O GLOBO - 06/05/12
A Globo Livros vai lançar em 2013 um livro de memórias de Galvão Bueno, 61anos. O primeiro capítulo será sobre o encontro do jovem Galvão com Pelé. O narrador foi a oito Copas.
Dilma está de olho
O Planalto não pretende interferir nos consórcios vencedores dos leilões dos aeroportos. Mas vai ficar no cangote deles — especialmente, os de Brasília e Campinas, cujos consórcios não têm boa credibilidade.
Choque de gestão
Graça Foster promove um choque de gestão na Petrobras. Não só com troca de diretoria. Preocupada com atrasos e problemas no fornecimento de sondas e plataformas, criou uma gerência de Gestão, dada ao engenheiro Carlos Alberto Pereira de Oliveira, considerado um dos mais competentes na estatal.
Segue...
Quem vai tocar o pré-sal é Carlos Tadeu da Costa Fraga Tadeu chegou a ser cotado para a diretoria de Exploração e Produção. Mas foi bombardeado por sindicalistas petistas.
Calma, Ana
O MinC anda muito generoso com o dinheiro público. Além de autorizar a captação de R$ 10.608.186 para “Rock in Rio, o musical”, aprovou R$ 9.118.700 para a produtora Jumase Brazilian fazer o show “Samba carioca” em São Paulo e em cinco cidades da Alemanha.
Mulher rendeira
A atriz e cantora Vanja Orico, 82 anos, lança no segundo semestre sua biografia, editada por Léo Christiano. Vanja tem história. Estreou no cinema num filme de Fellini e foi a Maria Bonita no clássico “O cangaceiro”, de Lima Barreto.
O DOMINGO É de Mariana Ximenes, a talentosa atriz de 31 anos, que, além de linda, tem, repare, um grande, digamos, borogodó. A bela posa aqui como Liliane, sua personagem no capítulo da série “As brasileiras” que vai ao ar quinta agora. Casada com um empresário (Guilherme Fontes), Liliane, ao tentar acabar com a insônia, toma, sem querer, doses a mais de um remédio para dormir. E, em meio a crises de sonambulismo, transforma-se neste pedaço de “ai, Jesus” ao lado. Veja a tatuagem
da sapeca perto do... deixa pra lá. Tatua eu
As voltas que...
Estes dias, em Nova York, nosso diretor e autor teatral Flávio Marinho ouviu a seguinte frase agradecida de uma garçonete, num restaurante, quando ela soube que servia um brasileiro: — You keep us busy... (“vocês nos mantém ocupados”, no sentido de empregados).
Aliás...
Marinho voltou impressionado com a quantidade de brasileiros gastando sem parar, sem parar, sem parar em Nova York: — A pergunta que não quer calar é: até quando a nossa balança comercial vai aguentar o êxodo de tanta divisa? Porque, vou te contar, torrar sem pensar é com brasileiro mesmo — diz.
‘Merci beaucoup’...
Por causa da invasão brasileira, vários restaurantes de Paris estão com cardápio traduzido para o português daqui.
William e Kate
Há um ano, o mundo parou para assistir ao casamento do príncipe William e da plebeia Kate Middleton. Em tempo de bodas de papel do casal real britânico, a Mattel traz ao Brasil a edição limitada Barbie Collector William e Kate (veja na foto).
Você é luz, é raio...
O casamento de Arlindo Cruz, 53 anos, com a sua Babi, dia 13, periga entrar no “Guiness”, o livro dos recordes. Vai começar às 11h e só acabar à meia-noite, com cerimônias presididas por um padre, um pastor, um rabino, um sacerdote da umbanda, outro do candomblé e, ufa!, um juiz de paz.
Segue...
Arlindo tem mais de 550 composições gravadas, mas o tema de seu casamento, em Vargem Grande, no Rio, será... “Fogo e paixão” (“Você é luz, é raio, estrela e luar...”), de Wando. E as alianças serão levadas por uma... pomba branca.
Saguis fora da ilha
A Transpetro está retirando os saguis que vivem na Ilha D’água, na Baía de Guanabara, onde tem um terminal. É que os animais não são nativos do Rio e comem os ovos das aves da região, causando desequilíbrio ecológico.
domingo, maio 06, 2012
Lula, o recomeço - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 06/05/12
Dia desses, até o deputado Valdemar Costa Neto, que ainda manda no PR, apareceu em São Bernardo para saber da saúde do ex-presidente, falar da campanha municipal em várias cidades de São Paulo e… reclamar de Dilma. Na conversa, segundo se comenta em Brasília, teria ouvido de Lula que estava na hora de o PR voltar ao governo. O partido está na geladeira desde que Alfredo Nascimento deixou o Ministério dos Transportes.
Por falar em reclamar…
Lula evita falar em ser candidato. Só escuta e diz que os estilos dele e de Dilma são diferentes e que quem manda agora é ela. Em suma, trata todo mundo bem, é solidário a todos que o procuram, mas em nenhum momento é desleal com a presidente que ajudou a eleger. O problema é que, nessas conversas, mutos políticos já vislumbam o futuro. Todo mundo sai achando que ele será candidato a presidente. E a agenda dele, nesses últimos dias, de exposição total, alvoroçou mais ainda os bastidores. Em dois dias, Lula teve dois eventos públicos no Rio de Janeiro. Discursou nas duas oportunidades. Aos poucos, vai… aquecendo a voz.
Dilma o acompanha sempre que pode. Como já dissemos aqui, erra — e feio — quem achar que existe uma briga de foice entre eles ou uma vaidade de Dilma de ser candidata à reeleição a qualquer preço. Ela aprendeu muito cedo, desde os tempos da luta contra ditadores brasileiros, que o projeto é maior do que o indivíduo. Se for para o bem do projeto petista, ela volta pra casa numa boa em 2015, desde que seja para passar a faixa presidencial a Lula.
Por falar em voltar…
Para aqueles que torcem pelo retorno de Lula em breve, o problema é justamente esse: Dilma, ao se mostrar desapegada da classe política, conquista cada vez mais o coração dos eleitores. E, pelos cálculos de alguns integrantes do PT, funciona assim: os 57% que hoje desejam o retorno de Lula votarão em Dilma. E quem está satisfeito com o governo dela representa um contingente maior do que esse. Logo, ela, se candidata, não estaria longe de vencer no primeiro turno uma eleição presidencial, coisa que até hoje nenhum petista conquistou.
Por isso, até o presente momento, uma recandidatura de Lula é mais torcida daqueles que sentem saudades dos convescotes palacianos do que projeto real do PT. Mas se está claro que Lula conquistou votos com o Bolsa Família e com o jeito afável de tratar os políticos, é de supor que Dilma se consolida junto ao eleitorado pelo jeito brigão com que trata os políticos, aqueles que não fazem o serviço direito, os bancos… Lula só voltará se essa fórmula falhar daqui pra frente.
Por falar em falhas…
Desde que assumiu o cargo, a presidente Dilma Rousseff não deu o ar da graça na Expo Zebu, em Uberaba (MG), a maior do mundo. Só compareceu como candidata. No ano passado, cancelou sua participação na abertura por conta de uma gripe. Este ano nem se deu ao trabalho de confirmar. No dia da abertura, quinta-feira, Dilma estava ocupada, tratando de explicar as mudanças na remuneração da poupança ao Conselho Político e dizendo aos banqueiros que chegou a hora de baixar taxas de juros ao consumidor. Foi representada na tradicional feijoada na fazenda de Jonas Barcelos pelo ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro. Os políticos mineiros raramente faltam à abertura da exposição. Lula, que nem é mineiro, não perdia essa festa. Mais uma prova da diferença de estilos.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 06/05/12
Empresa de suco em pó compra marca de chocolate
A fabricante de sucos em pó General Brands vai entrar no mercado de chocolates com a marca Camp, que já usa em seus refrescos.
A companhia adquiriu o restante da empresa de chocolates Divino Sapore, em que possuía uma participação há mais de dois anos.
Entre aquisição de fábrica, investimento em equipamentos e desenvolvimento de produtos foram investidos R$ 35 milhões, segundo Isael Pinto, fundador da empresa.
Chocolates granulados, bombons e tabletes receberão a marca de sucos Camp, em uma decisão que é considerada arriscada por especialistas.
"Mudar a marca do produto pode funcionar ou não. Pode tornar uma venda posterior menos flexível", diz Marcos Cobra, sócio do Instituto Latino Americano de Marketing.
A alteração funciona bem quando há sinergia dos canais de distribuição e de fabricação, segundo Cobra.
"Optamos por isso devido à força que o nosso nome já tem. Custaria muito criar uma marca nova e as pesquisas mostraram que assim terá bom resultado", diz Pinto.
A estratégia de transferir o nome de um produto para outro, conhecida como "marca guarda-chuva", pode ser uma vantagem ao distribuir a reputação da mercadoria bem avaliada, diz a professora do Insper Tatiana Farina.
"Mas o contrário também pode ocorrer, caso haja problemas com um dos produtos."
RECORDE NOS GENÉRICOS
Os medicamentos genéricos atingiram recorde de participação de mercado no primeiro trimestre deste ano.
O número chegou a 25,4%, de acordo com dados da Pró Genéricos (Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos). No mesmo período de 2011 a fatia era de 22,7%.
De janeiro a março deste ano, o valor das vendas somou R$ 2,4 bilhões, alta de 35,4% em relação ao mesmo período do ano passado. A evolução das unidades vendidas no período foi de 23,5%.
"O Brasil vai bem, [há] mais gente com renda adicional e os medicamentos passam a ter um papel importante. E o genérico é que vai fazer com que todo mundo possa comprar remédios", diz o presidente da associação, Odnir Finotti.
Segundo Finotti, a previsão é chegar ao final do ano com uma participação de mercado de 30%.
De acordo com a Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias de Drogarias), que abrange as 28 maiores redes de farmácias do país e uma rede de supermercados, as vendas de genéricos cresceram 170% de 2007 a 2011.
MUSEU DA CERVEJA
A AmBev reinaugurou anteontem a cervejaria Bohemia em Petrópolis, no Rio.
A área, que recebeu investimentos de R$ 65 milhões, terá um centro de "experiência cervejeira".
A fábrica já concentra desde o ano passado a produção de "long necks" da Bohemia. "Teremos um museu, com interatividade, como o do futebol [de SP], e um restaurante", conta João Castro Neves, presidente da companhia. "As pessoas vão poder conhecer a história da cerveja e métodos de produção, além de degustar as cervejas."
Neves avaliou como positiva a reunião de empresários com a presidente Dilma na quinta-feira passada.
"Todos puderam falar. E ela frisou muito que quer crescimento sustentado."
RUMO À CHINA
A TAM ampliou o acordo de compartilhamento de voos com a Air China.
Para chegar a Pequim pela companhia, os passageiros brasileiros poderão sair de Guarulhos ou do Galeão e fazer conexão em Paris, no aeroporto Charles de Gaulle, de onde seguirão em voos da companhia de bandeira nacional chinesa.
Antes, a empresa brasileira só fazia a rota via Madri, pelo aeroporto de Barajas.
COMUNICAÇÃO VISUAL
VIDRAÇA DE MÃE
Primeiro impacto que o cliente tem ao acessar a marca, as vitrines recebem especial atenção no dia das Mães, que é, depois do Natal, a melhor data para alavancar vendas em boa parte do varejo. "Se agradar, o cliente entra atrás de outros produtos. É um vendedor a mais", diz Christian Hallot, da H.Stern. "Nossas vitrines mostram a grande árvore da mitologia nórdica que remete ao amparo que a mãe dá."
Para Maurício Morgado, professor da FGV, "a vitrine é indutora da fantasia e, nessa época, ela pega as pessoas mais voltadas para compra porque elas têm de resolver um problema."
Camila Salek, fundadora da Vimer, que projeta vitrines, destaca a importância das cores. "Vermelho e rosa são incríveis, facilmente percebidas pelo homem. E muita mulher compra para se ver refletida naquele momento."
Uma briga entre a física e a filosofia - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 06/05/12
A questão sobre a origem das coisas faz parte de todas as culturas. Será que a ciência pode resolvê-la?
Uma controvérsia vem se espalhando pela mídia americana. Qual a relação entre a ciência (mais propriamente a física) e a filosofia (mais propriamente da ciência)? Parece coisa meio arcana, mas não é.
Essa é uma briga antiga, reacendida quando o físico Lawrence Krauss publicou "O Universo do Nada: por que existe algo em vez de nada". Nele, Krauss explica como a física tem se aproximado de uma explicação para a pergunta sobre a origem de todas as coisas.
Sabemos que essa é uma questão antiga, parte de todas as culturas. Mas Krauss não dá bola para a antropologia cultural ou para a teologia e a filosofia. Para ele, exemplar típico da posição do "cientismo", só a ciência pode chegar a respostas úteis sobre esse tipo de questão.
O livro de Krauss foi demolido no "New York Times" pelo filósofo e físico David Albert, que questionou se Krauss entende o que significa o "nada". Resumindo, Albert argumenta que a física pressupõe a existência de campos fundamentais para definir sua versão do "nada". Portanto, esse não é o nada absoluto, mas é algo. A ciência só faz sentido quando definida sobre uma estrutura conceitual, começando pelas noções de espaço, tempo e energia.
Krauss respondeu em uma entrevista para o blog da revista "The Atlantic", chamando filósofos de idiotas. Arrependido, se desculpou na "Scientific American", algo extremamente embaraçoso.
Como descrevo no livro "A Dança do Universo", há apenas duas soluções para a questão da origem do Cosmo: ou ele surgiu em um momento do passado ou é eterno. Não é uma coincidência que universos eternos ou oscilantes ou com um começo apareçam tanto em mitos de criação quanto em modelos matemáticos do Cosmo. A diferença crucial é que, em ciência, podemos usar dados para diferenciar os modelos e decidir quais podem ser úteis.
O problema da origem de tudo nos remete à questão da Primeira Causa. Se descrevemos a realidade como uma sequência de eventos, ao irmos ao passado chegamos ao primeiro evento, o que por definição não tem uma causa.
Mitos de criação pressupõem entidades transcendentes, deuses além do espaço, do tempo e das leis da natureza. Se você se satisfizer com uma explicação sobrenatural do mundo, o problema acaba.
A ciência se opõe ao sobrenatural. Seu dogma central é que a natureza é inteligível: com a aplicação da razão, podemos construir explicações que podem ser testadas.
Será que a ciência pode então resolver a questão da origem de tudo? Os modelos que tentam fazê-lo usam conceitos da física quântica, onde o nada absoluto não existe.
Existe, sim, uma energia residual, que chamamos de energia de ponto zero. O vácuo é permeado por essa energia. O problema é que não sabemos como tratar dela. Quando aplicamos a física quântica ao Universo, a energia de ponto zero causa a implosão cósmica. Se isso fosse correto, não estaríamos aqui. Temos ainda muito o que aprender.
Ao mostrar a ciência de forma triunfal, Krauss confunde mais do que esclarece. Mesmo que tenha dito que questões continuam em aberto, o título do livro indica algo falso. Apesar dos avanços da ciência, modelos sobre a criação do Cosmo permanecem especulativos.
A questão sobre a origem das coisas faz parte de todas as culturas. Será que a ciência pode resolvê-la?
Uma controvérsia vem se espalhando pela mídia americana. Qual a relação entre a ciência (mais propriamente a física) e a filosofia (mais propriamente da ciência)? Parece coisa meio arcana, mas não é.
Essa é uma briga antiga, reacendida quando o físico Lawrence Krauss publicou "O Universo do Nada: por que existe algo em vez de nada". Nele, Krauss explica como a física tem se aproximado de uma explicação para a pergunta sobre a origem de todas as coisas.
Sabemos que essa é uma questão antiga, parte de todas as culturas. Mas Krauss não dá bola para a antropologia cultural ou para a teologia e a filosofia. Para ele, exemplar típico da posição do "cientismo", só a ciência pode chegar a respostas úteis sobre esse tipo de questão.
O livro de Krauss foi demolido no "New York Times" pelo filósofo e físico David Albert, que questionou se Krauss entende o que significa o "nada". Resumindo, Albert argumenta que a física pressupõe a existência de campos fundamentais para definir sua versão do "nada". Portanto, esse não é o nada absoluto, mas é algo. A ciência só faz sentido quando definida sobre uma estrutura conceitual, começando pelas noções de espaço, tempo e energia.
Krauss respondeu em uma entrevista para o blog da revista "The Atlantic", chamando filósofos de idiotas. Arrependido, se desculpou na "Scientific American", algo extremamente embaraçoso.
Como descrevo no livro "A Dança do Universo", há apenas duas soluções para a questão da origem do Cosmo: ou ele surgiu em um momento do passado ou é eterno. Não é uma coincidência que universos eternos ou oscilantes ou com um começo apareçam tanto em mitos de criação quanto em modelos matemáticos do Cosmo. A diferença crucial é que, em ciência, podemos usar dados para diferenciar os modelos e decidir quais podem ser úteis.
O problema da origem de tudo nos remete à questão da Primeira Causa. Se descrevemos a realidade como uma sequência de eventos, ao irmos ao passado chegamos ao primeiro evento, o que por definição não tem uma causa.
Mitos de criação pressupõem entidades transcendentes, deuses além do espaço, do tempo e das leis da natureza. Se você se satisfizer com uma explicação sobrenatural do mundo, o problema acaba.
A ciência se opõe ao sobrenatural. Seu dogma central é que a natureza é inteligível: com a aplicação da razão, podemos construir explicações que podem ser testadas.
Será que a ciência pode então resolver a questão da origem de tudo? Os modelos que tentam fazê-lo usam conceitos da física quântica, onde o nada absoluto não existe.
Existe, sim, uma energia residual, que chamamos de energia de ponto zero. O vácuo é permeado por essa energia. O problema é que não sabemos como tratar dela. Quando aplicamos a física quântica ao Universo, a energia de ponto zero causa a implosão cósmica. Se isso fosse correto, não estaríamos aqui. Temos ainda muito o que aprender.
Ao mostrar a ciência de forma triunfal, Krauss confunde mais do que esclarece. Mesmo que tenha dito que questões continuam em aberto, o título do livro indica algo falso. Apesar dos avanços da ciência, modelos sobre a criação do Cosmo permanecem especulativos.
Viva o crescimento. Mas como? - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 06/05/12
Crescer entrou na agenda europeia, mas falta acordo sobre a maneira de chegar a isso
PARIS - Crescimento é a nova palavra mágica na Europa, em grande parte graças à perspectiva de vitória de François Hollande, com seu mantra de que vai propor um adendo pró-crescimento ao pacto fiscal de março, que só tem a perna da austeridade.
Até Angela Merkel, a chanceler alemã e rainha-mãe da austeridade, já anda falando em "agenda do crescimento". Tudo resolvido, então? Nem remotamente.
É como diz a "Economist" que está nas bancas: "Pedir crescimento é como advogar pela paz mundial; todo o mundo concorda que é uma coisa boa, mas ninguém concorda em como fazê-la".
Para Hollande, parece claro que o crescimento viria de estímulos públicos de diferentes formas, em especial com recursos do Banco Europeu de Investimentos, com o que Merkel está de acordo.
Como os países europeus não estão exatamente nadando em dinheiro para poderem alocar recursos para o BEI, a ideia é a de aproveitar o que há nos cofres para alavancar investimentos do setor privado.
É pouco, no entanto. Economistas franceses desenvolvimentistas defendem que "o crescimento só tem chance de se concretizar se a consolidação [equilíbrio] orçamentária não for nem imediata nem drástica", escrevem, por exemplo, Jean-Luc Gaffard et Francesco Saraceno, do Observatório Francês de Ciências Econômicas. Ou seja, querem mais tempo e menos rigor na aplicação da austeridade.
Não é uma ideia apenas acadêmica: na semana passada, o jornal grego "Ta Nea" (As Notícias) informava que o governo local já estava em negociações com os credores internacionais para adiar por um ano a consecução das metas de médio prazo para redução do deficit.
Não passa pelo crivo da Alemanha: Wolfgang Schäuble, o poderoso ministro de Finanças, diz que "a consolidação orçamentária é não somente necessária mas é necessária para um fim preciso: gerar crescimento durável, que é o melhor meio de gerar emprego".
O ministro alemão está apenas repetindo a canção favorita da ortodoxia: contas públicas saneadas trarão de volta a confiança dos mercados nos países em crise e, com ela, virá o crescimento e, por extensão, a queda do desemprego.
O presidente do Banco Central Europeu, o italiano Mario Draghi, que surpreendeu meio mundo ao defender, ele também, um pacto pelo crescimento, explicou dias depois o que entende ser necessário para o crescimento. É o mesmo que Schäuble: "Mesmo que os ajustes orçamentários pesem sobre o crescimento a curto prazo, eles contribuirão para a saúde das finanças públicas e, assim, para a redução dos prêmios de risco [sobre os empréstimos dos Estados]".
Draghi defende também mexer no mercado de trabalho de forma a lhe dar mais flexibilidade, no pressuposto, jamais provado, de que quanto menos proteção social o trabalhador tiver, mais o empregador estará disposto a contratar.
Tudo somado, fica evidente que Gaffard e Saraceno têm razão ao dizer que "o crescimento não se decreta nem se estabelece instantaneamente, ao contrário da espiral deflação-austeridade na qual se atolam mais e mais países europeus".
Crescer entrou na agenda europeia, mas falta acordo sobre a maneira de chegar a isso
PARIS - Crescimento é a nova palavra mágica na Europa, em grande parte graças à perspectiva de vitória de François Hollande, com seu mantra de que vai propor um adendo pró-crescimento ao pacto fiscal de março, que só tem a perna da austeridade.
Até Angela Merkel, a chanceler alemã e rainha-mãe da austeridade, já anda falando em "agenda do crescimento". Tudo resolvido, então? Nem remotamente.
É como diz a "Economist" que está nas bancas: "Pedir crescimento é como advogar pela paz mundial; todo o mundo concorda que é uma coisa boa, mas ninguém concorda em como fazê-la".
Para Hollande, parece claro que o crescimento viria de estímulos públicos de diferentes formas, em especial com recursos do Banco Europeu de Investimentos, com o que Merkel está de acordo.
Como os países europeus não estão exatamente nadando em dinheiro para poderem alocar recursos para o BEI, a ideia é a de aproveitar o que há nos cofres para alavancar investimentos do setor privado.
É pouco, no entanto. Economistas franceses desenvolvimentistas defendem que "o crescimento só tem chance de se concretizar se a consolidação [equilíbrio] orçamentária não for nem imediata nem drástica", escrevem, por exemplo, Jean-Luc Gaffard et Francesco Saraceno, do Observatório Francês de Ciências Econômicas. Ou seja, querem mais tempo e menos rigor na aplicação da austeridade.
Não é uma ideia apenas acadêmica: na semana passada, o jornal grego "Ta Nea" (As Notícias) informava que o governo local já estava em negociações com os credores internacionais para adiar por um ano a consecução das metas de médio prazo para redução do deficit.
Não passa pelo crivo da Alemanha: Wolfgang Schäuble, o poderoso ministro de Finanças, diz que "a consolidação orçamentária é não somente necessária mas é necessária para um fim preciso: gerar crescimento durável, que é o melhor meio de gerar emprego".
O ministro alemão está apenas repetindo a canção favorita da ortodoxia: contas públicas saneadas trarão de volta a confiança dos mercados nos países em crise e, com ela, virá o crescimento e, por extensão, a queda do desemprego.
O presidente do Banco Central Europeu, o italiano Mario Draghi, que surpreendeu meio mundo ao defender, ele também, um pacto pelo crescimento, explicou dias depois o que entende ser necessário para o crescimento. É o mesmo que Schäuble: "Mesmo que os ajustes orçamentários pesem sobre o crescimento a curto prazo, eles contribuirão para a saúde das finanças públicas e, assim, para a redução dos prêmios de risco [sobre os empréstimos dos Estados]".
Draghi defende também mexer no mercado de trabalho de forma a lhe dar mais flexibilidade, no pressuposto, jamais provado, de que quanto menos proteção social o trabalhador tiver, mais o empregador estará disposto a contratar.
Tudo somado, fica evidente que Gaffard e Saraceno têm razão ao dizer que "o crescimento não se decreta nem se estabelece instantaneamente, ao contrário da espiral deflação-austeridade na qual se atolam mais e mais países europeus".
Não ver, não ouvir e calar sempre - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 06/05/12
E não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa será sempre sua
Você quer ser querida pelos amigos, viver sem problemas, ser daquelas pessoas que são sempre lembradas com alegria e prazer? Em outras palavras: você quer ser feliz? Simples: esqueça essas manias de ver, ouvir e, sobretudo, falar, e sua vida passará a ser um mar de rosas.
Não ouça; isso mesmo, não ouça, salvo, talvez, um pouco de música, quando estiver no carro. Quando perceber que estão contando uma história escabrosa da área política, vá para a janela e olhe para fora com enorme atenção.
E se o assunto envolver a vida particular de quem quer que seja -e quanto mais próxima a pessoa, pior-, seja drástico e finja um mal-estar súbito. Se tiver que se explicar, diga, no máximo, que é vagotônico como era o poeta Vinicius, doença que, aliás, já esteve muito na moda e que ninguém nunca soube muito bem do que se tratava.
Agora, o principal: se uma amiga -principalmente se for a que você mais adora- quiser contar seus problemas pessoais, arranje uma desculpa, seja ela qual for, para não ouvir: simule uma crise nervosa, diga coisas desconexas, dê uns gritos, e se for preciso, desmaie, mesmo que esteja no meio da rua. Vale absolutamente tudo para não assumir o papel de confidente, pois vai acabar sobrando para você -ou estou dizendo alguma novidade?
Bem, já falamos do primeiro ponto: não ouvir. Agora vamos ao segundo: não ver.
Quando for a uma festa, use óculos, daqueles que os bandidos obrigam os sequestrados a usar -com vidro negro e opaco- para não enxergar; faça essa riquíssima experiência que é não ver absolutamente nada, a saber: quem deu um amasso em quem, de quem é a perna enroscada debaixo da mesa que você flagrou quando foi pegar o isqueiro que caiu no chão, ou as baixarias que costumam acontecer quando as pessoas se descontraem, digamos assim. E se não conseguir os tais óculos negros, não tem importância: é só passar a noite inteira de olhos fechados -ou não sair de casa, claro.
Agora, o terceiro ponto, muito, mas muito mais importante do que não ver e não ouvir: não falar.
Nunca diga nada sobre nenhum assunto, e não dê, jamais, uma só opinião sobre nada. Se alguém diz que a couve-flor está mais cara, ouça com o ar mais sério do mundo; se ouvir o contrário, também -e continue mudo. Não diga nada, não faça nenhuma ponderação, não emita um único som.
Renuncie a bancar o inteligente e fique até o sol raiar, se for preciso, de boca fechada, que é a posição correta na vida, como você já deve ter aprendido -ou devia.
Se alguém mencionar a crise política e tiver uma vontade súbita de dizer alguma coisa, morda a língua e não faça juízo a respeito de nada: nem sobre a queda -ou a alta- do dólar, nem, sobretudo, sobre a CPI. Opinião, nem pensar.
O maior perigo é quando sua maior amiga está passando por uma crise e pede um conselho.
As pessoas só querem que se diga o que elas querem ouvir, e há até quem ache que amigo só existe para dar razão quando não se tem razão -você não sabia?
E não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa será sempre sua. Aprenda, mesmo que já um pouco tarde, que a sabedoria da vida é não ver, não ouvir e calar.
O que significa, na prática, não viver -o que é meio triste, convenhamos.
E não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa será sempre sua
Você quer ser querida pelos amigos, viver sem problemas, ser daquelas pessoas que são sempre lembradas com alegria e prazer? Em outras palavras: você quer ser feliz? Simples: esqueça essas manias de ver, ouvir e, sobretudo, falar, e sua vida passará a ser um mar de rosas.
Não ouça; isso mesmo, não ouça, salvo, talvez, um pouco de música, quando estiver no carro. Quando perceber que estão contando uma história escabrosa da área política, vá para a janela e olhe para fora com enorme atenção.
E se o assunto envolver a vida particular de quem quer que seja -e quanto mais próxima a pessoa, pior-, seja drástico e finja um mal-estar súbito. Se tiver que se explicar, diga, no máximo, que é vagotônico como era o poeta Vinicius, doença que, aliás, já esteve muito na moda e que ninguém nunca soube muito bem do que se tratava.
Agora, o principal: se uma amiga -principalmente se for a que você mais adora- quiser contar seus problemas pessoais, arranje uma desculpa, seja ela qual for, para não ouvir: simule uma crise nervosa, diga coisas desconexas, dê uns gritos, e se for preciso, desmaie, mesmo que esteja no meio da rua. Vale absolutamente tudo para não assumir o papel de confidente, pois vai acabar sobrando para você -ou estou dizendo alguma novidade?
Bem, já falamos do primeiro ponto: não ouvir. Agora vamos ao segundo: não ver.
Quando for a uma festa, use óculos, daqueles que os bandidos obrigam os sequestrados a usar -com vidro negro e opaco- para não enxergar; faça essa riquíssima experiência que é não ver absolutamente nada, a saber: quem deu um amasso em quem, de quem é a perna enroscada debaixo da mesa que você flagrou quando foi pegar o isqueiro que caiu no chão, ou as baixarias que costumam acontecer quando as pessoas se descontraem, digamos assim. E se não conseguir os tais óculos negros, não tem importância: é só passar a noite inteira de olhos fechados -ou não sair de casa, claro.
Agora, o terceiro ponto, muito, mas muito mais importante do que não ver e não ouvir: não falar.
Nunca diga nada sobre nenhum assunto, e não dê, jamais, uma só opinião sobre nada. Se alguém diz que a couve-flor está mais cara, ouça com o ar mais sério do mundo; se ouvir o contrário, também -e continue mudo. Não diga nada, não faça nenhuma ponderação, não emita um único som.
Renuncie a bancar o inteligente e fique até o sol raiar, se for preciso, de boca fechada, que é a posição correta na vida, como você já deve ter aprendido -ou devia.
Se alguém mencionar a crise política e tiver uma vontade súbita de dizer alguma coisa, morda a língua e não faça juízo a respeito de nada: nem sobre a queda -ou a alta- do dólar, nem, sobretudo, sobre a CPI. Opinião, nem pensar.
O maior perigo é quando sua maior amiga está passando por uma crise e pede um conselho.
As pessoas só querem que se diga o que elas querem ouvir, e há até quem ache que amigo só existe para dar razão quando não se tem razão -você não sabia?
E não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa será sempre sua. Aprenda, mesmo que já um pouco tarde, que a sabedoria da vida é não ver, não ouvir e calar.
O que significa, na prática, não viver -o que é meio triste, convenhamos.
O dinheiro que grita - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 06/04/12
Todo mundo quer ter dinheiro e não há nada de errado com isso, desde que seja conquistado por mérito próprio, sem roubar de ninguém tampouco do município, do Estado e da nação.
Dinheiro limpo é bem-vindo: nos proporciona viagens, prazeres, conforto, cultura, saúde. Saúde não apenas física, mas mental, e não estou falando do fato de poder pagar um analista se for preciso, mas da tranquilidade de não ter dívidas. Uma pessoa sem dívidas dorme melhor, pensa melhor, respira melhor.
Além de limpo e honesto, dinheiro bom é dinheiro silencioso. Que não se exibe, não se pavoneia, não aponta para si próprio dizendo: olhem eu aqui! Conheço milionários que tem com o dinheiro uma relação discreta. Claro que moram bem, viajam, possuem um bom carro, mas não ostentam, não botam seu dinheiro no sol para brilhar e ofuscar os outros. O dinheiro tem que ser elegante como o seu dono. Ninguém precisa lidar com o dinheiro como se fosse um bicheiro.
Mas é como muitos lidam. Mesmo não abrindo a camisa para mostrar suas correntes douradas nem transitando em limusines, ainda assim há quem não se importe que seu dinheiro grite – aliás, até fazem questão de ter um dinheiro bem marqueteiro. São mulheres que colocam todas as joias que possuem para ir a uma festa, usam bolsas com monogramas gigantes, instalam chafarizes nas piscinas e compram os dias de folga dos empregados porque não toleram a ideia de irem até a cozinha buscar seu próprio copo d´água num domingo.
Homens que andam em carros que valem uma cobertura, pets que vestem Prada, vinhos que são escolhidos pelo preço e namoradas idem, que amor verdadeiro é coisa de pobre.
O rico que esnoba pessoas humildes tem um dinheiro que grita. O rico que trata a todos com respeito e gentileza, tem um dinheiro silencioso.
O rico que só gasta com grifes, tem um dinheiro que grita. O rico que investe também no que é popular (e valoriza uma pechincha, por que não?) tem um dinheiro silencioso.
O rico que perdeu o prazer de apreciar as coisas gratuitas da vida, tem um dinheiro que grita. O rico que não perdeu a conexão com aquilo que lhe dava prazer quando não era tão rico, tem um dinheiro silencioso.
Quem dificulta o acesso a si mesmo através de um sem número de assessores, guarda-costas, secretários, agentes e demais bloqueadores humanos, tem um dinheiro que grita. Quem segue disponível pro afeto, tem um dinheiro silencioso.
Costuma-se diferenciar um do outro dizendo que um é o novo rico, e o outro, o rico de berço. Pode ser. Quem nunca teve, se deslumbra. Reconheço que é muito bom viver bem e poder pagar as próprias contas, tenham elas quantos dígitos tiverem. Mas dinheiro deveria ser educado da mesma forma que um filho: nunca permita que ele seja insolente e ruidoso.
O papel do mínimo - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 06/05/12
Com o aumento do valor médio do salário que está acontecendo na economia brasileira, cada vez mais a tarefa de ajudar a combater a pobreza extrema, uma das prioridades da presidente Dilma reafirmada no discurso de 1 de Maio na televisão, deixa de ser do salário-mínimo, que acaba ficando com o papel de fator de distribuição de renda.
O mínimo puxou aumento real de 3,6% nas negociações salariais de janeiro, o dobro do que ocorreu em dezembro, segundo pesquisa do jornal "Valor Econômico".
Os economistas Luis Eduardo Afonso e Paula Carvalho Pereda, da USP, Fabio Giambiagi, do BNDES, e Samuel Franco, do IPEA, publicaram na revista Economia Aplicada da FEA da Universidade de São Paulo um estudo onde demonstram o esgotamento do papel do salário-mínimo como mecanismo de combate à pobreza extrema, no qual argumentam que a política de aumentos do mínimo foi perdendo sua eficácia nesse ao longo do tempo, à medida que seu valor real ia aumentando.
Entre 1994 e 2007, o salário-mínimo teve um aumento real acumulado de 110%. Com isso, seu valor avançou, passando de 23% para 40% na escala do rendimento médio brasileiro.
Com as atualizações até 2009, data da última PNAD, já que em 2010 não houve e a de 2011 ainda não saiu, os estudos mostram que, como o salário-mínimo subiu muito, há mais gente que ganha menos de um salário no país: em 1995 eram 14,8% e, hoje, são 21,8%.
No mesmo período, praticamente dobrou a participação do salário-mínimo como fração da renda média da população.
Em 2009, só 13% dos aposentados e pensionistas que ganhavam um salário-mínimo estavam entre os 30% mais pobres da população.
Para Fabio Giambiagi, a política de aumentos reais do salário-mínimo foi, de certa forma, vítima de seu próprio êxito.
Tanto nas famílias mais pobres como nas mais ricas é relativamente raro encontrar pessoas recebendo pensões e aposentadorias iguais ao salário-mínimo.
Portanto, a maior parte das pessoas que recebem o salário-mínimo (no trabalho, em pensões ou aposentadorias) não pode ser considerada pobre pelo padrão brasileiro.
É inegável que houve crescimento significativo no poder de compra do salário-mínimo, qualquer que seja a unidade de medida empregada, mas, ao mesmo tempo, esse aumento real representou uma das principais fontes de pressão sobre as contas da Previdência Social desde o Plano Real.
De 1995 a 2009, a despesa do INSS cresceu de 4,6% para 7,3% do PIB. O dispêndio com benefícios assistenciais e previdenciários teve um aumento equivalente a 3,3% do PIB, o que representa um incremento relativo de mais de 70% de seu peso no PIB em um período de 14 anos.
Este fenômeno ocorreu em parte devido ao fato de o salário-mínimo afetar 2 de cada 3 benefícios, dada à vinculação constitucional existente entre a variável e o piso previdenciário e assistencial, o que produz inegavelmente um efeito médio positivo, mostra o estudo.
Em função disso, o estudo dos economistas sugere congelar o valor real do salário mínimo na próxima década e concentrar os recursos públicos em políticas mais bem focalizadas e com maior retorno social.
Com base nos dados apresentados e "partindo-se do pressuposto de que a prioridade maior das políticas sociais deveria ser tentar reduzir a insuficiência de renda das famílias mais pobres", os economistas propõem três medidas:
1- Estabilizar em algum momento o valor real do piso previdenciário, mediante Emenda Constitucional que desvincule o piso do valor do salário-mínimo;
2- Retomar, em função das diferenças regionais, o conceito de salário-mínimo regional, que já vigorou no país até a década de 80;
3- Redirecionar o foco das políticas sociais.
Esse novo foco deveria estar ligado a ações integradas com três objetivos: beneficiar um maior número de pessoas situadas abaixo da linha de extrema pobreza; ampliar os recursos à disposição dessas pessoas e formatar políticas públicas com "portas de saída", que consigam melhorar estruturalmente as condições de ascensão social desses indivíduos e possibilitem sua retirada do elenco de beneficiários, no horizonte de uma geração.
Se o país quer atacar de forma eficiente o problema da extrema pobreza, a elevação do piso previdenciário e do salário-mínimo não é o instrumento mais eficaz, dizem eles, pois seu aumento "implica onerar pesadamente as contas do INSS e do Tesouro, com efeitos sociais muito modestos".
A constatação de que o aumento do salário-mínimo não é mais uma política eficiente de combate à pobreza extrema deveria ser um fator de convencimento poderoso no sentido de persuadir a sociedade acerca da razoabilidade da medida proposta, alegam os autores do estudo. Programas focalizados, como o Bolsa Família, têm se revelado mais eficazes para atingir o objetivo de combater a pobreza extrema, objetivo básico das políticas sociais.
O advogado Márcio Thomaz Bastos está torcendo para que ocorra logo a cassação de Demóstenes Torres. Assim que acontecer, ele terá sólidas razões para suscitar a competência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para julgar os crimes praticados por seu cliente, o bicheiro Carlos Cachoeira.
Seus crimes seriam conexos aos do ex-senador, e esse, como membro do Ministério Público de Goiás, tem seu juízo criminal natural naquele tribunal.
Lá vai um... - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 06/05/12
O sono não vem. Você já leu tudo que queria ler, e o sono não vem. Você já repassou tudo o que fez durante o dia e planejou tudo que fará no dia seguinte, e o sono não vem. E o dia seguinte ainda está longe.
Contar carneirinhos pulando a cerca, será que adianta mesmo? Coisa de americano. Mas lá vai um, lá vai dois, lá vai três... Ih, lá vem o um de volta. Organização, gente. Lá vai quatro. O cinco não conseguiu. O seis pulou em cima do cinco... Assim não vai dar. Você vai ficar ainda mais tenso.
Pensar em nada. Isso. Fechar os olhos e pensar em nada. Esvaziar o cérebro. Concentrar o pensamento num ponto no exato centro do seu cérebro, depois transportar esse ponto para o exato centro do Universo. Você não é mais você, você é o que existe em torno desse ponto luminoso no exato centro do Universo.
Você é o Universo! Se você abrir os olhos, o Universo vazará pelos seus olhos e inundará seu quarto, inundará sua vizinhança...
Suas pálpebras são só o que retém o Universo dentro do seu cérebro e o impedem de invadir... o Universo. Suas pálpebras são as únicas tênues defesas do Universo contra o caos. Não abra os olhos, não abra os olhos, não abra os... Você abre os olhos, em pânico. Quem pode dormir com tanta responsabilidade?
Quem sabe ler mais um pouco? Tanta coisa para ler... Na verdade, só quem tem insônia tem tempo para ler. É por isso que todo intelectual tem aquela cara de zonzo. Não é cultura, é sono. Intelectual não dorme. Não dorme porque é intelectual ou é intelectual porque não dorme e tem tempo para ler? Você não sabe. A sua insônia não tem qualquer proveito cultural. A sua insônia, além de tudo, é burra.
Você lembra que quando era criança achava que tinha um monstro embaixo da cama. Quando precisava fazer xixi durante a noite, dava um pulo da cama, pro monstro não pegar o seu pé. E na volta dava outro pulo pra cima da cama. O engraçado era que você nunca imaginava que o monstro fosse sair debaixo da cama e correr atrás de você.
Era um monstro terrível, comedor de pé de criança, mas era preguiçooooso... Você pensa: até que seria bom se houvesse mesmo um monstro embaixo da sua cama. Pelo menos alguém para conversar. Trocar reminiscências da infância... Lembra os pulos que eu dava para cair na cama sem você me pegar? Vocês dariam boas risadas.
Nem precisava ser um monstro. O ideal seria ter um psicanalista embaixo da cama. Além de alguém para conversar, alguém para curar a sua insônia. Quem sabe contar psicanalistas pulando a cerca? Lá vai um, lá vai dois, lá vai três... Ei, você, o quarto: não é para analisar o simbolismo da cerca, é para pular! Deve ser um freudiano ortodoxo. Lá vai quatro, lá vai cinco...
Você começa a enumerar todas as mulheres que teve na sua cama de adolescente. Artistas de cinema, vizinhas, primas... Sua imaginação as colocava ao seu lado na cama e vocês se amavam loucamente. E o melhor: depois do amor, depois de saciado – você dormia! Como você dormia antigamente. Que fim levara aquele sono todo?
Cérebro vazio. Pensar em nada. Esperar o amanhecer. Esperar o bendito dia seguinte. E o dia seguinte parece ficar cada vez mais longe.
O sono não vem. Você já leu tudo que queria ler, e o sono não vem. Você já repassou tudo o que fez durante o dia e planejou tudo que fará no dia seguinte, e o sono não vem. E o dia seguinte ainda está longe.
Contar carneirinhos pulando a cerca, será que adianta mesmo? Coisa de americano. Mas lá vai um, lá vai dois, lá vai três... Ih, lá vem o um de volta. Organização, gente. Lá vai quatro. O cinco não conseguiu. O seis pulou em cima do cinco... Assim não vai dar. Você vai ficar ainda mais tenso.
Pensar em nada. Isso. Fechar os olhos e pensar em nada. Esvaziar o cérebro. Concentrar o pensamento num ponto no exato centro do seu cérebro, depois transportar esse ponto para o exato centro do Universo. Você não é mais você, você é o que existe em torno desse ponto luminoso no exato centro do Universo.
Você é o Universo! Se você abrir os olhos, o Universo vazará pelos seus olhos e inundará seu quarto, inundará sua vizinhança...
Suas pálpebras são só o que retém o Universo dentro do seu cérebro e o impedem de invadir... o Universo. Suas pálpebras são as únicas tênues defesas do Universo contra o caos. Não abra os olhos, não abra os olhos, não abra os... Você abre os olhos, em pânico. Quem pode dormir com tanta responsabilidade?
Quem sabe ler mais um pouco? Tanta coisa para ler... Na verdade, só quem tem insônia tem tempo para ler. É por isso que todo intelectual tem aquela cara de zonzo. Não é cultura, é sono. Intelectual não dorme. Não dorme porque é intelectual ou é intelectual porque não dorme e tem tempo para ler? Você não sabe. A sua insônia não tem qualquer proveito cultural. A sua insônia, além de tudo, é burra.
Você lembra que quando era criança achava que tinha um monstro embaixo da cama. Quando precisava fazer xixi durante a noite, dava um pulo da cama, pro monstro não pegar o seu pé. E na volta dava outro pulo pra cima da cama. O engraçado era que você nunca imaginava que o monstro fosse sair debaixo da cama e correr atrás de você.
Era um monstro terrível, comedor de pé de criança, mas era preguiçooooso... Você pensa: até que seria bom se houvesse mesmo um monstro embaixo da sua cama. Pelo menos alguém para conversar. Trocar reminiscências da infância... Lembra os pulos que eu dava para cair na cama sem você me pegar? Vocês dariam boas risadas.
Nem precisava ser um monstro. O ideal seria ter um psicanalista embaixo da cama. Além de alguém para conversar, alguém para curar a sua insônia. Quem sabe contar psicanalistas pulando a cerca? Lá vai um, lá vai dois, lá vai três... Ei, você, o quarto: não é para analisar o simbolismo da cerca, é para pular! Deve ser um freudiano ortodoxo. Lá vai quatro, lá vai cinco...
Você começa a enumerar todas as mulheres que teve na sua cama de adolescente. Artistas de cinema, vizinhas, primas... Sua imaginação as colocava ao seu lado na cama e vocês se amavam loucamente. E o melhor: depois do amor, depois de saciado – você dormia! Como você dormia antigamente. Que fim levara aquele sono todo?
Cérebro vazio. Pensar em nada. Esperar o amanhecer. Esperar o bendito dia seguinte. E o dia seguinte parece ficar cada vez mais longe.
O mal feito a nós - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 06/05/12
Os escândalos passam pelo noticiário numa procissão infindável, uma cachoeira de escândalos. Tenebrosas transações vão surrupiando recursos públicos, esgarçando a confiança nas instituições, consolidando a sensação de que os políticos são assim mesmo; todos iguais. No ano passado foi um dominó que derrubou sete ministros e consumiu o ano inteiro. Este ano, a CPI que começa é outra que tem o nome de CPI do fim do mundo.
Onde é que estão os riscos e como entender essa avalanche? A imprensa é apenas a mensageira da notícia. Ela divulga. Não é a responsável pelo ambiente de cansaço e apreensão diante de tanto fato que ofende o país.
O problema alcançou uma dimensão que vai além do evento em si, vai além da política, e compromete ganhos importantes que o país conquistou nas últimas décadas. Cada evento tem que ser apurado, e seus responsáveis, punidos. Mas seria normal que a esta altura dos malfeitos houvesse algum temor entre os corruptos. Eles parecem, fita após fita, diálogo após diálogo, ter a mesma sem cerimônia, a mesma incorrigível desfaçatez.
Políticos com posições de destaque, com ambições ainda maiores, são capazes de exibições de espantosa falta de noção do conflito de interesses e dos limites que devem reger as relações entre o público e o privado. Se colocassem apenas as suas carreiras em risco, vá lá. Mas o perigo se abate também sobre políticas públicas que esses políticos colocaram em marcha, e para as quais contribuem pessoas e servidores sinceramente convencidos da sua qualidade.
Tudo isso desanima. Abate. Confunde. O brasileiro honesto diante de tanta recorrência pode achar que é assim mesmo, é da natureza da política. Pode considerar que o melhor é aderir a esse padrão moral nas suas próprias relações. Ou pode simplesmente se afastar de tudo, não querer mais perder tempo em entender tanto organograma dos esquemas criminosos, ouvir trechos de tantos diálogos tortuosos.
A generalização, a perda de valores, ou a alienação, qualquer dessas reações é perigosa para o país. A primeira vai minar o apoio à democracia, porque a conclusão pode ser: se todos os políticos são iguais, melhor não tê-los. A segunda porque ela tornará a corrupção endêmica, parte da cultura nacional. A terceira, essa do abandono do navio aos ratos, é a renúncia à busca de um país decente.
Um escândalo é apenas um escândalo. Todos eles juntos vão formando a cachoeira que pode nos arrastar para longe do objetivo que o Brasil tinha quando lutou suas lutas recentes.
Na conversa da redação, quando a equipe da Globonews preparava a reportagem sobre Rubens Paiva, nos demos conta de que a maioria dos brasileiros não tinha nascido quando o deputado foi preso e desapareceu em 1971. Fui verificar no IBGE, e o número era espantoso: 68% dos brasileiros têm menos de 41 anos. O Brasil tem uma população jovem. Isso é um bônus, mas o risco aumenta. Os que na minha geração entenderam a dor vivida pelo país durante a ditadura estão dispostos a tudo para manter o Congresso aberto. Mas e os jovens? Os que nada daquilo viveram? Até quando tolerarão a sequência de escândalos sem serem capturados por algum vendedor de poção mágica e autoritária para os males nacionais?
Na economia, a corrupção é devastadora. O que normalmente se tem em mente é o volume de recursos desviado dos cofres públicos através das estratagemas de sempre: empresas fantasmas que não prestam o serviço para o qual são pagas; sobrepreço na compra de bens e serviços pelo governo; compras aprovadas por políticos e funcionários que receberam a sua parcela do dinheiro sujo; desperdício de obras inacabadas.
Há muitas outras perdas. As empresas fornecedoras do governo adotam normas de organização gerencial que promovam o funcionário que sabe o caminho, ou descaminhos, do cofre. Como o Estado é o grande comprador, se a má prática se dissemina, todos os milhares de fornecedores do Estado serão colocados em algum momento diante do dilema: aceitar ou não a regra vigente. Hoje, já se vê no Brasil o desdobramento disso, que é a corrupção nos negócios entre empresas privadas.
Grandes investidores podem considerar que o Brasil não é um país para o qual se deva ir. A corrupção de tão frequente pode estar neste momento desanimando alguma diretoria a tentar voos maiores para o Brasil. Ou então desembarcam com a orientação de adotar padrões éticos mais flexíveis para se adaptar à cultura local.
A democracia corre riscos evidentes a cada nova pancada que a opinião pública recebe. A economia vai se viciando, encontrando os atalhos, perdendo sua eficiência, atraindo apenas os piores, os que sabem se movimentar em ambiente tão degradado.
O Brasil tem sonhos altos e nesse momento tem mais confiança de que pode alcançá-los. Quer estar entre os primeiros países do mundo, mesmo sabendo que o sexto lugar em PIB só será efetivo quando houver o mesmo grau no desenvolvimento humano. Ninguém desconhece que há uma lista grande de tarefas por fazer. A dúvida é quanto do nosso destino está sendo diariamente sabotado pela corrupção no momento em que temos tantas chances.
A ilha com anseio de continente - YOANI SÁNCHEZ
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
O dilema de optar pela negação ou aceitação continua dividindo os governos latino-americanos em relação a Cuba. Legitimar ou não o inquilino da Praça da Revolução é uma alternativa que acirra os debates e aguça as desavenças.
Brasil, Argentina e Uruguai - entre outros - decidiram conceder legitimidade a Raúl Castro, em parte porque acreditam que uma aproximação pode propiciar mais avanços em matéria de direitos humanos dentro da ilha. Ao passo que EUA e, mais recentemente o Canadá, consideram inadmissível a conivência entre mandatários eleitos pelas urnas e um general que herdou o poder por laços de sangue.
Nenhuma das duas estratégias produziu muitos resultados até o momento. O governo cubano procura tirar partido tanto do abraço quanto da hostilidade. No caso do abraço, ele tenta mostrá-lo como uma validação do seu sistema político. Quanto à hostilidade, exibe-a como uma razão para manter a falta de liberdades no interior do país. Não é por acaso que em vários muros da capital cubana está escrita a frase de Ignacio de Loyola: "Numa praça sitiada, discordar é trair".
Diante dos apelos pela democratização do país, Havana comporta-se como o perseguido que precisa se proteger contra exigências externas. O discurso político se intensifica e fica mais intransigente à medida que aumenta o confronto com o de fora.
A improdutividade da terra fica em segundo plano, o inconformismo do cidadão fica relegado e até os apagões deixam de ser um assunto nas ruas, quando os discursos nacionalistas monopolizam todo o espaço da TV.
A cúpula de Cartagena foi uma mostra quase emblemática dessa tática. Uma vez passada a ressaca de tanta informação sobre a visita de Bento XVI, nossos noticiários encontraram um prato cheio nos tropeços da magna cúpula americana. O desplante de Rafael Correa, a ausência de Hugo Chávez e Daniel Ortega, a partida intempestiva de Cristina Kirchner alimentaram as páginas do jornal Granma em detrimento de outras informações.
Só restou espaço para a importantíssima discussão sobre a descriminalização da droga ou para relatar os detalhes do tratado de livre comércio entre EUA e Colômbia. "A demanda generalizada para integrar Cuba nesses fóruns regionais - nas palavras de Evo Morales - soterrou outros debates urgentes no plano social e econômico tão prementes para o continente."
E, desta vez, as ilhas voltaram a determinar a pauta do continente: as Malvinas, de um lado, e Cuba, do outro. As Malvinas em meio a um conflito sobre a propriedade. A outra, no centro de um debate sobre oportunidade.
Não deveríamos estranhar esta desproporção entre os quilômetros quadrados de um território e o acúmulo de controvérsias criada numa cúpula presidencial. Não deveríamos nos surpreender com esses excessos porque, durante 53 anos, essa tem sido a diplomacia de Fidel Castro, agora continuada por seu irmão.
Estar sem estar, boicotar sem assistir, chutar a porta sem nem mesmo tentar tocar nela. No palácio de governo, com certeza, vários sorrisos foram esboçados quando viram a falta de consenso e de uma declaração final na cúpula de Cartagena.
Inúmeros líderes reunidos na Colômbia asseguraram que nossa nação estará presente na próxima cúpula. Mas de que Cuba estão falando? Sem dúvida, de um país que terá mais dificuldade para eclipsar os temas suscitados pelas potências emergentes da área e pelos desafios políticos do momento.
José Mujica disse que "a bandeira da estrela solitária" deve acompanhar seus pares regionais. A afirmação pode ser lida como o prognóstico de que os cubanos viverão mudanças transcendentais nos próximos anos.
Mesmo entre os governos mais próximos, poucos acreditam que Raúl Castro constará da lista de convidados para a próxima cúpula. Tudo indica que em seu lugar irá outra pessoa - com outro sobrenome - que, no melhor dos casos, será um presidente eleito pelo seu povo. A ilha inserida finalmente - com seu justo tamanho e transcendência - no continente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Dialética da mudança - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 06/05/12
As certezas nos dão tranquilidade; pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las. É natural que isso aconteça, quando mais não seja porque as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés.
Não necessito dizer que, para mim, não há verdades indiscutíveis, embora acredite em determinados valores e princípios que me parecem consistentes. De fato, é muito difícil, senão impossível, viver sem nenhuma certeza, sem valor algum.
No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, poucos eram os que os questionavam, mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo.
Com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, aquelas certezas inquestionáveis passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com as certezas e os valores.
Questioná-los, reavaliá-los, negá-los, propor mudanças às vezes radicais tornou-se frequente e inevitável, dando-se início a uma nova época da sociedade humana. Introduziu-se o conceito não só de evolução como o de revolução.
Naturalmente, essas mudanças não se deram do dia para a noite, nem tampouco se impuseram à maioria da sociedade. O que ocorreu de fato foi um processo difícil e conflituado em que, pouco a pouco, a visão inovadora veio ganhando terreno e, mais do que isso, conquistando posições estratégicas, o que tornou possível influir na formação de novas gerações, menos resistentes a visões questionadoras.
A certa altura desse processo, os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis que governam o mundo material e social.
Mas esse conhecimento era ainda precário e limitado. Basta dizer que, até começos do século 20, ignorava-se a existência de microrganismos -como vírus e bactérias-, o que inviabilizava tratar doenças como a tuberculose.
Costumo dizer que o poeta Augusto dos Anjos foi assassinado pelo tratamento médico de uma pneumonia: submeteram-no a sangrias e lavagens intestinais, debilitando-o mais, ou seja, anularam-lhe as defesas naturais e o desidrataram.
A descoberta dos vírus e bactérias como causas de muitas e graves enfermidades possibilitou a produção dos antibióticos, o que representou um enorme avanço na cura desse tipo de doenças.
Igualmente significativas foram as mudanças nos terrenos econômico e político, resultantes da crítica ao capitalismo e da luta dos trabalhadores em defesa de seus direitos. O comunismo se impôs como uma alternativa à democracia burguesa e influi até hoje na visão ideológica de parte considerável da sociedade contemporânea.
Todos esses fatos -que são apenas uns poucos exemplos do que tem ocorrido- tornam indiscutível a tese de que a mudança é inerente à realidade tanto material quanto espiritual, e que, portanto, o conceito de imutabilidade é destituído de fundamento.
Ocorre, porém, que essa certeza pode induzir a outros erros: o de achar que quem defende determinados valores estabelecidos, em contraposição a outros considerados inovadores, está indiscutivelmente errado.
Em outras palavras, bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Será isso verdade? Os fatos demonstram que tanto pode ser como não.
Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. Só que, em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los. E sabem por quê? Pela simples razão de que toda sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social. Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável.
Por outro lado, como a vida muda e a mudança é inerente à existência, impedir a mudança é impossível. Daí resulta que a sociedade termina por aceitar as mudanças, mas apenas aquelas que de algum modo atendem a suas necessidades e a fazem avançar.
As certezas nos dão tranquilidade; pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las. É natural que isso aconteça, quando mais não seja porque as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés.
Não necessito dizer que, para mim, não há verdades indiscutíveis, embora acredite em determinados valores e princípios que me parecem consistentes. De fato, é muito difícil, senão impossível, viver sem nenhuma certeza, sem valor algum.
No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, poucos eram os que os questionavam, mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo.
Com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, aquelas certezas inquestionáveis passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com as certezas e os valores.
Questioná-los, reavaliá-los, negá-los, propor mudanças às vezes radicais tornou-se frequente e inevitável, dando-se início a uma nova época da sociedade humana. Introduziu-se o conceito não só de evolução como o de revolução.
Naturalmente, essas mudanças não se deram do dia para a noite, nem tampouco se impuseram à maioria da sociedade. O que ocorreu de fato foi um processo difícil e conflituado em que, pouco a pouco, a visão inovadora veio ganhando terreno e, mais do que isso, conquistando posições estratégicas, o que tornou possível influir na formação de novas gerações, menos resistentes a visões questionadoras.
A certa altura desse processo, os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis que governam o mundo material e social.
Mas esse conhecimento era ainda precário e limitado. Basta dizer que, até começos do século 20, ignorava-se a existência de microrganismos -como vírus e bactérias-, o que inviabilizava tratar doenças como a tuberculose.
Costumo dizer que o poeta Augusto dos Anjos foi assassinado pelo tratamento médico de uma pneumonia: submeteram-no a sangrias e lavagens intestinais, debilitando-o mais, ou seja, anularam-lhe as defesas naturais e o desidrataram.
A descoberta dos vírus e bactérias como causas de muitas e graves enfermidades possibilitou a produção dos antibióticos, o que representou um enorme avanço na cura desse tipo de doenças.
Igualmente significativas foram as mudanças nos terrenos econômico e político, resultantes da crítica ao capitalismo e da luta dos trabalhadores em defesa de seus direitos. O comunismo se impôs como uma alternativa à democracia burguesa e influi até hoje na visão ideológica de parte considerável da sociedade contemporânea.
Todos esses fatos -que são apenas uns poucos exemplos do que tem ocorrido- tornam indiscutível a tese de que a mudança é inerente à realidade tanto material quanto espiritual, e que, portanto, o conceito de imutabilidade é destituído de fundamento.
Ocorre, porém, que essa certeza pode induzir a outros erros: o de achar que quem defende determinados valores estabelecidos, em contraposição a outros considerados inovadores, está indiscutivelmente errado.
Em outras palavras, bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Será isso verdade? Os fatos demonstram que tanto pode ser como não.
Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. Só que, em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los. E sabem por quê? Pela simples razão de que toda sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social. Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável.
Por outro lado, como a vida muda e a mudança é inerente à existência, impedir a mudança é impossível. Daí resulta que a sociedade termina por aceitar as mudanças, mas apenas aquelas que de algum modo atendem a suas necessidades e a fazem avançar.
Quem quer o abacaxi? - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 06/05/12
BRASÍLIA - A imagem fragilizada de Lula, trôpego, de bengala, e depois recebendo o título de doutor honoris causa de universidades do Rio tem uma força imensa no imaginário popular e na política.
Soma-se a essa força simbólica a força concreta de Dilma. Primeira mulher presidente, ela teve peito para enfrentar os bancos, os juros, a criação do Funpresp (o fundo de previdência do funcionalismo) e, enfim, a garfada na poupança.
A oposição tenta vislumbrar alguma brecha na CPI e na votação da MP da poupança, mas está difícil. O peixe mais graúdo da CPI é Demóstenes, até há pouco um ídolo oposicionista, e o discurso de que "a poupança vai render menos para os juros baixarem mais" parece colar.
Quando Aécio disse que "as circunstâncias lá na frente" poderão empurrar Serra para a candidatura à Presidência, a conclusão imediata foi de que estava espezinhando o outro. Serra, que jura que quer ser prefeito para ser prefeito, não para pular no palanque presidencial, ironizou: não esperava de Aécio senão "essa manifestação de gentileza".
Em vez de trocarem gentilezas e ironias, porém, os dois parecem estar fugindo da raia.
FHC alegou pruridos éticos e deixou Serra ao léu em 2002, mas quem errou feio em 2002, 2006 e 2010 foi Aécio, imaginando que a derrota de Serra e Alckmin seria a vitória dele, o trampolim para sua candidatura presidencial em 2014. Foi tragado pelo Senado, enquanto o lulismo/dilmismo se prepara para 20 anos de poder.
Noves fora o "imponderável", os campeões de popularidade Lula e Dilma, o simbólico e o concreto, projetam uma derrota acachapante para os tucanos em 2014.
Depois de dez anos se digladiando para disputar o Planalto, Aécio e Serra tendem a ser empurrados pelas "circunstâncias lá na frente" para situação oposta: um empurrando o abacaxi para o outro. Quem topa enfrentar Dilma e Lula, juntos, em 2014?
BRASÍLIA - A imagem fragilizada de Lula, trôpego, de bengala, e depois recebendo o título de doutor honoris causa de universidades do Rio tem uma força imensa no imaginário popular e na política.
Soma-se a essa força simbólica a força concreta de Dilma. Primeira mulher presidente, ela teve peito para enfrentar os bancos, os juros, a criação do Funpresp (o fundo de previdência do funcionalismo) e, enfim, a garfada na poupança.
A oposição tenta vislumbrar alguma brecha na CPI e na votação da MP da poupança, mas está difícil. O peixe mais graúdo da CPI é Demóstenes, até há pouco um ídolo oposicionista, e o discurso de que "a poupança vai render menos para os juros baixarem mais" parece colar.
Quando Aécio disse que "as circunstâncias lá na frente" poderão empurrar Serra para a candidatura à Presidência, a conclusão imediata foi de que estava espezinhando o outro. Serra, que jura que quer ser prefeito para ser prefeito, não para pular no palanque presidencial, ironizou: não esperava de Aécio senão "essa manifestação de gentileza".
Em vez de trocarem gentilezas e ironias, porém, os dois parecem estar fugindo da raia.
FHC alegou pruridos éticos e deixou Serra ao léu em 2002, mas quem errou feio em 2002, 2006 e 2010 foi Aécio, imaginando que a derrota de Serra e Alckmin seria a vitória dele, o trampolim para sua candidatura presidencial em 2014. Foi tragado pelo Senado, enquanto o lulismo/dilmismo se prepara para 20 anos de poder.
Noves fora o "imponderável", os campeões de popularidade Lula e Dilma, o simbólico e o concreto, projetam uma derrota acachapante para os tucanos em 2014.
Depois de dez anos se digladiando para disputar o Planalto, Aécio e Serra tendem a ser empurrados pelas "circunstâncias lá na frente" para situação oposta: um empurrando o abacaxi para o outro. Quem topa enfrentar Dilma e Lula, juntos, em 2014?
Com o foco na Delta - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
Do ponto de vista administrativo, a operação de venda da Delta, capitaneada pelo ex-presidente Lula, pode resolver a continuidade das obras do PAC, mas não poupará o governo dos danos colaterais decorrentes das relações ilegais da empresa com agentes públicos. Politicamente, a transação remete à clássica piada do marido traído que retira o sofá da sala.
A oposição avalia que a fartura de grampos que desmascararam o senador Demóstenes Torres já o condenou à cassação, o que remete seu caso para o Conselho de Ética, criando as condições para que o foco da CPI seja, de fato, a empresa líder das obras públicas. Fixar-se no que já se conhece conspira contra isso e favorece a meta do governo de poupar aliados - e a si próprio.
Essa queda de braço ficou visível na última semana com o esforço pelas convocações do empresário Fernando Cavendish, dono da Delta, e mais três governadores (do PT, PSDB e PMDB), em contraponto à exploração de escutas telefônicas em que Demóstenes vende influência ao contraventor Carlos Cachoeira, mencionando encontros com autoridades do Judiciário.
Legítima para um senador então insuspeito, essa proximidade com juízes, alguns do Supremo Tribunal Federal, contribui hoje com o empenho do PT em minar a credibilidade de julgadores do mensalão.
Boa parte dos parlamentares considera que o foco na Delta prevalecerá e desvendará a teia de relações promíscuas de políticos e servidores com o submundo do crime organizado. O que será a pá de cal na tentativa de controle da CPI pelos seus proponentes.
Um freio na arapongagem
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) quer discutir na CPI do Cachoeira o uso de grampos ilegais, que configuram invasão de privacidade e "espionagem política". Sua proposta é transformar a prática em crime, após a constatar que o monitoramento ilegal era uma das especialidades do contraventor Carlos Cachoeira, que depois utilizava o material para extorquir suas vítimas. Se vingar, o mesmo valerá para o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), acusado de usar o Gabinete Militar para espionar adversários e até o vice-governador Tadeu Filipelli.
Ao vivo e a cores
O presidente da CPI do Cachoeira, Vital do Rêgo Filho, vai garantir a transmissão das reuniões da comissão pelas TVs Senado e Câmara. Como o horário das reuniões coincide com as sessões plenárias, que têm prioridade de transmissão, ele cogita mudar uma ou outra. A disposição é garantir a transmissão integral da CPI, a partir do depoimento de Cachoeira, programado para o dia 15.
Nem aí...
Indiferente ao escândalo Cachoeira, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) torce pela aprovação de seu projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos em hotéis da região amazônica e do Pantanal. "O funcionamento de cassinos é fator de desenvolvimento em qualquer parte do mundo, e um estímulo ao ecoturismo", justifica. Para reforçar a inoportunidade do tema, o relator da matéria é o atual presidente da CPI do Cachoeira, Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), que ainda não apresentou parecer.
Mais juízes
Depois de negar aumento ao Judiciário, o governo garantiu recursos para a criação de 225 novas vagas de juízes federais. O projeto, prestes a ser votado pelo Senado, libera 120 vagas ainda no curso deste ano.
O BBB da Delta - CRISTINA GRILLO
FOLHA DE SP - 06/05/12
RIO DE JANEIRO - As denúncias envolvendo a empreiteira Delta e suas ligações com políticos ganharam no Rio contornos de um reality show, um BBB das altas rodas.
O motivo: as imagens que o ex-governador e atual deputado federal Anthony Garotinho (PR) vem postando em seu blog. Nelas se acompanha o tour do governador Sérgio Cabral (PMDB), do seu amigo Fernando Cavendish (dono da Delta), de suas mulheres e de alguns secretários de Estado por Paris e Montecarlo.
Em um jantar na casa de um empresário carioca, na semana passada, o computador ficou ligado para que os convidados acompanhassem o blog. A diversão do grupo era identificar quem aparecia nas fotos e lembrar os nomes daqueles convidados para a farra que levou a Paris 150 empresários para o lançamento do "Guia Michelin Rio" e que tinham "escapado" -pelo menos até agora- de ter suas imagens divulgadas.
A grande pergunta era: quem vazou o material para Garotinho? Algumas imagens parecem ter sido gravadas pela primeira-dama; outras, por Jordana Kfuri, mulher de Cavendish morta num acidente aéreo.
Como num romance policial de Agatha Christie, todos são suspeitos. Se Hercule Poirot estivesse entre nós, com certeza investigaria quem teve acesso às imagens feitas por Jordana.
Um colunista social do passado escreveria: não se fala em outra coisa nos salões do high society carioca.
A título de curiosidade: a Sotheby's vai leiloar vinhos raros no dia 12 de maio, em Nova York. Entre os lotes, há 11 garrafas de Cheval Blanc, de safras entre 1975 e 2000 e preços iniciais entre US$ 1.600 e US$ 10 mil.
Não se compara à safra de 1947, da qual, segundo a PF, Carlos Cachoeira comprou cinco garrafas para presentear o senador Demóstenes Torres, mas para quem tiver bala na agulha, pode ser uma informação útil.
RIO DE JANEIRO - As denúncias envolvendo a empreiteira Delta e suas ligações com políticos ganharam no Rio contornos de um reality show, um BBB das altas rodas.
O motivo: as imagens que o ex-governador e atual deputado federal Anthony Garotinho (PR) vem postando em seu blog. Nelas se acompanha o tour do governador Sérgio Cabral (PMDB), do seu amigo Fernando Cavendish (dono da Delta), de suas mulheres e de alguns secretários de Estado por Paris e Montecarlo.
Em um jantar na casa de um empresário carioca, na semana passada, o computador ficou ligado para que os convidados acompanhassem o blog. A diversão do grupo era identificar quem aparecia nas fotos e lembrar os nomes daqueles convidados para a farra que levou a Paris 150 empresários para o lançamento do "Guia Michelin Rio" e que tinham "escapado" -pelo menos até agora- de ter suas imagens divulgadas.
A grande pergunta era: quem vazou o material para Garotinho? Algumas imagens parecem ter sido gravadas pela primeira-dama; outras, por Jordana Kfuri, mulher de Cavendish morta num acidente aéreo.
Como num romance policial de Agatha Christie, todos são suspeitos. Se Hercule Poirot estivesse entre nós, com certeza investigaria quem teve acesso às imagens feitas por Jordana.
Um colunista social do passado escreveria: não se fala em outra coisa nos salões do high society carioca.
A título de curiosidade: a Sotheby's vai leiloar vinhos raros no dia 12 de maio, em Nova York. Entre os lotes, há 11 garrafas de Cheval Blanc, de safras entre 1975 e 2000 e preços iniciais entre US$ 1.600 e US$ 10 mil.
Não se compara à safra de 1947, da qual, segundo a PF, Carlos Cachoeira comprou cinco garrafas para presentear o senador Demóstenes Torres, mas para quem tiver bala na agulha, pode ser uma informação útil.
Assepsia vocabular - HUMBERTO WERNECK
O ESTADÃO - 06/05/12
Solange, a prima que adora falar difícil, vai ficar muito contrariada se você disser que ela é uma chata. Talvez o seja mesmo, admite, sempre impecável na colocação dos pronomes – mas está acima de suas forças tolerar que para qualificá-la se lance mão, ainda que no feminino, de substantivo tão vulgar, assimilando-a ao inseto anopluro da família dos ftiriídeos que tem por habitat preferencial o púbis humano; sim, ele mesmo, o infernal carrapatinho também conhecido como carango, ladro, piolho-das-virilhas, piolho-do-púbis ou piolho ladro e, entre os cientistas, como Pthirus pubis. A Solange, portanto, em sua solanjal chatice, prefere que a chamem de maçante ou maçadora, como se usava dizer no tempo de seus pais. Quando também se dizia, aliás, que fulano ou fulana era "pau", mas este a prima não quer que se lhe apliquem.
Na casa onde a Solange se criou, já faz tempo, a palavra "chato" fazia companhia aos mais nefandos palavrões na lista daquilo que não se podia dizer. E quem zelava pela assepsia vocabular, censor implacável, era o tio Alcides. Mesmo a Solange reconhece que o pai, serventuário da Justiça, extrapolava na macaqueação da fauna e do jargão forense, que tanto admirava, e até ia além, cravejando sua fala ribombante com profusão de pronomes descabidos. Eu estava lá, frangote, no dia em que um dos primos lhe pediu um par de velhas abotoaduras, pedido que o tio Alcides, na cabeceira da mesa, indeferiu nestes termos:
– Não lhas dou porque já não lhas tenho, e mesmo que ainda lhas tivesse, não lhas daria!
Ousasse alguém, na sua presença, dizer "esculhambar", palavra que aos ouvidos do pai da Solange remetia a recônditos berloques da anatomia masculina. Fazer cocô era fazer "an-an", palavrinha que por certo denotava o esforço eventualmente despendido nos respectivos trâmites fisiológicos. Já o avô Manuel, natural dos Açores, ao se encaminhar para o banheiro (nunca sem um exemplar da revista Grande Hotel), costumava anunciar, sem que lhe houvessem perguntado, que estava indo "dar de corpo", como se diz em sua terra natal. Em certas regiões do Sul do Brasil, aprendemos depois, a mesma operação se chama – do ponto de vista das calças, imagino – "ir aos pés".
Na casa da Solange, pum era "traque", sendo o mesmo emitido via "funfum". Não para dona Rita, a avó, também ela açoriana, que dava a esse absconso acidente geográfico corporal o nome de "ás de copas" – "m’nino", ralhava, "vá lavaire esse ás de copas!" Seu Manuel preferia "fiote". Estávamos longe do dia em que uma neta dele, não por acaso versada em literatura do Nordeste, dirá ao filho, apartando-lhe as nádegas: "Já lavou o zé-lins?"
Ao conjunto de que zé-lins faz parte dava-se o nome de "popô", embora o tio Alcides tentasse, sem êxito, impor "lalá", palavra em que também, especulo, cada sílaba designaria um gomo. Um dos irmãos mais novos da Solange não foi bem recebido quando apareceu com "buzanfã", de nada lhe adiantando informar que a palavra está no dicionário e que sua possível raiz etimológica mergulha no francês – idioma que o tio Alcides tanto admirava –, podendo ser um abrasileiramento de "beaux enfants", enteados. O que tem a ver o angu com a salsa? Sei lá, está no Houaiss.
Os peitos, na casa da Solange, onde havia tantos, eram cândidos e virginais "mamás", no que poderia ser visto como empenho para minimizar usos eróticos e realçar a acepção nutricional. A genitália feminina, por alguma razão, chamava-se "quiquita", provável corruptela do nome da ruidosa ave da família dos psitacídeos que o tio Alcides criava às dúzias num viveiro.
Quanto ao aparato masculino, bem, a Solange, por mais que futuque a memória, não consegue se lembrar que nome tinha ele, ou mesmo se tinha algum, e não porque não existisse, com fartura, naquela casa regurgitante de meninos. Uns primos, saidinhos, falavam em "binga", mas ela não sabe bem por quê, embora essa fosse a denominação de um isqueiro cuja forma sugeria aquela coisa inominada, capaz, também ela, de atear incêndios, ainda que de diversa natureza.
Segredos públicos - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 06/05/12
Órgãos federais, estaduais e municipais não se acham preparados para pôr em prática a inovadora Lei de Acesso à Informação
Em dez dias, entrará em vigor a Lei de Acesso à Informação, ferramenta decisiva para aumentar a transparência do Estado brasileiro.
Mais conhecida pelo debate sobre o fim do sigilo eterno de documentos, a nova legislação não se limita a essa questão. Ela fixa a publicidade como regra e faz do segredo uma exceção.
Qualquer pessoa poderá obter dados sobre a administração pública, sem apresentar justificativa. Mas, na prática, as boas intenções demorarão a sair do papel.
O maior empecilho surge da confluência de uma lei ambiciosa com um prazo exíguo para implantação.
Ao ser sancionada em novembro de 2011, a norma brasileira foi celebrada como uma das mais abrangentes e modernas entre as quase cem que hoje existem no mundo.
Sua pretensão não é pouca: os preceitos nela previstos aplicam-se aos três Poderes, nos três níveis da Federação, além de Ministério Público, estatais, autarquias e entidades privadas financiadas com recursos do contribuinte.
No que tange ao alcance, a iniciativa brasileira é inédita. Mas, talvez para compensar o atraso em sua promulgação -mais de uma dezena de países na América Latina já tem lei de acesso-, o legislador reduziu demais o tempo de adaptação. No Reino Unido, foram cinco anos de preparação. O Brasil se deu seis meses.
Nesse período curto, Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas administrativas deveriam ter definido regras próprias para aplicar a lei. E a cada órgão público competia criar um Serviço de Informações ao Cidadão (SIC).
Como era de prever, o tempo passou, e pouco mudou. O governo Dilma Rousseff tomou a dianteira, criando SICs e preparando servidores, mas não atingiu toda a estrutura do Executivo federal. E, na véspera da vigência, ainda finaliza a regulamentação específica para seus órgãos. Nos Estados e municípios, quase nada andou.
Nesse cenário, os entes públicos, em sua larga maioria, não iniciaram o longo e custoso trabalho de localizar, catalogar e disponibilizar dados que já existem, nem passaram a arquivar adequadamente as novas informações produzidas.
De pouco adianta assegurar juridicamente a transparência se o cidadão não conseguir, no mundo real, obter os documentos oficiais que procura. É crucial, assim, treinar os servidores, pois não será fácil combater a mentalidade patrimonial com que muitos deles hoje reagem quando confrontados com esse tipo de solicitação.
É aos poucos, pois, que a administração se tornará mais transparente, com ganhos de gestão inclusive para a iniciativa privada. Empresários, por exemplo, poderão tomar decisões mais bem informadas sobre planos governamentais.
Do ponto de vista das investigações de interesse público realizadas pela imprensa, os benefícios serão palpáveis.
Em 2009, esta Folha teve de recorrer ao Judiciário a fim de examinar notas fiscais que revelaram o uso de empresas-fantasmas para justificar gastos de deputados federais. Há dois dias, recebeu decisão favorável, de primeira instância, a seu pedido de informações sobre critérios que regem as condições de empréstimos feitos pelo BNDES a empresas.
Com a nova lei, o acesso a esse tipo de documento será automático -pelo menos em tese.
O segredo ficará resguardado para algumas exceções compreensíveis, como sigilo fiscal, bancário e industrial. Sob esse aspecto, é razoável que estatais que atuam de forma competitiva no mercado possam preservar alguns dados, mas por poucos anos (e financiamentos subsidiados com dinheiro público não deveriam ser incluídos entre as exceções aceitáveis).
Também estarão protegidos documentos imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado -nestes casos, por no máximo dois períodos de 25 anos. Fica, assim, devidamente sepultado o indefensável sigilo eterno.
Não há garantia de que desapareça, contudo, a necessidade de intervenção judicial para ganhar acesso a informações de interesse público. Diferentemente do que se consagrou na prática internacional, a lei brasileira não prevê um órgão independente para recursos contra sonegação de informações. Tal papel caberá à Controladoria-Geral da União (CGU), órgão ligado diretamente à Presidência.
Os desafios ainda são muitos. Será lastimável se uma norma auspiciosa como a Lei de Acesso à Informação já nascer como letra morta.
O projeto foi detalhado na Casa Civil, quando Dilma era a ministra, e na Câmara dos Deputados. Para deixar a transparência como um legado seu, a presidente precisará usar o peso do cargo para dar vida à nova legislação.
Um bom teste será incluir no decreto regulamentador -e fazer cumprir- a obrigação de todo órgão público divulgar os salários dos servidores. Aí, sim, será possível dizer que a lei veio para ficar.
Risco calculado - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
Da redução dos juros do Banco do Brasil e da Caixa Econômica até a adoção de uma atitude belicosa em relação aos bancos privados, a presidente Dilma Rousseff organizou de maneira notável a estratégia de redução de possíveis danos políticos decorrentes da alteração na remuneração da caderneta de poupança.
Roteiro irretocável: agiu primeiro, aumentou o tom do discurso do combate aos juros altos, "cresceu" para cima dos bancos escolhendo seus lucros exorbitantes como o inimigo maior a ser combatido - ou seja, elegeu um adversário já devidamente detestado - e depois deu o que em tese seria a má notícia.
Essa mesma competência aplicada à inepta articulação da base congressual livraria o Planalto de muitos dissabores e faria de Dilma uma governante mais completa, para não dizer uma pessoa de noção democrática mais acurada.
Se do ponto de vista da economia Dilma agiu corretamente no tocante às consequências, é tema para análise de quem entende do riscado. Nossa questão diz respeito a efeitos político-eleitorais e ao eventual prejuízo aos altos índices de aceitação popular da presidente.
Há o perigo do desgaste? Sem dúvida, mas governar é também correr riscos. O tema é sensível e não por outro motivo seus antecessores evitaram transitar por esse terreno a despeito da necessidade de mexer na poupança para prosseguir no caminho da redução dos juros.
O então presidente Luiz Inácio da Silva passou perto, mas recuou diante da grita geral de associação de quaisquer mudanças no mais seguro e popular investimento do País com o confisco Collor-Zélia de 1990. Lá se vão mais de 20 anos, mas o fantasma ainda assombra e muito.
Descontada a opção pela desonestidade explícita - que, diga-se, provavelmente o PT não teria pejo em adotar se não fosse governo - a oposição não pode ligar uma coisa à outra por ausência completa de sustentação nos fatos.
A presidente ficou nesse episódio com uma boa margem de manobra para enfrentar o debate no campo da política. Enquanto a economia estiver bem, realmente é bem pouco provável que o governo colecione perdas junto à opinião pública justamente pela combinação da ação impopular com o discurso de viés claramente populista, com o objetivo de marcar a imagem da Dilma heroína.
E como não há oposição cuja identificação com a sociedade seja minimamente significativa, ela pode atuar livremente ao mesmo tempo no ataque e na defesa.
No caso da poupança, foi o que aconteceu.
Contas abertas. Aprovada em 25 de outubro de 2011 e sancionada pela Presidência da República em 18 de novembro (junto com a lei que criou a Comissão de Verdade) para entrar em vigor no prazo de seis meses, a Lei de Acesso à Informação pode ser usada por qualquer cidadão interessado em saber dados oficiais.
Portanto, é de se supor que sirva de base legal a quem quiser pedir ao governo do Rio de Janeiro esclarecimentos sobre datas das viagens do governador Sérgio Cabral Filho ao exterior, assim como o destino, a finalidade e os detalhes sobre despesas.
Há, além desse, outro instrumento: o pedido de certidão sobre o fato - ao contrário da nova lei, já regulamentado - a ser encaminhado à Casa Civil do governo do Estado. O prazo para resposta é de 15 dias.
Sinais exteriores. Um parlamentar que não se perdoa por não ter notado que havia uma discrepância entre o personagem virtual e a personalidade real do senador Demóstenes Torres foi alertado em outubro último de que havia algo de errado com ele, durante uma viagem a Nova York: o excesso de gastos.
A mulher do parlamentar em questão estranhou as roupas usadas pela mulher de Demóstenes e disse ao marido que eram de marcas cujos preços não cabiam no salário de senador. Hoje, lembrando o episódio, o congressista se penitencia: "A ficha deveria ter caído ali".
La scienza è mobile - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
Escrevi esse título aí sem pensar em nada além de aproveitar a célebre ária do Rigoletto para o assunto sobre o qual acho que vou escrever hoje. Não vejam nesta incerteza, queridos leitores, irresponsabilidade, leviandade ou escassez de disciplina profissional. É que, pelo menos para certos escritores, assunto é assim: o sujeito pensa que escolheu um, mas logo outro se intromete, toma a frente e às vezes cria situações difíceis. Em todos os romances que escrevo, sempre há algum personagem que eu quero matar e ele não morre, alguém que eu quero casar e ele se recusa. Com assunto é a mesma coisa e receio que algo do gênero está acontecendo no momento.
Sim, porque eu ia (ou ainda vou, quem sabe) escrever sobre como a ciência, de um certo ponto de vista, parece mais volúvel que a mulher retratada na ária. Aí, viva meu anjo da guarda, me ocorreu que enfrentamos tempos perigosos, há ciladas por toda parte. Talvez vocês nem tenham pressentido, mas vejam a fria em que eu ia entrar. Ia atribuir um aspecto, digamos, negativo da ciência à semelhança desta com a mulher. Não sacaram, não? Eu ia desmerecer a ciência usando a figura da mulher, ou seja, Deus me defenda, fazer da condição de mulher um insulto. Isso é do tempo em que os guerreiros gregos, no cerco de Troia, menosprezavam seus companheiros, chamando-os de "mulheres acaias", coisa de mais de dois mil anos atrás, vá ser atrasado assim na Coroa do Limo, lá na ilha.
Como pude quase cair nessa? Choveriam cartas e e-mails inflamados, talvez artigos de protesto, me acusando de misoginia, machismo, sexismo, heterofobia e talvez até assédio sexual, sei lá, também está na moda. E não duvido nada que já exista alguém do Ministério Público tocaiando o primeiro infeliz que entre nessa esparrela. Não pude sopitar um calafrio, mas logo me recuperei do choque e descortinei atrás dele todo um novo horizonte. Meus olhos se abriram para o mal que nos acomete de todos os lados, a ponto de não sabermos mais por onde começarmos a nos defender.
Lembrei a ária que motivou este palavrório todo. Não a sei de cor, mas já a ouvi e li a letra várias vezes, assim como muitos de vocês. E quem quiser pode pegá-la no Google, a erudição ao alcance de todos. E escandalizar-se, meus caros amigos, escandalizar-se! Faz praticamente dois séculos que essa ária está aí e ninguém se deu conta! Meu caso é típico, só fui notar agora, por feliz coincidência. Como se pode permitir que palavras tão depreciativas, tão desdenhosas, tão agressivas, tão cheias de ódio disfarçado em sarcasmo, tão criminosas mesmo, sejam proferidas - e de forma tão glorificada, cantadas por um grande tenor e obra de um dos mais consagrados compositores da História? É esse o retrato da mulher que se quer ver perpetuado? No momento em que tantas nações importantes são lideradas por mulheres, inclusive a nossa, não se faz nada para impedir a renitência do preconceito, e através de uma das vias mais importantes para a consciência humana, que é a arte?
A arte, parafraseando alguém aí (vejam no Google), é importante demais para ser deixada na mão dos artistas. E o pensamento, mais ainda, é importante demais para ser deixado na mão dos que pensam. Isso vem ficando cada vez mais claro e acho até que ocupamos um lugar de destaque no mundo. Assistimos, aqui no Brasil, a um episódio recente, envolvendo problemas raciais numa obra de Monteiro Lobato. Não sei em que é que deu, mas lembro que se favorecia a "contextualização" do romance. Isso nada mais é que tutelar a leitura, ou seja, ensinar como ela deve ser apreendida ou compreendida. "Onde você está lendo 'isso', não é bem 'isso'." Vá lá que não se reescreva o texto original, para adequá-lo à nossa época e a nossos valores, evitando ainda o risco de ver ressuscitados conceitos nocivos e cientificamente inaceitáveis, mas pelo menos baixemos normas para seu correto entendimento.
Não vejo como escapar disso, na construção da sociedade perfeita que almejam para nós, o mais possível fundada em inatacáveis, porque reais e inalteráveis, verdades científicas. Sei que é difícil, mas não custa sonhar. E é passo a passo que se chega ao objetivo, nenhuma área é mais importante que a outra e a prioridade é ditada pelo momento histórico (não tem nada a ver, mas hoje estou todo cheio de parênteses mesmo: alguém se lembra de "momento histórico"? Antigamente a esquerda falava muito em momento histórico, nunca mais ninguém falou).
Por que não aproveitamos o embalo e criamos a Agência Nacional da Contextualização da Arte, que, pelo porte que deverá ter, melhor ficaria se ministério? Tirando pela fertilidade cunicular (vamos lá, nunca mais fiz a brincadeira do dicionário, e esta é boa, não tem no Aurélio nem no Houaiss) na gestação de ministérios, demonstrada pelos últimos governos, uns quatro ministérios. E a Agência Nacional de Controle Social da Arte e da Cultura, junto à qual talvez finalmente consigam encaixar a tão ansiada Agência de Controle Social da Mídia. Aos melhoramentos culturais se aliariam os socioeconômicos, a geração de empregos, as novas profissões ("Explicador das Intenções do Artista", "Contextualizador Credenciado", "Esclarecedor Juramentado") - as possibilidades chegam a entontecer, roam-se e mordam-se os pessimistas.
Perdão, leitores mas, como temia, fui vítima de um assunto enxerido. Eu só queria comentar como é volúvel a ciência e como, cada vez a menores intervalos, o que ontem matava hoje rejuvenesce, o que hoje emagrece ontem engordava. Ia falar na retumbante redenção do coco ora em curso, matéria com que, baiano sendo, tenho algum envolvimento emocional. Mas aí fui botar mulher no meio e me enrolei todo. Domingo que vem, tento desenrolar.
Sonhos - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 06/05/12
Não me senti bem ao ver a foto de um policial armado no corredor de uma escola do Rio, na frente de um grupo de adolescentes. Parece-me que trazer o conflito entre a violência (legítima) do Estado e a violência marginal para dentro do ambiente da educação não pode prometer boa coisa. É um evidente exemplo de falta de sensibilidade para o sentido da educação. Os policiais vão proteger quem exatamente, aliás? E como se indicarão os suspeitos? Os esboços de respostas a perguntas como essas que li no jornal me pareceram desalentadores. Pesadelo. A impressão mais forte que fica, no entanto, é a de descuido com as imagens sociais a que crianças devem ficar expostas dentro dos edifícios aonde são levadas para aprender a ler, escrever, calcular, tomar consciência da formação da sociedade em que vivem, do mundo em que nasceram, das leis que regem a matéria, e, sobretudo, a conviver.
Li os artigos de Zé Miguel Wisnik e Francisco Bosco sobre o ensaio de Roberto Schwarz a respeito de "Verdade tropical". Li também o de Nelson Ascher na "Veja". Naturalmente tenho interesse na discussão. E, também naturalmente, me sinto mais próximo de Wisnik e Bosco do que de Ascher, embora tenha grande respeito pela produção poética e crítica deste último. É que sou mesmo mais chegado aos meus dois colegas de espaço aqui no GLOBO do que ao bissexto articulista da revista da Abril. Contrariando o que Schwarz levou um jovem esquerdista a dizer de mim (que eu me situo, no espectro político, na centro-direita), a primeira reação que tive ao ler o texto de Ascher foi - confirmando o que Schwarz sugere sobre minha personalidade, isto é, que sou afeito a suspeitos arranjos harmonizadores entre forças antagônicas - pensar: se eu fosse escrever um artigo para a "Veja", procuraria me colocar um pouco mais à esquerda. Mas o fato é que a conclusão final do poeta - de que o ensaio de Schwarz, apesar dos elogios (que eu, de minha parte, e em discordância do que ele diz, não considero superficiais), resulta numa reprovação política que se transformaria em condenação policial caso não vivêssemos numa democracia liberal e sim num país comunista de partido único. Me reconheço nos textos de Bosco e Wisnik. E na foto escolhida pela "Veja" (nunca apareço tão bonito naquela publicação).
Insistindo em Martinha, Lucrécia e "Verdade tropical", acho que eu deveria parar para escrever algo meditado sobre o caso. No momento estou escrevendo apenas canções (é como se isto aqui não fosse escrever). Mas se eu achar o tempo e conseguir reter na mente o que me parece que poderia ser útil e relevante para a discussão, farei. Não sei se neste espaço, que é grande demais para o que em geral tenho para dizer, mas demasiado pequeno para o que passa pela minha cabeça quando penso nas questões levantadas por Schwarz.
Revi "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios" em Salvador - e gostei ainda mais. Parte do entusiasmo pode se dever a eu ter ido assistir ao filme no Cine Glauber Rocha, uma das coisas que mais amo nesse Brasil. A entrada, que já era assim - com os elegantes índios de Caribé nas paredes - quando eu me mudei para Salvador, em 1960, a praça Castro Alves na frente, a baía atrás da estátua do poeta. Mas acredito que a maior parte da responsabilidade pelo meu entusiasmo é do próprio filme, digam o que disserem. José Eduardo Agualusa, o escritor angolano que tanto admiro (e cujos romances "Nação crioula", "O ano em que Zumbi tomou o Rio" e "O vendedor de passados" - pelo menos esses - deveriam ser lidos por todos os brasileiros alfabetizados), me disse, na noite da pré-estreia do filme no Rio, que o romance de Marçal Aquino em que ele se baseia (tendo o próprio Aquino participado da adaptação do livro para o cinema) é muito bom. Fui à Livraria da Travessa e comprei um exemplar para levar para a Bahia. Claro que Agualusa não poderia estar errado. O livro é mesmo bom (a moça da livraria me disse que uma pá de gente sabe muito bem disso, já que o romance vende muito e os vendedores ouvem elogios de seus fregueses). E tem todas as vantagens que a literatura pode ter sobre o cinema. Mesmo assim, vejo algo nesse filme (e não é só a Camila Pitanga) que vai além das qualidades do livro, que o filme apenas em parte reafirma. Suponho que ter de viajar ao Pará para realizá-lo, e lá encontrar aquela gente (mulheres, homens adultos, crianças de 8 anos, velhinhos de ambos os sexos) que canta tão divinamente bem os refrãos religiosos que o pastor (no filme tão poeticamente sincrético, com estrutura básica de pastor evangélico mas com elementos de padres católicos da teologia da libertação e gurus do Santo Daime) puxa a palo seco. E - talvez mais intensamente ainda - o grupo de cantora, músicos e plateia de um show de carimbó ao ar livre (como parte de uma manifestação política): é o Brasil dos sonhos explodindo (bastam alguns segundos) em generosidade inédita no concerto das nações. Kitsch? Who cares...
Não sei como a Bahia consegue ainda parecer bonita. Mas acontece. Apesar dos prédios que parecem feitos de plástico - e que têm triângulos vasados sobre os pórticos -, o mar encontra espaços elegantes para insinuar seus azuis e verdes, num final de abril que desmente o ditado ("abril, chuvas mil") mas se torna começo de maio com direito ao tradicional "veranico", expressão que menciono com um aceno a Fernando Barros, que, entre alguns outros, me compreenderá.
Li os artigos de Zé Miguel Wisnik e Francisco Bosco sobre o ensaio de Roberto Schwarz a respeito de "Verdade tropical". Li também o de Nelson Ascher na "Veja". Naturalmente tenho interesse na discussão. E, também naturalmente, me sinto mais próximo de Wisnik e Bosco do que de Ascher, embora tenha grande respeito pela produção poética e crítica deste último. É que sou mesmo mais chegado aos meus dois colegas de espaço aqui no GLOBO do que ao bissexto articulista da revista da Abril. Contrariando o que Schwarz levou um jovem esquerdista a dizer de mim (que eu me situo, no espectro político, na centro-direita), a primeira reação que tive ao ler o texto de Ascher foi - confirmando o que Schwarz sugere sobre minha personalidade, isto é, que sou afeito a suspeitos arranjos harmonizadores entre forças antagônicas - pensar: se eu fosse escrever um artigo para a "Veja", procuraria me colocar um pouco mais à esquerda. Mas o fato é que a conclusão final do poeta - de que o ensaio de Schwarz, apesar dos elogios (que eu, de minha parte, e em discordância do que ele diz, não considero superficiais), resulta numa reprovação política que se transformaria em condenação policial caso não vivêssemos numa democracia liberal e sim num país comunista de partido único. Me reconheço nos textos de Bosco e Wisnik. E na foto escolhida pela "Veja" (nunca apareço tão bonito naquela publicação).
Insistindo em Martinha, Lucrécia e "Verdade tropical", acho que eu deveria parar para escrever algo meditado sobre o caso. No momento estou escrevendo apenas canções (é como se isto aqui não fosse escrever). Mas se eu achar o tempo e conseguir reter na mente o que me parece que poderia ser útil e relevante para a discussão, farei. Não sei se neste espaço, que é grande demais para o que em geral tenho para dizer, mas demasiado pequeno para o que passa pela minha cabeça quando penso nas questões levantadas por Schwarz.
Revi "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios" em Salvador - e gostei ainda mais. Parte do entusiasmo pode se dever a eu ter ido assistir ao filme no Cine Glauber Rocha, uma das coisas que mais amo nesse Brasil. A entrada, que já era assim - com os elegantes índios de Caribé nas paredes - quando eu me mudei para Salvador, em 1960, a praça Castro Alves na frente, a baía atrás da estátua do poeta. Mas acredito que a maior parte da responsabilidade pelo meu entusiasmo é do próprio filme, digam o que disserem. José Eduardo Agualusa, o escritor angolano que tanto admiro (e cujos romances "Nação crioula", "O ano em que Zumbi tomou o Rio" e "O vendedor de passados" - pelo menos esses - deveriam ser lidos por todos os brasileiros alfabetizados), me disse, na noite da pré-estreia do filme no Rio, que o romance de Marçal Aquino em que ele se baseia (tendo o próprio Aquino participado da adaptação do livro para o cinema) é muito bom. Fui à Livraria da Travessa e comprei um exemplar para levar para a Bahia. Claro que Agualusa não poderia estar errado. O livro é mesmo bom (a moça da livraria me disse que uma pá de gente sabe muito bem disso, já que o romance vende muito e os vendedores ouvem elogios de seus fregueses). E tem todas as vantagens que a literatura pode ter sobre o cinema. Mesmo assim, vejo algo nesse filme (e não é só a Camila Pitanga) que vai além das qualidades do livro, que o filme apenas em parte reafirma. Suponho que ter de viajar ao Pará para realizá-lo, e lá encontrar aquela gente (mulheres, homens adultos, crianças de 8 anos, velhinhos de ambos os sexos) que canta tão divinamente bem os refrãos religiosos que o pastor (no filme tão poeticamente sincrético, com estrutura básica de pastor evangélico mas com elementos de padres católicos da teologia da libertação e gurus do Santo Daime) puxa a palo seco. E - talvez mais intensamente ainda - o grupo de cantora, músicos e plateia de um show de carimbó ao ar livre (como parte de uma manifestação política): é o Brasil dos sonhos explodindo (bastam alguns segundos) em generosidade inédita no concerto das nações. Kitsch? Who cares...
Não sei como a Bahia consegue ainda parecer bonita. Mas acontece. Apesar dos prédios que parecem feitos de plástico - e que têm triângulos vasados sobre os pórticos -, o mar encontra espaços elegantes para insinuar seus azuis e verdes, num final de abril que desmente o ditado ("abril, chuvas mil") mas se torna começo de maio com direito ao tradicional "veranico", expressão que menciono com um aceno a Fernando Barros, que, entre alguns outros, me compreenderá.
As mentiras do senador - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
O "doutor", que o seu bom amigo "professor" ambicionava até vê-lo um dia de toga, como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi levado a descer aos infernos de seu ofício, a uma distância intransponível das alturas que se imaginava capaz de escalar. "Doutor" era o tratamento que o senador goiano Demóstenes Torres recebia do batoteiro Carlinhos Cachoeira, a quem se dirigia como "professor" em algumas passagens dos 298 telefonemas trocados entre eles de fevereiro a agosto do ano passado e interceptados pela Polícia Federal.
Na quinta-feira, iniciando uma partida a uma sequência de procedimentos que em pouco mais de 60 dias devem culminar com a cassação de Demóstenes, o senador Humberto Costa, do PT pernambucano, relator no Conselho de Ética do pedido de ação disciplinar apresentado pelo PSOL, aprovou a abertura do processo por quebra do decoro contra o parlamentar que há um mês se desfiliou do DEM para não ser expulso do partido. O Senado cassou até hoje um único dos seus - o representante do Distrito Federal Luiz Estevão, punido em 2000 pelo desvio de R$ 169 milhões da obra da nova sede da Justiça do Trabalho em São Paulo.
Passados sete anos, a Casa preservou o mandato do alagoano Renan Calheiros, embora tivesse sido provado que uma empreiteira pagava por ele uma pensão alimentícia. Nem os dois nem quaisquer de seus pares que, antes do advento da Lei da Ficha Limpa, puderam conservar os direitos políticos renunciando ao mandato para não serem cassados, como o baiano Antonio Carlos Magalhães e o paraense Jader Barbalho, tinham, no entanto, um perfil que se parecesse, ainda que remotamente, com a imagem imaculada que o procurador e ex-secretário de Segurança de Goiás soube confeccionar para si nos seus dois mandatos de senador.
Por mais que os políticos tivessem habituado o público a esperar revelações desabonadoras a seu respeito, ao cair a máscara de Demóstenes a sensação de todos quantos aplaudiam as suas cobranças pela moralização do governo federal foi a de terem sido lesados.
No vértice do triângulo goiano formado por Cachoeira, membros da equipe do governador Marconi Perillo (se não ele próprio) e o diretor regional da construtora Delta, Cláudio Abreu (com a anuência, ou não, do dono Fernando Cavendish), Demóstenes rotineiramente traficava influência nos Três Poderes em favor do bicheiro e da empreiteira da qual foi acusado de ser "sócio oculto" pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Além de presentes úteis (uma cozinha, um rádio-celular antigrampo) ou desfrutáveis (um lote de cinco garrafas do vinho "Cheval Blanc" 1947, por cerca de US$ 2,8 mil a unidade), ele recebeu de Cachoeira, segundo o Ministério Público, R$ 3,1 milhões. No Conselho de Ética, o relator Humberto Costa guardou-se, porém, de citar as gravações da Polícia Federal que serviram de base para Gurgel pedir ao STF que investigasse o senador. Fez bem. A defesa de Demóstenes quer que a Corte declare nulas as escutas, porque elas teriam infringido o seu direito ao foro privilegiado - a iniciativa teria de partir do Tribunal. Se este acolher a ação, o processo no Senado poderia perder o fundamento.
Em vez disso, Costa invocou palavras e atos de Demóstenes para sustentar a tese de que, em discurso no dia 6 de março, ele mentiu ao se dizer contrário à legalização do jogo de azar no País e ao afirmar que mantinha apenas "relações sociais" com Cachoeira, desconhecendo as suas atividades de "contravenção". Em 2003, defendeu da tribuna a legalização da tavolagem. E pelo menos desde a CPI dos Bingos, em 2006, o ilícito ganha-pão de Cachoeira ficou caracterizado. As comprovadas inverdades de Demóstenes configuram atentado ao decoro; o mesmo vale para a obtenção de "vantagem indevida". Uma coisa e outra são passíveis de cassação de mandato e perda de direitos políticos por 15 anos.
Para que o plenário do Senado se sinta encorajado a endossar a provável decisão do Conselho de Ética nesse sentido, é de desejar também que antes do dia D entre na pauta da Casa e seja aprovado o projeto que acaba com o voto secreto em casos de cassação. A proposta dorme há dois anos.
Capitalismo contra a jihad - MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
Há uma boa distância entre Lima, no Peru, e Tunísia, mas Hernando de Soto achou um atalho. Faltava apenas combinar o olhar apurado desse economista peruano com a Primavera Árabe. Agora, a dobradinha inusitada pretende repaginar a economia e talvez as relações sociais de boa parte dessa terra conflagrada com uma proposta tão absurdamente simples quanto ousada: capitalismo de mercado.
As ideias desse filósofo do desenvolvimento limenho, as Américas já conhecem. Em seus títulos pioneiros - O outro Sendero e O Mistério do Capital -, ele radiografou as economias do mundo emergente e concluiu que, para as sociedades com altas taxas de miséria e produtividade baixa, o remédio está na enfermidade.
Em vez de reles pobres e marginais, Hernando de Soto enxergou empreendedores frustrados submersos no mercado informal. A senha para sua redenção passa pela propriedade. Dê-lhes títulos legais para suas casas, carteira assinada e alvarás para conduzir seus negócios e sairão das sombras para oxigenar toda a economia.
Enfim, diriam os latino-americanos. Há anos, afinal, economistas avisam que sem a formalização não há salvação. No entanto, a ligação com a convulsão árabe é nova e reveladora. Para entendê-la melhor, Hernando de Soto foi ao epicentro, a Sidi Bouzid, a pequena cidade do interior tunisiano onde morava Mohamed Bouazizi, com quem tudo começou.
Foi esse jovem camelô de verduras e frutas que discutiu com fiscais locais, teve sua mercadoria confiscada e ainda levou uma tapa na cara de uma policial. Uma hora depois, cobriu-se de solvente e dedilhou um isqueiro.
Sua morte acendeu a Primavera Árabe, que já derrubou três ditadores. Seu martírio mobiliza desde a juventude islâmica, que viu no mascate tunisiano um jihadista matuto, até o movimento anticapitalista Ocupe Wall Street, que o elegeu como símbolo máximo. Todos erraram.
Soto foi à Tunísia buscar fatos. Bouazizi, descobriu o economista, não foi ativista. Mal acompanhava o noticiário e jamais teve militância política ou religiosa e dedicava-se a sustentar uma família de sete. Era, sim, um comerciante frustrado que, para não pagar propina aos fiscais, almejava uma licença da prefeitura para tocar seu negócio regularizado.
Sonhava em comprar uma caminhonete Isuzu, mas sem escritura registrada não tinha como oferecer sua casa como garantia de um empréstimo bancário. O confisco das autoridades o arruinou. "Era igual a um magnata de Wall Street que perde tudo e se joga do prédio", diz Soto.
Mohamed não queria a revolução, só a inclusão na economia de mercado. Assim como centenas de milhares de outros. Nas semanas após sua morte, outras 48 pessoas se imolaram. "Todos eram empreendedores informais. Também tiveram suas mercadorias apreendidas", diz Soto. "A Primavera Árabe é, principalmente, uma revolta econômica."
Bem antes do martírio, os lideres tradicionais árabes - reis, mulás e sultões - já pressentiam o perigo. Com milhões de súditos pobres e sem saída, quantos homens-bomba iguais a Mohamed existiriam em seus reinados? Por isso, os poderosos chamaram Hernando de Soto. A Primavera Árabe falou mais alto.
No momento, o economista peruano se debruça sobre o Egito. O ditador Hosni Mubarak foi-se e hoje a conversa é com a Irmandade Muçulmana. Os ironistas tomaram nota. O maior evangelista do capitalismo popular de mercado assessora o Islã fundamentalista que já pregou o fim o materialismo ocidental e a destruição das Torres Gêmeas.
Só que ambos sabem que a única forma de salvar uma geração de jovens desesperados é oferecer-lhes não a jihad, mas uma oportunidade. Riqueza não falta. Só no Egito a economia informal movimenta US$350 bilhões - quatro vezes mais do que a bolsa de valores do país.
Trazer à tona essa fortuna submersa seria um salto para esse país de 80 milhões de habitantes e um exemplo para o mundo emergente. No Peru, entre 1997 e 2010, o preço médio de uma casa de favela quadruplicou, graças à formalização da economia.
Não será fácil. Formalizar a economia esbarra em grandes lobbies e feudos incrustados, dos militares a empresários preferidos, que lucram com a burocracia que sufoca o restante. Mas deixar como está tampouco é viável. Senão, tudo pode acabar em cinzas.