cruzada, que poderiam atingir US$ 238 milhões.

Naquele momento as relações com os EUA estavam seriamente afetadas pelas posições do Brasil cada vez mais ostensivas de apoio ao governo do Irã, ao presidente Mahmoud Ahmadinejad e ao programa nuclear daquele país. Em vista disso, por considerações políticas, sobretudo para não abrir mais um contencioso sério com os EUA, agora na área comercial, o governo brasileiro decidiu negociar uma forma de compromisso que evitasse a retaliação. Às vésperas da eleição presidencial americana, o governo de Washington estava praticamente paralisado. Coube ao setor privado, tendo a Fiesp papel de relevo, articular uma forma que, aprovada pelo USTR, adiou o problema.

O governo dos EUA concordou, em 2010, em dar compensações temporárias ao Brasil, como o pagamento anual, por meio do Instituto Brasileiro do Algodão, de US$ 147 milhões, até fins de 2012, a um fundo de apoio aos produtores nacionais, na expectativa de que o sistema de subsídios seja corrigido definitivamente na Lei Agrícola, que deveria ser votada até este mês. O acordo foi cumprido parcialmente. Um dos compromissos - a eliminação de barreiras sanitárias para a exportação de carne bovina de 13 Estados brasileiros - nunca foi implementado. O compromisso de aumentar o prêmio do seguro de crédito à exportação sempre que a demanda cresce e os montantes solicitados acionem o apoio governamental, no entanto, foi cumprido. O ajuste periódico do prêmio do seguro, ao final do atual acordo bilateral, não será suficiente para levá-lo ao patamar que o Brasil considera necessário para Washington cumprir as determinações da OMC e eliminar subsídios proibidos de crédito à exportação.

O Congresso norte-americano não dá sinais de que vai corrigir essa ilegalidade, em face da OMC, na Lei Agrícola, sobretudo em ano de eleições presidenciais. Ao contrário, Câmara e Senado deverão manter o suporte de preços mínimos, criar programas mais distorcivos, e não fizeram alterações diretas no programa de garantia de crédito à exportação, considerados ilegais pela OMC.

Levando em conta esse quadro, o governo brasileiro decidiu reativar o plano de retaliação de US$ 800 milhões contra os EUA. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) reconvocou um grupo interministerial que determinará as condições de aplicação de sanções se as negociações bilaterais fracassarem. Poderão, assim, ser impostas sobretaxas em mais de cem produtos norte-americanos, além de retaliações cruzadas, nas áreas de patentes farmacêuticas e direitos autorais. Em junho de 2010 o Senado aprovou a Lei de Conversão n.º 6, que regulamentou a aplicação de medidas de suspensão de concessões relativas a direitos de propriedade intelectual e outros, em casos de descumprimento de obrigações do acordo da OMC. O texto legal prevê medidas de retaliação sobre diversos direitos de propriedade intelectual, como, entre outros, a suspensão de direitos, a subtração de prazos, o licenciamento sem remuneração, o bloqueio de remessas de royalties.

Realizou-se em julho último, em Brasília, reunião entre Brasil e EUA para examinar o contencioso, em especial a nova Lei Agrícola, o destino do pagamento de US$ 147milhões e o montante da retaliação autorizada pela OMC, quando a lei for aprovada, neste ano (em setembro) ou, mais provavelmente, no início de 2013.

Segundo se informou, o encontro foi inconclusivo, ficando as decisões em suspenso. O acordo vigente até aqui deixará de vigorar quando os EUA promulgarem a nova Lei Agrícola. O pagamento de US$ 147 milhões continuará a ser feito conforme previsto. Levando em conta as mudanças feitas no programa de crédito à exportação e as variações nos fluxos de comércio bilateral, os EUA defendem a tese de que deve ser substancialmente reduzida a quantia a que o Brasil teria direito na retaliação cruzada. A redução desse montante, as consequências da aprovação da Lei Agrícola, que continuará descumprindo a determinação da OMC por ser ainda mais distorciva, e a questão da retaliação cruzada deverão ser examinados após as eleições norte-americanas. Depois de aprovada a Lei Agrícola, o Brasil poderá considerar-se satisfeito com as mudanças e encerrar o caso, retomar a possibilidade de aplicar a retaliação ou realizar um novo acordo com os EUA.

Ganhará quem apostar num compromisso sem retaliação cruzada. Embora afinidades ideológicas tenham prevalecido no caso da suspensão do Paraguai e da decisão de ingresso da Venezuela no Mercosul, é pouco provável que o governo Dilma Rousseff - mais pragmático em relação aos EUA - queira enfrentar um séria crise comercial com Washington caso as negociações bilaterais, contrárias à decisão da OMC, não levem a uma solução mutuamente satisfatória em razão das distorções da Lei Agrícola.

O Paraguai depois do Mercosul - RODRIGO BOTERO MONTOYA


O Globo - 11/09


Carlos Díaz Alejandro afirmava que a vantagem de alguém se interessar pela atualidade latino-americana é que nunca se entediaria. O caminho que tomaram os acontecimentos relacionados ao Mercosul assim o demonstram. A cerimônia presidencial de 31 de julho em Brasília, para oficializar o ingresso da Venezuela no grupo mencionado, foi marcada por divertidos voos de retórica exuberante.

Proclamou-se a aparição de um eixo de poder geopolítico. Anunciou-se o surgimento da quinta potência econômica do planeta, acontecimento que passou despercebido no resto do mundo. Se de fato o ocorrido representou uma derrota para o império, Washington não se deu por notificada.

Na realidade, o evento teve bem menos transcendência. O que se celebrou com discursos bombásticos foi uma modesta reconfiguração interna em razão da expulsão do Paraguai para permitir a entrada da Venezuela. A mudança foi promovida por Brasil e Argentina, com a cumplicidade submissa do Uruguai. A manobra se levou a cabo em violação aberta da norma acordada pelo Tratado de Assunção para incorporar novos membros ao Mercosul. Ter contribuído para desmantelar as defesas institucionais que protegem os interesses dos pequenos países não constitui um triunfo memorável da diplomacia uruguaia. A nação do Leste já terá oportunidade de lamentar o gesto de fraqueza do presidente Mujica.

O interessante é comparar as alternativas que se apresentam ao Paraguai para sair da encruzilhada em que se encontra. Uma possibilidade é aceitar sua condição de pária, regressar de joelhos ao Mercosul e legitimar com sua aquiescência o atropelo ao qual foi submetido.

Mas há uma fórmula imaginária que permitiria às autoridades paraguaias o ressarcimento pelo tratamento humilhante recebido e a transformação da aparente derrota em triunfo. O que a dignidade nacional e principalmente a própria conveniência econômica recomendam ao Paraguai é formalizar sua saída imediata do Mercosul.

Isso facilitaria ao país adotar a postura comercial que corresponde a uma economia pequena: integrar-se à economia mundial, adotar uma tarifa baixa e negociar tratados de livre comércio com os principais países industrializados e com nações amigas na América Latina.

Essa estratégia produziu resultados favoráveis para o Chile e para o Panamá. Ao contrário, o protecionismo da Tarifa Externa Comum do Mercosul é prejudicial para um país exportador de commodities e um PIB da ordem de US$ 21 bilhões, como o Paraguai. Isso o obriga a outorgar a seus sócios trato preferencial para bens manufaturados de menor qualidade e preços maiores do que os que regem os mercados internacionais.

Recorrer ao caminho que se sugere não será fácil. Isso se trataria, nada menos, do que da formação de uma ilha de livre comércio em meio ao mercantilismo desfigurado do Atlântico Sul. Isso implica assumir um custo alto, mas não tão alto quanto o de se resignar a aceitar a desonra.

Defender-se com altivez exigirá audácia e valentia. Mas os paraguaios demonstraram ter valentia em abundância durante a guerra com Argentina, Brasil e Uruguai, entre 1865 e 1870.

Russomanno! Dízimo na catraca! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 11/09

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Feriadão SBT: um amigo se hospedou no Sofitel Guarujá, do Silvio Santos, e o Celso Portiolli bateu no carro dele! Rarará! Se hospede no hotel do Silvio Santos e leve uma batida do Celso Portiolli!

E um amigo meu fez cem novas amizades nesse feriadão, 99 eram cobradores de pedágio! E esta: "Ladrões assaltam pedágio". Não é assalto, é restituição! E uma amiga voltou só com o braço bronzeado. De tomar sol na janela do carro!

E o Hilário Eleitoral? Tá todo mundo louco! OBA! "Eu sou o Dr. Farah, advogado do programa do Ratinho." Isso é bom ou ruim? Prefiro o cirurgião plástico da Ana Maria Braga! E este: "Sou Augusto, dentista e amigo do padre Marcelo Rossi". Isso é bom ou é ruim? Péssimo! "Lívia Fidelix, veja minhas propostas no Facebook." É pra votar ou pra adicionar? Nem um nem outro, é pra deletar e denunciar. Rarará!

E este, direto de Ubatuba: "João, amigo do Clodovil". Sem comentários porque eu não mexo com coisas do além! E mais esta: "Thabata, defendo a classe G. G de gente". Pensei que ela defendia a classe R. R de ratos! E a classe O. O de Otários!

E a manchete do "Sensacionalista": "Petrobras encontra Serra no pré-sal". Técnicos afirmaram que seria possível a retirada. Caso ele fosse mais simpático! Rarará! E o Fernando Henrique? Com aquela cara de rei no exílio? É impressão minha ou ele tá conclamando o povo pra Revolução de 32? "São Paulo ! São Paulo ! São Paulo NÃO ACEITA." Com aquela boca de bater bolacha.

E o Russomanno vai instalar catraca da Universal pra recolher dízimo em ônibus e metrô! É o DZM! E adorei o comitê informal do Russomanno: Igreja Universal. Maior que o shopping JK e com muito mais vagas. É mole? É mole, mas sobe!

E esse calor? Sensação térmica: "Quero morrer". Bafo dos infernos! A Argentina não serve mais nem pra mandar frente fria! Tem gente chegando mais cedo no trabalho pra filar o ar-condicionado da firma!

Votem em mim! Pelo PGN! Partido da Genitália Nacional! Vou instalar ar-condicionado ecológico em todos os ônibus, trens e metrôs: um respirando na cara do outro. Bem ecológico: um respira e o outro aspira! E por causa do calor, o marido perguntou pra mulher: "Se eu dormir pelado no terraço, o que os vizinhos vão falar?". "Que eu me casei por dinheiro." Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Educação - tudo legal e tudo muito ruim - ALEXANDRE BARROS


O ESTADÃO - 11/09


O título é de Anísio Teixeira, na década de 1950. E continua na mesma.

A paixão da educação brasileira é a burocracia. Tudo é legalmente correto, mas os resultados são pífios. Os currículos são fixados e fiscalizados pelo Ministério da Educação (MEC) e terminam em exames que medem todos os alunos com a mesma régua. Não importam as suas preferências intelectuais e pretensões profissionais. Bem-sucedido é quem tira as melhores notas em todas as matérias, só que a vida e os progressos não são medidos assim. Uns serão capazes em umas coisas e outros, em outras. "Eu não posso fazer isso, mas posso fazer aquilo" e são as diversidades que alimentam o progresso, não as homogeneidades. Mal educamos a maioria dos alunos para as coisas que eles não gostam de fazer e fracassamos em ensinar-lhes o que eles gostam.

Todos sabemos, já no segundo grau, definir nossa direção básica: ciências humanas e sociais ou exatas. O gargalo são as exatas.

Perguntei a um professor de Matemática, defensor apaixonado da necessidade de todos saberem altas matemáticas, para que elas serviam. Sua pronta resposta: "Para calcular o tamanho dos planetas e a distância entre eles". Segunda pergunta: e quando foi a última vez que o senhor precisou calcular o tamanho de um planeta? Ele coçou a parte de trás da cabeça, sorriu e disse: "Só quando eu estava na escola". Isso não é uma diatribe para que não se ensinem ciências exatas na escola, mas a maneira de ensinar pode e deve variar, dependendo do propósito, das vocações e das intenções de cada aluno.

Hoje o acesso às informações está gigantescamente expandido. Fora da internet, há ciência no canais de TV do tipo Discovery e seus desdobramentos, como há nos seriados policiais CSI, Criminal Minds e Numbers. Isso basta para quem não vai ser cientista exato. Para quem vai há necessidade de saber mais sobre cálculos e experimentos. Fica, então, a pergunta: por que tentar enfiar paralelepípedos em buracos cilíndricos e esperar que eles coincidam exatamente?

Autoritarismo burocrático é a resposta. É assim "porque tem de ser assim". Os professores ensinam o que sabem, sem poder mudar currículos, e de olho nos testes estandardizados por meio dos quais o MEC insiste em que todos usem o mesmo tamanho de sapato, não importando o tamanho do pé.

Na década de 1990 a Universidade Estácio de Sá criou cursos com aulas das 11 da noite à 1 da madrugada. O MEC não autorizou. A razão alegada: ninguém pode estudar a sério nesse horário. Depois de idas e vindas burocráticas, acabaram autorizados e foram um grande sucesso. Havia público, que, pelas mais variadas razões, se sentia bem e rendia melhor nesse horário.

No ano passado, com a falta de mão de obra especializada, o Senai, que não é controlado pelo MEC, criou cursos na área de metalurgia, nas favelas do Complexo do Alemão, das 4 da madrugada às 7 da manhã. Estavam duros de gente e havia fila na porta (O Estado de S. Paulo, 31/7/2011). Na ausência do preciosismo autoritário-regulatório do MEC, os cursos foram criados para atender às necessidade do mercado e aos interesses dos candidatos.

Isso nos leva à conclusão de estudo recente de Simon Schwartzman: educação e crescimento econômico estão ligados, só que, ao contrário do que o senso comum pensava, é o crescimento econômico que empurra a educação, e não esta que puxa o crescimento.

As grandes universidades tecnológicas norte-americanas, criadas e financiadas pelos milionários do fim do século 19 e início do século 20, como John Rockefeller, Andrew Carnegie, Andrew Mellon e Leland Stanford, surgiram não porque a burocracia exigia ou gostava, mas porque a continuação do crescimento capitalista das fortunas dos robber barons dependia da formação de profissionais. No Brasil tudo fica na mão do governo, que pouco sabe do que o crescimento precisa e segue iludido achando que é a educação que puxa o desenvolvimento.

Sofro de discalculia (dificuldades em matemática, Estado, 9/4/2009). Pouco aprendi na escola nessa matéria, mas era fascinado pelos conceitos e princípios matemáticos descritos por Malba Tahan em O Homem que Calculava (Editora Record). Aprendi muito com o Laboratório Químico Juvenil - fornecia substâncias que, quando misturadas corretamente, produziam tinta de escrever invisível, cores ou fumaça - e com o Poliopticon, cheio de lentes e tubos que me permitiam fazer desde microscópios até lunetas para ver as vizinhas trocando de roupa.

Cedo aprendi o básico sobre perfuração de petróleo em O Poço do Visconde, de Monteiro Lobato, originalmente publicado em 1937. Mais recentemente, entendi muitos conceitos de estatística, que tentaram ensinar-me por meio de fórmulas e cálculos, lendo o Desafio aos Deuses: A Fantástica História do Risco, de Peter L. Bernstein (Campus, 1997).

Nunca iria ser cientista exato, mas tudo isso foi importante para entender o mundo. Com o Tesouro da Juventude (uma coleção de livros que era como que uma mescla das revistas Superinteressante e Galileu) aprendi a fazer uma porção de coisas que currículos e professores insistiam em não ensinar ou em fazê-lo de maneira errada.

Ou bem passamos a fornecer educação customizada, tal como vendemos sapatos dos tamanhos e modelos adequados aos pés dos clientes, ou vamos continuar a seguir a sina de Anísio Teixeira. Na educação tudo seguirá sendo legal, mas continuará sendo muito ruim e não funcionando.

Nisso desperdiçaremos dinheiro dos pagadores de impostos, que terão a ilusão de que a educação será melhor apenas porque o governo gasta mais dinheiro e insiste em formar todos para se tornarem cientistas e literatos, quando a grande demanda do crescimento vai em outra direção.

O Ocidente caiu com as torres - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 11/09


Enquanto o ex-presidente Bill Clinton fazia seu discurso histórico na Convenção democrática, senti-me em uma viagem no tempo - parecia que estávamos antes do 11 de Setembro, com os EUA em superávit, com uma visão multilateral do mundo, antes da brutal recessão que o boçal do Bush causou com sua política para milionários e Wall Street. Há muito tempo eu não era tão feliz. Pude esquecer por uma hora as caras dos republicanos: homens com fuças de bandidos violentos e mulheres com seus cabelos louros de 'chapinha', com o sorriso fixo de peruas imbecis.

Clinton explicou com destreza literária e estratégica como os republicanos provocaram o horror atual da economia, como impediram no Congresso que Obama fizesse correções na 'herança maldita' que deixaram e agora querem voltar para errar mais, num momento delicadíssimo da agenda internacional. Emocionou-me a dignidade daqueles dois, o preto bonito e o branco bonito, homens de bem, cultos, contrastando com os animais que pululavam na convenção republicana, com o fascista Clint Eastwood fazendo piadinhas e desonrando o fim de sua vida. Nunca mais vejo filme dele.

A crise econômica de 2008 começou em 2001, no 11 de Setembro. O ataque do Osama às torres dissimulou a estupidez do governo Bush (lembram de sua cara abestalhada quando soube do atentado?) Naquela cara estava traçado nosso destino dos últimos dez anos. Como um 'presidente de guerra', a desregulação das finanças foi escancarada, ninguém prestava atenção a nada, a não ser o 'Cheney-Oil' (que passou a mandar) e os 'mestres do universo', como os moleques de Wall Street se chamavam.

Logo depois do 11/9, o 'patriotic act' que Bush assinou justificou qualquer loucura, qualquer gasto para combater o terror. Não teríamos uma crise tão forte, se os EUA não estivessem gastando cerca de um trilhão por ano no Iraque e Afeganistão. O dinheiro rolava em cachoeira com baixos juros e a bolha imobiliária cresceu, os 'derivativos' e alavancagens criaram para os americanos um consumo fictício compensatório, que acabou estourando, como as minas que matavam jovens nos desertos do Oriente.

Bin Laden armou uma armadilha infalível: obrigou os EUA ao contra-ataque e, com isso, uniu o Islã.

Além disso, Bin Laden produziu a grande ressurreição do século 21: Deus. Ressurgiu Alá para eles e o fundamentalismo cristão na América. Alá e Jesus, ambos armados. Bin Laden 'islamizou' a América. Hoje há cerca de 40 milhões de evangélicos nos EUA, que acham que Deus criou o mundo em sete dias, 6 mil anos atrás, e que o Islã tem de ser arrasado com bombas nucleares. Barack Obama pode ser derrotado por milhões de ignorantes religiosos. Bin Laden nos jogou na Idade Média, numa era pré-política. Os nazistas queriam um milênio ariano, os comunas queriam construir um paraíso sem classes, os fanáticos do Islã não querem construir nada. Já estão prontos. Já chegaram lá. Já vivem na eternidade. Querem apenas destruir o demônio - que somos nós. A guerra é assimétrica - a América tem uma ideologia. Eles têm a teologia. O Islã quer o imóvel, a verdade incontestável. O Islã transcendeu a história há muito tempo. Suas multidões jazem na miséria, conformados, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano que os libertou da dúvida. Sua obediência ao Alcorão lhes ensina tudo, desde como cortar as unhas até como matar 'cães infiéis'. Como disse o mulah Muhammad Omar, com desdém: "Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver..."

Em um discurso que fez nas cavernas do Afeganistão, Bin Laden citou o tratado de Sèvres, quando o Ocidente acabou com o Império Otomano e com o sonho de unidade árabe, em 1920. Depois, declarou: "Nunca mais seremos humilhados como na Andaluzia". Ou seja, eles se vingam da expulsão da Península Ibérica em 1492. Osama nos odeia há 500 anos.

Osama Bin Laden inventou a única arma possível para os miseráveis: a loucura suicida. Queremos desesperadamente explicar Osama à luz da ciência ou da razão, mas ele se mantém imune a interpretações. Finalmente, entendi a velha frase de Camus: "O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo". Mas, não o suicídio raivoso de Mersault (v.O Estrangeiro) contra o mundo "absurdo". Não mais o suicídio da "náusea", mas o suicídio como manifestação de vida contra a dúvida e a diferença. Ai, que loucura!: o suicídio como esperança.

Além de incendiar a crise da economia, o ataque de 11/9 acabou com a fama de infalibilidade dos EUA. Acabou com a ideia de "finalidade", de "projeto". Acabou com a ideia de solução, com a ideia de vitória.

Ele trouxe de volta o que estava faltando ao Ocidente, desde o fim da guerra fria: o medo, a pulsão de morte que andava escondida, sublimada nos filmes, nos "hambúrgueres", na gargalhada infinita do entertainment. Acaba o happy end, a simetria, o princípio, o meio e o fim.

A arte revolucionária de Osama foi ter criado um fato. Hoje em dia não temos mais fatos; só expectativas. E ele nos trouxe um acontecimento em 2001, intempestivamente. E se o intempestivo acontece, Bin Laden atualizou a ideia do contemporâneo que, como disse Agamben, está dada numa relação de desconexão e dissociação com o tempo presente. E, para ele, "contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele ver não as luzes, mas o escuro". Bin Laden provou a morte das grandes narrativas e explicações. Pode estar pintando um horror à mudança, um tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard: "O universal acabou; só resta o singular contra o mundial".

E depois de criar milhões de 'jihadistas' americanos, com os "tea parties" fascistas, com um Deus vingativo e reacionário, Bin Laden está no fundo do oceano. E pode ser que chegue agora sua vingança contra Barack Obama: do abismo gelado do mar, entre peixes luminosos, Bin Laden pode eleger o Mitt Romney em novembro.

Todos contra um - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 11/09


BRASÍLIA - Com a eleição difícil ou indo para o vinagre em Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Salvador, Lula e o PT concentram prestígio, lideranças e particularmente recursos em São Paulo.

Lula só pensa naquilo: eleger Fernando Haddad, ou melhor, derrotar o PSDB no berço de petistas e tucanos e no principal e último bastião da oposição. Como a gente sabe, Lula não suporta ser contrariado. Quando quer uma coisa, sai de baixo.

A campanha de Haddad, como se leu na Folha, é a mais cara do país, com gastos de R$ 16,5 milhões, onze vezes mais do que a do líder, Celso Russomanno, e praticamente o dobro do que a do tucano José Serra.

Além do patrono da candidatura, que anda até desmarcando idas ao Nordeste, mergulharam fundo na campanha de Haddad a presidente Dilma Rousseff, com alta aprovação popular, e a ex-prefeita Marta Suplicy, principal cabo eleitoral nas periferias paulistanas. É "vai ou racha".

O curioso é o jogo de paciência entre Haddad e Serra. Eles disputam não apenas o segundo lugar e a chegada ao segundo turno, mas também quem vai atirar a primeira pedra no líder, pela TV.

Os dois precisam desesperadamente "desconstruir" Russomanno, mas um espera que o outro comece, porque a manobra é muito arriscada e pode ter efeito bumerangue. Quando o alvo é sólido, em vez de arranhar o atacado, quem acaba se machucando é quem ataca.

O fator definidor é o tempo. Quanto mais passa, mais Russomanno se fortalece e, ao disputarem entre eles, Haddad contra Serra e Serra contra Haddad, os dois podem estar consolidando a vitória do adversário comum. Se esperarem o segundo turno para agir, pode ser tarde demais.

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A indicação de Teori Zavascki foi aplaudida intramuros pelos ministros do STF com uma penca de adjetivos, mas é improvável que ele julgue o mensalão.

Jackson Hole, Wyoming, 2012! - ANTONIO DELFIM NETTO


Valor Econômico - 11/09



Os que se interessam pelo desenvolvimento da teoria econômica têm dois momentos anuais da maior importância: 1) a reunião da American Economic Society, onde se explora todo o campo; e 2) a Conferência Anual de Jackson Hole, no Estado de Wyoming, promovida pelo Federal Reserve Bank of Kansas City, onde se analisam, especificamente, os problemas monetários. A última dessas, com o título significativo de "The Changing Policy Landscape", ocorreu entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro.

Como é tradição, o chairman do Fed, no caso Ben Bernanke, abriu o simpósio. Fez longa e cuidadosa defesa da política do "quantitative easing". Analisou seus custos e benefícios. Afirmou que ela aumentou em 3% o PIB americano e empregou pelo menos 2 milhões de trabalhadores com custos relativamente pequenos. A firmeza da sua conclusão leva à crença de que ele está preparando um novo "round".

Não é exagerado dizer que o "espírito" da conferência foi relativamente crítico à ação do Fed. Os economistas mais à esquerda (a ideologia emergiu com força na discussão), criticaram o Fed por não ter feito o que deveria fazer. Os mais à direita, centraram sua crítica no que chamam de "excessivo ativismo" do Fed. Talvez a melhor síntese desse debate tenha sido a afirmação do competente Adam Posen, quando afirmou que as dificuldades da política monetária não estavam na "estrutura da economia", mas na falta de coragem de utilizá-la de forma mais ampla e diferente, por conta de "tabus autoimpostos" produzidos por uma forma de pensar "pré-histórica"...

"Espírito" da conferência foi crítico à ação do Fed

Importante contribuição ao simpósio foi o artigo "The United States Labor Market: Status Quo or A New Normal?", de E.P. Lazear e Spletzer, J.R., que esclareceu a dúvida se o alto nível de desemprego seria estrutural ou conjuntural, concluindo, convincentemente, que ele é conjuntural.

Por que isso é importante para a crítica da política monetária? Pela simples e boa razão que a "conjuntural" está ligada à demanda global, potencialmente controlada pelo Fed, que não o fez. Pelo contrário, mais de uma vez seus modelos sugeriam que, diferentemente das outras crises, na de 2007-2008 a recuperação do emprego seria mais lenta, porque seria estrutural. O trabalho de Lazear e Spletzer desmontou essa tese e sugere que o Fed, de fato, fez menos do que podia e do que devia.

O trabalho mais importante, sugestivo e mais longo (nada menos do que 97 páginas) é de autoria do professor Michael Woodford (o guru de muitos de nossos economistas), adjetivado com exagero (na minha modesta opinião) como "o maior economista monetário do mundo da sua geração". A grande verdade é que, antes de 2007, os modelos monetários de Woodford não incluem nem a moeda, nem o crédito! Mas ele tem se vingado. Desde então tem feito um sério e competente esforço para incluí-los!

O ponto interessante é que o trabalho de Woodford contraria diretamente as proposições de Bernanke acima referidas. Para ele, o "quantitative easing" teve um efeito modesto e de difícil quantificação e, o que é pior, nem era teoricamente robusto. Isso fortaleceu a posição dos que afirmam que o Fed de Bernanke não teve imaginação, nunca foi afirmativo o bastante e sempre chegou tarde...

Mas a parte mais interessante e analiticamente mais forte do trabalho é a adesão de Woodford à conveniência do Fed de fixar, como objetivo, o Produto Interno Bruto Nominal (o GDPN). Uma ideia antiga, explorada nos anos 70 pelo grande James Mead (Nobel de 1977) e reativada pelos "economistas-blogueiros", que hoje constroem, criticamente, em tempo real, novos conhecimentos econômicos. Dentre eles, temos o nosso competente João Marcus Marinho Nunes.

No fundo, o simpósio foi um apelo à realidade. Pode haver dúvidas sobre as consequências e a potência do "quantitative easing" para enfrentar a crise criada pelo desastre do sistema financeiro desregulado, mas não pode haver dúvida sobre:

1) o desemprego continua alto e não dá sinais de que diminuirá. E o Fed continua a não saber se ele é estrutural (contra o qual ele nada pode fazer) ou conjuntural, contra o qual ele acha "que já fez o que podia"!;

2) a taxa de inflação está mais do que comportada e, a despeito dos choques de oferta, não apresenta sinais de que vai deixar de sê-lo;

3) a taxa de crescimento é medíocre e sua perspectiva nada brilhante.

Tudo isso indica que a política monetária de fato produziu efeitos pífios, além de comprometer o equilíbrio fiscal. É hora de mudar. De derrubar os "tabus autoimpostos". De esquecer o pensamento monetário "pré-histórico", que tem condicionado a política de todos os bancos centrais. É hora de inovar, como fez Woodford - sem dúvida com muita dificuldade para vencer suas velhas ideias. Isso só acontece nos momentos em que "o mesmo de sempre" prova definitivamente sua inadequação.

A política proposta por Woodford é "manter a taxa de juros baixa até que o PIB nominal volte ao que seria sem a crise", porque o "modelo neokeynesiano standard implica que um alto nível de PIB real esperado, ou de inflação, no futuro, cria incentivos para o aumento do PIB real e dos preços no presente", recuperando o crescimento.