domingo, maio 06, 2012

A ilha com anseio de continente - YOANI SÁNCHEZ


O Estado de S.Paulo - 06/05/12


O dilema de optar pela negação ou aceitação continua dividindo os governos latino-americanos em relação a Cuba. Legitimar ou não o inquilino da Praça da Revolução é uma alternativa que acirra os debates e aguça as desavenças.

Brasil, Argentina e Uruguai - entre outros - decidiram conceder legitimidade a Raúl Castro, em parte porque acreditam que uma aproximação pode propiciar mais avanços em matéria de direitos humanos dentro da ilha. Ao passo que EUA e, mais recentemente o Canadá, consideram inadmissível a conivência entre mandatários eleitos pelas urnas e um general que herdou o poder por laços de sangue.

Nenhuma das duas estratégias produziu muitos resultados até o momento. O governo cubano procura tirar partido tanto do abraço quanto da hostilidade. No caso do abraço, ele tenta mostrá-lo como uma validação do seu sistema político. Quanto à hostilidade, exibe-a como uma razão para manter a falta de liberdades no interior do país. Não é por acaso que em vários muros da capital cubana está escrita a frase de Ignacio de Loyola: "Numa praça sitiada, discordar é trair".

Diante dos apelos pela democratização do país, Havana comporta-se como o perseguido que precisa se proteger contra exigências externas. O discurso político se intensifica e fica mais intransigente à medida que aumenta o confronto com o de fora.

A improdutividade da terra fica em segundo plano, o inconformismo do cidadão fica relegado e até os apagões deixam de ser um assunto nas ruas, quando os discursos nacionalistas monopolizam todo o espaço da TV.

A cúpula de Cartagena foi uma mostra quase emblemática dessa tática. Uma vez passada a ressaca de tanta informação sobre a visita de Bento XVI, nossos noticiários encontraram um prato cheio nos tropeços da magna cúpula americana. O desplante de Rafael Correa, a ausência de Hugo Chávez e Daniel Ortega, a partida intempestiva de Cristina Kirchner alimentaram as páginas do jornal Granma em detrimento de outras informações.

Só restou espaço para a importantíssima discussão sobre a descriminalização da droga ou para relatar os detalhes do tratado de livre comércio entre EUA e Colômbia. "A demanda generalizada para integrar Cuba nesses fóruns regionais - nas palavras de Evo Morales - soterrou outros debates urgentes no plano social e econômico tão prementes para o continente."

E, desta vez, as ilhas voltaram a determinar a pauta do continente: as Malvinas, de um lado, e Cuba, do outro. As Malvinas em meio a um conflito sobre a propriedade. A outra, no centro de um debate sobre oportunidade.

Não deveríamos estranhar esta desproporção entre os quilômetros quadrados de um território e o acúmulo de controvérsias criada numa cúpula presidencial. Não deveríamos nos surpreender com esses excessos porque, durante 53 anos, essa tem sido a diplomacia de Fidel Castro, agora continuada por seu irmão.

Estar sem estar, boicotar sem assistir, chutar a porta sem nem mesmo tentar tocar nela. No palácio de governo, com certeza, vários sorrisos foram esboçados quando viram a falta de consenso e de uma declaração final na cúpula de Cartagena.

Inúmeros líderes reunidos na Colômbia asseguraram que nossa nação estará presente na próxima cúpula. Mas de que Cuba estão falando? Sem dúvida, de um país que terá mais dificuldade para eclipsar os temas suscitados pelas potências emergentes da área e pelos desafios políticos do momento.

José Mujica disse que "a bandeira da estrela solitária" deve acompanhar seus pares regionais. A afirmação pode ser lida como o prognóstico de que os cubanos viverão mudanças transcendentais nos próximos anos.

Mesmo entre os governos mais próximos, poucos acreditam que Raúl Castro constará da lista de convidados para a próxima cúpula. Tudo indica que em seu lugar irá outra pessoa - com outro sobrenome - que, no melhor dos casos, será um presidente eleito pelo seu povo. A ilha inserida finalmente - com seu justo tamanho e transcendência - no continente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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